Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RAQUEL TAVARES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO DÍVIDA DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS CÔNJUGES HIPOTECA EQUILÍBRIO NO RATEIO FINAL | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - O processo de inventário em consequência de divórcio é norteado pelo objetivo de se conseguir, na liquidação e partilha do património comum, um equilíbrio no rateio final, ou seja, que nenhum dos ex-cônjuges, após a partilha, fique beneficiado ou prejudicado em relação ao outro. II - Conforme decorre do n.º 1 do artigo 1730º do Código Civil os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso. III - Existindo uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges e, pela qual, responderam bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal, e devendo ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no artigo 1689º, n.º 3 do mesmo Código Civil. IV - Entrando bens na partilha com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem (artigo 2100º do Código Civil). V - A atribuição a um dos cônjuges de um imóvel sobre o qual recai uma hipoteca significa também atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca, devendo o passivo garantido por hipoteca ser imputado ao cônjuge adjudicante e tido em consideração no cálculo de eventuais tornas. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório Nos presentes autos de processo de inventário para partilha do património conjugal, subsequente a divórcio, e em que são interessados a Requerente e cabeça-de-casal AA e o Requerido BB, foi proferida sentença homologatória do mapa de partilha elaborada em 21/02/2024. Inconformada, interpôs a Requerente AA recurso da mesma, bem como do despacho proferido em 31/10/2023, formulando as seguintes conclusões: “1) Vem o presente recurso interposto do despacho judicial interlocutório proferido em 31 de Outubro de 2023 com a referência ...35 e consequente sentença homologatória da partilha proferidos no âmbito dos presentes autos, sendo que nos termos do primeiro, despacho judicial, foi proferida a decisão que infra se transcreve: “Reclama a cabeça de casal que no mapa da partilha a verba 1 do ativo seja de €4.402,78, pois se, em 29 de Junho de 2021 (data da conferência preparatória afls. 79), o valor do passivo devido ao Banco 1... era de 14 461, 91 € (passivo esse aprovado em conferência de interessados), e se à data de 20 de Outubro de 2022 era no montante de 13 097, 10 €, dúvidas não há que alguém pagou o valor das prestações referentes ao mutuo bancário. Assim, à data de 20 de Outubro de 2022, o direito de crédito da Interessada AA era no montante de 5 325, 42 € - montante que a Interessada AA satisfez além do que lhe competia satisfazer. Razão pela qual requer a atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de 5 325, 42 €. O interessado nada disse. O pedido não pode atender-se. Na verdade, a interessada não procedeu à atualização do crédito da verba 1 na conferência de interessados, pelo que o mapa da partilha foi elaborado com a informação existente à data em que foi elaborado, indicado na conferência preparatória a fls. 79. Quaisquer créditos a que a interessada tenha direito terão de ser reclamados noutra sede, de prestação de contas, com o inerente contraditório. Assim, indefiro a reclamação ao mapa da partilha, mantendo-o. Notifique.” 2) Tal despacho aconteceu na sequência do requerimento apresentado pelo Interessado, ora Recorrente, com a referência ...90 apresentado em juízo em 8 de Setembro de 2023 e que aqui se dá integralmente por reproduzido por uma questão de economia processual, peticionando os Recorrentes a final: “NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa. requer-se a rectificação do mapa de partilha em conformidade com o supra exposto.” Absit injuria verbo, não pode o Recorrente conformar-se com tal despacho. Isto porque, 3) Em sede de reclamação ao mapa de partilha a Recorrente no articulado apresentado em juízo levantou três questões, a saber: - a atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de 5 325, 42 €; - as operações de partilha estão incorretas e não respeitam o despacho determinativo da partilha designadamente quanto ao passivo: divida de compensação stricto sensu e o passivo hipotecário. 4) Ora, o digníssimo Tribunal a quo apenas se pronunciou quanto à primeira questão. Sendo que o despacho de que ora se recorre é completamente omisso quanto às restantes questões. 5) Para que possa afirmar-se que ocorre a nulidade da sentença, no caso, do despacho, com fundamento na omissão de pronúncia, o mesmo só acontece, quando uma questão que devia ser conhecida não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras) e, a nulidade invocada baseada na falta de fundamentação, também, só se verifica se ocorrer a falta absoluta de fundamentação da decisão, não bastando que ela seja deficiente, incompleta ou não convincente. 6) Salvo o devido e merecido respeito por mais douta opinião, entende mui humildemente a Recorrente que o despacho ora colocado em crise é nulo por falta absoluta de decisão e fundamentação, uma vez que apenas tratou da questão da atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de 5 325, 42 €, olvidando as remanescentes questões levantadas em sede de reclamação ao mapa de partilha. Sem prescindir, 7) No que toca à a atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de 5 325, 42 €, entendeu o Tribunal a quo que: O pedido não pode atender-se. Na verdade, a interessada não procedeu à atualização do crédito da verba 1 na conferência de interessados, pelo que o mapa da partilha foi elaborado com a informação existente à data em que foi elaborado, indicado na conferência preparatória a fls. 79. Quaisquer créditos a que a interessada tenha direito terão de ser reclamados noutra sede, de prestação de contas, com o inerente contraditório. 8) Nos termos do artigo 1111º, n.º 3 do CPC sob a epigrafe, Assuntos a submeter à conferência de interessados, “Aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.” Dispondo o artigo 1106º, n.º 1 do CPC que: “As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento.” Prescrevendo o n.º 3 daquele normativo que: “Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.” 9) Sempre, salvo o devido e merecido respeito nos termos conjugados dos artigos 1111º, n.º 3 e 1106º, n.ºs 3 e 1 todos do CPC entende a Recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo. Isto porque, 10) A verba cuja actualização foi requerida (Direito de crédito da Requerente mulher sobre o património comum do casal no valor de 3 778, 09 € (três mil setecentos e setenta e oito euros e nove cêntimos) correspondente ao valor das obrigações vencidas e por ela liquidadas referentes ao mútuo contraído pelo ex-casal junto do Banco 1...) já havia sido relacionada, e já havia sido aprovada em sede de conferencia preparatória, foi junta a prova documental para que o Tribunal pudesse apreciar com segurança, não a existência da dívida, mas sim o montante da divida, foi respeitado o direito do contraditório porquanto a contraparte notificada para o efeito nada disse – é um direito que lhe assiste. 