Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1066/19.5T8VRL.G3
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
ACIDENTE COM MÁQUINA RETROESCAVADORA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A rejeição do recurso com fundamento de que as alegações de recurso não contêm conclusões (art. 642º, n.º 1, al. b) do CPC) pressupõe que aquelas sejam, total e absolutamente, destituídas de conclusões.
2- O incumprimento pelo recorrente do ónus de, nas conclusões de recurso, ter de empreender o esforço de sintetização quanto aos fundamentos por que recorre (incorrendo no vício da prolixidade) ou quando as conclusões apresentadas se apresentem deficientes, obscuras ou complexas ou, versando o recurso sobre matéria de direito, não conterem as especificações do art. 639º, n.º 2, do CPC, não é fundamento legal de rejeição do recurso, mas sim para que o relator emita o despacho de convite ao aperfeiçoamento do art. 639º, n.º 3 do mesmo diploma.
3- Para que o recorrente beneficie da extensão do prazo de recurso de dez dias, conferido pelo n.º 7, do art. 638º, do CPC, basta que da leitura das alegações de recurso que apresentou resulte inequivocamente que aquele impugna o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada, independentemente de ter (ou não) cumprido com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, os quais são meros pressupostos ou requisitos processuais de que depende a posterior possibilidade do tribunal de recurso entrar no conhecimento dessa impugnação.
4- A caracterização de acidente provocado pelo manobrador de uma máquina retroescavadora como acidente de laboração ou acidente de viação depende do facto da máquina, na altura do evento, estar a ser utilizada exclusivamente no desempenho da sua atividade funcional enquanto máquina (escavar ou arrastar terra e/ou pedras, elevar pedras, etc.), situação em que o evento tem de ser caracterizado como acidente de laboração; ou de estar a ser utilizada (exclusivamente ou concomitantemente com a função de máquina) na sua função de locomoção/transporte, em que o evento dever ser caracterizado como acidente de viação (ou como acidente de viação e, em simultâneo, acidente de laboração).
5- É de caracterizar como acidente de viação o evento em que o manobrador de uma máquina retroescavadora, após ter concluído o trabalho de colocação de uma pedra padieira sobre as respetivas ombreiras, ao empreender a viagem de regresso ao estaleiro da sua entidade empregadora, encetou uma manobra de marcha atrás com a retroescavadora, a fim de sair do interior do armazém em que se encontrava, sem cuidar em recolher os garfos desta, indo embater com os mesmos na pedra padeira que tinha colocado sobre as respetivas ombreiras, provocando a sua queda, a qual foi atingir a cabeça e o corpo de um outro trabalhador, causando-lhe lesões, incluindo, graves lesões cerebrais e neurológicas.
6- A compensação pelo dano morte daquele trabalhador, vítima do acidente descrito no ponto anterior, deve ser fixada em 95.000,00 euros, atenta a negligência inconsciente, mas grave, do manobrador da máquina retroescavadora, único responsável pelo eclodir do acidente, o facto da vítima contar vinte anos de idade à data do acidente, de ter falecido aos 31 anos de idade, em consequência das lesões nele sofridas, tratando-se de pessoa que à data do acidente, era saudável, forte, carinhoso, praticava desporto, designadamente futebol, ocupando a posição de guarda-redes, integrada social e familiarmente, muito trabalhador e um bom trabalhador, que gostava muito do que fazia, tinha tirado carta de condução e comprado carro, residia com os pais e com os três irmãos, dois dos quais com onze de idade, tratando-se de uma família muito amiga e unida.
7- A perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial de personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, tem de ser compensada, a título de dano não patrimonial intercalar por ele sofrido, independentemente de ter (ou não) a perceção subjetiva, ou seja, consciência do estado em que se encontra.
8- É de fixar em 170.000,00 euros, o dano não patrimonial intercalar sofrido pela vítima do acidente de viação vindo a descrever, atenta a circunstância daquela, na sequência das lesões sofridas no acidente, ter estado, durante 2 meses e 18 meses, consciente, via e ouvia, não podia comer por si próprio, não conseguia falar, estando numa situação de visível grande sofrimento, internada em unidade hospitalar, em que sofreu dores intensíssimas por via das lesões sofridas e dos procedimentos médicos e clínicos a que foi submetida, sendo aspirada através de um buraco que lhe foi aberto na garganta, e alimentada através de uma sonda que lhe foi introduzida no nariz; e que, findo esse período, na sequência de uma intervenção cirúrgica a que teve de ser submetida, entrou em coma, ficando nesse estado comatoso durante 10 anos e 7 meses (sem se provar que tivesse consciência do estado em que se encontrava), até vir a falecer, sempre internada, primeiramente, em unidades hospitalares, e depois em unidade de cuidados continuados, em cama articulada, alimentada através de sonda que lhe foi introduzida no nariz, usando fralda e algália e, de vez em quando, necessitava de oxigénio, sendo-lhe então colocada uma máscara para respirar.
9- Mostra-se adequada a quantia de 80.000,00 euros fixada a cada um dos progenitores para os compensar pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência do falecimento da vítima do acidente que se vem descrevendo e para os compensar por, ao longo de cerca de 11 anos, terem acompanhado, de forma presente e diária, a degradação física e moral do filho e o intenso sofrimento a que este foi submetido durante os 2 meses e 18 dias em que esteve consciente, o que lhes causou intensíssimo sofrimento moral.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA  e mulher, BB, residentes no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo que se condenasse a última a pagar-lhes as seguintes quantias indemnizatórias ou compensatórias,  acrescidas dos juros legais desde a citação até integral e efetivo pagamento:

a) Pelos danos morais sofridos pelo malogrado CC antes do seu estado de coma e do seu falecimento, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);
b) Pelo dano da morte de CC, a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
c) Ao autor pai, AA, pelos danos morais por si sofridos com o estado e morte do filho, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros);
d) À autora mãe, BB, pelos danos morais por si sofridos com o estado e morte do filho, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros);
e) Aos autores, por todas as despesas tidas com as deslocações que tiveram de fazer aos hospitais e às instituições onde o filho esteve e ficou acamado e em estado de coma, ao longo de quase 11 anos, a quantia de € 18.547,00 (dezoito mil quinhentos e quarenta e sete euros).
Para tanto alegaram, em síntese, que: no dia 27 de agosto de 2005, por voltas das 15h30m, na denominada “Quinta ...”, sita no ..., ocorreu um acidente, quando o seu filho CC se encontrava a trabalhar para a sua entidade patronal, no interior daquela quinta; o dito acidente ocorreu quando, na realização do trabalho que estava a ser efetuado, e que consistia na colocação de uma pedra padieira, em granito, em cima das ombreiras laterais da porta do armazém da quinta, era usada uma máquina retroescavadora, propriedade da entidade patronal, e quando, sem que nada o fizesse prever, e quando já tinha sido colocado a pedra, a retroescavadora fez um recuo, tocou na pedra em granito e provocou a sua queda, que acabou por atingir o CC; na sequência da factualidade descrita, o CC sofreu lesões que, após vários anos em coma, levaram à sua morte.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, excecionando a sua ilegitimidade e a prescrição, e alegando que o acidente em causa configura um acidente de trabalho, e não de viação.
Concluiu pela improcedência da ação e pedindo que fosse absolvida dos pedidos.
Os Autores responderam às exceções suscitadas pela Ré, impugnando parte dos factos alegados e concluindo pela improcedência daquelas exceções e como na petição inicial.
Seguiram-se prolongadas diligências de instrução, justificadas pela dificuldade em localizar documentos relativos a factos ocorridos há 14 anos.
Em 12/06/2012, a 1ª Instância dispensou a realização de audiência prévia, fixou o valor da causa em 448.547,00 euros, proferiu despacho saneador, em que julgou improcedentes as exceções dilatória de ilegitimidade passiva e perentória de prescrição suscitadas pela Ré. Proferiu saneador-sentença, em que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu-se a Ré do pedido, com fundamento de que o acidente que vitimou o falecido CC não consubstancia acidente de viação.
Inconformados com o decido, os Autores recorreram, tendo, por acórdão proferido por esta Relação, em 28/10/2021, o recurso sido julgado procedente e, em consequência, anulou o saneador-sentença recorrido e todo o processado posterior ao mesmo, a fim de, no tribunal a quo, ser designada data para a realização de audiência prévia.
Novamente irresignados, os Autores recorreram de revista daquele acórdão, tendo, por decisão singular de 16/02/2022, o Supremo Tribunal de Justiça decidido não admitir o recurso de revista interposto, por a Relação não ter proferido decisão nos termos do disposto no art. 671º/1 do CPC «e que permitiriam, apenas e só eles, a revista – isto é, não apreciou total ou parcialmente ou pedido ou pedidos formulados ou conheceu, no sentido da procedência ou da improcedência, de qualquer exceção perentória».
Tendo o processo baixado à 1ª Instância realizou-se audiência prévia.
Em 02/05/2022, proferiu-se: despacho, em que se fixou o valor da causa em 448.547,00 euros; despacho saneador, em que se julgou improcedentes as exceções dilatória de ilegitimidade e perentória de prescrição suscitadas pela Ré; e saneador-sentença, em que se julgou a ação improcedente e se absolveu a Ré do pedido, com fundamento de que o acidente que vitimou o malogrado CC não consubstancia acidente de viação.
Inconformados com o decidido, os Autores interpuseram novo recurso, agora do saneador-sentença acabado de referir, tendo, por acórdão proferido por esta Relação, em 15/09/2022, o recurso sido julgado improcedente e, em consequência, confirmou-se o saneador-sentença recorrido.
Irresignados, os Autores interpuseram recurso de revista, tendo, por acórdão proferido em 19/01/2023, o Supremo Tribunal de Justiça julgado a revista procedente e, em consequência, anulou o acórdão recorrido, determinando que os autos baixassem ao Tribunal da Relação de Guimarães a fim de ser proferido novo acórdão em que se julgasse provada ou não provada a facticidade que identificou naquele aresto quanto à forma como ocorreu o acidente.
Tendo os autos baixado a esta Relação, por acórdão proferido em 09/03/2023, julgou-se a apelação procedente e, em consequência, revogou-se o saneador-sentença recorrido e determinou-se que os autos baixassem à 1ª Instância a fim de prosseguirem para audiência final, com a produção da prova oferecida.
Tendo os autos regressado à 1ª Instância, em 13/07/2023, realizou-se audiência prévia, em que se fixou o objeto do litígio e os temas da prova e em que se conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes.
Realizada audiência final, que se prolongou ao longo de duas sessões, em 03/07/2024, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Em face do exposto, julgo a presente ação que DD e BB instauraram contra «Companhia de Seguros EMP01..., SA» parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno a ré a pagar aos autores:
a) A quantia de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros) pela morte do seu filho CC;
b) A quantia de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos por CC desde a data do acidente até ao momento em que veio a falecer;
c) A quantia de 60.000,00 € a cada um dos autores, no total de 120.000,00 € (cento e vinte mil euros), pelos danos não patrimoniais por si sofridos com o sofrimento e morte do filho CC;
d) A quantia de 15.500 € (quinze mil e quinhentos euros) pelos danos de natureza patrimonial que os autores tiverem de suportar com as deslocações aos diversos estabelecimentos hospitalares em que o filho se encontrava.
e) Sobre as quantias referidas em a), b), e d), vencem juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento e sobre as quantias referidas em c) desde a prolação desta decisão.
*
Custas na proporção do decaimento sem prejuízo do benefício de apoio judiciário dos autores – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil”.

