Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
515/22.0T8FAF.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA A PEDIDO DAS PARTES
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DE IMPULSO PROCESSUAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR DESERÇÃO
NULIDADE
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A decisão recorrida (em que se julgou extinta a instância por deserção), proferida sem que se tivesse previamente notificado as partes (designadamente, o autor) para que se pronunciassem sobre a extinção da instância por deserção, não padece do vício da nulidade, por violação do princípio do contraditório, não consubstanciando qualquer decisão-surpresa para aquelas, quando se verifica que, no despacho em que se suspendeu a instância a requerimento das partes, se notificou o autor que, decorrido o prazo de suspensão da instância, o processo ficaria a aguardar o seu impulso processual; e, desse modo, o autor ficou bem ciente que, na perspetiva do tribunal (certa ou errada), uma vez decorrido o prazo de suspensão da instância, o andamento do processo ficava dependente da prática de um ato ou de atividade processual da sua parte e ficou devidamente advertido para as consequências jurídicas que para si decorreriam caso omitisse esse ato ou atividade por um período superior a seis meses.
2- A extinção da instância por deserção está dependente da verificação de dois requisitos cumulativos: 1) requisito objetivo, consistente no não andamento do processo por um período de mais de seis meses, em virtude desse andamento estar dependente da prática de ato ou de atividade processual que a lei adjetiva impõe às partes e em cuja prática o autor é o único que tem nisso interesse; e 2) a omissão da prática desse ato ou atividade por parte do autor a título de negligência, durante um período superior a seis meses, a contar da notificação do despacho que afirmou que o processo ficava a aguardar o seu impulso processual.
3- Não se verificam os requisitos legais fixados para a extinção da instância por deserção quando a suspensão da instância, a requerimento das partes, foi requerida e deferida em vésperas da data que se encontrava designada para a realização da audiência final no processo (que, em consequência dessa suspensão da instância, foi dada sem efeito), uma vez que, decorrido o prazo de suspensão da instância, o andamento normal do processo estava unicamente dependente da designação de nova data para a realização da audiência final; e essa designação não estava dependente de qualquer ato ou atividade processual que a lei adjetiva impusesse ao autor, mas antes tratava-se de um ónus que a lei comete exclusivamente ao juiz (a designação de nova data para a realização da audiência final).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., 4820- ..., ..., instaurou ação declarativa, com processo comum, contra BB, residente na Travessa ..., ... ..., ..., pedindo que se declarasse nulo o casamento celebrado entre CC e a Ré, em 21/06/2019, com fundamento em demência notória do contraente marido, com as legais consequências.
A Ré contestou, impugnando a maioria dos factos alegados pela Autora.
Concluiu, pedindo que a ação fosse julgada improcedente e fosse absolvida do pedido.
Após suspensão da instância por trinta dias a requerimento das partes, perante o silêncio destas, realizou-se audiência prévia, em que: se proferiu despacho saneador tabelar; se fixou o valor da causa em 30.000,01 euros; se fixou o objeto do litígio e enumeraram os temas da prova; se conheceu dos requerimentos da prova apresentados pelas partes; e se suspendeu a instância pelo prazo de quinze dias a requerimento das partes.
Decorrido o prazo de suspensão, perante o silêncio das partes designou-se data para a realização de audiência final.
Por requerimento de 17/05/2023, as partes requereram a suspensão da instância por mais 45 dias, prazo este que alegaram ser necessário para concretizarem o acordo a que chegaram.
Por despacho proferido na mesma data suspendeu-se a instância pelo prazo requerido e, em consequência, deu-se sem efeito a audiência final que se encontrava agendada.
Decorrido o prazo de suspensão da instância, sem que as partes nada tenham vindo dizer aos autos, em 06/07/2023 ordenou-se a sua notificação “para requererem o que tiverem por conveniente, sendo a Autora notificada de que os autos ficam a aguardar o respetivo impulso processual”.

Tendo-se as partes mantido silentes, em 11/03/2024 proferiu-se decisão julgando extinta a instância por deserção, a qual consta do seguinte teor (que aqui se reproduz ipsis verbis):

“Extinção da instância por deserção (falta de impulso processual)
I – Nos presentes autos de anulação de casamento vieram as partes requerer a suspensão da instância, por 45 dias, uma vez que as partes tinham alcançado um acordo (com desistência do pedido), o que foi concedido.
Decorrido tal prazo e sem que nada fosse requerido, foram as partes notificadas para requererem o que tivessem por convenientes, sendo a Autora advertida de que os autos ficavam a aguardar o seu impulso processual.
As partes nada disseram.
II - Compulsados os autos, verifica-se que, por decisão proferida em 6-07-2023 a instância foi suspensa, a aguardar o impulso processual da Autora/Requerente.
Dispõe o artigo 281º, nº5, do Código de Processo Civil que se considera deserta a instância, quando, por negligência das partes, o processo esteja a aguardar o impulso processual há mais de 6 meses.
Tal período já decorreu.
Ora, a instância extingue-se com a deserção, nos termos do disposto no artigo 277º al. c), do Código de Processo Civil.

III – Decisão
Assim, e nos termos do disposto nos arts. 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 5, do CPC, julga-se extinta a instância por deserção.
Custas pela Autora/Requerente - art.º 527º, nº1, do CPC.
Registe e notifique”.

Inconformada com o decidido, a Autora AA interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:

A- Entendeu o Tribunal “a quo”, nos termos conjugados dos artigos 277º, alínea c), e 281º, n.º 5, ambos do C.P.C., que tinha ocorrido a deserção da instância;
B- O disposto no n.º 5 do artigo 281º, diz respeito concretamente aos processos executivos;
C- O Tribunal “a quo”, nem sequer fundamenta a sua decisão com base na analogia, pelo que fez, erradamente, uma aplicação direta de uma norma que é exclusivamente aplicável aos processos executivos, e que nem sequer por analogia podia ser aplicada, tratando-se, como se trata de uma ação declarativa;
D- O que obviamente se impunha, face ao estado dos autos, é que o Tribunal “a quo” aplicasse o disposto no artigo 276º, n.º 1, alínea c), 2ª parte, do C.P.C., uma vez que a instância havia sido suspensa, ao abrigo do disposto nos artigos 269º, n.º 1, alínea c) e 272º, n.º 4 do C.P.C.;
E- Não se consegue alcançar, como é que o Tribunal “a quo” decide pela deserção da instância, quando o impulso processual depende dele próprio, com a elaboração que lhe competia e compete fazer do despacho saneador e a designação de data para julgamento;
F- O n.º 3 do artigo 3.º do CPC impõe ao juiz um especial cuidado, determinando que ele deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem;
G- No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie;
H- O artigo 3º do Código de Processo Civil não retira ao tribunal a plena liberdade de dizer o direito com independência, o que trata é apenas de evitar, proibindo-as, as decisões-surpresa;
I- O princípio do contraditório sustenta-se num direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão;
J- No caso dos autos, o Tribunal recorrido, proferiu a decisão, sem previamente, ter dado oportunidade à Recorrente de se pronunciar sobre a suposta deserção da instância, o que se diga, num juízo prudencial, deveria ter feito;
K- Tal viciação não foi suscitada por qualquer das partes, ou pelo tribunal, em qualquer articulado ou ato processual, antes da prolação da sentença;
L- A decisão em recurso, é gravosa para a A., que vê a sua pretensão de vir a provar os factos que alegou e que podem conduzir à anulação do casamento do seu falecido pai, gorar-se;
M- A decisão em causa, que fez errada aplicação do direito e que consubstancia uma decisão surpresa, leva à preclusão do direito que a A. quer fazer valer com a procedência da ação;
N- Nos termos em que ocorreram os factos em causa e a forma como foi aplicado o direito, impõe uma clara revogação da douta sentença recorrida, repondo, por essa via, a legalidade processual;
O- A douta sentença recorrida viola, entre outras, as normas constantes dos artigos 3º, n.º 3 e 276º, n.º 1, alínea c), 2ª parte, ambos do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito, a suprir por Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene seja elaborado o despacho saneador e designada data para a audiência de discussão e julgamento, e os demais termos do processo, com as legais consequências.