11) Não obstante face ao comando ínsito no n.º 3 do artigo 1106º - Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante e face ao princípio da economia processual (entende a Recorrente ser implausível lançar mão de um novo processo prestação de contas para resolver assuntos que já estão meio tratados em sede de inventário, mutatis mutandis a titulo de exemplo quando uma conta vence juros não se lança mão de um processo de prestação de contas, actualiza-se é os saldos bancários relacionados) deveria o Tribunal ter apreciado (positiva ou negativamente) face à prova junta, a actualização requerida. 12) Deveria ter o Tribunal a quo emitido decisão ponderada a prova junta. Até porque, as operações do mapa de partilha estão incorrectas e não respeitam o despacho determinativo da partilha designadamente quanto ao passivo: divida de compensação stricto sensu e o passivo hipotecário. Senão veja-se: 13) Conforme ensina doutamente o Acórdão do Tribunal de Guimarães datado de 07 de Março de 2019, e quanto à primeira questão do passivo concerne, e que plagiamos: “No processo de inventário em consequência de divórcio devem considerar-se, no que ao passivo concerne, quer os créditos da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer os créditos entre cônjuges, que tenham sido originados no âmbito do casamento. Quando o património próprio de um dos cônjuges responde por dívidas do património comum, esse cônjuge tem direito a ser compensado do que pagou em excesso (é a que se chama uma dívida de compensação stricto sensu). Mesmo que tal pagamento ocorra depois da data em que terminaram as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, desde que a dívida satisfeita tenha sido contraída no decurso da comunhão e a ambos responsabilize, deve ser considerada na partilha, porque tem origem em crédito comum anterior, que integrava o passivo comum. As dívidas entre cônjuges (que não sejam de compensação stricto sensu) originadas em ato anterior ao terminus das relações patrimoniais entre estes, também devem ser relacionadas no inventário, porquanto observam o regime do 1689º n.º 3 do Código Civil: “os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum.” 14) Os efeitos patrimoniais do divórcio in casu produzem-se a partir da data da propositura da ação (artigo 1789º, n.º 1, do Código Civil), 01 de Outubro de 2018. O processo especial de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento destina-se não só a dividir os bens do casal, mas a liquidar as responsabilidades mútuas e as dívidas do casal. 15) Quanto às responsabilidades entre os cônjuges, há que distinguir as compensações stricto sensu dos simples créditos entre cônjuges. As compensações dão-se só nos regimes de comunhão e verificam-se quando há movimentos entre o património comum e os patrimónios próprios dos cônjuges: quando um destes patrimónios (um património próprio ou o património comum) responde por dívidas de outro património (o comum, se o que respondeu foi um património próprio, ou um património próprio se o que respondeu foi o património comum). Exemplo mais comum é o do caso em que um dos cônjuges responde por dívidas que a ambos responsabilizava: este tem direito a ser reembolsado de metade do montante global de tais pagamentos, surgindo um crédito de compensação a seu favor, o qual só é exigível no momento da partilha dos bens do casal; esta compensação tem lugar preferencialmente na meação do cônjuge devedor no património comum (artigos 1697º nº 1 e 2, 1730.º, 524.º e 1697.º e 1689º nº 3 do Código Civil). 16) É pacífico que nos termos do artigo 1691.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil se ambos os cônjuges, no decurso do casamento, contraem um empréstimo, a obrigação de reembolso de tal empréstimo responsabiliza ambos os cônjuges. Se um dos cônjuges suporta essa dívida tem direito a ver reposto no seu património o que pagou em excesso em benefício do património comum; é uma típica dívida de compensação. 17) Nestes casos, em que se impõe uma compensação stricto sensu, mesmo que o pagamento ocorra depois da data em que a terminaram as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, desde que a dívida tenha sido contraída no decurso da comunhão e a ambos responsabilize, deve ser atendida no inventário, sem necessidade de recorrer a ação autónoma. (neste sentido cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2017 no processo 5208/14.9T8ALM-B.L1 e Cristina M. Araújo Dias, obra citada, 585). Com efeito, a mesma tem origem em crédito comum anterior a essa dissolução, não pode ser exigida anteriormente à mesma e deve ser paga preferencialmente pela meação do cônjuge devedor no património comum. 18) Ao invés das dívidas de compensação, os créditos entre cônjuges são apenas dívidas entre os cônjuges, em cuja origem não entrou o património comum, sendo possíveis em qualquer regime de bens e exigíveis a todo o tempo. 19) Não obstante a lei faça retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da propositura da acção de divórcio ou à data da cessação da coabitação entre ambos (cfr. 1789.º, nºs 1 e 2 do CCivil) estando aceite que um empréstimo bancário foi contraído por ambos os Interessados, enquanto casados, sendo, portanto, uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges [cfr. o cit. art. 1691º, nº 1, al. a), do CCivil] mas que foi apenas a Interessada AA quem, desde da data divórcio e até à presente data, suportou o pagamento da totalidade das prestações do mesmo empréstimo do seguro hipotecário com bens próprios, tem de concluir-se ser a Interessada AA titular, sobre o Interessado BB, dum crédito correspondente àquilo que pagou a mais do que devia, nos termos do artigo 1697.º, nº 1 do Cód. Civil. 20) Devendo atender-se ao artigo 1730.º do Cód. Civil, que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo de resto nula qualquer estipulação que afaste a referida regra. 21) Do supra exposto resulta, pois, claramente, que a verba n.ºs 1 do activo respeita a dividas de compensação stricto sensu. Dúvidas não há que a verba n.ºs 1 do activo respeita a divida contraída pelo ex-casal na constância do casamento, dívida essa que apenas foi paga/liquidada pela ex-cônjuge mulher AA, já após a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, e à custa de bens próprios desta. 22) Ora, reza o n.º 1 do artigo 1697º do Código Civil que, “Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.” 23) Acresce que, e a título explicativo, “Em operação prévia à partilha, ainda que quase paralela, deve proceder-se à liquidação do regime matrimonial. É precisamente no momento da liquidação da comunhão que se devem integrar as compensações entre os patrimónios próprios e o comum. 24) A regulação das compensações, como dispõe o nosso art. 1697.