Inconformados com o decidido, os Autores, DD e BB, interpuseram recurso, em que formularam as conclusões que se seguem:

1º Resulta assim claro, que da convicção do julgador expressamente referida na motivação e fundamentação da sentença supra por nós parcialmente transcrita, designadamente, no seu oitavo parágrafo de fls. 9, a propósito do depoimento da testemunha EE, quinto parágrafo de fls. 10, a propósito do depoimento da testemunha FF, segundo parágrafo, de fls. 13, e penúltimo parágrafo, de fls. 18, que ficou provado a matéria factual alegada no art.º 69º-A da petição inicial, a fls. 338.
2º A convicção do julgador “a quo” expressa claramente e reiteradamente na sentença, resulta do depoimento das testemunhas, que ficou gravado, para onde se remete V.ªs Ex.ªs, a sua audição, a saber: EE, depoimento prestado por esta testemunha no dia 26-02-2024, ouça-se este depoimento na gravação áudio desde o seu início em 1:20 até ao seu fim em 1:15:14, e de FF, depoimento prestado por esta testemunha no dia 26-02-2024, ouça-se este depoimento na gravação áudio desde 1:00 até 10:00, pelo que,
3º Caso este tribunal “ad quem” não considere que a referida matéria factual já se encontra na matéria de facto provada, e está assim incorretamente julgada, nomeadamente, nos seus pontos 13 a 15, final de fls. 5 e início de fls. 6, da sentença, então, requer-se a V.ª Ex.ªs que passe agora essa matéria factual a constar, aditando-se um ponto novo com o texto do art.º 69º-A da p.i., ou em alternativa, acrescentando ao ponto 15º provado, sugerindo-se o seguinte texto, a saber:
15. Ao efetuar a manobra de recuo, para sair do local onde se encontrava e regressar à sede da empresa EMP02... em ..., e sem ter recolhido os garfos da máquina, a retroescavadora, tocou com os referidos garfos na pedra acabada de colocar originando a sua queda ao chão.” (sic)
4º Os factos da petição inicial, nomeadamente, os referidos nos artigos 21º a 36º, designadamente, as qualidades do jovem CC referidas na motivação da sentença em início de fls. 29, de que era alegre, bem integrado social e familiarmente, jogava futebol e era querido por todos, e ainda de que o jovem CC era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia (cf. art. 31º da p.i.) e que era poupado, tirou a carta e comprou um carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família (cf. arts. 33º e 34º da p.i. e factos provados na sentença do tribunal de trabalho junto aos autos a fls, ,), está incorretamente julgada, dado não constar da matéria de facto provada, e deve passar a constar da matéria de facto provada, por força, nomeadamente, do depoimento da testemunha, EE, já supra devidamente identificado, ouça-se a gravação áudio para esta matéria, o seu início: 29:00 e o seu fim: 33:45, para além do depoimento da testemunha já supra devidamente identificado FF, ouça-se aqui para este efeito o seu depoimento desde a gravação em tempo 10:00 até ao fim, bem como as outras testemunhas que o conheciam, como por exemplo, a testemunha GG e HH, e demais documentação junta aos autos, onde se prova o alegado nos artigos 21º a 34º, nomeadamente os dos arts.º 31º, 34º, 35º e 36º da p.i., razão pela qual deve esta matéria de facto passar a constar da matéria de facto provada ou aditada ao ponto 47 dado como provado.
5º Não estamos confrontados, no caso dos autos, com a normal existência de danos não patrimoniais ocorridos num período limitado – de horas, dias ou semanas – que precedeu a morte do lesado, mas com a colocação deste, por força das lesões físicas e neurológicas causadas pelo acidente, inicialmente em cerca de dois meses e meio numa situação de grande sofrimento e em que estava consciente, via e ouvia (cf. factos provados 18, 20 e 24), e posteriormente num estado persistente e irreversível de coma com momentos reativos da vítima (cf. facto provado 39), que acabou por se prolongar durante quase 11 anos, até ao seu falecimento, com degradação extrema do padrão e qualidade de vida do sinistrado, pelo que, o termo de comparação terá, assim, de se estabelecer com decisões que tenham na sua base uma situação equiparável, de colocação do lesado, durante um período temporalmente prolongado, numa situação de degradação total e extrema da sua qualidade de vida, consubstanciada no sofrimento e numa perda de consciência pessoal e das atividades cognitivas básicas e numa total dependência de terceiros para as atividades pessoais mais elementares.
6º Constatando-se que o presente caso em concreto, pelas razões supra referidas e outras que V.ªs Ex.ªs mui superiormente sempre podem suprir, é significativamente mais grave que o caso do acórdão do STJ, datado de 28-02-2013 (Proc. n.º 4072/04.0TVLSB), supra referido e na sentença de que se recorre, nomeadamente, as suas considerações e a decisão, foram proferidas em fevereiro de 2013, há já quase 12 anos, o lesado tinha 40 anos, e o período que antecedeu a morte se prolongou por quase seis anos, e no nosso presente caso em concreto, a decisão proferida e a proferir terá de ser mais atual, e nomeadamente, o lesado era bastante mais jovem, pois tinha apenas 20 anos à data do acidente, e o período que antecedeu a morte prolongou-se por quaseonze anos, justifica-se plenamente a diferença de valores a atribuir aos lesados, entre os casos decididos em 28-02 de 2018 e em 29-06 de 2017 (Proc. n.º 976/12.5TBBCL.G1.S1), supra referido na motivação e o presente caso em concreto, dado que, este caso, para além da diferença das outras circunstâncias referidas, foi em tempo muito superior, um período para mais de quase 5 anos em relação ao primeiro e de mais de 10 anos em relação ao segundo, o que nos parece bastante significativo, esta diferença de tempo, na atribuição ou fixação deste dano de natureza não patrimonial do lesado, para além do mais, no presente caso em concreto se ter ainda provado, ter o lesado padecido cerca de dois meses e meio numa situação de grande sofrimento e em que estava consciente, via e ouvia, e posteriormente num estado persistente de coma, com momentos reativos, que acabou por se prolongar durante quase 11 anos, até ao seu falecimento, com degradação extrema do padrão e qualidade de vida do sinistrado, concorrendo aqui os planos objetivo e subjetivo, se justificava e justifica também a fixação de um valor também ele significativamente superior ao atribuído pelo tribunal “a quo” de € 130.000,00, comparativamente com os atribuídos € 125.000,00 nos outros casos referidos, pelo que, impunha-se e impõe-se assim, deste modo, nomeadamente, através do recurso a juízos de equidade, tendo-se no presente caso em concreto e salvo sempre melhor opinião, porque bem mais grave conforme supra demonstrado, como montante mais adequado à compensação de tal lesão extrema de bens essenciais da personalidade do lesado, no período que precedeu a morte, pelo menos, o valor a fixar de € 170.000,00.
7º Tendo-se em consideração, para além da equidade, as circunstâncias que a lei manda considerar (cf. arts. 496º, nº 4 e 494º, ambos do C.C.), nomeadamente, a culpa exclusiva do condutor autor da lesão, as condições económicas do lesado (servente de profissão e no seio de uma família composta por 6 pessoas e pobre), e a idade do lesado, vítima do acidente ainda muito jovem com apenas 20 anos de idade e que viveu sem poder viver (coma) até aos seus 31 anos de idade, vindo assim a falecer numa idade muito jovem, e tendo-se ainda em consideração a nossa jurisprudência, a posterior evolução e o princípio da atualidade reclamam claramente um valor superior ao fixado, justificando-se hoje uma quantificação mais elevada deste superior dano, no nosso modesto entender, porque mais atual, mais humana e por isso mais justa, nunca inferior a € 150.000,00.
8º O presente caso em concreto, assume particularidades únicas e irrepetíveis, desde logo, porque estes pais aqui autores, após o acidente que vitimou o seu filho com 20 anos de idade e até à data da sua morte, durante quase 11 anos, passaram a viver diariamente para este filho durante todo este longo período, tendo como único foco a sua recuperação e regresso ao seio familiar, que alimentaram essa esperança e nela acreditaram, com um sofrimento pessoal e familiar ao longo de todos estes cerca de 11 anos, que, quando confrontados com a sua morte, a sua dor foi inimaginável e muito mais profunda e custosa do que em outras circunstâncias tidas por mais normais e que permanecerá com eles ainda até ao final dos seus dias (cf., nomeadamente, factos provados 30, 31, 32, 38, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 46), pelo que, o valor compensatório a atribuir-se a cada um dos autores será certamente no presente caso, bem mais justo em quantia superior à decidida, pelo menos, pelo valor peticionado de € 100,000,00 para cada um, acrescido dos juros legais desde a citação.
9º Foi violado pelo tribunal “a quo” toda a legislação e normativos referidos na motivação e conclusões do presente recurso, nomeadamente o disposto nos artigos 496º, nº 4 e 494º do C.C.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs mui superiormente sempre podem suprir, deve o presente recurso ser por V.ªs Ex.ªs julgado procedente com as devidas consequências legais, como ato de inteira e sã justiça.