A recorrida (Ré) contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente confirmação da decisão recorrida.........
....
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se a decisão recorrida é nula, por violar o princípio do contraditório, consubstanciando uma decisão-surpresa em relação à recorrente e, no caso positivo, se esta Relação pode conhecer dessa nulidade?; e
b- Se essa decisão (ao julgar extinta a instância por deserção, nos termos dos arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 5 do CPC) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e ordenar o prosseguimento da instância, com a designação de nova data para a realização de audiência final (e não, como vem peticionado pela recorrente, com a prolação de despacho saneador, uma vez que no âmbito dos presentes autos já foi realizada audiência prévia, com prolação de despacho saneador tabelar, fixação do objeto do litígio e enumeração dos temas da prova, e já se conheceu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, tendo a instância sido suspensa em vésperas da data que se encontrava designada para a realização de audiência final)?
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar as questões decidendas no presente recurso são os que constam do «Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade da decisão recorrida, por violação do princípio do contraditório
Na presente ação declarativa, com processo comum, instaurada pela recorrente - em que pede que o casamento celebrado, em ../../2019, entre o seu falecido pai (CC, falecido em ../../2022) e a recorrida seja declarado nulo, com fundamento em demência notória do primeiro -, após a ação ter sido contestada, de nela ter sido realizada audiência prévia (com prolação de despacho saneador tabelar, fixação do valor da causa, do objeto do litígio e enumeração dos temas da prova, e designação de data para a realização de audiência final); na sequência de requerimento apresentado pelas partes requerendo a suspensão da instância, o tribunal a quo, por despacho de 06/07/2023, deferiu essa suspensão, tendo nele advertido expressamente a ora recorrente de que os autos ficavam a aguardar o seu impulso processual; e, uma vez decorrido o prazo de suspensão sem que as partes (mormente aquela) tivessem vindo requerer e/ou informar nos autos o que quer que fosse, proferiu em 11/03/2024 a decisão recorrida, em que julgou extinta a instância por deserção, nos termos do disposto nos arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 5 do CPC.
A recorrente imputa à decisão sob sindicância o vício da nulidade, por violação do princípio do contraditório, advogando que essa decisão consubstancia uma decisão-surpresa, na medida em que foi proferida sem que lhe tivesse sido dada oportunidade “de se pronunciar sobre a suposta deserção da instância, o que, num juízo prudencial, deveria ter feito”.
 Destarte urge indagar se assiste razão à recorrente quanto à alegada violação do princípio do contraditório e, no caso positivo, quais as consequências jurídicas que dela decorrem quanto à decisão recorrida, nomeadamente: se determina (ou não) a sua nulidade; e se o tribunal ad quem pode dela conhecer, uma vez que, na perspetiva da recorrida, a violação daquele princípio consubstancia uma nulidade processual que tinha de ser invocada pela recorrente junto do tribunal recorrido, pelo que o tribunal ad quem não poderia dela conhecer em sede de recurso.
O princípio do contraditório, a par do princípio do dispositivo, constituem traves mestras do processo civil nacional; e está subjacente ao primeiro a ideia de que repugna ao sistema de processo civil nacional decisões tomadas à revelia de algum dos interessados o que apenas comporta desvios em situações excecionalíssimas, nomeadamente quando outros interesses se sobreponham à sua observância (como é o caso de certas providências cautelares, em que a sua observância é deferida para momento posterior ao decretamento e execução do procedimento cautelar)[2].
O princípio do contraditório é, em si mesmo, uma decorrência do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do Código de Processo Civil (CPC) (onde constam todas as disposições legais sem menção em contrário) e no art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP); e tem um conteúdo multifacetado.
Na sua dimensão tradicional, o princípio do contraditório significa que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses delineado subjetiva (quanto às partes) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo demandante no requerimento inicial sem que a outra parte (demandada) seja devidamente chamada (isto é, citada) para deduzir a defesa que entenda pertinente. Esta vertente encontra-se atualmente consagrada no n.º 1 do art. 3º e traduz a vertente negativa do princípio do contraditório.
Nessa conceção negativa e tradicional, o objetivo prosseguido pelo legislador com a consagração do princípio do contraditório é o de garantir a defesa à pessoa demandada, possibilitando a sua audição prévia para que, querendo, responda à pretensão deduzida pelo demandante na petição inicial com fundamento na causa de pedir que aí delineou, apresente a sua própria versão dos factos, ofereça as suas provas, controle as provas do seu adversário e discorra sobre o valor e resultados de umas e outras[3].
Acontece que a conceção moderna do princípio em causa assume um conteúdo mais amplo do que o tradicional, ao consagrar-se, no n.º 4 do art. 3º, que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Consagra-se na disposição legal acabada de referir uma dimensão ampla do princípio do contraditório, em que se reconhece que, a par da sua vertente negativa, de audição da parte contrária (demandado/requerido ou executado), a fim de se garantir a sua defesa (n.º 1, do art. 3º), o princípio em causa também comporta uma vertente positiva (n.º 4 do art. 3º), que garante às partes a sua efetiva participação “no desenvolvimento de todo o litígio para que, em termos de plena igualdade, possam influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente úteis para a decisão”[4]; e ao, assim, proibir-se a indefesa e a prolação de decisões-surpresa.
Nessa dimensão positiva e moderna do princípio do contraditório já não se trata apenas de garantir a defesa do demandado, requerido ou executado, mas o de assegurar aos pleiteantes a possibilidade de influenciarem todos os aspetos que surjam como relevantes para a decisão final a proferir pelo tribunal quanto ao conflito que aquelas lhe apresentaram à sua apreciação e decisão.