º, deverá fazer-se no momento da partilha, mas, em rigor, integra a fase da liquidação da comunhão, como operação prévia à partilha e, por isso, deverão ser reguladas neste contexto. Operação sucessiva à retirada dos bens próprios e prévia à partilha dos bens comuns, a liquidação visa determinar e avaliar a massa a partilhar. É o activo que se partilha, mas, sempre que possível, o activo líquido, deduzindo-se o passivo, as dívidas da comunhão. A liquidação da massa comum não será completa se não incluir certos elementos que, a um ou outro título, integram o activo ou passivo da comunhão. De entre esses elementos surgem, efectivamente, as compensações que podem incluir-se na massa activa ou passiva da comunhão, consoante sejam a favor ou a cargo da mesma, respectivamente.” cf Cristina M. Araújo Dias, Do regime da responsabilidade (pessoal e patrimonial) por dívidas dos cônjuges (problemas, críticas e sugestões), pag 585 e ss. 25) Ora, em termos de mapa de partilha, o Interessado BB TERÁ QUE REPOR AO PATRIMÓNIO COMUM A SUA QUOTA-PARTE, que corresponde àquilo que a Interessada AA pagou além do que lhe competia: 4 402, 78 € (montante aceite e aprovado pelo Interessado BB em sede de conferencia preparatória) 26) Isto significa que o valor total do activo é de 71 113, 85 €. Mas tal activo, ainda, não é líquido!!!! Não obstante, como a operação de compensação é prévia, uma vez que se pretende partilhar o activo líquido tem o Interessado CC repor o que deve à comunhão comum, para que se possa dar pagamento ao património próprio da Interessada AA, 27) Logo, a Interessada AA tem direito a ver reposto no seu património o que pagou em excesso em benefício do património comum: 4 402, 78 € (montante aceite e aprovado pelo Interessado BB em sede de conferencia preparatória 28) Assim, o valor total dos bens a partilhar é de 66 711, 07 €. E o valor total do passivo comum hipotecário é de 13 097, 10 €. - (valor atualizado por requerimento datado de 24/12/2022 com a referência ...43 e sobre o qual não incidiu qualquer despacho e nem tão pouco as partes sobre ele se pronunciaram). Pelo que o quinhão de cada um dos Interessados é de 26 806, 985 €. 29) Quanto ao passivo “hipotecário” – como é o ora em causa – a lei especialmente dispõe que entrará em partilha o imóvel onerado como se tal ónus não existisse (cf. artigo 2100º do Código Civil). Neste último particular, importa então considerar que, nos termos constantes do n.º 1 do citado artigo 2100º do Código Civil, “Entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.”, 30) O dito bem imóvel, verba n.º 3 da relação de bens, entrou na partilha com esse ónus, e deveria ter-se descontando nele o respectivo valor, e a requerida – a quem o mesmo foi atribuído – deveria suportará exclusivamente a satisfação do encargo (leia-se, passivo hipotecário) existente. 31) E bem se compreende que assim seja. Com efeito, como doutamente já foi sustentado num caso com inteiro paralelismo com o ajuizado, “Quando o ex-cônjuge AA licitou (por essa via veio a fazer seu) o prédio que constituía verba nº167 do activo, ele não o licitou puro e simples, na pureza inteira de um puro e limpo direito de propriedade. Sobre esse direito de propriedade recaía, na titularidade de um terceiro, no caso o Banco 2..., um direito real de garantia, uma hipoteca que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem. A medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca. A menos que a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art.730º, al. a ) do CCivil. Porta, aliás, aberta pelo disposto no art.2099º do CCivil – se existirem direitos de terceiro, de natureza remível, sobre determinados bens da herança, e houver nesta dinheiro suficiente, pode qualquer dos co-herdeiros ou o cônjuge meeiro exigir que esses direitos sejam remidos antes de efectuada a partilha. Num tal caso, livres chegarão os bens à partilha e pelo real valor da sua liberdade serão adjudicados. Mas se assim não for – e aqui não foi – entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem – é o que reza o disposto no art.2100º do CCivil.” 32) Deve, pois, ser descontada a verba hipotecária do passivo no próprio imóvel integrante do activo do ex-casal formado por requerente e requerida, o que não se mostra feito no “Mapa de Partilha” elaborado nos autos e que o Exmo. Juiz a quo indevidamente sancionou. 33) Já assim doutamente decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11 de Janeiro de 2018. No mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 19 de Junho de 2013: 34) Assim, o mapa de partilha (considerando o crédito da Interessada AA fixado e aceite em conferencia preparatória de 4 402, 78 € e o passivo hipotecário 13 097, 10 € - valor actualizado por requerimento datado de 24/12/2022 com a referência ...43 e sobre o qual não incidiu qualquer despacho e nem tão pouco as partes sobre ele se pronunciaram) deveria ter sido elaborado nos termos infra: BENS COMUNS DO CASAL: Activo Verba n.º 2: Recheio da casa morada de família -------------------------5 000, 00 € Verba n.º 3: Prédio urbano -------------------------------------------------61 501, 07 € Verba n.º 4: Prédio rústico --------------------------------------------------------7, 90 € Aumentos provenientes de licitações: ………………………………… 202, 10 € Total de bens a partilhar………………………..………………….. 66 711, 07 € Passivo: Verba n.º 1: Empréstimo – crédito habitação cujo valor em dívida à data de 24/12/2022 é de …………………………………………………………… 13 097, 10 € Total de passivo comum……………………………………..…….. 13 097, 10 € Verba n.º 1: Direito de crédito da Requerente………………………4 402, 78 € Total passivo a pagar à Interessada AA (dívida de compensação stricto sensu)…………………………………………………………..………...…. 4 402, 78 € Operações da partilha: Total dos bens a partilhar…………………………..……………… 66 711, 07 € Total de passivo comum……………………………………..………13 097, 10 € Activo Liquido: ………………………………………………………53 613, 97 O valor do quinhão de cada um dos interessado é de ………...……26 806, 985 € Bens atribuídos à Cabeça de Casal: Verba n.º 2: Direito de crédito da Requerente………………………4 402, 78 € Verba n.º 2: Recheio da casa morada de família ------------------------5 100, 00 € Verba n.º 3: Prédio urbano ------------------------------------------------ 61 601, 07 € Verba n.º 4: Prédio rústico -------------------------------------------------------10, 00 € Bens atribuídos ao Interessado: - Inexistem. Resumo e Pagamentos: Preenchimento do quinhão da cabeça de casal/ Interessada AA Pertence-lhe:................................................................……………26 806, 985 € Recebe em bens………………..…………………………………..66 711, 07 € Recebe em passivo comum...…….…………………………………. 13 097, 10 € Leva a mais:.......................................................................................26 806, 985 € Recebe do Interessado (direito de crédito/passivo strictu sensu)…+ 4 402, 78 € Paga tornas…………………………………………………………22 404, 205 € Recebe na totalidade ……………………………...………...…..…31 209, 795€ Preenchimento do quinhão do Interessado BB: Pertence-lhe:................................................................…………… 26 806, 985 € Recebe em bens………………..