A Ré, Companhia de Seguros EMP01..., S.A., interpôs recurso da sentença proferida, em que formulou as conclusões que se seguem:

1- Da prova produzida, nomeadamente do depoimento prestado pelo colega de trabalho do CC, EE, não resulta como provado que a máquina tenha tido qualquer intervenção na queda da pedra padieira que atingiu o CC.
2- Não foi produzida prova de que no momento do acidente a máquina se encontrava a realizar uma manobra de marcha atrás, tendo os Autores alegado que o recuo da máquina foi repentino, inadvertido e sem que nada o fizesse prever.
3- A máquina para colocar a pedra padieira em cima das ombreiras, também elas em pedra, teve de efetuar movimentos de avanço e recuo até encontrar a posição em que a pedra ficaria em cima de tais ombreiras de forma estabilizada.
4- Das declarações da única testemunha presente no local resulta que a máquina retroescavadora ainda se encontrava a concluir o trabalho para que foi utilizada naquele dia e àquela hora, ou seja, levantar uma pedra de granito para a colocar em cima de duas ombreiras construídas em pedra de xisto, para tanto efetuando manobras de avanço e recuo até acertar a pedra com as ditas ombreiras.
5- Os próprios Autores alegam na sua petição inicial que, a determinado momento, o recuo da máquina foi repentino, inadvertido e, sem que nada o fizesse prever, ou seja, a máquina não estava a fazer marcha atrás para se ausentar do local.
6- Da prova produzida não resulta provado que a máquina tivesse entrado sequer em circulação e igualmente não resultou provado das declarações da única testemunha presente no local que os garfos da máquina sequer tenham tocado na pedra padieira que veio a cair e atingir o CC.
7- Ao não ter resultado da prova produzida que a máquina industrial em causa se encontrava em circulação no momento do acidente que vitimou o CC, não pode o acidente ser qualificado como acidente de viação.
8- Apesar de a máquina industrial em causa poder ser qualificada como veículo de circulação terrestre, pois é-lhe possível realizar tal circulação, a sua função, a sua atividade funcional é escavar (retroescavadora) e não a circulação automóvel ou locomoção, devendo atender-se à atividade que a máquina estava a realizar ou para a qual estava a ser utilizada no momento do acidente dos autos.
9- E no momento do acidente dos autos, a máquina estava a laborar e não a circular, ainda que não estivesse a escavar, que é a sua atividade funcional, estava a laborar.
10- Estava a ser utilizada a força e capacidade da máquina para realizar uma tarefa de construção civil e não a transportar o seu condutor de um local para o outro, não sendo de aceitar que pelo simples motivo de a máquina se ter movido, estarmos perante um acidente de viação.
11- Não foi produzida prova de que se possa concluir que a máquina sequer tenha tido qualquer intervenção direta na queda da pedra que atingiu o CC.
A decisão recorrida não corresponde à prova produzida nos autos, devendo ser substituída por outra que absolva a Ré do pedido.
Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, declarando que não estamos perante um acidente de viação e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido, como o reclama a Lei, a Justiça, a certeza e a segurança do Direito.

Os Autores contra-alegaram sustentando que o recurso interposto pela Ré EMP01... é intempestivo, na medida em que esta não indicou, nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugna, pelo que, delimitando as conclusões o objeto do recurso e não tendo nelas a “Ré-recorrente impugnado nenhum dos factos n.ºs 1 a 49 dados como provados, nem nenhum dos não provados, não chega a impugnar a matéria de facto. Logo, também não pode beneficiar do prazo alargado de mais dez dias, a que se refere o n.º 7, do art. 638º do CPC”.
Mais pugnaram pela imediata rejeição do recurso interposto pela Ré, por as alegações de recurso que apresentou não conterem conclusões.
Finalmente, pugnaram no sentido de que o recurso interposto pela Ré fosse julgado improcedente.
*
A Ré não contra-alegou quanto ao recurso interposto pelos Autores.
*
A 1ª Instância admitiu os recursos interpostos por Autores e Ré como sendo de apelação, a subirem nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DOS RECURSOS

O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].

No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:

Recurso interposto pelo Autores
1- Se o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância padece do vício da deficiência e se, em consequência, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe julgar provada a seguinte facticidade:
O II fez marcha atrás, com os garfos da máquina levantados, para retirar a máquina retroescavadora do local, para sair do local onde se encontrava e regressar depois à sede da empresa EMP02..., em ...”?
“E tocou na pedra de granito, que tinha acabado de transportar para cima das ombreiras da porta de entrada do armazém, com os garfos da frente da máquina, provocando a sua queda”?
“Que acabou por atingir, com violência, a cabeça e o corpo do CC, que logo ali, de imediato, caiu ao chão e desmaiou, perdendo completamente os seus sentidos”?
“O jovem CC era alegre, bem integrado social e familiarmente, jogava futebol e era querido por todos”?
“O jovem CC era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia”?
“Era poupado, tirou carta, comprou carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família”?
2- Se a decisão de mérito constante da sentença recorrida padece de erro de direito ao arbitrar:
2.1- a quantia de 130.000,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo malogrado CC, desde a data do acidente até ao momento em que veio a falecer, e se, em consequência, esse montante compensatório carece de ser elevado para a quantia de 170.000,00 euros?
2.2- a quantia de 85.000,00 euros, a título de compensação pela perda do direito à vida de CC, e se, em consequência, esse montante compensatório deve ser elevado para o montante de 150.000,00 euros?
2.3- a quantia de 60.000,00 euros, a cada um dos recorrentes (pais do falecido CC), a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreram com a situação e morte daquele seu filho, e se, em consequência, essa compensação dever ser elevada para a quantia de 100.000,00 euros para cada um?

