Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3269/24.1T8VNF.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: COMPLEMENTO DA SENTENÇA DE INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Face a uma sentença de insolvência que a haja declarado com carácter limitado (por inexistência ou insuficiência do activo do devedor) pode ser requerido o seu complemento, desde que o requerente: i. o solicite no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença; ii. seja interessado nesse complemento (isto é, seja titular de um qualquer direito que seja postergado ou limitado pela declaração de insolvência em termos meramente limitados); iii. e deposite à ordem do processo de insolvência o valor estimado e especificado pelo juiz quanto às custas previsíveis decorrentes do complemento da sentença insolvencial e das dívidas previsíveis da massa insolvente ou, em alternativa, caucione esse pagamento mediante garantia bancária (excepto se se encontrar isento dessa obrigação, nomeadamente por inconstitucionalidade material desta última condição).

II. Verificadas que sejam essas três condições, o juiz é obrigado a complementar a sentença de insolvência com as restantes menções do n.º 1 do art.º 36º do CIRE, isto é, o processo de insolvência tem de prosseguir os seus termos legais de acordo com o modelo típico comum (que é a insolvência com carácter pleno).

III. A definição de interessado no complemento da sentença basta-se com a existência de um «interesse», sem que a lei o balize, por grau máximo (v.g. necessidade absoluta) e/ou por grau mínimo (v.g. mera utilidade); e, por isso, o trabalhador credor do insolvente que pretenda obter uma declaração do administrador da insolvência que viabilize a apresentação, junto do Fundo de Garantia Salarial, de requerimento para pagamento dos seus créditos laborais, é interessado, não lhe exigindo a lei, para perfectibilização desse seu interesse, que o recurso à reclamação de créditos no âmbito da insolvência seja o único meio para obter aquele documento.
Decisão Texto Integral:
Recurso(s) próprio(s), tempestivo(s) e admitido(s) com o modo de subida e com o efeito legalmente estabelecidos (art.º 652.º, n.º 1, al. a), a contrario, do CPC).
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Nada obsta a que dele(s) se conheça (art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC).
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. Decisão Sumária

A questão objecto da causa apresenta-se como manifestamente simples, encontrando-se já debatida na doutrina e na jurisprudência; e nos autos não está em causa qualquer impugnação de matéria de facto.
Profere-se, assim, decisão sumária (nos termos dos art.ºs  652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, ambos do CPC).

DECISÃO SUMÁRIA

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. No dia 15 de Maio de 2024 AA, residente na Rua ..., ..., em ..., ..., propôs um processo especial de insolvência, relativo a EMP01... Unipessoal, Limitada, com sede na Rua ... B, em ..., ..., pedindo que

· fosse declarada a insolvência de EMP01... Unipessoal, Limitada.
Alegou para o efeito, em síntese, que, dedicando-se a Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) à exploração de um gabinete de massagens e tendo ela própria sido admitida ao seu serviço em 04 de Janeiro de 2022, não lhe pagou os salários de Janeiro, Fevereiro e Março de 2024, inclusive.
Mais alegou que, tendo por tal motivo posto fim ao seu contrato de trabalho, teria direito a diversos créditos laborais (que discriminou), no montante global de € 7.009,72.
Por fim alegou que, existindo outros créditos contra a Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) - nomeadamente, de outros trabalhadores seus, do Instituto da Segurança Social e da Fazenda Pública -, a mesma não possui, porém, liquidez para os pagar, sendo ainda o seu passivo superior ao activo.

1.1.2. Devidamente citada (com a cominação de que, na falta de dedução de oposição, se teriam por confessados os factos alegados e de imediato decretada a respectiva insolvência), a Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) não deduziu qualquer oposição.

1.1.3. No dia 04 de Setembro de 2024 foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a insolvência da Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) com carácter limitado, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Nos termos e com os fundamentos expostos, entendo que a situação do requerido se enquadra nas als. a), b), c) e g) do citado preceito [art.º 20.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [1]].

Assim
e ainda de harmonia com o preceituado no artigo 36º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido:

1) Declarar a insolvência da requerida EMP01... UNIPESSOAL LDA, com sede na Rua ... B, ... ... - ..., com carácter limitado, uma vez que da factualidade alegada, o património da insolvente não será suficiente para a satisfação das custas do processo e dívidas da massa insolvente - artº 39 e 191 CIRE.
2) Fixo a residência ao sócio da insolvente na mesma morada.
3) Como Administrador da Insolvência nomeio a Sr.ª Dr.ª BB 
(…)»
 
1.1.4. No dia 04 de Setembro de 2024 foram publicados o edital e o anúncio de publicitação da sentença de insolvência (que aqui se dão por integralmente reproduzidos), prevendo a possibilidade de qualquer interessado poder requerer, no prazo de cinco dias, que a sentença fosse complementada com as restantes menções do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE, lendo-se nomeadamente nos mesmos:
«(…)
Conforme sentença proferida nos autos, verifica-se que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação por outra forma garantida.
Ficam notificados todos os interessados que podem, no prazo de 5 dias, requerer que a sentença seja complementada com as restantes menções do nº 1 do artº 36º do CIRE.
(…)»

1.1.5. No dia 11 de Setembro de 2024 a Requerente (AA) veio pedir o complemento da sentença (com as restantes menções do n.º 1 do at.º 36.º do CIRE), bem como a dispensa de depósito e de caução bancária (previstos no n.º 3 do art.º 39.º do CIRE), por insuficiência económica.
Alegou para o efeito, em síntese, que, pretendendo reclamar os seus créditos junto do Fundo de Garantia Salarial, não disporia de qualquer título para o efeito, necessitando, por isso, que lhe fosse emitida pela Administradora da Insolvência certidão de reclamação de créditos a realizar nos autos (o que o carácter limitado da declaração de insolvência impossibilitaria, já que neste contexto não há lugar à fase da reclamação de créditos).
Mais alegou que, estando obrigada a assegurar o futuro pagamento das custas e dívidas da insolvência, por meio de depósito do respectivo valor ou por meio de apresentação de conforme garantia bancária, não disporia de meios económicos para o efeito, beneficiando nos autos de apoio judiciário (nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono e dispensa de pagamento dos respectivos honorários).

1.1.6. No dia 16 de Setembro de 2024 foi proferido despacho, indeferindo a pretensão da Requerente (AA) de ver complementada a sentença, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Decidindo
Dispõe o art.º Artigo 336.º do Código de Trabalho, sob a epígrafe Fundo de Garantia Salarial que O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.
Segundo o art.º12,6,o) da L7/2009, que aprovou o Código de Trabalho, manter-se ia em vigor o disposto nos art.º 317 a 326 da Lei 35/2004, anterior Regulamento do Código de Trabalho, até à sua revogação pelo artigo 4.º al. a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que aprovou o Regime Material do Fundo de Garantia Salarial.

No âmbito deste diploma, dispõe o art. 5.º que
1 - O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido. 
2 - O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: 
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; 
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; 
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores
3 - O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita: 
a) Através de aposição de assinatura eletrónica; ou 
b) Através de assinatura manuscrita no verso do documento. 
4 - O requerimento é apresentado em qualquer serviço da segurança social ou em www.seg-social.pt, através de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da segurança social.
 