…………………………………….…..00, 00 € Recebe em passivo comum...…………………………………………..…00, 00 € Leva a menos:....................................................................................26 806, 985 € Paga à Cabeça de Casal (direito de crédito/passivo strictu sensu)….+ 4 402, 78 € Recebe na totalidade (tornas)...…………………...……...…...…… 22 404, 205 € 35) Conforme mui bem se lê no acórdão supra citado: Existindo uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges e, pela qual, responderam bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal – artigo 1697.º, n.º 1 do Código Civil – e devendo ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no artigo 1689.º, n.º 3 do mesmo Código Civil. 36) Ora, sempre salvo o devido e merecido respeito o mapa de partilha não espelha qualquer um destes aspectos. 37) Atribui, erradamente, a dívida de compensação stricto sensu (direito de crédito da Requerente correspondente ao valor das obrigações vencidas e por ela liquidadas referentes ao mútuo contraído pelo ex-casal a ambos os interessados, quando quem tem a haver é a Interessada AA, em clara violação do disposto no artigo 1689.º, n.º 3 do Código Civil. 38) E, atribui, erradamente, o passivo hipotecário a ambos os Interessados, em clara violação do disposto no artigo 2 100.º, n.º 1 do Código Civil. 39) Ou seja, entrando na partilha um bem com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, deveria ter sido descontado nele o valor desses direitos, que, serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem, atribuindo-se a esse bem, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor correspondente ao passivo hipotecário (artigo 2100.º do CC). O que in casu não aconteceu. 40) Ora, todas estas incorrecções foram sancionadas pela sentença homologatória da partilha de que ora se recorre, devendo a mesma ser declarada nula e revogada por ilegal. 41)Sem prescindir, nestes termos, deverá o Tribunal ad quem decidir pela nulidade do ato praticado pelo Tribunal a quo e, consequentemente, pela nulidade da sentença homologatória da partilha. 42) Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença e o despacho ora recorridos, por violação e incumprimento do prescrito, nomeadamente, nos artigos 1689º, n.º 3 e 2100º do Código Civil, devendo ainda o despacho interlocutório ser declarado nulo nos termos do 615º, alínea d) do CPC por omissão de pronúncia, tudo com as legais consequências”. Não se mostram apresentadas contra-alegações pelo Requerido BB. Admitido o presente recurso o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada pela Recorrente nos seguintes termos: “Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães: A recorrente vem arguir uma nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida (art. 615º, nº1, d) do CPC). Não vislumbramos que tenhamos ocorrido em omissão de pronúncia. Como se pode ver da decisão em recurso, os fundamentos que estiveram na sua base estão bem delimitados e foram motivados, tendo-nos pronunciado sobre as questões da reclamação ao mapa da partilha, já que, apreciando a questão atualização do direito de crédito que foi indeferida, tal contende com o montante total do passivo e com as demais contas da partilha apresentadas pela reclamante/recorrente. Pelas razões expostas, não vislumbramos qualquer nulidade”. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1 – Saber se o despacho proferido em 31 de outubro de 2023 é nulo; 2 - Saber se deve ser atualizado o direito de crédito da Recorrente; 3 - Saber se o mapa de partilha respeita o despacho determinativo da partilha. *** III. FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos Com relevo para apreciação das questões suscitadas no presente recurso importa considerar as incidências fáctico-processuais: 1) Na Conferência Preparatória, realizada em 29 de junho de 2021, foi aprovada e reconhecida a divida ao Banco 1... resultante do credito à habitação no valor, à data, de €14.461,91. 2) E a Requerente atualizou o valor do seu direito de crédito sobre o património comum do casal, constante da verba 1, para o valor de €4.402,78, tendo sido proferido despacho a determinar que tal valor atualizado ficasse a constar na verba 1 da relação de bens. 3) Em 24 de outubro de 2022 o Credor Banco 1... S.A,. veio a junção aos autos da nota de débito relativa ao seu crédito, relacionado no passivo da relação de bens, atualizado à data de 20/10/2022 no montante de €13.097,10 e informar que não se oporá a um eventual acordo para a partilha de bens, não prescindindo do regime de solidariedade da dívida nos termos inicialmente contratados e que não se faria representar na conferência de interessados. 4) Em 25 de outubro de 2022 foi realizada a Conferência de Interessados, na qual se procedeu a licitações com o seguinte resultado: “Verba N.º 2 (dois) – Foi licitada pela Cabeça de Casal AA, pelo valor de 5.100,00 € (cinco mil e cem euros); Verba N.º 3 (três) – Foi licitada pela Cabeça de Casal AA, pelo valor de 61.601,07 € (sessenta e um mil seiscentos e um euros e sete cêntimos); Verba N.º 4 (quatro) – Foi licitada pela Cabeça de Casal AA, pelo valor de 10,00 € (dez euros).” 5) Em 3 de novembro de 2022 a Requerente AA veio dar a forma à partilha nos seguintes termos: “- Procede-se a Inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal AA E BB. - Somam-se os valores dos bens do Ativo com o aumento proveniente das licitações. - Subtrai-se o passivo. - O valor assim obtido divide-se em duas partes, sendo que, cada uma delas correspondente ao quinhão que cabe a cada um dos Interessados. - O preenchimento dos quinhões far-se-á em conformidade com as adjudicações realizadas em sede de Conferência de Interessados”. 6) Em 30 de novembro de 2022 foi proferido o seguinte despacho (que transcrevemos na parte que aqui releva): “(…) Elabore o mapa da partilha, como proposto pela interessada AA a 3/11, indeferindo-se a proposta do interessado BB por estarem precludidas (atento o despacho antecedente) as questões prévias que apresenta no requerimento de 11/11”. 7) Foi elaborado o seguinte Mapa de Partilha: Bens Móveis: Verba N.º 2 (dois) € 5.100,00 Bens Imóveis: Verbas N.ºs 3 (três) e 4 (quatro) € 61.611,07 Total € 66.711,07 Passivo: Verbas N.ºs 1 (um) – Direito de Crédito e 1 (um) do passivo – atualizado em 25-10-2022 € 17.499,88 TOTAL A PARTILHAR € 49.211,19 Desprezado € 0,01 OPERAÇÕES DE PARTILHA Somam-se os valores das verbas a partilhar, tendo em conta as licitações efetuadas em conferência de interessados € 66.711,07 Subtrai-se o passivo € 17.499,88 E o seu total € 49.211,19 Divide-se o remanescente em duas partes iguais, correspondendo cada uma à meação de cada um dos interessados € 24.605,59 RESUMO A cabeça de casal AA, recebe: Líquido € 26.806,98 Passivo (1/2) da verba n.º 1 do passivo € 6.548,55 Ilíquido € 33.355,53 Direito de Crédito (1/2) da verba n.º 1 € 2.201,39 Ilíquido € 35.556,92 € 33.355,53 O interessado BB, recebe: Líquido € 24.605,59 Passivo (1/2) da verba n.º 1 do passivo e ½ da verba n.