Recurso interposto pela Ré

Questões prévias suscitadas pelos recorridos (Autores) e que sempre seriam de conhecimento oficioso:
1- Se o recurso interposto pela Ré, Companhia de Seguros EMP01..., S.A., tem de ser imediatamente rejeitado por:
1.1- as alegações de recurso por ela apresentadas não conterem conclusões?
1.2- ser intempestivo, na medida em que aquela, nas conclusões de recurso que apresentou não impugnou o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não podendo, por isso, beneficiar da extensão do prazo de recurso de dez dias, do n.º 7, do art. 638º do CPC?
2- A improcederem aquelas questões prévias se, na sentença recorrida a 1ª Instância incorreu em erro de julgamento da matéria de facto?
A propósito dessa questão suscita-se a questão prévia de se saber se a recorrente EMP01... cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, mormente, com o ónus impugnatório primário da al. a), do n.º 1, que a obrigava a especificar, nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugna e, no caso negativo, quais as consequências jurídicas daí advenientes?
3- Se, na sequência da impugnação, com êxito, do julgamento da matéria de facto, ou independentemente dele a decisão de mérito constante da sentença recorrida, ao caracterizar o acidente que vitimou o falecido CC como acidente de viação, padece de erro de direito quando assim não é, e se, em consequência, se impõe julgar a ação improcedente e absolver a recorrente, Companhia de Seguros EMP01..., S.A., do pedido?
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação:
1- CC nasceu no dia ../../1985, sendo filho dos autores, AA e BB.
2- O CC faleceu no dia ../../2018, intestado, solteiro e sem descendentes.
3- CC trabalhava como servente, na empresa de construção civil denominada «EMP02..., Lda.», com o n.º de identificação fiscal ...10 e com sede no Edifício ..., ..., ..., ... ....
4- No dia 27 de agosto de 2005, a sociedade «EMP02...» tinha para executar um trabalho na Quinta ..., que consistia no transporte e fixação de uma pedra padieira, em granito, nas ombreiras em pedra na porta do armazém dessa quinta.
5- Para a execução do trabalho foram mandados para o local três trabalhadores da empresa: II, EE e CC.
6- Sendo usada uma máquina retroescavadora, que pertencia à empresa – marca ..., modelo ..., com o n.º de série ...25.
7- O trabalho consistia no transporte pela máquina retroescavadora de uma pedra padieira, em granito, para ser fixada em cima das ombreiras da porta do armazém, que se encontravam feitas em muro de pedra, da entrada do armazém para a Quinta ....
8- No dia 27 de agosto de 2005, o condutor II conduziu a máquina retroescavadora, transportando alguns materiais, desde a sede da empresa, em ..., até à Quinta ..., tendo para o efeito atravessado algumas ruas da cidade ..., e depois continuado a sua marcha, pela estrada nacional M313, até chegar à Quinta ..., percorrendo uma distância de cerca de 4 quilómetros.
9- Chegada à Quinta ..., a máquina atravessou a estrada nacional M313 da sua faixa de rodagem do lado direito, no sentido ... – ..., para o lado esquerdo da faixa de rodagem contrária ao seu sentido de trânsito, para entrar num caminho ligado a esta estrada nacional M313, e que é contíguo a esta estrada principal, e exterior à Quinta ..., sendo um caminho que leva para a entrada do armazém desta quinta e que fica ao mesmo nível do piso desse armazém.
10- A referida máquina retroescavadora faria o transporte da pedra de granito do solo até acima das ombreiras, para depois a fixar em cima destas, e ali ficar definitivamente.
11- A máquina foi conduzida pelo trabalhador II, em manobras de avanço e recuo, até conseguir acertar com o melhor momento para apoiar ou fixar a pedra em granito.
12- Simultaneamente, os restantes trabalhadores, entre os quis o CC, iam dando instruções do solo para a melhor forma de colocar a pedra no local.
13- Após a pedra ficar assente em cima das ombreiras, o condutor II disse aos restantes trabalhadores que o serviço estava terminado e se podiam ir embora.
14- Tendo o CC e o companheiro de trabalho avançado em direção à porta do armazém, passando nas laterais da máquina retroescavadora, o EE do lado direito da máquina, e o CC do lado esquerdo.
15- Ao efetuar a manobra de recuo, e sem ter recolhido os garfos da máquina, a retroescavadora, tocou com os referidos garfos na pedra acabada de colocar, originando a sua queda ao chão.
16- A qual atingiu com violência a cabeça e o corpo do CC, que de imediato caiu e perdeu os sentidos.
17- O CC ficou gravemente ferido, sofrendo TCE, com contusão hemorrágica temporal esquerda e hematoma subdural ipsilateral, traumatismo torácico, com fratura bilateral de costelas com Volet Costal, enfisema subcutâneo, hemo e pneumotórax, contusão pulmonar e pneumodiatino, choque hemorrágico, traumatismo medular com fraturas vertebrais múltiplas e fratura da omoplata e úmero esquerdo.
18- Quando veio a si, ainda no local do acidente, o CC começou a gritar cheio de dores e aflição; chorou e gemeu, chamou pela mãe. Tentou levantar-se e sair daquele local.
19- A ambulância dos bombeiros do ... chegou ao local cerca de 30 minutos depois de ter sido chamada.
20- Durante esse tempo o CC padeceu muitas dores, esteve em intenso sofrimento.
21- Tendo, no dia do acidente sido transportado para as Urgências da Unidade Hospitalar ..., e no dia seguinte transferido para o Hospital ..., no ..., com diagnóstico de politraumatismo grave, onde ficou internado desde ../../.... a ../../2005.
22- Nesse hospital tiveram de fazer um buraco na garganta do CC, por onde era aspirado.
23- A alimentação era dada por uma sonda que tinha no nariz.
24- O CC não podia comer por si próprio, não conseguia falar, estando numa situação visível de grande sofrimento. Estava consciente, via e ouvia.
25- No dia 14 de novembro de 2005 o CC teve de ser operado à cabeça, no Hospital ..., por lhe ter rebentado um aneurisma cerebral.
26- Desde essa intervenção – dia ../../2005 – o CC ficou em estado de coma Glagsow, Vt, M4 e tetraplegia espástica.
27- Além da operação à cabeça, o CC foi operado à coluna e a um braço.
28- Desse hospital foi novamente transferido para a Unidade Hospitalar ..., onde ficou internado, acamado, medicado e em estado de coma, desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2012.
29- No dia ../../2012 foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados ..., onde esteve até falecer.
30- A autora, mãe do CC, ia dia sim dia não visitar o filho ao Hospital ..., deslocando-se desde .../....
31- No Hospital ..., no Hospital ... e na Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração a autora ia visitar o filho todos os dias e o autor todos os domingos e feriados e sempre que podia.
32- Os autores viviam angustiados com a incerteza do futuro do filho.
33- Viviam na esperança que o CC melhorasse e recuperasse, voltando ao seio familiar.
34- Durante o tempo em que o CC esteve em coma (10 anos e 7 meses) esteva acamado numa cama articulada, precisava de ser permanentemente acompanhado por uma pessoa.
35- De vez em quando necessitava de oxigénio, sendo-lhe colocada uma máscara para respirar.
36- Usava fralda e algália.
37- Era alimentado por uma sonda que tinha no nariz.
38- A autora ia todos os dias visitar o seu filho ao Hospital ... e à Unidade de Cuidados Continuados, passando lá todas as tardes, falando com ele, acariciando-o, na esperança de o ver acordar um dia.
39- Por vezes o CC parecia reagir à presença e carinho da mãe e outros familiares.
40- Os irmãos do CC ficaram muito abatidos com a situação do irmão.
41- O CC, quando faleceu contava com 31 anos.
42- A dor dos pais e dos irmãos foi enorme quando souberam do falecimento.
43- O CC, à data do acidente, vivia com os pais, aqui autores, uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos, com 11 anos de idade.
44- Constituíam uma família muito amiga e unida.
45- A autora, para acompanhar o CC deixou de estar presente na vida familiar e nos cuidados a prestar aos outros filhos, que eram assegurados pelo autor.
46- Que também sofria com a ausência da autora.
47- À data do acidente o CC contava com 20 anos de idade, era saudável, forte, alegre e carinhoso.
48- Praticava desporto, designadamente futebol, ocupando a posição de guarda redes.
49- A responsabilidade civil originada com a circulação da máquina retroescavadora ..., modelo ... com o n.º de série ...25, ao tempo do sinistro, encontrava-se transferida para a ré, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice n.º ...44.
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Por sua vez, lê-se na sentença recorrida que, “com relevância para a decisão inexiste matéria de facto dada como não provada”.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Das questões prévias suscitadas pelos recorridos quanto ao recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros EMP01..., S.A.
A.1- Da rejeição imediata do recurso por falta de conclusões
Advogam os recorridos que o recurso interposto pela recorrente, Companhia de Seguros EMP01..., S.A. “deve ser indeferido e rejeitado por falta de conclusões, e por ter sido interposto fora de prazo, nomeadamente, nos termos do art. 641º, n.º 2, al. b), parte final, e n.º 7, do art. 638º, ambos do CPC”.
Quid inde?
Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, no qual se indique a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso (n.º 1, do art. 637º do CPC, a que se referem todas as disposições legais a que se venha a fazer referência sem menção em contrário), tendo aquele requerimento de conter obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (n.º 2, do mesmo dispositivo).
Reafirmando o ónus que impende sobre o recorrente de alegar e de formular conclusões, estabelece o art. 638º que aquele deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (n.º 1), e versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; e c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada (n.º 2).
Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (n.º 4, do art. 635º).
O incumprimento pelo recorrente do ónus de formular conclusões determina a imediata rejeição do recurso, a qual deve ser determinada logo pelo tribunal recorrido (art. 641º, n.º 2, parte final).
Decorre do que se vem dizendo que, as conclusões, como proposições sintéticas, representam uma súmula ou condensação com que o recorrente tem de concluir as alegações de recurso, em que, de forma abreviada, mas clara, tem de sumariar as concretas razões ou fundamentos pelos quais pede a anulação, revogação ou modificação da decisão recorrida.
Conforme expende Abrantes Geraldes, “com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o setor da motivação”[2].
Acresce que, para além das conclusões constituírem a condensação dos fundamentos pelos quais o recorrente pretende ver anulada, alterada ou revogada a decisão de que recorre, perante a possibilidade daquele nelas restringir, expressa ou tacitamente, o objeto do recurso, as conclusões desempenham a função primordial de delimitarem o objeto do recurso[3], não podendo, por isso, o tribunal de recurso conhecer de qualquer questão que não tenha sido nelas expressamente suscita  pelo recorrente, salvo se se tratar de questão que seja de conhecimento oficioso, sob pena de incorrer em nulidade, por excesso de pronúncia (arts. 608º, n.º 2, parte final, 615º, n.º 1, al. d), parte final, aplicáveis aos acórdãos por via do art. 666º, n.º 1).      
Deste modo, como uma petição inicial em que o autor não tenha formulado pedido, em que aquela tem de ser liminarmente indeferida, por ineptidão, por falta de pedido, as alegações de recurso em que o recorrente não formule conclusões determina a imediata rejeição do recurso, por falta de objeto deste, devendo essa rejeição ser determinada logo pelo tribunal recurso, aquando da prolação do despacho a que alude do art. 641º, o que se compreende pois são as conclusões que, reafirma-se, delimitam o objeto do recurso e, por conseguinte, o âmbito de cognição e de decisão do tribunal ad quem.
Advogam os recorridos (Autores) que as alegações de recurso apresentadas pela recorrente EMP01... não contêm conclusões, impondo-se a consequente imediata rejeição do recurso que interpôs.
Acontece que, salvo melhor opinião, a referida alegação mostra-se de todo infundada e incompreensível, na medida em que basta olhar e analisar as alegações de recurso apresentadas pela recorrente EMP01... para, de imediato, se concluir que as mesmas contêm conclusões e que, inclusivamente, estas se encontram aí perfeitamente indicadas e individualizadas sob a epígrafe “Conclusões”.
Note-se que a falta de conclusões que, nos termos da al. b), do n.º 2, do art. 642º, é fundamento para a imediata rejeição do recurso é a total omissão de conclusões, ou seja, a falta absoluta daquelas, e não quando o recorrente nelas tenha incumprido com o ónus de sintetização que lhe é imposto pelo n.º 1, do art. 639º (incorrendo no vício da prolixidade), ou quando aquelas se apresentem deficientes, obscuras ou complexas ou, versando o recurso sobre matéria de direito,  nelas não se tenha procedido às especificações enunciadas no n.º 2, do mencionado art. 639º.
Nos casos acabados de referir, as alegações de recurso contêm conclusões, ainda que viciadas, não constituindo esses vícios fundamento de rejeição do recurso, mas para que o relator convide o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (n.º 3, do art. 639)[4].
Destarte, sem mais, por desnecessárias, considerações, contendo as alegações de recurso apresentadas pela recorrente EMP01... as necessárias “conclusões”, improcede a questão prévia suscitada pelos recorridos (Autores).