Como se vê da alínea c) do n.º 2, não havendo possibilidade de se obter declaração autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência, não fica a requerente inibida de exercer o direito de reclamar os pagamentos devidos ao FGS. Antes tem que diligenciar pela obtenção dessa declaração junto da autoridade administrativa competente.
Não pode é requerer o prosseguimento dos autos, acto manifestamente inútil em termos processuais, pois que o único propósito de um processo de insolvência é a satisfação dos credores pela liquidação do património do devedor insolvente (cfr. art.º 1 CIRE), que como se viu, não existe.
E a prática de actos inúteis esta vedada por lei – art.º 130 CPC.
Assim sendo, e uma vez que o prosseguimento dos autos consubstancia a prática de actos inúteis, e não se violando, com o encerramento dos autos, o direito da requerente em ver satisfeito o seu crédito pelo FGS, indefere-se o requerido complemento da sentença proferida.
 
Custas do incidente, que se fixam pelo mínimo legal, pela requerente.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com o despacho que lhe indeferiu o pretendido complemento da sentença de insolvência, veio a Requerente (AA) interpor recurso de apelação, pedindo que fosse provido.
                        
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. Vem a recorrente interpor recurso do despacho que indeferiu o complemento da sentença de declaração de insolvência, nos termos dos art.ºs 36.º e 39.º do C.I.R.E.

2. A recorrente sustenta o seu pedido de complemento da sentença na necessidade de reclamar e ver reconhecidos os créditos laborais que detém sobre a insolvente, condição necessária para aceder ao Fundo de Garantia Salarial.

3. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão com a alegação de que aquele ato seria inútil, nos termos do art.º 130.º do CPC.

4. A recorrente foi admitida ao serviço da insolvente, em 04/01/2022, por contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de massagista.

5. A recorrente manteve-se ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data de admissão até ../../2024, data em que faleceu o sócio-gerente da insolvente CC.

6. A recorrente cumpria 8 (oito) horas diárias de trabalho, auferindo como contrapartida do trabalho prestado a retribuição mensal no valor de 705,00 € (setecentos e cinco euros), que passou para o valor de 760,00 € (setecentos e sessenta euros) no ano de 2023.

7. A insolvente fixou o local de trabalho da recorrente na sua sede, sita na Rua ... B, ... ... - ....

8. Antes do decesso do sócio-gerente, as retribuições salariais eram pagas até ao dia 20 (vinte) de cada mês, pelo que a retribuição do mês de janeiro de 2024 não foi paga, apesar de a recorrente ter prestado a atividade a que se encontrava obrigada.

9. O contrato não caducou pela morte do gerente da recorrente, tendo-se mantido ativo e, apesar de interpelados e de contactados, os herdeiros do falecido não deram qualquer resposta aos trabalhadores.

10. A recorrente não recebeu o salário respeitante ao mês de janeiro, nem o de fevereiro, nem o de março do ano de 2024.

11. O sócio único faleceu e deixou herdeiros, os quais se tornaram contitulares da quota única, os quais devem exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum (art.º 222.º, n.º 1, do CSC); quando a quota faça parte da comunhão hereditária, o representante comum é, por força de lei, o cabeça de casal da herança (art.ºs 2079.º e 2087.º, ambos do Código Civil).

12. A recorrente endereçou carta à cabeça de casal, mas nunca obteve resposta.

13. A recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa ao abrigo do artigo 394.º nº 2 alínea a) do Código do Trabalho.

14. A recorrente tem o direito de exigir, como exigiu, da insolvente, de harmonia com o artigo 396.º do Código do Trabalho, o pagamento de uma indemnização a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base, por cada ano completo de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, no montante de 2.280,00 € (dois mil duzentos e oitenta euros), (2 anos x 760 € x 45 dias), nos termos do art.º 396º do Código do Trabalho.

15. A recorrente é credora da insolvente nos seguintes créditos laborais vencidos e não pagos: Salário referente ao mês de janeiro de 2024: 760.00 € (setecentos e sessenta euros); Salário referente ao mês de fevereiro de 2024: 760.00 € (setecentos e sessenta euros); salário referente ao mês de março de 2024: 760.00 € (setecentos e sessenta euros) – total = 2.280,00 € (dois mil duzentos e oitenta euros); Férias relativas ao trabalho prestado em 2023 e que seriam pagas no ano de 2024 e que se venceram a 01/01/2024: 760.00 € (setecentos e sessenta euros); Subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2023 e que seria pago no ano de 2024: 760.00 € (setecentos e sessenta euros); Proporcionais de férias no ano de cessação: 141,24 € (cento e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos); Proporcionais de subsídio de férias no ano de cessação: 141,24 € (cento e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos); Proporcionais de subsídio de natal no ano de cessação: 141,24 € (cento e quarenta e um euros e vinte e quatro cêntimos); Horas de formação profissional que nunca foram ministradas nem pagas relativas ao ano de 2022 e 2023 (40 horas anuais): 253,00 € + 253,00 € = 506,00 € (quinhentos e seis euros);

16. Pelo que, a recorrente é credora da insolvente no montante global de 7.009,72 € (sete mil e nove euros e setenta e dois cêntimos).

17. Sendo assim devidos os juros a contar do dia da constituição da mora (artigos 804º, 805º e 806º do Código Civil), ou seja, pelo menos, desde ../../2024, no valor de 184,35€ (cento e oitenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos).

18. De capital e juros, deve a insolvente à recorrente, a importância de € 7.194,07 € (sete mil cento e noventa e quatro euros e sete cêntimos).

19. Posto isto, em 15/05/2024, a recorrente requereu a insolvência da empregadora em virtude dos créditos alegados, como forma de ser ressarcida dos créditos laborais dos quais é credora.

20. Acresce que o Fundo de Garantia Salarial da Segurança Social exige a reclamação dos créditos para pagar o crédito indemnizatório.

21. Ao ser declarado o encerramento dos presentes autos, sem ser proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, acarreta avultados prejuízos quer à ora recorrente, bem como aos demais credores da insolvente, nomeadamente, outros trabalhadores de que dispunha a empresa.

22. O art.º 39.º n.º 1 do C.I.R.E prevê a possibilidade de nos casos em que o juiz encerre o processo de forma simplificada, pode qualquer interessado pedir, no prazo de 5 dias, que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do art.º 36.º

23. O “Edital Citação Credores” publicado a 04.09.2024 previu a possibilidade de qualquer interessado, no prazo de 5 dias, poder requerer que a sentença fosse complementada com as restantes menções do n.º 1 do art.º 36.º do C.I.R.E.

24. A recorrente requereu o complemento da sentença e justificou o requerido com as exigências do FGS que requer que os créditos sejam reclamados.

25. A recorrente carece de meios económicos, sendo isenta de custas, pelo que requereu a dispensa do ónus de prestar depósito ou caução bancária, pois beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça.

26. É indiscutível que a recorrente tem interesse no prosseguimento dos autos, para que possa reclamar os seus créditos e obtenha declaração ou cópia autenticada da reclamação de créditos do administrador da insolvência a que alude a al. a), do n.º 2 do art.º 5.º do DL. n.º 59/2015, para requerer o pagamento dos mesmos junto do FGS.

27. Argumenta o Tribunal a quo que a recorrente dispõe de outros meios para obter a declaração exigida para reclamar os seus créditos junto do Fundo, podendo essa declaração ser emitida pela Inspeção do Trabalho, e que, por isso, sob pena da prática de um ato inútil, aquela não pode requerer o complemento da sentença insolvencial, com o que não se concorda.

28. Pois não é inteiramente seguro que a recorrente possa obter junto da Inspeção do Trabalho aquela declaração, uma vez que esta só é obrigada a emiti-la quando “não seja possível obter os documentos previstos nas alíneas anteriores”, pelo que em caso de recusa de emitir essa declaração pela insolvente, entidade empregadora, ou do desconhecimento do paradeiro desta ou dos respetivos legais representantes, sempre a Inspeção do Trabalho pode fundadamente recusar a emissão desses documentos com o argumento que a recorrente podia ter requerido o complemento da sentença insolvencial.