º 1 Direito de Crédito € 8.749,94 Ilíquido € 33.355,53 € 33.355,53 PAGAMENTOS: A CABEÇA DE CASAL – AA, recebe: Bens Móveis: Verba N.º 2 (dois) € 5.100,00 Bens Imóveis: Verbas N.ºs 3 (três) e 4 (quatro) € 61.611,07 Total € 66.711,07 Pertence-lhe: Líquido € 26.806,98 Passivo € 6.548,55 Ilíquido € 33.355,53 Direito de crédito (1/2) € 2.201,39 Total € 35.556,92 Excede em € 31.154,15 Paga tornas ao interessado: BB € 31.154,15 E FICA O QUE LHE PERTERNCE € 35.556,92 O INTERESSADO – BB, recebe: Tornas da cabeça de casal: AA € 31.154,15 Direito de crédito da verba n.º 1 (1/2) € 2.201,39 Total € 33.355,54 É O QUE LHE PERTENCE 8) Notificada do mapa de partilha, a Requerente apresentou reclamação em 8 de setembro 2023 requerendo a atualização do direito de crédito para o montante de €5.325,42 e apresentando o que em seu entender são as corretas operações de partilha, considerando que o direito de crédito de €5.325,42 deve ser considerado ativo, perfazendo o total do ativo o valor de €72.036,49, pelo que, deduzido o passivo comum de €13.097,10 ao total dos bens a partilhar (€66.711,07) o valor do quinhão de cada interessado é de €26.806,985, recebendo o interessado BB de tornas o valor de €21.481, 565. 9) Em 31 de outubro de 2023 foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho (que transcrevemos na parte que aqui releva): “(…) Reclama a cabeça de casal que no mapa da partilha a verba 1 do ativo seja de €4.402,78, pois se, em 29 de Junho de 2021 (data da conferência preparatória a fls. 79), o valor do passivo devido ao Banco 1... era de 14 461, 91 € (passivo esse aprovado em conferência de interessados), e se à data de 20 de Outubro de 2022 era no montante de 13 097, 10 €, dúvidas não há que alguém pagou o valor das prestações referentes ao mutuo bancário. Assim, à data de 20 de Outubro de 2022, o direito de crédito da Interessada AA era no montante de 5 325, 42 € - montante que a Interessada AA satisfez além do que lhe competia satisfazer. Razão pela qual requer a atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de 5 325, 42 €. O interessado nada disse. O pedido não pode atender-se. Na verdade, a interessada não procedeu à atualização do crédito da verba 1 na conferência de interessados, pelo que o mapa da partilha foi elaborado com a informação existente à data em que foi elaborado, indicado na conferência preparatória a fls. 79. Quaisquer créditos a que a interessada tenha direito terão de ser reclamados noutra sede, de prestação de contas, com o inerente contraditório. Assim, indefiro a reclamação ao mapa da partilha, mantendo-o. Notifique”. 10) Em 30 de janeiro de 2024 foi proferido o seguinte despacho: “Cumpra o disposto no artigo 1121º para reclamação do pagamento de tornas. 11) Em 21 de fevereiro de 2024 foi proferida sentença homologatória do mapa de partilha nos seguintes termos: “Nos presentes autos de inventário para partilha por divórcio, homologo por sentença o mapa de partilha de 5/7/2023 e adjudico os quinhões aos interessados nos seus precisos termos (art.1122.º n.º 1 do Código de Processo Civil). Custas pelos interessados nos termos do disposto no art. 1130.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Valor do inventário: 49.211,19 - artigo 302º nº 3 do CPC. Registe e notifique”. *** 3.2. Da nulidade do despacho proferido em 31 de outubro de 2023Conforme é consabido as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do artigo 615º do CPC. Dispõe o n.º 1 deste preceito (aplicável aos despachos por força do preceituado no n.º 3 do artigo 613º do CPC) que: 1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. Como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, disponível para consulta em www.dgsi.pt) “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”. No que agora aqui releva, importa decidir se se verifica a nulidade do despacho recorrido nos termos previstos nas alíneas b) e d) do n.º 1 do referido artigo 615º, isto é, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia. Na verdade, invocando a omissão de pronúncia, a Recorrente acaba por concluir que o despacho é nulo por falta absoluta de decisão e fundamentação, uma vez que apenas tratou da questão da atualização do direito de crédito da Interessada AA. Alega a Recorrente que em sede de reclamação ao mapa de partilha levantou as seguintes questões: - A atualização do direito de crédito da Interessada AA para o montante de €5.325,42; - As operações de partilha estão incorretas e não respeitam o despacho determinativo da partilha designadamente quanto ao passivo: divida de compensação stricto sensu e o passivo hipotecário. Sustenta que o Tribunal a quo apenas se pronunciou quanto à primeira questão, sendo o despacho recorrido omisso quanto às restantes questões. Vejamos se lhe assiste razão. O dever de fundamentar a decisão decorre expressamente do disposto no artigo 154º do CPC que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição. A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do CPC que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu nº 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”. “Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do STJ de 06/07/2017, Processo n.º 121/11.4TVLSB.L1.S1, Relator Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt). No entanto, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do citado artigo 615º. A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade. No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, p. 687) ao consignar que “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença. No que se refere à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do referido artigo 615º prende-se a mesma com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento). A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do CPC: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Analisado o despacho recorrido parece-nos manifesto que o mesmo não padece de falta absoluta de fundamentação. Aliás, analisada a argumentação da Recorrente, e se bem a interpretamos, o que pretende invocar é a nulidade decorrente da omissão de pronúncia uma vez que, segundo alega, o despacho recorrido apenas tratou da questão da atualização do direito de crédito da Interessada AA e já não da questão de as operações de partilha estarem incorretas e não respeitarem o despacho determinativo da partilha, designadamente quanto ao passivo: divida de compensação stricto sensu e o passivo hipotecário. Entendemos que existe efetivamente razão à Recorrente: na reclamação apresentada a mesma não suscitou apenas a questão da atualização do montante do direito de crédito, e a apreciação desta questão, que foi indeferida, ainda que também contendesse com o montante total do passivo e as demais contas da partilha apresentadas pela Recorrente, não esgotava a reclamação apresentada quanto às operações de partilha apresentadas pela Recorrente como sendo as corretas, desde logo ao não incluir o referido valor (atualizado ou não) no passivo a deduzir ao ativo. Não se trata neste caso de apenas mais um argumento suscitado pela Recorrente na reclamação, mas de uma verdadeira questão submetida à apreciação do tribunal tendo em vista a procedência da reclamação apresentada, não se podendo dizer que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada à questão da atualização que foi indeferida; pelo contrário, ainda que não fosse de atualizar o montante do direito de crédito sempre seria necessário conhecer da questão das operações de partilha constante do mapa elaborado, que com aquela se não confunde, até porque, mesmo considerando o valor do direito de crédito não atualizado, as operações de partilha a que se refere a Recorrente na reclamação que apresentou sempre determinariam um valor muito distinto a receber pelo interessado BB a título de tornas. Tal omissão determina a nulidade do despacho recorrido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, o que não impede, contudo, que se conheça do objeto da apelação conforme decorre do n.