A.2- Da intempestividade do recurso interposto pela recorrente EMP01...
Pretendem os recorridos (Autores) que o recurso interposto pela recorrente EMP01... (Ré) tem de ser imediatamente rejeitado, por intempestividade, dado que, sendo as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não tendo a recorrente nelas impugnado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância com fundamento na prova gravada, posto que não impugnou nenhum dos factos julgados provados, nem nenhum dos factos julgados não provados, aquela não chegou a impugnar a matéria de facto, pelo que, na sua perspetiva, não poderá  beneficiar do prazo alargado de mais de dez dias a que se refere o n.º 7, do art. 638º.
Está em causa saber se a recorrente EMP01... pode beneficiar do alongamento do prazo de recurso previsto no mencionado art. 638º, n.º 7, atento o teor das conclusões que formulou nas alegações de recurso apresentada, tendo presente os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto prescritos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) e, bem assim, a função delimitadora do objeto do recurso desempenhada pelas conclusões.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 638º, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para quinze dias nos processos urgente e nos casos previstos no n.º 2, do art. 644º e no art. 677º.
Contudo, se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem dez dias, nos termos do n.º 7, daquele art. 638º.
Note-se que a extensão do prazo geral de recurso por mais dez dias apenas se encontra prevista naquele n.º 7 para os casos em que o recorrente introduza nas alegações de recurso a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância com fundamento, total ou parcial, em prova gravada, não sendo a dita extensão de prazo aplicável aos recursos em que o recorrente impugne o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova não gravada, nomeadamente, em reapreciação de prova documental.
A referida extensão do prazo de recurso quando o recorrente nele impugne o julgamento da matéria de facto alicerçado, total ou parcialmente, em prova gravada justifica-se perante a necessidade de, nesse caso, aquele ter que instruir as alegações de recurso com as especificações que lhe são impostas pelo art. 640º, n.º 2, al. b).
Porém, importa frisar que, para que o recorrente possa beneficiar do alongamento do prazo de recurso é suficiente que demonstre nas alegações que apresentou a vontade de impugnar o julgamento da matéria de facto com base na reapreciação, total ou parcial, de prova gravada e proceda efetivamente nelas à reapreciação de prova gravada, identificando as partes, testemunhas e /ou peritos (no caso de terem sido prestados esclarecimentos pelos últimos) e os excertos das declarações, depoimentos ou esclarecimentos por eles prestados em audiência final, em que funda a sua impugnação, analisando-os e indicando as razões (certas ou erradas), pelas quais, na sua perspetiva, essa prova, isolada ou conjuntamente com a demais prova produzida, não consente o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, mas antes impõe o por si perfilhado, independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), os quais são meros pressupostos ou requisitos processuais de que depende a possibilidade do tribunal de recurso entrar na apreciação daquela impugnação[5].
De contrário, seria confundir o prazo legal que é concedido ao recorrente  para recorrer quando impugne o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada (quando este efetivamente impugna, nas alegações de recurso que apresentou, o julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo com base em prova gravada) com o cumprimento pelo mesmo dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados naquele art. 640º, os quais, conforme antedito, constituem requisitos ou pressupostos de ordem processual para que seja consentido ao tribunal de recurso entrar na apreciação da matéria de facto impugnada[6].
Dito por outras palavras, a apreciação do modo como foram preenchidos pelo recorrente os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º poderão naturalmente condicionar (e condicionam) o conhecimento dessa impugnação por parte do tribunal de recurso, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação que tenha sido apresentado dentro do prazo alargado quando o recorrente, nas alegações de recurso, proceda à efetiva impugnação do julgamento da matéria de facto com fundamento, total ou parcial, em prova gravada, independentemente de, posteriormente, se impor a rejeição dessa impugnação, por incumprimento dos ónus impugnatórios prescritos no art. 640º[7].

Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, compulsadas as alegações de recurso apresentadas pela recorrente EMP01..., na respetiva motivação, lê-se, além do mais, o seguinte:
“Do depoimento da testemunha EE, única testemunha que se encontrava no local onde os factos ocorreram, quando perguntado se a máquina havia embatido na pedra ao recuar (minuto 00:14:05 da gravação da prova), a resposta da testemunha foi, e cita-se “… provavelmente bateu…”. E continua dizendo que “…É quando estou dentro do armazém e quando ouço aquele estrondo eu só vejo o CC já … ali deitado no chão…”.
Quando perguntado se se havia apercebido que a máquina mandou a pedra ao chão, responde, e cita-se “... só podia ser…”.
A referida testemunha refere expressamente (minuto 00:15:01 da gravação da prova) que não viu os garfos da máquina a embaterem na pedra, apenas que sentiu a máquina a recuar.
(…).
Das declarações da referida testemunha EE (minuto 00:38:09 e 00.44:19 da gravação da prova) resulta ainda que as ombreiras onde a pedra padieira havia de ficar assente não eram em granito, mas sim de xisto e que a presença da testemunha e do colega CC era somente para dar indicações ao manobrador da máquina para a colocação da pedra padieira tendo referido que houve várias tentativas de acertar a colocação da pedra.
Quando perguntado se ouviu o sinal sonoro da máquina a efetuar a manobra de marcha atrás (minuto 00:59:59 da gravação da prova), a referida testemunha EE refere não se ter apercebido de tal sinal sonoro, indicativo de tal manobra pela máquina e que o único barulho que ouviu foi o estrondo que a pedra fez quando caiu ao chão.
Ao minuto 1:02:07, a referida testemunha EE refere que quando entrou para dentro do armazém os garfos da retroescavadora estavam levantados ao nível, à altura da pedra padieira que tinha sido pousada em cima das ombreiras e que a máquina ao recuar, supõe que os garfos tenham embatido na pedra o que a terá feito cair, declarações que presta por supor que tal tivesse acontecido e não porque o tenha visto a acontecer”.
Especifique-se que, à medida que foi indicando os excertos do depoimento prestado pela testemunha EE que se acabam de referir, a recorrente EMP01... foi extraindo deles várias ilações, confrontou essas ilações com a versão dos factos apresentadas pelos Autores na petição inicial, e acabou por concluir, na motivação do recurso, que, perante tudo o quando expendeu: “da prova produzida não resulta provado que a máquina tivesse entrado sequer em circulação, e igualmente não resultou provado das declarações da única testemunha presente no local que os garfos da máquina sequer tenham tocado na pedra padieira que veio a cair e atingir o CC, tendo a testemunha apenas suposto que tal tivesse acontecido”.  (…) “igualmente não foi produzida qualquer prova de que se possa concluir que a máquina sequer tenha tido qualquer intervenção direta na queda da pedra que atingiu o CC”. (…). “Deste modo, ao considerar provado o facto constante do número 15 dos factos, a Mm.ª Juiz a quo fez uma deficiente interpretação da prova produzida, pois tal facto não poderia ter sido considerado provado, pois não foi produzida qualquer prova quanto ao mesmo, não passando as declarações da testemunha EE de meras suposições, tal como resulta claramente do seu depoimento” (destacado nosso).
Resulta linearmente das passagens da motivação do recurso apresentadas pela recorrente EMP01... que se acabam de transcrever que esta não só pretendeu impugnar o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada, como efetivamente o impugnou apelando a esta, mais concretamente a facticidade julgada provada na sentença recorrida no ponto 15º, com fundamento nos excertos que identifica do depoimento prestado pela testemunha EE os quais, inclusivamente, transcreveu, tanto bastando para que  a mesma possa beneficiar do prazo alargado de dez dias para a interposição do presente recurso, que é conferido pelo n.º 7, do art. 638º.
É certo que, nas conclusões de recurso, a recorrente EMP01... não especificou o concreto ponto da matéria de facto que considera incorretamente julgado (ponto 15.º dos factos julgados provados na sentença) e que, por isso impugnou, com o que incumpriu o ónus impugnatório primário do art. 640º, n.º 1, al. a), que lhe impunha que tivesse procedido a essa especificação. O que se acaba de referir, aliado à função delimitadora do objeto do recurso exercido pelas conclusões, poderá determinar que a impugnação do julgamento da matéria facto operada pela recorrente EMP01... não integre o objeto do recurso que interpôs.
Contudo, como acima se frisou e aqui se reafirma, a circunstância da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela EMP01... eventualmente não integrar o objeto do recurso por ela proposto, não decorre da circunstância de não ter impugnado o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada, conforme efetivamente impugnou, mas antes da circunstância de não ter cumprido com o ónus impugnatório primário do julgamento da matéria de facto, da al. a), do n.º 1, do art. 642º.
Acontece que os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), são meros requisitos processuais para que o tribunal de recurso possa entrar no conhecimento dessa impugnação, inviabilizando que o possa fazer, e não condição para o alargamento do prazo de recurso quando o recorrente impugne o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada.
Ao pretender que a recorrente EMP01... não beneficia da extensão do prazo de recurso de dez dias e que, por isso, o recurso daquela é intempestivo, os recorridos (Autores) procederam à associação do prazo de recurso (o qual depende unicamente da circunstância de, pelo teor das alegações de recurso apresentadas se impor extrair a ilação certa de que o recorrente impugna o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada - o que é indiscutivelmente o caso da recorrente EMP01...) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º que impendem sobre o recorrente, os quais são meros requisitos processuais de que depende a possibilidade legal do tribunal de recurso entrar na apreciação dessa impugnação, associação essa que, contudo, conforme sobejamente já demonstrado, não tem cabimento legal.
Destarte, contrariamente ao pretendido pelos recorridos, a recorrente EMP01..., na medida em que impugnou efetivamente a facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 15º com fundamento em prova gravada, beneficia da extensão do prazo de recurso de dez dias, que lhe é conferido pelo n.º 7, do art. 638º.
A sentença recorrida foi notificada via Citius à mandatária da recorrente EMP01... em 04/07/2024, presumindo-se aquela notificada à recorrente em 08/07/2024 (arts. 27º, n.º 1 e 248º).
Dispondo a recorrente EMP01... do prazo de 30 dias, acrescido de 10 dias, decorrente de no recurso que interpôs ter impugnado o julgamento da matéria de facto com base em prova gravada (arts. 638º, n.ºs 1, 1ª parte, e 7), o termo final para interpor recurso da sentença ocorreu em 03/10/2024.
Porém, beneficiando a recorrente, nos termos do art. 139º, n.º 5, do prazo adicional de três dias úteis, contanto que pague a multa prevista nessa disposição legal, o que fez (cfr. comprovativo de registo junto aos autos em 09/10/2024), o recurso interposto pela EMP01..., em 08/10/2024, mostra-se tempestivo, na medida em que deu entrada em juízo no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo de recurso.
Decorre das considerações acabadas de expor improceder a questão prévia suscitada pelos recorridos Autores quanto à pretensa intempestividade do recurso interposto pela recorrente EMP01..., sendo o recurso por esta interposto tempestivo.