29. Conforme entendido pelo Ac. do TRG, de 06-02-2020, “o interesse da apelante no prosseguimento do processo de insolvência é indiscutível quando se pondera que ainda que o administrador de insolvência tivesse legitimidade para lhe passar aqueles documentos para o Fundo (que não tem) e a insolvente ou a Inspeção do Trabalho se dispusessem a emitir-lhe esses documentos (o que está por demonstrar), podem surgir entre eles conflitos sobre o montante dos créditos devidos à apelante, até porque, nos termos da lei laboral, o trabalhador tem direito a receber uma compensação pelo despedimento ilícito que varia entre 15 e 45 dias por ano de antiguidade. Ora, a surgir esse conflito entre, por um lado, trabalhadora (apelante) e por outro, administrador de insolvência, entidade empregadora ou Inspeção do Trabalho, naturalmente que o mesmo terá se ser solucionado no âmbito dos presentes autos de insolvência, em que a apelante reclamará o seu crédito, e caso este não seja reconhecido pelo administrador da insolvência nos termos por ela pretendidos ou em caso de reconhecimento, caso venha a ser impugnado pela insolvente ou pelos restantes interessado, a questão terá de ser dirimida pelo tribunal.” Negrito e sublinhado nosso.

30. A interpretação feita pelo Tribunal a quo é inconstitucional por violação dos art.ºs 20.º n.ºs 1, 4 e 5; e 202.º n.ºs 1 e 2, ambos da CRP, na medida em que acaba por vedar à recorrente o direito a reclamar e ver reconhecidos os créditos laborais devidos, o que impede o acesso à justiça e à obtenção de uma decisão judicial.

31. O Tribunal a quo violou as disposições constantes dos art.ºs 39.º n.ºs 1 e 2 do C.I.R.E., 396.º do Código do Trabalho e dos art.ºs 20.º n.ºs 1, 4 e 5 e 202.º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
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1.2.2. Contra-alegações

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Requerente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente por a Requerente AA) ter direito a ver complementada a sentença de insolvência com carácter limitado (com todas as menções previstas no art.º 36.º do CIRE) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Declaração de insolvência com carácter limitado
4.1.1.1. Conteúdo regra da sentença de insolvência
O conteúdo da sentença de declaração e insolvência é objecto do art.º 36.º, n.º 1, do CIRE [4] , sendo que alguns dos elementos aí referidos são de caracter obrigatório enquanto que outros não o são [5].
Com efeito, prevê-se nomeadamente no n.º 1 do art.º 36.º citado [6]: a indicação da data e da hora de prolação da sentença (o que se justifica, tendo nomeadamente presente a não retroactividade da declaração de insolvência em relação às ordens de transferência ou compensação sobre valores mobiliários [7]); a identificação do devedor insolvente (incluindo a  sua sede, quando pessoa colectiva, ou residência, quando pessoa singular); a identificação dos administradores de direito e de facto do devedor e  a fixação da respectiva residência, fixando ainda a residência ao próprio devedor quando o mesmo seja pessoa singular; a nomeação do administrador da insolvência e a indicação do seu domicílio profissional; a determinação da administração da massa insolvente pelo devedor, quando se encontrem preenchidos os requisitos do n.º 2 do art.º 224.º do CIRE [8]; a notificação do devedor para entregar os  documentos referidos no art.º 24.º que ainda não estejam juntos; a determinação da apreensão dos elementos da contabilidade do devedor e dos seus bens, nos termos dos art.ºs 149.º e seguintes do CIRE;  a emissão da ordem de entrega de elementos ao Ministério Público que indiciem a prática de infração penal; a declaração de abertura do incidente de qualificação da insolvência, quando o juiz disponha já de elementos para o efeito (com caráter pleno, nos termos dos art.ºs 188.º e seguintes do Cire, ou limitado, nos termos do art.º 191.º do CIRE); a determinação do prazo de reclamação de créditos até 30 dias, nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes; a advertência aos credores quanto à comunicação das garantias reais de que beneficiem; a advertência aos devedores quanto a prestações a efectuar (ao administrador da insolvência e não ao próprio devedor); e a designação da assembleia de credores para apreciação do relatório para data entre 45 a 60 dias subsequentes nos termos do art.º 156.º do CIRE, ou a declaração fundamentada de se prescindir da sua realização [9].
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4.1.1.2. Pressupostos e efeitos da declaração de insolvência com carácter limitado
Lê-se no art.º 39.º, n.º 1, do CIRE que, concluindo «o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com caráter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.ºdo CIRE».
Recorda-se, a propósito, que o CIRE distingue entre dívidas da massa insolvente (enumeradas no art.º 51.º, n.º 1, do CIRE [10]), grosso modo aquela cuja constituição resulta do próprio processo de insolvência,  e dívidas da insolvência (referidas no art.º 47.º do CIRE [11]), grosso modo aquelas  cuja constituição ocorre em momento anterior à insolvência; e que esta distinção se justifica diferente regime aplicável a umas e outras [12].
Recorda-se, ainda, que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quanto tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º, n.º 1, do CIRE).
Ora, e tal como resulta do preâmbulo do CIRE (com bold apócrifo), uma «vez que o processo de insolvência tem por finalidade o pagamento, na medida em que ela seja ainda possível, de créditos da insolvência, a constatação de que a massa insolvente não é sequer suficiente para fazer face às respectivas dívidas - aí compreendidas, desde logo, as custas do processo e a remuneração do administrador da insolvência - determina que o processo não prossiga após a sentença de declaração de insolvência ou que seja mais tarde encerrado, consoante a insuficiência da massa seja conhecida antes ou depois da declaração» [13].
Nestes casos (de presumido conhecimento inicial, da inexistência ou insuficiência do activo do devedor insolvente), a sentença de insolvência que o juiz profira não aprecia a eventual possibilidade de administração da massa insolvente pelo devedor; não lhe determina a entrega da sua documentação; não determina a apreensão da sua contabilidade e/ou dos seus bens;  não fixa prazo para os credores reclamarem os seus créditos [14]; não estabelece as advertências de os credores comunicarem ao administrador da insolvência das garantias reais de que sejam titulares e de os devedores do insolvente deverem efectuar ao mesmo administrador os respectivos pagamentos; finalmente, não designa data para a assembleia de credores de aprovação do relatório (art.º 39.º, n.º 1, que exclui a aplicação do art.º 36.º, als. e), f), g, i), j),l), m) e n), ambos do CIRE).
Ora, não havendo lugar à liquidação do eventual e insuficiente património que exista, esta «decisão do juiz acaba por funcionar como uma dispensa condicionada do concurso de credores, por razões de economia processual» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011-3.ª edição, Almedina, Janeiro de 2011, págs. 160 e 161, com bold apócrifo) [15].