Note-se que a violação do princípio do contraditório, na sua dimensão negativa (tradicional), configura uma nulidade processual principal (arts. 187º, 188º e 191º), que é do conhecimento oficioso do tribunal e que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (arts. 196º e 198º, n.º 2). Já a postergação daquele princípio na sua vertente positiva consubstancia uma nulidade processual secundária (art. 195º, n.º 1), que tem de ser arguida: no momento em que for cometida enquanto o ato não terminar, quando a parte interessada na sua arguição estiver presente nesse ato, por si ou por mandatário; ou, não estando presente nem representada nesse ato, no prazo de dez dias após o cometimento daquela a contar do momento em que intervier em algum ato praticado no processo ou for notificada para qualquer termo dele, quando deva presumir-se que então tomou conhecimento daquela nulidade ou dela podia tomar conhecimento se agisse com a diligência que lhe era devida (arts. 199º).
Daí que, conforme bem salienta a recorrida, caso na prolação da decisão recorrida  tenha ocorrido a violação do princípio do contraditório na sua vertente positiva (porque se trata da omissão pela 1ª Instância de uma formalidade prescrita pela lei adjetiva, mais concretamente, pelo n.º 3, do art. 3º, que impunha que o tribunal a quo tivesse previamente à prolação da decisão recorrida, em que julgou extinta a instância por deserção, ouvido as partes quanto a essa questão), e porque é suscetível (em abstrato) de influir no exame e na decisão da causa, consubstancia uma  nulidade processual secundária (art. 195º, n.º 1).
As nulidades processuais secundárias, de acordo com o brocardo latino de que das decisões judiciais recorre-se e das nulidades processuais reclama-se, em princípio, têm se ser suscitadas através de reclamação junto do tribunal que a cometeu, dentro dos prazos e condicionalismos legais estabelecidos no art. 199º, sob pena de se convalidarem na ordem jurídica, não podendo posteriormente serem suscitadas.
Porém, quando houver uma decisão judicial a ordenar ou a autorizar a prática de um ato que a lei adjetiva não admite, ou a permitir a omissão de um ato ou de uma formalidade prescrita por esta, ou quando determinada decisão for proferida com a preterição de uma formalidade prescrita pela lei adjetiva (como é o caso quando nela se conheça de uma questão de conhecimento oficioso, ou suscitada por uma das partes, sem que se tenha observado o prévio contraditório em relação à outra), o meio de reação contra essa nulidade processual secundária não é a reclamação junto do tribunal que a cometeu, mas antes a interposição  do recurso contra a decisão que ordenou, autorizou ou permitiu o cometimento dessa nulidade processual, ou cuja prolação consubstancia ela própria o cometimento da nulidade processual secundária, acabando esta por se traduzir numa nulidade da própria decisão judicial proferida[5].  
 Daí que se imponha extrair uma primeira consequência em relação ao caso sobre que versam os autos: a ter a decisão recorrida sido proferida com violação do princípio do contraditório que assiste às partes, então porque essa omissão se traduz numa nulidade processual secundária que inquina a própria decisão recorrida em si, e contrariamente ao pretendido pela recorrida, o meio de reação contra aquela não é a sua arguição mediante reclamação a apresentar junto do tribunal recorrido, mas antes o recurso interposto daquela decisão (como fez a recorrente, onde suscitou essa pretensa nulidade), competindo ao tribunal ad quem dela conhecer, sem que exista qualquer obstáculo processual a esse conhecimento.
Posto isto, cumpre, pois, verificar se a decisão recorrida, em que se julgou extinta a instância da presente ação declarativa por deserção, foi proferida com efetiva violação do princípio do contraditório que assiste às partes (mormente, à recorrente, que suscitou essa violação).
Lê-se no art. 281º que:
“1- Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2- (…) (Sem interesse para o caso sobre que versam os autos, porquanto respeita à deserção da instância nos recursos).
3- Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontra a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4- A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5- No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Resulta da disposição legal que se acaba de transcrever que: enquanto o seu n.º 1 regula a extinção da instância por deserção nas ações em geral (ações declarativas, incidentes, providências cautelares), o seu n.º 5 respeita à extinção da instância executiva por deserção.
Como bem salienta a recorrida, no âmbito do despacho recorrido a 1ª Instância julgou extinta a instância por deserção, nos termos do disposto nos arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 5 do CPC, quando esta última disposição não é manifestamente aplicável aos presentes autos, dado que neles se está na presença de uma ação declarativa (em que a recorrente pede que se declare nulo o casamento celebrado entre o seu falecido pai e a recorrida, em ../../2019); pelo que a disposição legal que se impunha que tivesse sido aplicada pela 1ª Instância não era a do n.º 5, mas antes a do n.º 1 do art. 281º.
No entanto, diversamente daquele que parece ser o entendimento da recorrente, desse lapso em que incorreu a 1ª Instância na identificação da norma que aplicou ao caso dos autos não decorre, salvo melhor opinião, qualquer consequência jurídica, designadamente quanto ao conhecimento por esta Relação: da nulidade que a recorrente assaca à decisão recorrida (em virtude de nela ter sido alegadamente preterido o princípio do contraditório que lhe assiste, consubstanciando a decisão recorrida uma pretensa decisão-surpresa si); ou do erro de direito que assaca ao que nela se encontra decidido (decorrente de o impulso processual do presente processo não estar dependente do seu impulso processual, mas antes desse impulso se impor ao próprio julgador a quo). Com efeito, está-se na presença de um mero erro de escrita, que é evidenciado pelo texto da própria decisão recorrida (em que se lê que os “presentes autos de anulação de casamento”, isto é, que a presente ação respeita a uma ação declarativa em que vem peticionada a declaração da nulidade de casamento).
Por isso, nos termos dos arts. 614º do CPC e 249º do CC, esse erro de escrita era retificável, oficiosamente ou a requerimento das partes, enquanto o presente recurso não tivesse subido a esta Relação (n.º 2, do art. 614º)[6].
E não tendo sido requerida a retificação do identificado erro de escrita pelas partes, nem tendo o tribunal recorrido determinado a sua retificação oficiosamente antes da subida do presente recurso, nada obsta a que esta Relação proceda ao enquadramento jurídico feito pela 1ª Instância (n.º 1 do art. 285º), mas em que, por lapso calami, aludiu ao n.º 5 (que se reporta à deserção da instância no âmbito dos processos executivos), mais que não fosse por aplicação do n.º 3, do art. 5º.
Posto isto, cumpre enfatizar que o regime da extinção da instância por deserção do atual art. 281º foi introduzido na sequência da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, ao CPC, que procedeu a profundas alteração ao nível desse regime, na medida em que a deserção da instância, no regime processual anterior, era resultado da instância se encontrar interrompida durante dois anos.
Neste sentido, lia-se no art. 291º, n.º 1 do anterior CPC que se considerava “deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”.
Por sua vez, estabelecia o art. 285º do mesmo Código que a instância se interrompe quando “o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente do qual dependa o seu andamento”.