º 1 do artigo 665º, que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido, procedendo-se por isso ao conhecimento da referida questão, a qual é também suscitada na presente apelação, o que se fará adiante. *** 3.3. Da atualização do direito de crédito da Recorrente e da retificação do mapa de partilha Tal como delimitado, a Recorrente suscita na presente apelação a questão da atualização do direito de crédito, bem como da alteração do mapa de partilha. Quanto à primeira questão a Recorrente fundamenta a sua posição nos termos conjugados dos artigos 1111º, n.º 3 e 1106º, n.ºs 3 e 1, ambos do CPC. Alega que a verba cuja atualização pretende correspondente ao valor das obrigações vencidas e por ela liquidadas referentes ao mútuo, contraído pelo ex-casal junto do Banco 1..., a qual foi relacionada e aprovada em sede de conferencia preparatória, tendo sido junta a prova documental para que o Tribunal pudesse apreciar com segurança o montante da divida. Vejamos. O artigo 1111º, n.º 3 do CPC (sob a epigrafe Assuntos a submeter à conferência de interessados) estabelece que aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança. Quanto ao referido artigo 1106º do CPC (sob a epigrafe Verificação do passivo) prevê no n.º 1 que as dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento, e no n.º 3 que se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. Conforme decorre de forma linear destes preceitos os mesmos reportam-se à deliberação sobre o passivo e a forma do seu pagamento e ao reconhecimento das dividas. Não é essa, contudo, a questão que a Recorrente coloca. Aqui não está em causa o reconhecimento de qualquer divida, mas a atualização do direito de crédito relacionado; e essa atualização tem necessariamente de se mostrar efetuada até, pelo menos, à elaboração do mapa da partilha pois este “constitui a peça que materializa a divisão que será sujeita a sentença de homologação” (v. António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 604) e reflete o resultado de toda a atividade processual, designadamente a decisão de todas as questões que se prendem com o ativo e o passivo da herança e forma de distribuição, o que pressupõe também a definição dos respetivos valores que servem de base à elaboração do mapa da partilha. Veja-se que no caso dos autos o despacho determinativo da forma à partilha se limita a mandar elaborar o mapa da partilha tal como proposto pela Recorrente (indeferindo-se a proposta do interessado BB por estarem precludidas as questões prévias que apresentou). O inventário finda com a elaboração do mapa de partilha, em função da forma anteriormente estabelecida, sujeita a homologação judicial, “ato que transforma o direito de cada interessado sobre um património indiviso num direito sobre os bens determinados que lhe sejam adjudicados” (António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. p. 522). Na verdade, e tal como consta do despacho recorrido a Recorrente não procedeu à atualização do crédito na conferência de interessados, e nem sequer o fez ao propor a forma à partilha, tendo-o feito apenas na conferência preparatória, pelo que o mapa da partilha foi elaborado com o valor atualizado a essa data, por ser o valor constante dos autos. Assim, não há que proceder à pretendida atualização após a elaboração do mapa de partilha. A Recorrente defende ainda que algumas das operações de partilha constantes do mapa não se encontram corretamente elaboradas, a saber: § o valor de €4.402,78 da verba n.º 1 do ativo constitui uma divida de compensação stricto sensu, pelo que, ao contrario do que consta do mapa da partilha, não deve ser considerada passivo, devendo o interessado BB repor a sua quota-parte correspondente àquilo que a interessada AA pagou além do que lhe competia; como se pretende partilhar o ativo liquido tem o interessado BB que repor o que deve à comunhão, ou seja o referido valor de €4.402,78; § O valor total dos bens a partilhar é de €66.711,07 e o valor total do passivo comum hipotecário de apenas €13.097,10, pelo que o quinhão de cada um dos interessados é de €26.806,985; § A Recorrente a quem foi adjudicado o imóvel, ao contrario do que consta do mapa da partilha, deve suportar exclusivamente a satisfação do passivo hipotecário em conformidade com o disposto no artigo 2100º n.º 1 do Código Civil; § Assim, pertencendo à Recorrente €26.806,985, recebendo €66.711,07 e o passivo comum, leva a mais €26.806,985, recebe do interessado BB €4.402,78 e paga de tornas €22, 404, 205, recebendo na totalidade €31.209, 795. Vejamos se lhe assiste razão. Conforme decorre do preceituado no artigo 1082º, alínea d) do CPC o processo de inventário cumpre, entre outras, a função de partilhar bens comuns do casal. Nos termos do artigo 1688º do Código Civil, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, ou seja, pelo divórcio, cabendo a cada um deles o recebimento dos bens próprios (se for o caso) e a sua meação no património comum, com assunção da responsabilização pelo pagamento das dívidas (próprias e/ou comuns), em conformidade com o disposto na lei, mormente nos termos dos artigos 1689º, n.º 1 e 2, 1695º e 1696º, todos do Código Civil. Estabelece ainda o artigo 1133º do CPC que decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns. O inventário visa, nestes casos, pôr termo à comunhão de bens do casal, devendo o cabeça de casal relacionar os bens comuns à data em que se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges. Uma vez cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges pela dissolução do casamento (cfr. artigo 1688º do Código Civil) estes recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património (cfr. artigo 1689º, n.º 1, do Código Civil), sendo que do que cada um dos cônjuges estiver a dever ao património comum, havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes e os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor (cfr. artigo 1689º, n.º 2 e 3 do Código Civil). Conforme decorre do n.