Contudo, se o juiz dispuser de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação a insolvência, deve declará-lo aberto, embora com carácter limitado (isto é, nos termos do art.º 191.º, do CIRE) [16].
*
Mais se lê, no art.º 39.º, n.º 9, do CIRE, que, para «os efeitos previstos no n.º 1, presume-se a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a € 5000».
Explica-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 282/2007, de 07 de Agosto (que precisamente acrescentou este n.º 9 ao art.º 39.º original do CIRE) que o legislador, procurando «assegurar que o processo de insolvência é utilizado quando exista património efectivamente disponível e para evitar que se desenvolvam formalidades sem efeito útil», estabeleceu, como presunção de insuficiência da massa falida, os casos em que o património do devedor seja inferior a € 5.000,00, garantindo, desse modo, «uma célere resolução do processo quando o património do devedor é manifestamente insuficiente para cobrir as dívidas da massa insolvente» [17].
*
O juízo (face aos elementos constantes do processo) para efeitos do disposto no art.º 39.º, n.º 1, do CIRE - de que o património do devedor não é, presumivelmente, suficiente para satisfazer as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente, e bem assim que essa satisfação não está garantida por qualquer outra forma -, deverá ser reportado à data da sentença de insolvência [18].
Contudo, o juiz deverá proferir este juízo com um mínimo de segurança. Assim, se no momento da prolação da sentença declarativa da insolvência não estiver na posse de todos os elementos que lhe permitam formar um juízo de valor com um mínimo de segurança sobre a inexistência ou a insuficiência do activo do insolvente, deverá proferir a sentença com todos os elementos previstos no art.º 36.º do CIRE [19]. Já quando disponha de elementos que, de forma segura, fundamente aquele juízo, o juiz deverá fazer menção desse facto na sentença de declaração de insolvência, proferindo-a com carácter limitado[20].
*
Por fim, lê-se no art.º 36.º, n.º 7, al. b), do CIRE, que o «processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência».
*
4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo a Requerente (AA), antes trabalhadora de EMP01... Unipessoal, Limitada, vindo pedir a declaração de insolvência desta, alegou para o efeito serem-lhe devidos créditos laborais no montante global de € 7.009,72; existirem outros credores (nomeadamente, trabalhadores, Instituto da Segurança Social e Fazenda Pública); e não possuir a Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) liquidez para os pagar, sendo ainda o seu passivo superior ao activo.
Mais se verifica que, não obstante citada, a Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada) não deduziu qualquer oposição.
Por fim, verifica-se que, face a essa não oposição, foi proferida sentença, declarando a insolvência da Requerida (EMP01... Unipessoal, Limitada); e que essa declaração de insolvência foi proferida com carácter limitado, afirmando-se na mesma entender-se «que a situação do requerido se enquadra nas als. a), b), c) e g) do citado preceito [art.º 20.º, n.º 1, do CIRE]».

Ora, e independentemente do bem ou mal fundado deste juízo (nomeadamente, face ao que tinha sido previamente alegado e/ou já constava dos autos), certo é que a insolvência decretada passou doravante a ser tramitada com carácter limitado, nomeadamente não havendo lugar à fase da reclamação de créditos.
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4.2. Complemento de sentença (de insolvência com carácter limitado)
4.2.1.1. Pressupostos e efeitos
Lê-se no art.º 39.º, n.º 2, al. a), do CIRE, que, no «caso referido no número anterior» [de prolação da sentença de insolvência com carácter limitado], qualquer «interessado pode pedir, no prazo de cinco dias, que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36.º; do CIRE».
Logo, aquela inicial decisão não é, necessariamente, vinculativa, uma vez que não produz efeito de caso julgado [21].

Relativamente ao conceito de «qualquer interessado», dir-se-á que interessado será todo aquele que seja titular de um qualquer direito postergado ou limitado pela declaração de insolvência em termos meramente limitados [22]; e ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo, como nomeadamente sucederá com o credor de um crédito litigioso [23].  
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Mais se lê, no art.º 39.º, n.º 4, do CIRE, que, requerido «o complemento da sentença nos termos dos n.os 2 e 3, deve o juiz dar cumprimento integral ao artigo 36.º, observando-se em seguida o disposto no artigo 37.º e no artigo anterior, e prosseguindo com caráter pleno o incidente de qualificação da insolvência, sempre que ao mesmo haja lugar».
Logo, passa nomeadamente a haver lugar ao concurso de credores [24].
*
Lê-se ainda no art.º 39.º, n.º 3, do CIRE, que o «requerente do complemento da sentença deposita à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das referidas custas e dívidas, ou cauciona esse pagamento mediante garantia bancária, sendo o depósito movimentado ou a caução accionada apenas depois de comprovada a efectiva insuficiência da massa, e na medida dessa insuficiência».
Logo, o depósito ou a alternativa garantia bancária constituem condição sine qua non da procedência do pedido de complemento da sentença de insolvência de carácter limitado (havendo, por isso, quem afirme que «o requerente que pedir o complemento da sentença «atua por sua conta e risco» [25]).
«Decorrem daqui dois corolários. O primeiro é o de, na falta de depósito ou prestação atempados de caução, o pedido ser necessariamente indeferido O segundo é o que, em contraposto, se um ou outra forem atempadamente efetuados, o juiz estar vinculado a observar o estatuído no n.º 4, o que implica que processo retomará o seu percurso normal» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 275).
           
Contudo, esta norma do art.º 39.º, n.º 3, do CIRE, veio a ser reiteradamente julgada  inconstitucional, por violação do art.º 20.º, n.º 1 (na dimensão de tutela jurisdicional efectiva) e do art.º 59, n.º 1, al. a), da CRP, quando interpretada no sentido de que o requerente do complemento da sentença, quando careça de meios económicos e, designadamente, beneficie do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo, se não depositar a quantia que o juiz especificar, nem prestar a garantia bancária alternativa, não pode requerer o referido complemento de sentença [26].
Há ainda quem defenda que este «juízo de inconstitucionalidade material que incide sobre a identificada condição quando imposta aos requerentes do complemento beneficiários de apoio judiciário, na modalidade de isenção do pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo é, (…) por identidade de razões, aplicável aos trabalhadores que se encontrem isentos, nos termos do art. 4º, n.º 1, al. h) do RCP, do pagamentos de custas e que instaurem a ação de insolvência e/ou requeiram o complemento da sentença de insolvência na qualidade de trabalhadores e como modo de exercer os seus créditos laborais contra o devedor (insolvente)».Com efeito, e «por maioria de razão tem de se entender que a imposição de semelhante condição aos trabalhadores que requeiram o complemento da sentença insolvencial como modo de exercer os seus créditos laborais contra o devedor/insolvente, padecerá de igual inconstitucionalidade material, quando é a própria lei que quis eliminar qualquer entrave económico ao exercício desses seus direitos pelos trabalhadores, presumido iuris et de iure que quando se verificam as condições enunciadas no art. 4º, n.º 1, al. h) do RCP, os mesmos não dispõem de condições económicas para exercitar jurisdicionalmente os seus créditos laborais, tanto assim que os isenta, sem mais, do pagamento de custas.
Entendimento diverso, não só seria materialmente inconstitucional, por violar o direito constitucional dos trabalhadores de acederem ao Direito, na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP), como, inclusivamente, violaria o disposto na enunciada al. h), do n.º 1 do art. 4º do RCP, ao impor que os trabalhadores tivessem de pagar custas para obter o complemento da sentença de insolvência, quando este normativo os isenta desse pagamento» (Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1).