Na antecedente redação do CPC, a deserção da instância tinha, assim, como pressuposto que a instância estivesse interrompida durante dois anos, sem o impulso das partes, por negligência destas em promover esse impulso quando sobre elas recaísse esse ónus, operando a deserção ope legis, isto é, independentemente de qualquer despacho (que declarasse expressamente a extinção da instância por deserção.)
A dispensa de despacho expresso julgando extinta a instância por deserção no anterior regime processual civil era justificada pela jurisprudência dominante com a circunstância de ter sido proferido prévio despacho expresso quanto à interrupção da instância.
Na verdade, conforme decorre do antes transcrito art. 285º, no regime processual anterior a interrupção da instância não operava automaticamente mas pressupunha a verificação de dois requisitos legais cumulativos: um objetivo, que consistia em o processo estar parado por mais de um ano, por falta de impulso da parte que tinha o ónus e o interesse de o impulsionar; e um subjetivo, que consistia em que esta, por negligência, omitir esse impulso.
No domínio da anterior lei adjetiva a interrupção da instância reclamava, portanto, que o julgador proferisse uma decisão expressa em que emanasse um juízo no sentido de verificar (ou não) o preenchimento dos dois requisitos legais cumulativos acabados de referir, a saber: se o processo se encontrava parado há mais de um ano por falta de impulso processual da parte onerada com esse impulso e que nele tinha interesse; e se essa falta de impulso se devia a negligência da parte que se encontrava onerada com ele, por ser a única que dispunha de legitimidade e de interesse para o promover.
Note-se que embora o anterior art. 285º não fosse expresso em exigir que o juiz emanasse despacho expresso em que averiguasse da verificação (ou não) dos dois requisitos legais cumulativos acabados de referir, era pacífico o entendimento que era necessário o mesmo, pelo que a instância apenas era considerada interrompida com a prolação daquele que a reconhecesse[7], discutindo-se, aliás, se essa decisão tinha natureza meramente declarativa[8], ou constitutiva[9].
Essa discussão persiste atualmente, na sequência da revisão ao CPC, operada pela Lei n.º 41/2013, agora a propósito da decisão judicial que julgue extinta a instância por deserção[10]
Destarte, quer na atual versão do Código que emergiu da reforma do processo civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, quer na versão anterior, a deserção constitui uma das formas de extinção da instância.
Porém, enquanto no regime processual civil anterior a deserção da instância estava dependente da prévia interrupção da instância, que tinha de ser expressamente declarada pelo julgador, depois de verificar se os dois requisitos legais cumulativos já enunciados estavam ou não preenchidos (o objetivo, traduzido na circunstância do processo estar parado há mais de um ano por falta de impulso processual da parte com ele onerado e que tinha interesse no seu andamento; e o subjetivo, decorrente da negligência da parte onerada e com interesse em o promover), na sequência daquela revisão, a deserção da instância deixou de estar dependente da sua prévia interrupção; e o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual que antes estava previsto para a interrupção da instância transitou para a deserção desta. Isto é, a verificação dos dois anteriores pressupostos legais cumulativos (objetivo e subjetivo) necessários para que antes fosse declarada interrompida a instância, passaram agora, na vigência do atual CPC, a serem necessários para que a instância possa ser declarada extinta por deserção.
Deste modo, à semelhança do que sucedia no anterior CPC (em que a interrupção da instância não era algo que decorresse automaticamente da circunstância do processo se encontrar parado por falta de impulso processual das partes durante mais de um ano), no regime do CPC que emergiu da reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 (que vigora desde ../../2013), para além de se ter encurtado aquele prazo (de um ano para seis meses), também a deserção da instância não ocorre de forma automática da circunstância do processo estar parado durante  um período superior a seis meses por falta de impulso processual das partes que com ele se encontrem oneradas e que nele tinham interesse; exige-se, para além da verificação desse requisito objetivo, que se verifique cumulativamente um pressuposto subjetivo, qual seja, a circunstância dessa falta de impulso processual por mais de seis meses ser de imputar a título de negligência à parte a quem incumbe e tem interesse no impulso processual.
Destarte, com exceção dos casos da deserção da instância nas ações executivas, em que a deserção da instância executiva opera independente de qualquer decisão judicial que a declare (n.º 5 do art. 281º), nos processos de natureza declarativa, como é o caso da ação sobre que versam os autos, a deserção da instância tem de ser declarada necessariamente por despacho judicial expresso, em que o juiz tem de apreciar se se verificam (ou não) os dois requisitos legais cumulativos acabados de identificar, isto é: a) o objetivo - o processo encontrar-se há mais de seis meses sem impulso processual das partes que com ele se encontravam oneradas e que nele tinham interesse -; e b) o subjetivo - o processo encontrar-se sem esse impulso processual há mais de seis meses por negligência da parte que tem o ónus legal de o promover e nele tem interesse.
Enfatize-se que, nos termos do n.º 5 do art. 281º, apesar de no processo de execução a extinção da instância por deserção operar os seus termos legais independentemente de qualquer decisão judicial que a determine, a deserção também está dependente da verificação desses dois pressupostos legais cumulativos (o objetivo e subjetivo), conforme, aliás, decorre do próprio elemento literal daquela norma.
O regime particular do n.º 5 do art. 281º, que dispensa qualquer decisão judicial expressa declarando a extinção da instância executiva por deserção, prende-se com a particularidade de no processo executivo a competência para declarar extinta a instância executiva por deserção se encontrar atribuída ao agente de execução (e não ao juiz); pelo que é o primeiro que terá de emitir o enunciado juízo sobre a verificação (ou não) daqueles dois requisitos legais cumulativos (objetivo e subjetivo), necessários à extinção da instância executiva por deserção. Caberá, porém, reclamação dessa decisão para o juiz da execução (por parte de quem com ela não se conforme e fique prejudicado com o nela decidido), que confirmará ou revogará a decisão do agente de execução[11].
Deste modo, em suma, dir-se-á que, tal como na anterior versão do CPC se exigia a verificação dos dois já identificados requisitos legais cumulativos para que a instância pudesse ser declarada interrompida, atualmente, na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, desaparecida a interrupção da instância como condição para que a instância possa ser julgada extinta por deserção, a extinção da instância por deserção exige a verificação dos mesmos dois pressupostos legais cumulativos: a) o objetivo - a paragem do processo por mais de seis meses, por ter sido omitido a  prática do ato de que dependia o seu prosseguimento (respeitante ao próprio processo, ou a incidente de que dependia o prosseguimento da ação principal[12]) por parte de quem a lei faz impender esse ónus e tem interesse na promoção processual da concreta ação, incidente, procedimento cautelar ou ação executiva que ficou paralisado; e b) o subjetivo - ser essa omissão devida à negligência da parte que tinha o ónus e o interesse de promover o prosseguimento do processo, isto é, o dever de praticar, por si, o ato ou a atividade (e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro) de que estava dependente o prosseguimento do processo.