B- Da impugnação do julgamento da matéria de facto.      
Os recorrentes Autores e Ré impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância assacando-lhe, os primeiros, o vício da deficiência, enquanto a segunda pretende que se julgue como não provada a facticidade do ponto 15º dos factos provados na sentença, pelo que urge indagar se aqueles cumpriram com os ónus impugnatórios daquele julgamento, enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), sem o que não é legalmente consentido ao tribunal ad quem entrar na apreciação dessa impugnação.

B.1- Dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto
Na sequência das revisões operadas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no regime anterior era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Com a introdução desse novo regime foi propósito do legislador que o Tribunal da Relação realize um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada pelo recorrente submetida ao princípio da livre apreciação da prova, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição[8], devendo, nessa operação, aquela proceder à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da 1ª instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitada pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeite a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5) e que, por isso, estejam submetidos a prova tarifada, a qual não deixa qualquer margem de subjetivismo ao julgador quanto ao sentido da decisão de facto a proferir.
Já quanto a factos submetidos ao princípio da livre apreciação da prova cujo julgamento de facto venha impugnado pelo recorrente (que é o princípio regra vigente no ordenamento jurídico civil nacional), a Relação está obrigada a realizar um novo julgamento, em que deve ordenar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento (art. 662º, n.º 2, al. a)); e, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, deve determinar a produção de novos meios de prova (art. 662º, n.º 2, al. b)), o que evidencia que aquela tem autonomia decisória no novo julgamento de facto que terá de realizar em relação à matéria de facto cujo julgamento de facto tenha sido impugnado pelo recorrente.
Quanto à matéria de facto que seja impugnada pelo recorrente e que se encontre submetida ao princípio da livre apreciação, o tribunal da Relação não está, assim, condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação da sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da 1ª instância[9].
Acontece que, não tendo sido propósito do legislador que o julgamento da matéria de facto a realizar pela Relação se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que, conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”, e com vista a evitar a interposição de recursos de pendor genérico, aquele rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus que terão de ser cumpridos pelo recorrente, sob pena de se impor a imediata rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto impugnado.
Deste modo, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância, a Relação deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[10], estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a quo a obrigação de fundamentar as suas decisões quanto ao julgamento da matéria de facto que realizou, também é imposto ao recorrente, como correlativo dos princípios da autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o recurso, demonstrando (justificando) o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando, perante a prova produzida se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desse ónus, o recorrente indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido adotada quanto a essa concreta facticidade, bem como os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova por si indicada não consentir o julgamento de facto realizado pelo tribunal recorrido e antes impor o por si propugnado (n.º 1, do art. 662º).
Dito por outras palavras, “recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[11].
Com efeito, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo[12], e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna; as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna; e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a sua impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto que propugna.

Deste modo, compreende-se que, no art. 640º, n.º 1, se estabeleça que:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (sublinhado nosso).

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º).
Acresce enfatizar que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (cfr. n.º 4 do art. 635º), é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento de uma parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, nas conclusões, o recorrente tem também de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna[13], diferendo jurisprudencial esse que, pelo menos em parte, se encontra ultrapassado, perante o acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) n.º 12/2023, proferido pelo Supremo em 17/10/2023, Proc. n.º 8344/16.6T8STB.E1-A.S1, publicado no D.R., n.º 220/2023, Série I, de 14/11/2023, em que uniformizou a seguinte jurisprudência:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
No que respeita aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1, als. b) e c) e 2, al. a), porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não devem constar das conclusões, mas sim das motivações de recurso.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes[14], sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte o mesmo autor, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão; e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se lhe dá a conhecer especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita aquela de todos os elementos que lhe permitem contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações de recurso.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz do enunciado “critério de rigor”, como decorrência dos já enunciados princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório que assiste ao recorrido, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”[15].
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (destacado e sublinhado nosso)[16].
Contudo, impõe-se enfatizar que a jurisprudência do STJ tem operado a distinção entre: a) ónus impugnatórios primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus impugnatórios secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna e, bem assim, de indicar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto que impugna, bem como de, na motivação ter de especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento de facto diverso que postula (requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º), sem prejuízo do que infra se dirá, a jurisprudência tem considerado que o critério de rigor que deve ser observado em sede de cumprimento dos ónus impugnatórios se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um deles se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em que se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra o ónus do recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que, embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, “não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”[17]
Argumenta-se que se está perante mero requisito de forma, destinado a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que, o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento”[18].
Acresce precisar que, mesmo em relação aos ónus de impugnação primários, tem-se assistido ao nível da jurisprudência do STJ a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações[19].

B.1.1 – Do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto pelos recorrentes.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, no que respeita à recorrente EMP01..., esta, na motivação do recurso, indica: o concreto ponto da matéria de facto que impugna (a facticidade julgada provada no ponto 15º da sentença); a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto à mesma (não provada – (…) ao considerar provado o facto constante do número 15º dos factos, a Mm.ª Juiz a quo fez uma deficiente interpretação da prova produzida, pois tal facto não poderia ter sido considerado provado, pois não foi produzida qualquer prova quanto ao mesmo (…)”; os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem o julgamento de não provado que perfilha (o depoimento prestado pela testemunha EE); e os excertos do depoimento desta testemunha em que funda a impugnação.
Deste modo, a recorrente EMP01... deu cumprimento integral aos ónus impugnatórios primários do julgamento da matéria de facto enunciados nas alíneas b) e c), do n.º 1, do art. 640º.
Quanto ao ónus impugnatório secundário da al. b), do n.º 2, do art. 640º, a recorrente EMP01... cumpriu com o mesmo de modo suficiente, na medida em que indicou, na motivação do recurso, o início de cada um desses excertos em que fundou a impugnação e procedeu à sua transcrição, sem que exista, por isso, qualquer dificuldade para quem quer que seja em detetar esses excertos.
Por sua vez, quanto ao ónus impugnatório primário da al. a), do n.º 1 do art. 640º, a recorrente EMP01... não identifica, nas conclusões de recurso, o concreto ponto da matéria de facto que impugna, como lhe era imposto que fizesse. Procede a essa identificação na motivação do recurso.
Todavia, tendo presente que, no ponto 15º da facticidade julgada provada na sentença recorrida julgou-se provado que: “Ao efetuar a manobra de recuo, e sem ter recolhido os garfos da máquina, a retroescavadora, tocou com os referidos garfos na pedra acabada de colocar, originado a sua queda ao chão”; que no ponto 16º  daquela sentença julgou-se provado que: “A qual atingiu, com violência, a cabeça e o corpo do CC, que, de imediato, caiu e perdeu os sentidos”; que nas conclusões de recurso a recorrente EMP01... é expressa em dizer que: “Da prova produzida, nomeadamente do depoimento prestado pelo colega de trabalho do CC, EE, não resulta provado que a máquina tenha tido qualquer intervenção na queda da pedra padieira que atingiu o CC. Não foi produzida prova de que no momento do acidente a máquina se encontrava a realizar uma manobra de marcha atrás”. Não foi produzida prova de que se possa concluir que a máquina sequer tenha tido qualquer intervenção direta na queda da pedra que atingiu o CC” (destacado e sublinhado nosso); a única interpretação que qualquer declaratário médio que se encontrasse na posição do real declaratário (tribunal e recorridos) que se visse confrontado com o teor dessas conclusões, mormente, com as passagens que se acabam de transcrever, seria no sentido de que a recorrente EMP01... nelas está a impugnar a facticidade julgada provada no ponto 15º da sentença.
Essa interpretação é a que também foi extraída pelos próprios recorridos Autores, que nas contra-alegações, sob a epígrafe “b) Sobre o recurso da ré-recorrente propriamente dito”, desenvolvem todo o seu esforço argumentativo no sentido de demonstrarem que, em função da prova produzida (que aí identificam), o acidente que vitimou o malogrado CC eclodiu quando a retroescavadora já tinha terminado o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras de suporte, e que, na altura, a retroescavadora já se encontrava “na sua função de retirada do local, de regresso ao estaleiro ou sede da empresa, em ...”.
Deste modo, estando integralmente salvaguardado o princípio do contraditório que assiste aos recorridos (Autores) e tendo presente a jurisprudência menos exigente perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça supra identificada, que admite a apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto feita pelo recorrente pelo tribunal de recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o recorrente impugna, desde que aqueles resultem claramente identificados nas antecedentes alegações (o que é o caso do recurso interposto pela recorrente EMP01..., em cuja alegação/motivação de recurso expressamente impugnou o ponto 15º dos factos provados na sentença), uma vez que o juízo quanto ao cumprimento dos ónus impugnatórios tem de ser emitido tendo em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal, somos em concluir, em face do que se acaba de expender impor-se apreciar a impugnação do julgamento da matéria operada pela recorrente EMP01... quanto à facticidade julgada provada no identificado ponto 15º da sentença, nada obstando, do ponto de vista processual, a que se proceda ao conhecimento dessa impugnação.
Passando à impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes Autores, estes assacam ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo o vício da deficiência[20], pretendendo que se adite ao elenco dos factos julgados provados na sentença  a seguinte materialidade:
O II fez marcha atrás, com os garfos da máquina levantados, para retirar a máquina retroescavadora do local, para sair do local onde se encontrava e regressar depois à sede da empresa EMP02..., em ...”.
“E tocou na pedra de granito, que tinha acabado de transportar para cima das ombreiras da porta de entrada do armazém, com os garfos da frente da máquina, provocando a sua queda”.
“Que acabou por atingir, com violência, a cabeça e o corpo do CC, que logo ali, de imediato, caiu ao chão e desmaiou, perdendo completamente os seus sentidos”.
“O jovem CC era alegre, bem integrado social e familiarmente, jogava futebol e era querido por todos”.
“O jovem CC era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia”.
“Era poupado, tirou carta, comprou carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família”.