Não sendo esse o caso, e na falta de disposição especial sobre a matéria, o prazo para a realização do depósito ou para a prestação da alternativa garantia bancária é o prazo geral da lei processual civil para todos os actos das partes, de dez dias [27]. Defende-se mesmo que o  Tribunal não o poderá reduzir, nomeadamente por, não existindo sequer património que importe salvaguardar, não existe qualquer interesse relevante que justificasse essa eventual a redução [28].
*
Dir-se-á, então, que, face a uma sentença de insolvência que a haja declarado com caácter limitado (por inexistência ou insuficiência do activo do devedor) o seu complemento pode ser pedido desde que o requerente: i. o solicite no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença; ii. seja interessado nesse complemento (isto é, seja titular de um qualquer direito que seja postergado ou limitado pela declaração de insolvência em termos meramente limitados); iii. e deposite à ordem do processo de insolvência o valor estimado e especificado pelo juiz quanto às custas previsíveis decorrentes do complemento da sentença insolvencial e das dívidas previsíveis da massa insolvente ou, em alternativa, caucione esse pagamento mediante garantia bancária (excepto se se encontrar isento dessa obrigação, nomeadamente por inconstitucionalidade material desta última condição).
Fazendo-o, o juiz fica «vinculado a observar o estatuído no n.º 4, o que implica que o processo retomará o percurso normal» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 275) [29].
*
Por fim, lê-se no art.º 39.º, n.º 8, do CIRE, que o «disposto neste artigo não é aplicável quando o devedor, sendo uma pessoa singular, tenha requerido, anteriormente à sentença de declaração de insolvência, a exoneração do passivo restante».
Compreende-se que assim seja, uma vez que, neste caso, o processo terá de prosseguir os seus termos com vista, precisamente, à apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, atento o disposto nos art.ºs 235.º e seguintes do CIRE: o efeito processual do encerramento do processo de insolvência, previsto no art.º 39,º, n.º 7, al. b), do CIRE, seria incompatível com o necessário conhecimento desse pedido [30].
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4.2.1.2. Reclamação de créditos junto do Fundo de Garantia Salarial
Lê-se no art.º 336.º do Código de Trabalho que o «pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica».

Mais se lê, no art.º 1.º, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial [31], que o «Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja» proferida «sentença de declaração de insolvência do empregador» (n.º 1, al. a)); e, para «efeitos do disposto no número anterior», e no «âmbito do processo especial de insolvência, o tribunal judicial notifica o Fundo da sentença de declaração de insolvência do empregador, a qual deve ser acompanhada de cópia da petição inicial e dos documentos identificados nas alíneas a) e b) do artigo 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas» (n.º 2, al. a)).
Lê-se ainda, no art.º 5.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o «Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido».
Para o efeito, e nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 5.º, o «requerimento [do devedor] é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores».
Por fim, lê-se no n.º 3 do citado art.º 5.º que o «requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso».
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Pressupostos do pedido de complemento de sentença
Concretizando novamente, verifica-se que, tendo a sentença que declarou a insolvência com carácter limitado sido proferida no dia 04 de Setembro de 2024, foi no mesmo dia publicitada por meio de edital e de anúncio, constando expressamente dos mesmos a possibilidade de qualquer interessado poder requerer, no prazo de cinco dias, que aquela decisão fosse complementada com as restantes menções do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE.
Mais se verifica que no dia 11 de Setembro de 2024 a Requerente (AA) veio pedir o complemento da dita sentença (com as restantes menções do n.º 1 do at.º 36.º do CIRE), bem como a dispensa de depósito e de caução bancária (previstos no n.º 3 do art.º 39.º do CIRE), alegando para o efeito: pretendendo reclamar os seus créditos junto do Fundo de Garantia Salarial, não dispondo de qualquer título para o efeito, necessitando, por isso, que lhe fosse emitida pela Administradora da Insolvência certidão de reclamação de créditos a realizar nos autos; e encontrar-se numa situação de insuficiência económica, já presumida pelo benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de quaisquer encargos, bem como de nomeação de patrono e dispensa de pagamento da respectiva compensação.
Por fim, verifica-se que o Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Requerente (AA), de ver complementada a sentença, por considerar que o prosseguimento dos autos consubstanciaria um acto inútil, já que a mesma poderia reclamar o pagamento dos seus créditos laborais junto do Fundo de Garantia Salarial, por meio de documento comprovativo dos mesmos a emitir pelo «serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão.
*
Dir-se-á ter a Requerente (AA) deduzido no prazo legal o seu pedido de complemento de sentença (o que o próprio Tribunal a quo não pôs em causa na decisão recorrida).

Dir-se-á ainda ser a Requerente (AA) interessada para o efeito, já que, manifesta e necessariamente, os créditos laborais que invoca ficaram afectados negativamente pela sentença de insolvência com carácter limitado, uma vez que deixaram de poder ser reclamados e reconhecidos nos autos; e, com isso, deixou de poder dispor de título neles emitido que lhe viabilize o seu pedido posterior de pagamento respectivo pelo Fundo de Garantia Salarial.
Precisa-se que, para este efeito de definição de interessado no complemento da sentença, a lei basta-se com a existência de um «interesse», sem o balizar, por grau máximo (v.g. necessidade absoluta) e/ou por grau mínimo (v.g. mera utilidade). Assim, e no caso concreto, é inegável a utilidade que a Requerente (AA) terá na emissão pelo administrador da insolvência de uma declaração que viabilize a apresentação, junto do Fundo de Garantia Salarial, de requerimento para pagamento dos seus créditos laborais, bem como na cerificação deste requerimento por aquele administrador da insolvência [32]; e não lhe exigindo a lei, para perfectibilização desse seu interesse, que o recurso à reclamação de créditos no âmbito da insolvência seja o único meio (do credor trabalhador) de obter aqueles documento e certificação de requerimento [33].
 
Dir-se-á, por fim, que estando a sua insuficiência económica já comprovada nos autos (por meio da concessão do benefício de apoio judiciário), está a mesma dispensada de realizar depósito que garanta o pagamento das custas dos autos e das dívidas previsíveis da massa insolvente, ou de prestar a alternativa garantia bancária.

Concluindo, estando reunidos os três exclusivos requisitos de que a lei faz depender a procedência do pedido de complemento de sentença de insolvência proferida com carácter limitado, deveria o mesmo ter sido deferido pelo Tribunal a quo.
*
4.2.2.2. Utilidade do complemento da sentença de insolvência
Concretizando novamente, considera-se ainda que a pretensão da Requerente (AA), de ser complementada a sentença de insolvência e de prosseguirem os autos a sua tramitação regra (nomeadamente, com a fase de reclamação de créditos), também não consubstancia qualquer acto inútil.

Dir-se-á, a propósito, que, na ausência do complemento da sentença, não poderá a Requerente (AA) obter do administrador da insolvência uma «declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador»; bem como não poderá obter dele a certificação do seu requerimento a reclamar o respectivo pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, e nos temos do art.º 39.º, n.º 7, al. c), do CIRE, não «sendo requerido o complemento da sentença» o «administrador da insolvência limita a sua atividade à elaboração do parecer a que se refere o n.º 6 do artigo 188.º» (isto é, parecer quanto à qualificação da insolvência como fortuita ou dolosa [34]). Não tem, por isso, competência para receber reclamações de créditos de quaisquer credores (incluindo trabalhadores) do insolvente, para emitir declarações para efeitos de reclamação do seu pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial (o que sempre pressuporia a sua prévia reclamação no âmbito da insolvência, fase aqui excluída), ou para certificar o requerimento a apresentar ao Fundo de Garantia Salarial para tal efeito.