Note-se que o que se acaba de concluir é a única interpretação consentânea com o elemento literal do atual vigente art. 281º, sem que se possa descurar que, nos termos do n.º 3, do art. 9º do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E também é aquela que se mostra conforme ao seu elemento histórico, como acima já sobejamente se analisou e demonstrou face aos seus antecedentes. Finalmente, essa interpretação também é a que se mostra conforme ao elemento teleológico da norma em causa, quando se pondera que a extinção da instância por deserção assenta no princípio da autorresponsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem indefinidamente em tribunal, quando a parte onerada com o impulso processual e que nele tem interesse se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento célere do processo, como lhe é exigível que o faça.
A extinção da instância por deserção assenta, assim, na omissão negligente da parte em promover o andamento célere do processo (quando apenas a ela lhe incumba fazê-lo e nisso tem interesse) e na paragem da sua marcha (globalmente considerada), constituindo-se a extinção da instância por deserção como resultado causalmente adequado daquela sua atitude omissiva, quando essa promoção estava dependente de si[13].
Compreende-se, por isso, que a extinção da instância por deserção não se baste com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, em virtude da parte que tem o ónus e o interesse de promover o seu andamento não o promover, mas que se exija adicionalmente que essa paralisia se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputável à negligência das partes, máxime, do autor, requerente ou exequente (o que pressupõe que sobre aquelas impenda um efetivo ónus e interesse de impulsionar o processo, em derrogação do dever de gestão processual que o art. 6º do CPC impõe ao juiz, de providenciar pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento do mesmo).
É assim que, relativamente ao requisito de natureza objetiva (falta de impulso processual das partes durante um período superior a seis meses), para que se verifique não releva qualquer paragem, nem qualquer espera do processo, decorrente do incumprimento pela parte de um puro dever de colaboração: é necessário que o processo esteja sem movimento processual por se estar a aguardar o cumprimento pelas partes (designadamente, pelo autor, requerente ou exequente) do cumprimento de um ónus legal (ou seja, de um dever - ato ou atividade - que lhe é imposto por lei e em cuja prática é o único que tem interesse e que, portanto, está  unicamente dependente da sua iniciativa), e cuja omissão impede que o processo possa prosseguir o seu normal iter processual. É o caso da suspensão da instância por falecimento de alguma das partes, em que a instância, uma vez feita a prova do facto, se suspende imediatamente (art. 271º), ficando o processo a aguardar que o autor, requerente ou exequente habilite os sucessores da parte falecida, por apenas as partes disporem de legitimidade ativa para instaurarem o incidente de habilitação (art. 351º, n,º 1), e ser aquele que tem interesse em o promover, sem o que o processo não poderá prosseguir os seus termos legais[14].
Destarte, em suma, para que se verifique o requisito objetivo para a extinção da instância por deserção é necessário que o processo esteja paralisado há mais de seis meses (isto é, sem andamento), aguardando o impulso processual das partes (designadamente, do autor, requerente ou exequente), quando sobre estas impenda um verdadeiro ónus legal  e interesse em promover o impulso processual (isto é, que pratique um determinado ato ou atividade, que apenas aquelas têm legitimidade e interesse em praticar) e de cuja prática está dependente o andamento normal da marcha do processo. E que adicionalmente se verifique o elemento subjetivo: a negligência da parte onerada com esse ónus e que tem interesse no seu cumprimento de que dependia o normal prosseguimento do processo.
Porque assim é, num processo caracterizado pelo dever de gestão processual, em que este é assumido como um autêntico dever do juiz, e não como um simples princípio meramente orientador ou programático, em que se impõe àquele uma postura ativa na respetiva condução e na promoção no seu andamento célere (art. 6º, n.º 2), em que o princípio regra é o de que lhe cabe promover oficiosamente todas as diligências necessárias ao seu normal e célere prosseguimento, e em que apenas constituem exceções a esse princípio regra os casos em que a lei impõe o impulso processual sobre as próprias partes, em que acrescidamente (tal como anteriormente já se deixou enunciado) os dois requisitos legais cumulativos que no anterior art. 285º se encontravam enunciados para que a instância pudesse ser declarada interrompida, transitaram, no âmbito da atual redação do CPC, para a deserção da instância (em que, reafirma-se, para que a instância possa ser julgada extinta por deserção não basta que o processo esteja paralisado durante um período superior a seis meses, mas antes é imprescindível que tal aconteça por falta de impulso processual devido pelas partes, nomeadamente, pelo autor, requerente ou exequente), a extinção da instância por deserção reclama que a lei adjetiva  imponha efetivamente um ónus legal às partes de praticarem um ato ou uma atividade necessários ao prosseguimento da instância, por ato insubstituível destas, sem o que o processo não poderá prosseguir o seu andamento normal; e, bem assim, que a parte onerada com esse ónus e que tenha o interesse em promover o andamento do processo omita  a título de negligência esse ato ou atividade necessários a esse prosseguimento normal do processo.
Por isso, compreende-se que, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial maioritários, se entenda que “o prazo de seis meses conta-se, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo perentório, a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que a alerta para a necessidade do seu impulso processual”[15].
Na verdade, perante as consequências drásticas decorrentes da extinção da instância por deserção para a parte que não cuidou em promover o impulso processual com que se encontrava  legalmente onerada e que era a única interessada em praticar o ato ou a atividade de que o andamento normal do processo estava dependente, perante o já enunciado princípio regra (segundo o qual o impulso processual impende, em princípio, sobre o juiz, e só excecionalmente sobre as próprias partes), o prazo de seis meses previsto para a extinção da instância por deserção não se inicia sem que seja expressamente advertida pelo tribunal de que o processo fica a aguardar o seu impulso; e sem que, assim, fique informada para as consequências jurídicas que para si decorrerão no caso de ausência desse impulso.
Acresce que, provindo a norma contida no atual n.º 1 do art. 281º do CPC para a deserção da instância do anterior revogado art. 285º (para a interrupção da instância), nada justifica que para que se possa iniciar agora o prazo de deserção da instância se dispense o anterior exigido despacho judicial expresso e prévio para que se iniciasse a contagem do prazo de interrupção da instância, tanto mais que as exigências que reclamavam esse despacho saíram reforçadas no atual vigente CPC, decorrente: do encurtamento do prazo conducente à deserção (mais de seis meses, quando o anterior prazo para a interrupção da instância ascendia a mais de um ano); e do acentuar dos deveres do juiz na condução do processo (art. 6º) e dos deveres de cooperação (art. 7º).
Deste modo é que se entende que, por força do princípio da cooperação, reforçado no atual CPC, impenda sobre o juiz o ónus de advertir a parte onerada com o impulso processual que o processo fica a aguardar o seu impulso, alertando-a para as consequências gravosas que podem advir da sua inércia, decorrido que seja o prazo fixado na lei sem que esse impulso ocorra. E se entenda que a omissão desse despacho constitua uma nulidade processual[16], a qual, segundo uns, poderá ser sanada com a fixação pelo tribunal dum prazo adicional razoável para o ato omitido[17].