A entender-se que parte da facticidade acima referida, quanto ao modo como eclodiu o acidente já consta do elenco dos factos julgados provados na sentença, pretendem que se altere a redação do ponto 15º dos factos provados naquela para o seguinte:
“Ao efetuar a manobra de recuo, para sair do local onde se encontrava e regressar à sede da empresa EMP02..., em ..., e sem ter recolhido os garfos, a retroescavadora tocou com os referidos garfos na pedra acabada de colocar, originando a sua queda ao chão”.
Os recorrentes Autores indicam, nas conclusões de recurso, a concreta matéria fáctica que pretendem ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença; indicam na motivação de recurso (e indevidamente nas conclusões) os concretos meios de prova em que fundam aquela impugnação, pelo que, cumpriram integralmente com os ónus impugnatórios primários do n.º 1, do art. 640º.
No que respeita ao ónus impugnatório secundário da al. a, do n.º 2, do art. 640º, os recorrentes Autores cumpriram-no de forma suficiente, na medida em que indicam o início e o termo dos excertos testemunhais em que fundam a sua impugnação, embora nem sempre com a necessária precisão, sem que daí resulte qualquer dificuldade em detetar esses excertos.
Resulta do que se vem dizendo estar esta Relação em condições que lhe permitem entrar na apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes (Autores e Ré EMP01...).