Mais se dirá que também não foi alegado, nem ficou demonstrado nos autos, que a Requerente (AA) possa obter da Insolvente (EMP01... Unipessoal, Limitada), sua anterior (e não actual) entidade empregadora, a necessária «declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento» a reclamar o respectivo pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial, bem como a certificação por ela do dito requerimento.
Com efeito, e conforme foi desde logo alegado no requerimento inicial de insolvência, «em ../../2024 faleceu o sódio-gerente CC» da Insolvente (EMP01... Unipessoal, Limitada), sendo precisamente desde então que deixaram de ser pagas as retribuições da Requerente (AA); e, apesar do contrato de trabalho não ter caducado «pela morte do gerente da requerida», «os herdeiros do falecido não deram qualquer reposta aos trabalhadores». Este seu alheamento ou desinteresse manteve-se ainda na falta de dedução de qualquer oposição nestes autos. Torna-se, por isso, inverosímil que quem actualmente represente a Insolvente (anterior entidade patronal da Requerente) tenha vontade de, e/ou conhecimento para, proceder à emissão do documento de que a mesma necessita para o exercício dos seus direitos de titular de créditos laborais; ou para proceder à certificação do requerimento a apresentar por ela (para o mesmo efeito) junto do Fundo de Garantia Salarial [35].

Dir-se-á, ainda, não ser certo que a Requerente (AA) possa obter do serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego ««declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento» a reclamar o respectivo pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial, bem como a certificação por ele do dito requerimento.
Com efeito, e nos termos do art.º 5.º, n.º 2, al. c), do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, a Inspeção do Trabalho só esta obrigada a emitir aquela declaração quando «não seja possível obter os documentos previstos nas alíneas anteriores» (bold apócrifo), isto é, junto do administrador da insolvência, ou junto da entidade empregadora. Ora, se é certo que, a manter-se a decisão do Tribunal a quo, já estaria certificada a primeira impossibilidade (de emissão de declaração, e de certificação de requerimento, pelo administrador da insolvência), reitera-se que nada foi alegado, ou ficou demonstrado nos autos, quando à segunda (de prática de idênticos actos pela anterior entidade empregadora da Requerente).
Por fim, dir-se-á que, «independentemente do que se acaba de dizer, o interesse da apelante no prosseguimento do processo de insolvência é indiscutível quando se pondera que ainda que o administrador de insolvência tivesse legitimidade para lhe passar aqueles documentos para o Fundo (que não tem) e a insolvente ou a Inspeção do Trabalho se dispusessem a emitir-lhe esses documentos (o que está por demonstrar), podem surgir entre eles conflitos sobre o montante dos créditos devidos à apelante, até porque, nos termos da lei laboral, o trabalhador tem direito a receber uma compensação pelo despedimento ilícito que varia entre 15 e 45 dias por ano de antiguidade. Ora, a surgir esse conflito entre, por um lado, trabalhadora (apelante) e por outro, administrador de insolvência, entidade empregadora ou Inspeção do Trabalho, naturalmente que o mesmo terá se ser solucionado no âmbito dos presentes autos de insolvência, em que a apelante reclamará o seu crédito, e caso este não seja reconhecido pelo administrador da insolvência nos termos por ela pretendidos ou em caso de reconhecimento, caso venha a ser impugnado pela insolvente ou pelos restantes interessado, a questão terá de ser dirimida pelo tribunal» (Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1, com bold apócrifo).
           
Concluindo, não está demonstrado nos autos que o complemento da sentença de insolvência proferida nos autos com carácter limitado, pedido pela Requerente (AA) - enquanto trabalhadora credora da Insolvente (EMP01... Unipessoal, Limitada) - consubstancie um acto inútil; e admite-se mesmo que, face aos contornos do caso concreto, possa consubstanciar um acto necessário (reiterando-se, porém, que essa eventual necessidade não é pressuposto da sua vinculada realização).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso de apelação interposto pela Requerente (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente (AA) e, em consequência:

· Revogo o despacho recorrido, ordenando que o Tribunal a quo proceda ao complemento da sentença de insolvência que proferiu com carácter limitado, com as demais menções previstas no art.º 36.º, n.º 1, do CIRE. 
*
Custas da apelação pela respectiva Recorrente, que dela tirou proveito (art.º 527.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido nos autos.
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Guimarães, 04 de Dezembro de 2024.

A presente decisão sumária é assinada electronicamente pela respectiva

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos.