º 1 do artigo 1730º do Código Civil os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso. Releva ainda para o caso concreto o preceituado no artigo 1697º, n.º 1, segundo o qual, quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, crédito esse a ser pago nos termos regulados no já referido n.º 3 do artigo 1689º. No caso concreto, tendo o casamento sido sujeito ao regime da comunhão geral de bens, a partilha é feita em consonância com esse regime e as normas legais que o norteiam. Não se suscitam dúvidas que os encargos e despesas com o património comum, como é o caso das prestações de amortização de empréstimos constituem efetivamente dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, pelo que se uma dessas dívidas for paga por um dos cônjuges, após a cessação das relações pessoais e patrimoniais entre eles, aquele que a solveu torna-se credor do outro pelo valor que tenha satisfeito para além do que lhe competia satisfazer. Ora, este crédito é exigível no momento da partilha e, consequentemente, será pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no já referido artigo 1689º, n.º 3 do Código Civil. In casu, consta da relação de bens como verba n.º 1 do Ativo o seguinte: “Direito de crédito da Requerente mulher sobre o património comum do casal no valor de 3 778,09 € (três mil setecentos e setenta e oito euros e nove cêntimos) correspondente ao valor das obrigações vencidas e por ela liquidadas referentes ao mútuo contraído pelo ex-casal junto do Banco 1...……………3 778,09 €” (valor entretanto atualizado para €4 402,78). O pagamento de dívidas comuns por um dos cônjuges, com recurso a bens próprios seus, posteriormente à data da cessação dos efeitos patrimoniais do casamento, dá origem a um crédito do cônjuge que procedeu ao pagamento sobre o outro cônjuge, que deve ser considerado no processo de inventário. De referir que, para o que aqui importa decidir, não interessa tomar posição sobre a questão de saber se o crédito do interessado que solveu dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges deve ser objeto de relacionação no inventário. Na verdade, sendo defendidas duas teses, uma que exclui a relacionação e outra que a considera necessária (v. a este propósito os acórdãos desta Relação de Guimarães, de 07/03/2019, proferido no processo n.º 170/11.2TBEPS.G2, Relatora Sandra Melo e de 27/01/2022, Processo n.º 4218/21.4T8BRG-A.G1, Relator Joaquim Boavida, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), ambas entendem que a dívida/crédito deve ser considerada no momento da partilha, apenas divergindo sobre se deve ser relacionada, sendo que no caso dos autos o crédito foi relacionado sem que tenha sido suscitada qualquer questão. Assim, estando em causa o pagamento pela Recorrente de obrigações referentes ao mútuo contraído pelo ex-casal junto do Banco 1..., estamos perante uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges (cfr. artigo 1691º, n.º 1, alínea a) do Código Civil - dívidas contraídas por ambos os cônjuges na constância do casamento) e pela qual responderam bens só da Recorrente, que se tornou credora do Interessado BB pelo que satisfez além do que lhe competia, sendo o respetivo valor exigível no momento da partilha (cfr. artigo 1697º, n.º 1 do Código Civil) e devendo ser pago pela meação deste Interessado no património comum (cfr. artigo 1689º, n.º 3 do Código Civil). O processo de inventário em consequência do divórcio é norteado pelo objetivo de se conseguir, na liquidação e partilha do património comum, um equilíbrio no rateio final, ou seja, que nenhum dos ex-cônjuges, após a partilha, fique beneficiado ou prejudicado em relação ao outro. É, pois, de admitir “um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum (cf. Menezes de Leitão, Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, CEF, 1996, págs. 513 a 516)” – Acórdão desta Relação de Guimarães de 11/01/2018, Processo n.º 239/08.0TBVCT-B.G2, Relatora Ana Cristina Duarte, também disponível em www.dgsi.pt). Outra questão suscitada pela Recorrente é a do pagamento do passivo hipotecário e da sua imputação. Resulta do disposto no artigo 1120º, n.º 3 do Código de Processo Civil que a regra geral é a da dedução do passivo ao ativo. Esta regra não sofre qualquer alteração nos casos em que o passivo se reporta a uma dívida hipotecária. Aliás, por força do estabelecido no artigo 2100º, n.º1, do Código Civil, entrando bens na partilha com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, “descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem” (sem prejuízo, de se tal não suceder, o interessado poder acionar o disposto no n.º 2 do mesmo preceito). Como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 18/02/2014 (Processo n.º 1696/06.5TMLSB-A.L1-1, Relatora Adelaide Domingos, disponível em www.dgsi.pt) “[s]e sobre o direito de propriedade recai, na titularidade de terceiro, um direito real de garantia, como seja o caso de uma hipoteca, que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem, “a medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca”, a não ser que “a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art. 730.º. al.a) do CCivil”. Assim, ainda que também em inventário para partilha de meações subsequente a divórcio, o passivo que tenha logrado ser aprovado por ambos os ex-cônjuges ou que, não o tendo logrado, o juiz tenha considerado verificado, se submeta à regra geral de que deve deduzir-se ao ativo, em conformidade com o estipulado no referido artigo 1120º, n.º 3, o passivo garantido por hipoteca deverá ser imputado ao cônjuge a quem o bem é adjudicado. Neste sentido, se pronunciam, entre outros, o já citado acórdão desta Relação de 11/01/2018, e o acórdão do STJ de 17/12/2009 (Processo n.º 147/06.OTMAVR.C1.S2, Relator Pires da Rosa, também disponível em www.dgsi.pt), podendo ler- neste último que “[a] menos que a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art.730º, al. a ) do CCivil. Porta, aliás, aberta pelo disposto no art.2099º do CCivil – se existirem direitos de terceiro, de natureza remível, sobre determinados bens da herança, e houver nesta dinheiro suficiente, pode qualquer dos co-herdeiros ou o cônjuge meeiro exigir que esses direitos sejam remidos antes de efectuada a partilha. Num tal caso, livres chegarão os bens à partilha e pelo real valor da sua liberdade serão adjudicados. Mas se assim não for – e aqui não foi - entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem – é o que reza o disposto no art.2100º do CCivil. Claro que outra solução seria imaginável. Qual fosse a de considerar adquirido pelo adquirente, passe o pleonasmo, o valor real do bem e assim o considerar na partilha do ativo, e colocar na imputação de ambos os cônjuges, metade para cada qual, a obrigação de pagamento do passivo, pagamento que se diferiria aliás no tempo, prestação a prestação. Só que tal solução tinha o grave inconveniente de impor ao licitante do bem a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge afinal a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura. Dir-se-á que, no