Acontece que, sem colocar em crise a necessidade de, em regra, ser necessário proferir despacho judicial (advertindo a parte de que o processo fica a aguardar o seu impulso processual e, bem assim, advertindo-a  para as consequências gravosas que para si decorrerão em consequência da omissão daquele), no seguimento de parte da jurisprudência do STJ, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa sustentam que esse despacho é dispensável quando, perante o teor de determinado despacho e os dados conferidos pelo processo, se mostre “evidente quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo da instância decorrente da inércia prolongada”.
Neste sentido, escrevem estes autores que, “atenta a diversidade dos factos que colidem com o regular andamento da causa, na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância. Daqui pode resultar que, antes de declarar o efeito extintivo da instância decorrente da deserção, se mostre necessário que o juiz sinalize, por despacho, ser aquela a consequência da omissão de algum ato processual. (…). O simples facto de, por exemplo, o juiz solicitar ao autor a junção de determinado documento, sem apontar qualquer consequência, não legitima que, através de um encadeamento de juízos, se extraia o efeito de deserção da instância, decorrido que seja o prazo de 6 meses (cfr. STJ 3-10-2019, 1980/14, STJ 14-05-19, 3422/15 e STJ 3-05-2018, 217/12); só a ordenada junção de documento essencial para o prosseguimento da ação (não de documento meramente probatório) poderá determinar a deserção (RP 4-2-2019, 1082/10). (…). O resultado já poderá ser diverso quando se mostrem evidentes quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo da instância decorrente da inércia prolongada. É o que ocorre nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes (RP de 2/09/2018, Proc. 21055/15). Como resulta claro do art. 269º, n.º 1, al. a), a partir de então, passa recair sobre a parte o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam os arts. 276º, n.º 1, al. a) e 351º. Ora, a não ser que a parte revele dificuldades na identificação daqueles ou na obtenção da necessária documentação, dentro do referido prazo de 6 meses ou de outro prazo que resulte de alguma prorrogação, verificar-se-á uma situação de inércia a si imputável, nos termos do n.º 3, com efeitos na deserção da instância (STJ 22-02-2018, Proc. 473/14 e STJ de 20-09-2016, Proc. 1742/09)”[18].  
Com efeito, em consonância com o entendimento acabado de referir, ao qual aderimos, no acórdão do STJ. de 20/04/2021, Proc. 27911/18.4T8LB.L1.S1, a propósito de uma situação em que a instância foi declarada suspensa em virtude do falecimento de um dos réus, ponderou-se que “a autora teve conhecimento que a instância ficou suspensa por óbito dos Réus e que deveria promover o incidente de habilitação (ficando suspensa até esse momento) para que os autos prosseguissem os seus termos. As partes não podem deixar de saber que a suspensão da instância conduziria à deserção da instância se, por sua negligência, os autos continuassem sem impulso durante seis meses, não se podendo classificar como uma decisão surpresa (violadora do princípio do contraditório) a decisão que julga extinta a instância por deserção. Competia às partes, sem necessidade de intervenção do tribunal, dar conhecimento no processo (atenta a não dedução do incidente de habilitação de herdeiros) de todas as suas eventuais dificuldades para deduzirem o incidente, podendo solicitar a intervenção do tribunal para afastar eventuais obstáculos que tivessem encontrado”[19].
A propósito da suspensão da instância para que o autor efetuasse o registo da ação, decidiu-se no Ac. STJ de 08/03/2018, Proc. 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 que, “tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da ação, não impende sobre o tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do CPC, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/negligência. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus de impulso processual”.
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso sobre que versam os autos, dir-se-á que a circunstância de previamente à prolação de decisão recorrida (em que se julgou extinta a instância por deserção) não se ter notificado as partes (nomeadamente, a recorrente /Autora) para que se pronunciassem quanto à extinção da instância por deserção, não implicou qualquer violação ou limitação ao princípio do contraditório que lhe assiste, mormente, na sua dimensão positiva (art. 3º, n.º 3).
Na verdade, no despacho proferido em 06/07/2023 suspendeu-se a instância pelo prazo de quarenta e cinco dias requerido pelas partes e determinou-se que os autos ficavam a aguardar o impulso processual da recorrente (Autora).
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, com a notificação desse despacho a recorrente ficou bem ciente que, na perspetiva (certa ou errada) da 1ª Instância, o processo estava dependente do seu impulso processual; pelo que ficou advertida (tanto mais que se encontrava patrocinada por advogado) que, decorrido o prazo de suspensão da instância sobre a notificação do despacho em que assim se decidiu, sem que promovesse esse impulso processual, seria julgada extinta a instância por deserção em virtude da sua negligência em não ter promovido o respetivo impulso durante mais de seis meses.
E tendo naquele despacho o tribunal recorrido advertido a recorrente que os autos ficavam a aguardar o seu impulso processual, antes da prolação do despacho recorrido (em que julgou extinta a instância por deserção), não lhe competia estar a notificá-la, ao abrigo do n.º 3, do art. 3º, para que se pronunciasse quanto a essa concreta questão, a fim de que eventualmente carreasse para o processo factos e provas de onde decorresse que não tinha promovido esse impulso processual por motivos que lhe são alheios; era antes sobre ela que (por ter sido devidamente notificada daquele despacho e estar devidamente advertida das consequências jurídicas que decorreriam da ausência desse impulso, decorridos que fossem mais de seis meses sobre a respetiva notificação e do decurso da suspensão da instância de 45 dias), que, antes do decurso daquele, impendia o ónus de alegar factos de onde decorresse que a ausência desse impulso processual não lhe podia ser imputada a título de negligência, e carreando ainda para o processo a prova necessária à demonstração dessa facticidade por si alegada.
Destarte, decorre do que se vem dizendo que a decisão recorrida não padece do vício da nulidade, por pretensa violação do princípio do contraditório, não configurando qualquer decisão-surpresa em relação à recorrida, uma vez que, mediante a notificação do despacho de 06/07/2023, foi devidamente advertida que, uma vez decorrido o prazo de suspensão da instância (45 dias), os autos ficavam a aguardar o seu impulso processual e para as inerentes consequências jurídicas que para si decorreriam da ausência desse impulso por um período superior a seis meses.
 
B- Do erro de direito.

Sustenta a recorrente que, apesar de ter sido notificada do despacho proferido em 06/07/2023 (em que o julgador a quo a advertiu que a presente ação declarativa ficava dependente do seu impulso processual), ao julgar extinta a instância por deserção a decisão sob sindicância padece de erro de direito; e isto porque, contrariamente ao entendimento nele sufragado pela 1ª Instância, o andamento do processo não estava dependente do impulso processual de nenhuma das partes (nomeadamente, do da própria recorrente), mas exclusivamente do impulso do próprio tribunal. E, antecipe-se desde já, com inteira razão.