[1] O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE -, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março.
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[4] Precisa-se que o conteúdo da sentença que declare a insolvência, previsto no art.º 36.º, n.º 1, do CIRE, aplica-se quer a mesma surja na sequência da apresentação do  devedor à insolvência ou mercê de requerimento da insolvência pelo administrador judicial provisório, ex vi do art.º 17.º-G, n.º 4, do CIRE (vide art.º 28.º do CIRE), quer na sequência da falta de dedução de oposição pelo devedor após a respectiva citação (vide art.º 30.º, n.º 5, do CIRE), quer na sequência da falta de comparência do devedor à audiência (vide art.º 35.º, n.º 4, do CIRE), quer na sequência da audiência de julgamento (vide art.º 35.º, n.ºs 7 e 8, do CIRE).
[5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda são particularmente críticos dos termos desta imposição legal, afirmando que é «notório o caráter casuístico e fragmentário da enumeração feita nas sucessivas alíneas do preceito, que abrange, indistintamente, elementos estruturantes essenciais e elementos circunstanciais, e que se manifesta com particular evidência em dois planos. Por um lado, enunciam-se diversos requisitos que correspondem, afinal de contas, a meros efeitos legais da declaração de insolvência, deixando, porém, de fora, múltiplos outros, sem que se patenteie um motivo compreensível para a solução. Por outro, e em consequência, sucedem-se exigências cuja insatisfação não suscetibiliza, todavia, efeitos uniformes».
Defendem, por isso, que, a «nosso ver, teria sido claramente preferível que a lei se limitasse a estabelecer as menções peculiares fundamentais, sem as quais o processo não poderia ter o normal seguimento e que, por isso, poderiam afetar essencialmente a sentença, libertando o tribunal do peso de repetir o que resulta da lei, com o risco de erros e atrasos desnecessários, sem que, em contrapartida, se vislumbre algum ganho ou utilidade» (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 256).
[6] Lê-se no art.º 36.º, n.º 1, do CIRE, que, na «sentença que declarar a insolvência, o juiz:
a) Indica a data e a hora da respectiva prolação, considerando-se que ela teve lugar ao meio-dia na falta de outra indicação;
b) Identifica o devedor insolvente, com indicação da sua sede ou residência;
c) Identifica e fixa residência aos administradores, de direito e de facto, do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular;
d) Nomeia o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional;
e) Determina que a administração da massa insolvente será assegurada pelo devedor, quando se verifiquem os pressupostos exigidos pelo n.º 2 do artigo 224.º;
f) Determina que o devedor entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º que ainda não constem dos autos;
g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º;
h) Ordena a entrega ao Ministério Público, para os devidos efeitos, dos elementos que indiciem a prática de infracção penal;
i) Caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no artigo 187.º;
j) Designa prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos;
l) Adverte os credores de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem;
m) Adverte os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente;
n) Designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156.º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia».
[7] Com efeito, lê-se no art.º 101.º do CIRE (sob a epígrafe «Sistemas de liquidação») que as «normas constantes deste capítulo são aplicáveis sem prejuízo do que em contrário se estabelece nos artigos 283.º e seguintes do Código dos Valores Mobiliários».
Lê-se ainda no art.º 17.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 08 de Maio, que os «contratos de garantia financeira celebrados e as garantias financeiras prestadas ao abrigo desses contratos não podem ser resolvidos pelo facto de o contrato ter sido celebrado ou a garantia financeira prestada» no «dia da abertura de um processo de liquidação ou da adopção de medidas de saneamento, desde que antes de proferido o despacho, a sentença ou decisão equivalente».
[8] Precisa-se que quando a administração da massa insolvente seja realizada pelo próprio devedor, a intervenção do administrador da insolvência resume-se à fiscalização, conforme art.º 226.º do CIRE.
[9] Nos termos do art.º 36.º, n.º 2, do CIRE, esta assembleia de credores só é de realização obrigatória quando seja previsível a apresentação de um plano de insolvência, ou quando se determine que a administração da insolvência seja efectuada pelo devedor.
[10] Lê-se no  art.º 51.º, n.º 1, do CIRE, que, salvo «preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:
a) As custas do processo de insolvência;
b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º».
[11] Lê-se no art.º 47.º do CIRE que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio» (n.º 1); e tais créditos, «bem como os que lhes sejam equiparados, (…) são neste Código denominados (…) créditos sobre a insolvência» (n.º 2).
[12] Com efeito, no regime aplicável aos créditos sobre a massa insolvente os mesmos são pagos precipuamente, sem necessidade de reclamação e logo que se vençam (art.º 172.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE).
Já no regime aplicável aos créditos sobre a insolvência os mesmos são pagos depois daqueles primeiros, e apenas se tiverem sido reclamados e reconhecidos por sentença transitada em julgado (art.ºs 46.º, n.º 4, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, todos do CIRE).
[13] Precisa-se que, para além da presunção inicial do juiz de insuficiência da massa insolvente (art.º 39.º do CIRE), o processo será ainda encerrado com este fundamento quando o administrador da insolvência constate essa inexistência ou insuficiência, ou quando o juiz tenha conhecimento oficioso de que o património do devedor não é (comprovadamente) suficiente para a satisfação das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente (art.ºs 230.º, n.º 1, al d) e 232.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CIRE.
Contudo, apesar «da semelhança quanto ao seu desenlace provável (o fim ou o encerramento do processo), as situações previstas nos arts. 39.º e 232.º são, na realidade, distintas: na primeira, o juiz apercebe-se, antes de declarar a insolvência, de certos factos que lhe permitem presumir que o património do devedor é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente; na segunda, o juiz, de nada se tendo apercebido inicialmente, declarou a insolvência, só mais tarde vindo a ser alertado pelo administrador da insolvência ou a ter conhecimento oficioso da (comprovada) insuficiência da massa insolente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Fevereiro de 2021, pág. 133).
[14] Neste sentido, Ac. da RP, de 17.11.2009, Guerra Banha, Processo n.º 3825/08.5TBVFR-B.P1, onde se lê que do «disposto no n.º 7 do art. 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas decorre que a declaração de insolvência com carácter limitado não produz os normais efeitos que correspondem à declaração de insolvência com carácter pleno, designadamente a abertura da fase de reclamação de créditos»; e, por esse motivo, também não pode afectar o normal prosseguimento das acções executivas instauradas ou a instaurar contra o devedor, e, consequentemente, não pode determinar nem a sua suspensão nem a sua extinção». 
[15] No mesmo sentido, na doutrina:
. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 49 - onde se lê que, se o juiz, «no momento da prolação da sentença declarativa da insolvência», «já dispuser de elementos que lhe permitam presumir que o património do insolvente não era suficiente para o pagamento das custas processuais, poderá (poder dever) observar o disposto no art. 39º, nº 1, em nome das razões de celeridade processual (que estão na origem deste encurtamento processual)».
. Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 284 - onde se lê que, com «efeito, se o juiz concluir pela insuficiência ou inexistência de património do devedor, seria um ato inútil a convocação dos credores para a reclamação dos seus créditos, já que não haveria forma de os prover».
Na jurisprudência, Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1, onde se lê que, tendo «presente estas finalidades do processo de insolvência, compreende-se que aquando da prolação da sentença, se o juiz se apercebe, com a necessária segurança, face às informações já recolhidos na processo, que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para sequer satisfazer as custas do processo de insolvência e as dívidas previsíveis da massa insolvente, o que naturalmente será incompatível com qualquer recuperação da empresa ou com a possibilidade de se vir a efetuar qualquer pagamento aos seus credores, o art. 39º, n.º 1 do CIRE, por razões de simplificação e de economia processual, imponha-lhe que declare a insolvência do devedor com caráter restrito ou limitado, em que apenas dá cumprimento ao preceituado nas als. a) a d) e h), do n.º 1 do art. 36º do mesmo Código e, caso disponha de elementos que o justifique, determine a abertura do incidente de qualificação da insolvência».
[16] Compreende-se, por isso, que a «declaração de insolvência não» conduza «à inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287-e) do CPC, quando na sentença de declaração de insolvência foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado e não veio a ser requerida a complementação da sentença» (A. da RL, de 17.03.2009, Maria José Mouro, Processo n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2).
[17] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que € 5.000,00 se trata, por certo, de um valor insignificante, na perspetiva da atuação judicial dos credores, não sendo crível que estes, tendo conhecimento do património do seu devedor, recorram ao processo de insolvência se tal situação se verificar» (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 274).
[18] Neste sentido, Ac. da R L, de 09.04.2013, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 541/12.7TBLNH.L1-7.
[19]  Neste sentido, Ac. da RE, de 14.12.2006, Sérgio Abrantes Mendes, Processo n.º 2078/06-3 - onde se lê que, se «o Tribunal entender que a massa é suficiente para garantir os débitos próprios (custas e demais encargos) deverá determinar, após o decretamento da insolvência, o prosseguimento dos autos, ainda que reconheça pouca solvabilidade quanto à satisfação dos demais créditos».