reverso, é o mesmo o risco corrido pelo cônjuge não licitante, porque ele não deixa de responder diretamente perante o credor, como aliás se verifica pela declaração da Banco X - «não desonerará qualquer dos interessados em caso de incumprimento». Não é assim. E não é assim porquanto o não licitante tem ao menos a garantia do disposto no art.835º do CPCivil – tratando-se de dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora começa, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”. Ou seja, em sede de inventário subsequente a divórcio “no caso de licitação de um bem comum por um dos cônjuges, estando tal imóvel onerado por hipoteca, haverá de equacionar dois cenários: ou os cônjuges acordam que ambos pagarão o passivo hipotecário ou inexiste tal acordo. Na primeira situação, estando o passivo a cargo dos dois cônjuges, o imóvel entra no apuramento do ativo e do passivo a par dos demais bens. Na segunda situação, ficando o pagamento do passivo somente a cargo do licitante, haverá que autonomizar um tal imóvel para efeitos do n.º 3 do artigo 1120º, abatendo-se o passivo hipotecário ao valor do imóvel fixado pela licitação e calculando-se a meação de cada interessado sobre o valor sobrante (…). Cabendo ao ex-cônjuge licitante de imóvel onerado com hipoteca o encargo de pagar o passivo que o onera, tal deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação desse interessado, refletindo-se no cálculo de eventuais tornas (…)” (António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. p. 632-633). Assim, a atribuição a um dos cônjuges de um imóvel sobre o qual recai uma hipoteca significa também atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca, devendo o passivo garantido por hipoteca ser imputado ao cônjuge adjudicante e tido em consideração no cálculo das tornas (neste sentido também o acórdão da Relação de Lisboa de 24/05/2018, Processo n.º 2356/07.5TBCSC-B.L1-2, Relator Jorge Leal em cujo sumário se pode ler que: “Não acordando os ex-cônjuges em contrário na conferência de interessados e ainda que o credor hipotecário não prescinda da responsabilização solidária de ambos, caberá ao ex-cônjuge licitante de verba onerada com hipoteca o encargo de pagar, em primeira linha, o passivo que onera essa verba, o que deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação do aludido interessado e refletir-se no cálculo de eventuais tornas”, disponível em www.dgsi.pt). No caso dos autos, a Recorrente licitou no imóvel onerado com hipoteca, estando em causa o valor do passivo hipotecário, pelo que assiste razão à Recorrente devendo descontar-se no seu valor, o valor do passivo hipotecário, que será suportado exclusivamente pela Recorrente, imputando-se o mesmo a esta, a quem o bem foi adjudicado. Na verdade, não consta dos autos qualquer acordo no sentido de que ambos pagarão o passivo hipotecário, e a tal não obsta o facto do Banco 1... ter declarado não prescindir do regime de solidariedade da divida nos termos inicialmente contratados. Assiste, por isso, razão à Recorrente quando sustenta que, ao contrario do que consta do mapa da partilha, o valor de €4.402,78 da verba n.º 1 do ativo constitui uma divida de compensação stricto sensu, pelo que, não deve ser considerado passivo a deduzir, e que é a Recorrente, a quem foi adjudicado o imóvel, quem deve suportar exclusivamente a satisfação do passivo hipotecário, e a quem deve ser exclusivamente imputado esse passivo. Não lhe assiste, contudo, razão quando, nas contas que apresenta relativamente às operações de partilha, considera ter de receber do Interessado BB, como compensação, a totalidade do valor que liquidou referente ao mútuo contraído pelo ex-casal junto da Banco 1..., deduzindo no quinhão deste Interessado a totalidade daquele valor de €4.402,78. Na verdade, o Interessado BB tem apenas de repor a sua quota-parte, ou seja, o valor que a Recorrente pagou além do que lhe competia. Conforme já vimos, e a própria Recorrente alega, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão (cfr. artigo 1730º n.º 1 do Código Civil), pelo que metade do valor total que a Recorrente liquidou ao Banco 1... (no montante global de €4.402,78) é da sua responsabilidade e competia-lhe já liquidar, apenas tendo a receber como compensação o valor correspondente à metade que pagou e que competia ao Interessado BB liquidar. Mostram-se, por isso, incorretamente elaboradas as operações de partilha constantes do mapa que englobaram no passivo a deduzir o valor do direito de crédito da Recorrente e que imputaram ao Recorrido metade do valor do passivo hipotecário. Vejamos então. Nas operações de partilha há que considerar o seguinte: - O valor total dos bens a partilhar de €66.711,07; - O valor total do passivo comum hipotecário de apenas €13.097,10; - O valor do direito de crédito da Recorrente (verba n.º 1 do ativo) não deve ser somado ao passivo a deduzir; - O valor do passivo hipotecário deve ser imputado exclusivamente à Recorrente, a quem o bem imóvel foi adjudicado; - Metade do valor de €4.402,78 da verba n.º 1 do ativo (correspondente este ao valor liquidado pela Recorrente ao Banco 1...) deve ser pago pela meação do Interessado BB e, por isso, compensado no momento da partilha, recebendo a Recorrente metade do referido valor, ou seja, €2.201,39. Do que resultará, em termos práticos, que correspondendo o valor total dos bens a partilhar a €66.711,07 e sendo o valor total do passivo a considerar de apenas €13.097,10, o valor da meação de cada interessado será de €26.806,985, tal como refere a Recorrente. Assim, tendo a Recorrente recebido em bens €66.711,07, e sendo-lhe imputado exclusivamente o passivo hipotecário de €13.097,10, leva a mais o valor de €26.806,985, correspondente ao valor da meação do Interessado BB mas, como metade do valor liquidado pela Recorrente ao Banco 1..., no montante de €2.201,39, deve ser pago pela meação do Interessado BB, este apenas receberá de tornas o valor de €24.605,595 (€26.806,985-€2.201,39), pois a Recorrente, recebendo do Interessado BB o valor de €2.201,39, recebe na totalidade €29.008,375 (€26.806,985+€2.201,39), levando a mais apenas os referidos €24.605,595. Em face de todo o exposto, procede, pois, parcialmente a apelação, anulando-se o mapa de partilha elaborado e, consequentemente, a sentença homologatória do mesmo, e determinando-se a elaboração do mapa da partilha em conformidade com o ora decidido. As custas são da responsabilidade da Recorrente e do Recorrida na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC). *** IV. DECISÃO*** Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, em anular o mapa de partilha elaborado em 5 de julho de 2023 e, consequentemente, a sentença homologatória do mesmo, determinando a elaboração do mapa da partilha em conformidade com o exposto supra. Custas pela Recorrente e pelo Recorrida na proporção do decaimento. Guimarães, 20 de junho de 2024 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) Paulo Reis (1º Adjunto) Eva Almeida (2ª Adjunta) |