Como já sobejamente analisado e demonstrado, a extinção da instância por deserção está dependente da verificação de dois requisitos legais cumulativos: o objetivo, traduzido no facto do processo estar paralisado há mais de seis meses por falta de impulso processual da parte sobre quem a lei faz depender esse impulso e que nele tem interesse; e o subjetivo, consistente na ausência desse impulso ser imputável a título de negligência à parte que com ele se encontrava onerada e que tinha nele interesse.
No caso dos autos, na véspera da data que se encontrava designada para a realização da audiência final, as partes requereram a suspensão da instância pelo prazo de 45 dias, com vista a formalizarem o acordo a que, entretanto, disseram terem chegado (cfr. requerimento entrado em juízo em 17/05/2023).
Apesar do n.º 4 do art. 272º estabelecer que “As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”, o que não era o caso, posto que o deferimento da suspensão da instância requerida pelas partes, por despacho proferido em 17/05/2023, teve como consequência necessária o adiamento da audiência final que já se encontrava designada no presente processo, certamente apelando ao regime do art. 273º, n.º 1 (e não, conforme se escreve naquele despacho, ao do art. 272º, n.º 4), a 1ª Instância suspendeu a instância do presente processo pelo prazo requerido de 45 dias; e, em consequência, deu sem efeito a audiência final que se encontrava designada nos autos.
Acontece que, decorrido aquele prazo de 45 dias de suspensão da instância, sem que as partes tivessem junto ao processo a almejada transação que alegaram terem celebrado entre si e que faltava apenas formalizar, e sem que a recorrente tivesse declarado desistir do pedido ou da instância, impunha-se que a 1ª Instância tivesse agendado nova data para a realização de audiência final, dado que a designação desta não se encontrava dependente da prática de qualquer ato processual pelas partes (mormente, pela recorrente) que obstasse a essa designação, mas antes se encontrava dependente unicamente de despacho do tribunal agendando data para a sua realização (arts. 6º, n.º 1, 150º, 151º, 591º, n.º 1, al. g), 593º, n.ºs 1 e 2, al. d) e 603º, n.º 1, parte final).
Destarte, apesar de uma vez decorrido o prazo de suspensão da instância, o tribunal recorrido, por despacho proferido em 06/07/2023, ter ordenando a notificação das “partes para requererem o que tiverem por conveniente, sendo a Autora notificada de que os autos ficam a aguardar o respetivo impulso processual”, e deste despacho ter sido notificado à última, que não requereu a designação de nova data para a realização da audiência final, é manifesto que o despacho recorrido (que julgou extinta a instância por deserção), padece de erro de direito, dado que a designação de nova data para a realização de audiência final não estava dependente de qualquer requerimento que a lei processual civil impusesse às partes (designadamente, à recorrente, solicitando essa designação), mas antes constituía obrigação exclusiva do tribunal designar a nova data para a realização da audiência final.
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o presente processo não esteve sem andamento processual por motivo imputável à recorrente, e muito menos a título de negligência, mas antes pela circunstância de o tribunal não ter promovido o seu andamento, mediante a designação de nova data para a realização de audiência final, conforme lhe era legalmente exigível que fizesse.
Decorre do excurso antecedente impor-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida (que julgou extinta a instância por deserção) e ordenar à 1ª Instância que prossiga com a instância, com a designação de nova data para a realização de audiência final.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- A decisão recorrida (em que se julgou extinta a instância por deserção), proferida sem que se tivesse previamente notificado as partes (designadamente, o autor) para que se pronunciassem sobre a extinção da instância por deserção, não padece do vício da nulidade, por violação do princípio do contraditório, não consubstanciando qualquer decisão-surpresa para aquelas, quando se verifica que, no despacho em que se suspendeu a instância a requerimento das partes, se notificou o autor que, decorrido o prazo de suspensão da instância, o processo ficaria a aguardar o seu impulso processual; e, desse modo, o autor ficou bem ciente que, na perspetiva do tribunal (certa ou errada), uma vez decorrido o prazo de suspensão da instância, o andamento do processo ficava dependente da prática de um ato ou de atividade processual da sua parte e ficou devidamente advertido para as consequências jurídicas que para si decorreriam caso omitisse esse ato ou atividade por um período superior a seis meses.
2- A extinção da instância por deserção está dependente da verificação de dois requisitos cumulativos: 1) requisito objetivo, consistente no não andamento do processo por um período de mais de seis meses, em virtude desse andamento estar dependente da prática de ato ou de atividade processual que a lei adjetiva impõe às partes e em cuja prática o autor é o único que tem nisso interesse; e 2) a omissão da prática desse ato ou atividade por parte do autor a título de negligência, durante um período superior a seis meses, a contar da notificação do despacho que afirmou que o processo ficava a aguardar o seu impulso processual.
3- Não se verificam os requisitos legais fixados para a extinção da instância por deserção quando a suspensão da instância, a requerimento das partes, foi requerida e deferida em vésperas da data que se encontrava designada para a realização da audiência final no processo (que, em consequência dessa suspensão da instância, foi dada sem efeito), uma vez que, decorrido o prazo de suspensão da instância, o andamento normal do processo estava unicamente dependente da designação de nova data para a realização da audiência final; e essa designação não estava dependente de qualquer ato ou atividade processual que a lei adjetiva impusesse ao autor, mas antes tratava-se de um ónus que a lei comete exclusivamente ao juiz (a designação de nova data para a realização da audiência final).
*
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida (que julgou extinta a instância por deserção) e ordenam à 1ª Instância que prossiga com a instância, com a designação de nova data para a realização de audiência final.
*
Custas da apelação pela recorrida, dado que tendo pugnado pela improcedência do presente recurso, ficou nele “vencida” (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 12 de junho de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Maria João Marques Pinto de Matos – 2ª Adjunta


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 20.
[3] Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 29.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 249, nota 8, em que expendem: “Mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. A reclamação e o recurso não são meios de impugnação concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade. Mas se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática de um ato ou se determinada decisão (máxime a sentença) for precedida de nulidade de conhecimento oficioso ou tiver faltado alguma formalidade de cumprimento obrigatório, ajustar-se-á a imediata interposição de recurso”. E a fls. 762, notas 1 e 2 da mesma obra, adiantam: “Importa que se estabeleça uma separação entre nulidades do processo (art 195º) e nulidades de julgamento (art. 615º), sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos. Ocorre, porém, que nem sempre esta distinção é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (v.g. cumprimento do contraditório antes de apreciar ex offcio uma determinada questão) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se, então, a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada. (…). Outra situação que suscita dúvidas respeita às consequências que emergem da prolação de decisão formal ou de mérito no despacho saneador sem que seja precedida das diligências impostas por lei, nos termos do art. 590º, n.ºs 2, 3 e 4”.