[20] Neste sentido: Ac. da RC, de 19.19.2010, Teles Pereira, Processo n.º 1649/09.1TJCBR.C1; Ac. da RP, de 14.02.2011, António José Ramos, Processo n.º 85/10.1TTVLG.P1; ou Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1.
[21] Neste sentido, na doutrina:
. Salvador a Costa, «O concurso de credores no processo de insolvência», Revista do CEJ, IV (1.º Semestre de 2006), págs. 91-11 (94).
. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011-3.ª edição, Almedina, Janeiro de 2011, págs. 160 e 161 – onde se lê que esta «decisão do juiz acaba por funcionar como uma dispensa condicionada do concurso de credores, por razões de economia processual, mas não produz efeitos de caso julgado».
Na jurisprudência, Ac. da RP, de 07.10.2021, Judite Pires, Processo n.º 1188/21.2T8STS.P1, onde se lê que a «autoridade de caso julgado impede que uma questão, ou conjunto de questões, antes apreciadas em decisão transitada em julgado, possam ser de novo submetidas, em ulterior acção, ao conhecimento do tribunal»; e que o «único desvio que o CIRE consente a esse princípio é o previsto, em caso de insuficiência da massa insolvente, no artigo 39º». 
[22] Neste sentido: Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1; ou Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1, explicando-se neste aresto que, apesar do processo de insolvência prosseguir a título principal as finalidades enunciadas no art.º 1.º, n.º 1, do CIRE, prossegue a título secundário outros interesses, nomeadamente dos credores do devedor. Ora, como a insolvência com carácter limitado implica uma desproteção dos interesses dos credores pela inobservância dos efeitos normais/típicos de uma insolvência comum, «compreende-se que» tenham sido «precisamente esses outros interesses dos credores do insolvente que levaram o legislador a prever a possibilidade de, nos casos de sentença de insolvência proferida com efeitos restritos, qualquer interessado poder requerer o complemento dessa sentença e, bem assim, (…) qualquer interessado possa opor-se ao imediato encerramento desse processo».
[23] Neste sentido, Ac. da RP, de 15.10.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0754861, que precisa ainda que «o conceito de “interessado” para efeitos do art. 39º deve ter um âmbito mais amplo que o de “parte legítima” (legitimidade), não se confundindo – sendo mais amplo – com o «interesse em agir». Interessado será todo aquele que é titular de um interesse, ainda que em litígio, tendo interesse em contradizer (aqui se aproximando da “legitimidade”). Será ainda interessado todo aquele que mostre interesse no objeto do processo ou interesse no próprio processo (será interessado todo aquele que mostre, assim, um interesse em agir.)».
Ainda Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2016, 4.ª edição, Almedina, pág. 215.
[24] Neste sentido, Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 284.
Na jurisprudência, Ac. da RL, de 14.09.2017, Ilídio Sacarrão Martins, Processo n.º 7106/17.5T8LSB.L1-8.
[25] Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 284.
[26] Neste sentido, na jurisprudência constitucional: Ac. do TC n.º 602/2006, de 14.11.2006, Bravo Serra, Processo n.º 659/2006; Ac. do TC n.º 83/2010, de 03.03.2010, Pamplona de Oliveira, Processo 821/09; ou Ac. do TC n.º 372/2016, de 08.06.2016, Lino Rodrigues Ribeiro, Processo n.º 903/14.
Na jurisprudência infraconstitucional: Ac. da RP, de 26.06.2007, Emídio Costa, Processo n.º 0722767; Ac. da RL, de 04.03.2010, Manuel Gonçalves, Processo n.º 880/08.1TYLSB.1.L1-6; Ac. da RG, de 02.06.2011, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 327/11.6TBFLG.G1; Ac. da  RP, de 11.09.2017, Ana Paula Amorim, Processo n.º 3891/16.0T8AVR.P1; Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1; ou Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1.
Na doutrina, Joana Silva e Nuno de Lemos Jorge, «Jurisprudência Constitucional em matéria de insolvência», Revista Julgar, n.º 48, Set-Dez, 2022, pág.101.
[27] Recorda-se que se lê no art.º 149.º, n.º 1, do CPC que, na «falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária».
[28] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 275.
[29] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1, onde se lê que, verificadas «que sejam estas três condições, o juiz está vinculado a complementar a sentença insolvencial, nos termos do n.º 4 do art. 39º do CIRE, ou seja, o processo de insolvência tem de seguir o seu modelo típico comum».
Ainda, para a hipótese prevista no art.º  232.º do CIRE, Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1, onde se lê que são «únicos pressupostos para que o interessado se possa opor ao imediato encerramento do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa que: a) o requerente deduza a oposição dentro do prazo fixado no art. 232º, n.º 2 do CIRE; b) que aquele seja “interessado” no prosseguimento do processo de insolvência, isto é, que seja titular de um qualquer direito que seja violado ou limitado pelo imediato encerramento do processo de insolvência; e c) que seja depositado à ordem do processo de insolvência o quantitativo fixado pelo tribunal destinado a garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente».
Assim, verificadas «que sejam essas três condições, o juiz não pode declarar encerrado o processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa insolvente, tendo de prosseguir com o processo de acordo com o modelo típico comum para que a insolvência produza todos os seus efeitos típicos normais da insolvência plena».
[30] Neste sentido:  Ac. da RP, de 28.05.2009, José Ferraz, Processo n.º 29/09.3TBVNG-A.P1; Ac. RP, de 14.06.2011, Maria Cecília Agante, Processo n.º 4196/10.5TBSTS.P1; ou Ac. da RP, de 14.03.2023, João Ramos Lopes, Processo n.º 848/14.9TBAMT.P1.
Neste último aresto apreciou-se precisamente a questão da «incompatibilidade legal entre a prolação de sentença de caráter restrito ou limitado (art. 39º do CIRE) e a formulação de pedido de exoneração do passivo restante pelo devedor», sendo que aquela, uma vez proferida, não foi objecto de oportuna reacção.
Considerou-se, por isso, que a «não impugnação da sentença de caracter limitado ou restrito, proferida ao arrepio do nº 8 do art. 39º do CIRE, tem como efeito julgamento implícito (e o caso julgado decorrente) concernente ao não prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de exoneração (julgamento implícito que surge como consequência necessária e forçosa daquele julgamento expresso - o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de exoneração do passivo é incompatível ou contraditório com a situação definida na sentença limitada)».
Defendeu-se, ainda, que, mesmo «que fosse de considerar não se ter formado caso julgado no sentido de não deverem os autos prosseguir para apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, a não impugnação de decisão que declara findo o processo (e o carácter fortuito da insolvência) e descura/omite qualquer decisão sobre a questão do prosseguimento do incidente, importa a preclusão do direito a arguir a omissão de pronúncia e, consequentemente, a ver apreciada nos autos a referida pretensão (exoneração do passivo restante), pois a situação processual definida naquela decisão não impugnada fica estabilizada, sem possibilidade de alteração».
[31] O Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
[32] Outro juízo teria que ser formulado perante um «processo de insolvência em que tenha sido declarada a insolvência do devedor com caráter pleno e em que, no decurso do processo, se venha a constar a insuficiência da massa insolvente, tendo o trabalhador (…) reclamado o seu crédito nos autos de insolvência e (…) tenha visto esses créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência». Com efeito, nesta hipótese o dito trabalhador «não dispõe da qualidade de “interessado” para efeitos do disposto no art. 232º, n.º 2 do CIRE, uma vez que do encerramento imediato do processo, por insuficiência da massa, não lhe advém qualquer prejuízo, designadamente, para efeitos de reclamação do pagamento dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial» (Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1).
No mesmo sentido, Ac. da RG, de 18.06.2020, José Flores, Processo n.º 5973/19.7T8VNF.G1, onde se lê que o «credor de créditos laborais que tenha oportunamente reclamado o seu crédito, inicialmente ou por via de impugnação da lista de credores apresentada pelo administrador de insolvência», já que então «beneficia da possibilidade de os de reclamar junto do Fundo do Garantia Salarial com a simples certificação dessas pretensões por parte desse administrador, nos termos e para os efeitos do art. 5º, nº 2, al. a), do D.L. nº 59/2015».
Com efeito, nestas «circunstâncias esse credor não pode ser considerado interessado para efeitos de prosseguimento excepcional do processo de insolvência, previsto no art. 232º, nº 2, do CIRE».
[33] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1, onde se lê que, «contrariamente àquele que parece ser o entendimento da 1ª Instância, o art. 39º, n.º 2, al. a) do CIRE, condiciona a legitimidade do credor, designadamente, do credor trabalhador, para requerer o complemento da sentença insolvencial que este tenha “interesse” nesse complemento, isto é, que seja titular de um certo direito que seja postergado ou limitado pela declaração da insolvência com caráter meramente limitado, o que se afirma quando se verifica que a apelante tem interesse nesse prosseguimento com vista a obter a declaração ou cópia autenticada da reclamação de créditos do administrador da insolvência a que alude a al. a), do n.º 2 do art. 5º do DL. n.º 59/2015, mas não reclama, como condição desse “interesse”, que esse seja o único meio do credor trabalhador de obter aqueles documentos».
[34] Recorda-se que se lê no art.º 188.º, n.º 6, do CIRE, que, declarado «aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa».
[35] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1, onde se lê que, se é «certo que a apelante podia obter essa declaração da própria insolvente nos termos da al. b), do n.º 2, daquele art. 5º, naturalmente» que isso pressuporia que «esta o dispusesse a fazê-lo voluntariamente, o que, conforme resulta das regras da experiência comum, são múltiplos os casos em que existe recusa das entidades empregadoras em emitir essa declaração ou em que os trabalhadores, inclusivamente, desconhecem o paradeiro das suas entidades patrimoniais (quando pessoas singulares) ou dos respetivos legais representantes (quando pessoas coletivas)».