No mesmo sentido José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 404 e 405, em que escrevem: “A nulidade do ato processual, de que cuida em geral o artigo em anotação (referindo-se ao art. 195º do CPC), distingue-se das nulidades específicas das sentenças e dos despachos (arts. 615-1, alíneas b) a e), e art. 613-3), bem como do erro material (art. 614) e do erro de julgamento (de facto ou de direito). Enquanto estes casos respeitam a vícios de conteúdo, o vício gerador da nulidade do art. 195, bem como os que geram as nulidades de que tratam os arts. 187 a 194 (não assim já a causa da ineptidão da petição inicial) e o art. 615-1-a (falta de assinatura do juiz), respeitam à própria existência do ato ou às suas formalidades. Assim também, quando um despacho judicial aprecia a nulidade dum ato processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática dum ato da parte que não poda ter lugar, ordena a prática dum ato inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo ato prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional (art. 613-1). É o que usa ser traduzido com o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se””.
Na jurisprudência: Acs. STJ., de 07/04/2005, Proc. 05B205; de 25/11/2008, Proc. 08A3501; de 16/12/2021, Proc. 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1; R.G., de 15/12/2022, Proc. 469/20.7T8AVV-A.G1; de 13/06/2016, Proc. 713/14.0TVRRL.G1; de 23/02/2010, Proc. 2667/09.5TBBCL-B.G1; RE., de 25/10/2012, Proc. 381658/10.5YIPRT.E1.
[6] Ac. R.G. de 30/11/2022, Proc. 2273/07.9TBBCL-N.G1, relatado pelo aqui relator e a múltipla jurisprudência aí identificada a propósito do conceito de “erro de escrita” e requisitos necessários à sua retificação.
[7] Neste sentido, Ac. do STJ, de 13.05.2003, Processo n.º 03A584; de 15.06.2004, Processo n.º 04A1519; e de 28.02.2008, Processo n.º 08B520, todos in base de dados da DGSI, a que se referem todos os arestos infra indicados, sem menção em contrário.
[8] Ac. do STJ, de 12.01.1999, BMJ, n.º 483, pág. 167; de 30.10.2002, Processo n.º 02P2756.
[9] Ac. do STJ, de 13.05.2003, Processo n.º 03A584; de 31.01.2007, Processo n.º 06B3632; de 28.02.2008, Processo n.º 08B520; de 12.02.2009, Processo n.º 09A0150.
[10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Antado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 350, nota 12: “Suscitam-se outras dúvidas a respeito da natureza da decisão que declara a deserção da instância, ou seja, se se trata de uma decisão de natureza constitutiva, dependente da emissão de despacho judicial (como advogam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, e Lebre de Freitas), ou meramente declarativa (como defende Ramos de Faria, “O Julgamento da deserção da Instância Declarativa”, http://julgar.pt e Ac. RL de 20/12/2016, Proc. 3422/15)”.
No sentido de que o despacho que julga deserta a instância tem natureza constitutiva Ac. RC. de 17/05/2016, Proc. 2/14.0TBVIS.C1.

[11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 350, nota 14.
[12] Compreende-se, por isso, que se leia no art. 281.º, n.º 3, do CPC, que, tendo «surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
[13] Ac. STJ. de 14/05/2019, Proc. 3422/15.9T8LSD.L1-2.
[14] Neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 348 a 349, notas 2 a 5.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 573 e 574: “A deserção da instância não tem lugar perante a omissão, nomeadamente por terceiro, dum puro dever de colaboração (distinta da omissão da prática dum ato da parte destinado ao exercício dum seu direito. Assim, a não apresentação, pelo cabeça de casal, de nova relação de bens, para que o juiz fixou prazo, levará à aplicação duma sanção e eventualmente à remoção do cabeça-de-casal, mas não pode levar à deserção da instância (Ac. RE de 24/01/2018, Proc. 1393/12). Tão-pouco tem lugar a deserção, por falta do ónus de impulso processual quando, adiada a audiência final por as partes terem requerido um prazo para negociações, o termo do prazo concedido é excedido em seis meses sem que as partes tenham prestado qualquer informação ao tribunal: o processo devia ter prosseguido logo após o termo do prazo concedido às partes, mediante a designação de novo dia para a audiência final (Ac. RC de 06/03/2018, Proc. 349/14”.  
No mesmo sentido, Ac. STJ. de 14/05/2019, Proc. 3422/15.9T8LSB.L1-2, onde se pondera que “a deserção da instância assenta na omissão negligente da parte em promover o andamento do processo (quando apenas a ela lhe incumbe fazê-lo) e na paragem da sua marcha (globalmente considerada), constituindo-se esta como um resultado casualmente adequado daquela atitude omissiva. Resultando da facticidade processual que os autos não estão parados em virtude da iniciativa da autora em promover os termos processualmente ajustados às vicissitudes ocorridas na sequência das citações de alguns dos réus, há que concluir pela falta de verificação de um dos pressupostos de que depende a deserção da instância”.
Ainda Ac. da RG. de 02.05.2016, Processo n.º 1417/10.8TBVCT-A.G1, em que se lê que, para “que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe”.
Também Ac. da RE, de 27.05.2021, Processo n.º 3611/17.1T8FAR.E1, onde se expende que: “A deserção da instância funda-se no princípio da autorresponsabilidade das partes, pelo que pressupõe, desde logo, que sobre a parte recaia um ónus de impulso processual. Todavia, só excecionalmente cabe às partes o ónus de impulso processual subsequente, sendo ao juiz que incumbe dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo as diligências que se afigurem necessárias ao normal prosseguimento da ação, em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC. No caso em que a parte havia sido convidada a esclarecer se pretendia convolar (ou não) a demanda da ré para intervenção acessória (pagando a respetiva taxa de justiça), na falta de resposta da autora, o tribunal deveria ter promovido as diligência necessárias ao prosseguimento da ação, ou seja, deveria ter designado data para a realização de audiência prévia, ou, caso concluísse que a poderia dispensar, proferido o despacho previsto no art. 593º, n.º 3 do CPC, e não declarado a instância deserta por falta de impulso processual da autora”. 
[15] Neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., págs. 572 a 573.
Acs. da RG, de 09.0.2019, Processo n.º 2813/15.0T8BRG.G1; RC., de 14/06/2016, Proc. 500/12.0TBAGN.C1; RL., de 07/05/2020, Proc. 3820/17.3T8SNT.L1-6, RP., de 22/03/2021, Proc. 1927/18.9T8AVR.P1; e de 10/12/2019, Proc. 2127/15.0T8PRT.P1.
[16] Acs. RL de 09/07/2015, Proc. 996/06, e de 20/12/2016, Proc. 3422/15.
[17] Acs. RL. 26/02/2015, Proc. 2254/10.5TBABF.L1-2, RP. de 02/02/2015, Proc. 4178/12.
[18] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 349.
[19] No mesmo sentido, em casos em que a instância foi declarada suspensa em virtude do falecimento de uma das partes, Acs. STJ., de 12/01/2021, Proc. 380/17.3T8SNT.L1.S1, RE., de 11/02/02021, Proc. 573/16.6STC.E1,  mas em sentido contrário, na mesma situação, Ac. RP., de 14/07/2020, Proc. 15002/17.0T8PRT-A.P1.