B.2- Modo como eclodiu o acidente – Ponto 15º dos factos julgados provados.
A propósito do vício da deficiência que os recorrentes Autores imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, impõe-se, prima facie referir que, como os próprios admitem, parte da facticidade em relação à qual invocam aquele vício já consta do elenco dos factos julgados provados nos pontos 15º e 16º na sentença.
Daí que o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto que aqueles assacam à sentença apenas ocorra, no que respeita ao seguinte segmento em relação ao qual a 1ª Instância não julgou provada, nem não provada, a respetiva facticidade (apesar de ter sido alegada pelos recorrentes Autores, na petição corrigida, junta ao processo físico, a fls. 338 a 345, no ponto 69º-A desta, a propósito da qual incidiu a decisão sumária, transitada em julgado, proferida pelo STJ, de fls. 401 a 408, determinando que sobre ela fosse produzida prova e fosse  julgada provada ou não provada, e de, para o efeito ter sido elaborado o tema de prova 4, a fls. 419 verso):
O acidente que vitimou o falecido CC eclodiu quando a retroescavadora era retirada “do local, para sair do local onde se encontrava e regressar depois à sede da empresa EMP02..., em ...”.
A proceder a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes Autores, apenas se imponha alterar a facticidade julgada provada naquele ponto 15º, aditando-se ao mesmo o seguinte: “… para sair do local onde se encontrava e regressar à sede da empresa EMP02..., em ...…”.
Entrando na apreciação da impugnação feita pela recorrente EMP01... (que pretende que a prova produzida não consente que se tivesse julgado provada a facticidade do ponto 15º, impondo que se julgue a mesma como não provada) e pelos recorrentes Autores (que, por sua vez, sustentam que, em função da prova produzida, se impõe aditar à facticidade julgada provada naquele ponto 15º o segmento acima referido), impõe-se referir que, procedemos à análise de toda a prova junta aos autos e à audição integral da prova produzida em audiência final. E também lemos a fundamentação do julgamento da matéria de facto que se encontra exarada na sentença, adiantando-se que nela a Senhora Juiz a quo não incorreu em qualquer infidelidade em relação aos depoimentos que foram prestados em audiência final.
Quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente que vitimou o malogrado CC, com pertinência para apurar essas circunstâncias, encontram-se juntos aos presentes autos os documentos que se passam a identificar.
Documento junto ao processo físico, a fls. 20, emanado pelo Centro Hospitalar ... e ..., Serviço de Contencioso, em que se encontra exarado o depoimento prestado, enquanto testemunha, por EE, em que descreve o acidente nos seguintes termos: “A máquina tinha acabado de colocar a pedra (padieira) e sem explicação, a máquina recuou, tocando na referida pedra, originando a sua queda. Esta após ter partido no solo, uma das partes foi projetada contra o sinistrado, apertando-o contra o talude”.
Participação do acidente de trabalho feita pela entidade empregadora de CC (a EMP02..., Lda.) à Companhia de Seguros EMP01..., junta a fls. 49 verso do processo físico, em que descreve o acidente como tendo eclodido nos termos seguintes: “A máquina tinha acabado de colocar a pedra (padieira) e sem explicação, a máquina recuou, tocando na referida pedra, originando a sua queda. Esta, após ter partido no solo, uma das partes foi projetada contra o sinistrado, apertando-o contra o talude”.
Relatório de peritagem elaborado pela EMP03... – Sociedade de Peritagens Técnicas, Lda. para a Companhia de Seguros EMP01..., S.A., junto ao processo físico a fls. 172 a 181, lendo-se no mesmo que foram recolhidas declarações ao representante do segurado, JJ, que declarou (cfr. fls. 176): “No dia 27 os meus empregados EE, II e CC encontravam-se na Quinta ..., a colocar uma pedra padieira, com três metros de comprimento. A pedra já se encontrava colocada. Entretanto eu saí da obra e cerca de 20 minutos telefonaram-me a dizer que tinha acontecido um acidente. Chamei a ambulância de seguida”.  
Mais se lê naquele relatório que foi recolhido depoimento a EE, que declarou (cfr. fls. 177): “No dia 27/08/2005, por volta das 15.30, eu EE, meus colegas KK e CC estávamos a trabalhar na Quinta ..., íamos colocar uma pedra de granito “padieira” 3mx30x40. O meu colega KK estava a manobrar uma máquina retroescavadora, colocou a pedra com os garfos no local onde esta ficava. A pedra estava no local onde esta ficava. A pedra estava no local já pousada. O meu colega KK, no retirar da máquina, inexplicavelmente tocando os garfos na pedra e esta, caindo no chão num monte de pedras “3 ou quatro pedras”, partindo-se a meio, e uma parte foi projetada atingindo o CC e de seguida chamamos a ambulância”.
No mesmo relatório lê-se que também foram tomadas declarações ao manobrador da retroescavadora, II (fls. 174 e 177), que declarou: “No dia 27/08/2005 estava a manobrar a máquina retroescavadora – ... -, tinha acabado de colocar a pedra em cima das ombreiras. A máquina recuou ligeiramente, os garfos tocaram na pedra e esta caiu para o chão, partiu ao meio e uma parte atingiu o CC”.
A fls. 188 do processo físico encontra-se, por sua vez, junto um catálogo, onde se encontra retratada uma máquina retroescavadora, da marca ...”, que a testemunha EE afirmou em audiência final ser igual à que era manobrada pelo colega II, na altura em que se deu o acidente que vitimou o malogrado CC.
Finalmente, a fls. 353 do processo físico encontra-se junto aos autos um relatório técnico científico, elaborado em 17/01/2018, pelo IML, onde se lê que: “CC, de 20 anos de idade, servente de construção civil, saudável, foi vítima de acidente de trabalho, em 27/08/2005 – queda após atingimento por pedra na cabeça -, de que resultou traumatismo crânio-encefálico (…)” – sublinhado nosso.
Da análise da prova documental que se acaba de expor, retira-se de útil as seguintes conclusões:
Primo - o acidente que vitimou CC envolveu uma retroescavadora em tudo semelhante à que se encontra retratada a fls. 188;
Secundo – de acordo com o teor da participação do acidente de trabalho feita pela entidade empregadora de CC à seguradora  e os depoimentos que foram prestados junto da empresa que efetuou a peritagem a pedido daquela seguradora, o acidente ocorreu já depois da máquina retroescavadora ter ultimado o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as pedras (ombreiras) que a sustentavam, numa altura em que aquela retroescavadora recuou, os respetivos garfos tocaram na pedra padieira que tinha sido colocado, causando a respetiva queda;
Tertio - não colhe a versão dos factos de que, ao cair, a pedra padieira se partiu em diversos fragmentos e um destes foi projetado, acabando por atingir o malogrado CC, designadamente, apertando-o contra um pretenso talude, uma vez que tal versão dos factos é liminarmente afastada pelas lesões crânio-encefálicas por ele sofridas, o que denota que a pedra padieira caiu sobre o mesmo, atingindo-o na cabeça, conforme teor do relatório técnico científico elaborado pelo IML, em 17/01/2018, o que pressupõe que a pedra se encontrava colocada a um nível superficiária superior em relação ao CC quando foi tocada pelos garfos da máquina retroescavadora, que provocaram a sua queda, atingindo a pedra o CC nessa queda.
Passando à prova testemunhal produzida em audiência final, confirma-se que a única testemunha presencial do acidente inquirida foi EE.
EE referiu ser colega de trabalho do falecido CC na EMP02... há dois/três anos, onde também trabalhava, na altura do acidente, há doze/treze anos o pai do CC (o recorrente marido).
Mais referiu que o acidente ocorreu num sábado, dia normal de trabalho na EMP02..., cujo estaleiro se situa em ..., ....
Nesse dia, o depoente EE e o malogrado CC estiveram a trabalhar no estaleiro da EMP02..., durante a parte da manhã, tendo o patrão ordenado aos mesmos que acompanhassem, da parte da tarde, o colega II, manobrador da retroescavadora, para efetuarem um trabalho, na Quinta ..., sita à saída da cidade ..., a cerca de três/quatro quilómetros de distância do estaleiro. O trabalho de que ele e o CC foram incumbidos de realizar pelo patrão consistia em darem apoio ao II na colocação de uma pedra padieira sobre as respetivas ombreiras.
Referiu que aquele e o malogrado CC, nesse sábado, da parte da tarde, dirigiram-se do estaleiro da EMP02... à Quinta ... de veículo automóvel, enquanto o II dirigiu-se daquele estaleiro para a quinta conduzindo a retroescavadora, percorrendo para o efeito várias estradas.
Mais relatou que o trabalho a executar processava-se no interior de um armazém que a EMP04... andava a reconstruir e cujas paredes exteriores já se encontravam erigidas, o mesmo acontecendo com as ombreiras sobre as quais iria ser colocada a pedra padieira. O armazém situava-se mesmo à margem da estrada, ao cimo de uma rampa, a um nível superficiário superior em relação à estrada de cerca de 1,5 metros. Ao cimo dessa rampa existia uma zona plana, a qual se estendia até à entrada do armazém. O referido armazém tinha duas entradas, uma: pela qual entrou a retroescavadora; e a outra, por onde entrou o depoente e o CC, situada no lado oposto do armazém onde se localiza a entrada por onde acedeu (e posteriormente, se propôs sair) a retroescavadora. Quem comandava a execução dos trabalhos era o II, que era manobrador da retroescavadora. Quando o depoente e o CC chegaram ao local deixaram o veículo automóvel estacionado na margem da estrada, mas a retroescavadora ainda não tinha chegado, o que aconteceu em momento posterior.
Referiu ainda que, chegada ao local, a retroescavadora entrou no interior do armazém por uma entrada, enquanto o depoente e o CC entraram no interior daquele armazém pela entrada situada no lado oposto do armazém por onde entrou a retroescavadora. O depoente e o malogrado CC, no interior do armazém, posicionaram-se na traseira da retroescavadora, a cerca de 3 metros de distância desta (lado oposto àquele por onde a retroescavadora tinha entrado no interior do armazém), dando instruções ao II até este atingir o ponto em que devia pousar a pedra padieira sobre as respetivas ombreiras. As ombreiras eram em xisto, mas a padieira era em granito. Uma vez colocada a pedra padieira sobre as ombreiras, o manobrador da retroescavadora (II) referiu que o trabalho estava ultimado, para todos se dirigirem ao estaleiro da EMP02..., isto é, o depoente e o CC deviam dirigir-se ao veículo automóvel a fim de se deslocarem para o estaleiro da EMP02..., enquanto ele, II, se iria dirigir para o mesmo ao volante da retroescavadora.
 A testemunha EE referiu que, na sequência daquela ordem do manobrador da máquina, o mesmo deslocou-se, de imediato, em direção da saída do armazém (saída por onde ele e o CC tinham entrado no interior do armazém), a fim de se dirigir ao veículo automóvel para regressar ao armazém da EMP02..., o mesmo fazendo o CC, o qual, contudo, ficou mais para trás, tendo ambos de passar junto da retroescavadora: ele pelo lado direito da retroescavadora, e o CC pelo lado esquerdo daquela.
Referiu que, quando assim caminhava em direção à saída do armazém, sentiu que a retroescavadora fazia a manobra de marcha atrás, em direção à saída do armazém por onde entrara (saída oposta àquela para onde o depoente e o CC se dirigiam, seguindo este nas traseiras do depoente EE, dado ter-se atrasado) e que, a dado momento, ouviu um grande estrondo. Olhou para trás e viu o CC já deitado no chão e que a pedra padieira que tinha sido colocada sobre as ombreiras tinha caído sobre o último.
Questionado sobre se, quando sentiu a retroescavadora a fazer a manobra de marcha atrás nas suas traseiras, quando o mesmo se dirigia para a saída do armazém, ouviu o sinal sonoro, a testemunha EE confirmou que aquela máquina sempre que efetua uma manobra de marcha atrás emite um sinal sonoro, mas não se lembrar de ter ouvido esse sinal.
Conforme refere a recorrente EMP01..., a testemunha EE relatou que, a retroescavadora para “ir embora”, isto é, para sair do interior do armazém onde se encontrava, após ter concluído o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras, a fim de regressar ao estaleiro da EMP02..., tinha de fazer marcha-atrás e que “provavelmente”, ao efetuar essa manobra, “bateu na pedra” (padieira). “Ele sentia a máquina a recuar, mas não viu a máquina a bater na pedra”. “Quando ouve o estrondo e olhou já viu o CC no chão”. “O II nunca baixou os garfos da máquina e só podiam serem os garfos que bateram na pedra”, provocando a sua queda. “A máquina, quando faz marcha atrás, emite um sinal sonoro”. “Não se lembra de ter ouvido esse sinal sonoro, mas sentiu que a máquina (retroescavadora) fazia marcha atrás quando se dirigia para a saída do armazém”.
Referiu que, quando olhou (na sequência de ter ouvido o estrondo provocado pela queda da pedra padieira), verificou que a retroescavadora estava para cá das ombreias sobre as quais tinha sido colocada a pedra padieira e que os garfos daquela estavam levantados.
Daí que, conforme afirma a recorrente EMP01..., a testemunha EE, única testemunha presencial do acidente que depôs em audiência contraditória, foi perentória em afirmar não ter visto os garfos da retroescavadora a embaterem na pedra padieira que tinha sido colocada sobre as respetivas ombreiras, pelo que a afirmação da mesma de que foram os garfos da retroescavadora que embateram na pedra padieira, provocando a queda desta sobre o malogrado CC não passa de uma ilação que a mesma extraiu, a partir dos factos que percecionou quando, na sequência do barulho provocado pela queda dessa pedra, olhou para trás.
Não obstante, apesar da testemunha EE não ter visto a retroescavadora a bater com os respetivos garfos na pedra padieira que tinha sido colocada sobre as respetivas ombreiras, provocando a queda dessa pedra padieira sobre CC, nem se lembrar de ter ouvido o sinal sonoro emitido pela máquina retroescavadora quando a mesma executou a manobra de marcha atrás, perante a prova produzida, a única ilação que é possível extrair é a de que, uma vez concluído o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras, e dada a ordem pelo manobrador desta (II) para que todos regressassem ao estaleiro da EMP02... (ele próprio, ao volante da retroescavadora, e a testemunha EE e o CC, no veículo automóvel onde se fizeram transportar daquele estaleiro para o armazém), enquanto EE e o CC, em cumprimento dessa ordem, se dirigiram para o exterior do armazém, passando para tanto junto da retroescavadora, vindo o último mais atrás em relação ao primeiro, o II (manobrador da retroescavadora) meteu a marcha atrás nessa máquina, com os garfos da mesma levantados, a fim de conduzi-la para o exterior do armazém onde se encontrava, para regressar ao estaleiro da EMP02..., tendo na execução dessa manobra embatido com os garfos da retroescavadora na pedra padieira que tinha sido colocada sobre as respetivas ombreiras, provocando a queda desta sobre o CC, quando este caminhava junto à máquina retroescavadora em direção ao exterior do armazém, mais recuado em relação à testemunha EE, tal como foi concluído por esta testemunha.
Com efeito, CC foi atingido na cabeça por uma pedra, a qual tinha, consequentemente, de se localizar a um nível superficiário mais elevado que aquele, de modo que, ao cair, lhe tivesse atingido a cabeça, conforme atingiu.
A prova acima identificada é toda ela unânime no sentido de que o trabalho que a testemunha EE, CC e o manobrador da retroescavadora (II) foram incumbidos de executar pela EMP02... (sua entidade empregadora) consistia na colocação de uma pedra padieira sobre as respetivas ombreiras.
Toda a prova é igualmente unânime que o referido trabalho já se encontrava concluído quando se deu o acidente e o que se acaba de dizer corresponde à facticidade que a 1ª Instância julgou provada nos pontos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º da sentença recorrida, os quais não foram impugnados pelos recorrentes.
De resto, naqueles pontos 13º e 14º julgou-se provado que, “após a pedra ficar assente em cima das ombreiras, o condutor II” (manobrador da retroescavadora) “disse aos restantes trabalhadores” (testemunha EE e ao CC) “que o serviço estava terminado e que se podiam ir embora”, na sequência do que, “o CC e o companheiro de trabalho avançaram em direção à porta do armazém, passando nas laterais da máquina retroescavadora, o EE do lado direito da máquina e o CC do lado esquerdo” e essa concreta facticidade não foi impugnada por quem quer que fosse, o que tudo corrobora a versão dos factos apresentada pela testemunha EE em audiência final.
Ora, estando o trabalho de que a testemunha EE, o malogrado CC e  o manobrador da máquina retroescavadora (II) foram incumbidos de realizar pela sua entidade empregadora (EMP02...) já ultimado/executado e tendo, inclusivamente, o II (manobrador da máquina, pessoa que dirigia naturalmente os trabalhos) dado ordens ao EE e ao CC para que regressassem ao estaleiro da EMP02..., é apodítico que não tendo o manobrador da retroescavadora qualquer outra razão para permanecer naquele concreto local, também ele iria empreender, ao volante da retroescavadora, a viagem de regresso para o mesmo estaleiro, tendo para o efeito, uma vez que se encontrava no interior do armazém, de iniciar a manobra de marcha atrás da retroescavadora que manobrava, a fim de sair do interior daquele, para regressar ao dito estaleiro da EMP02..., tudo conforme foi relatado pela testemunha EE em audiência final.
O que se acaba de referir não só confirma que o acidente que vitimou o malogrado CC ocorreu já após o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras estar concluído e após aquele e EE terem recebido a ordem do manobrador da máquina para que regressassem ao estaleiro da entidade empregadora (EMP02...), quando, na execução dessa ordem, ambos se dirigiam para a saída do armazém, para o local onde tinham deixado o veículo automóvel estacionado, para empreenderem a viagem de regresso a esse estaleiro, como confirma que o acidente ocorreu quando o próprio manobrador da retroescavadora (II) efetuava a manobra de marcha atrás ao volante desta, para se dirigir para a saída do armazém onde se encontrava (saída esta por onde entrara no  seu interior para executar o trabalho e que se situa no lado oposto à saída para onde se dirigiam EE e o CC)  a fim de também ele regressar a esse mesmo estaleiro da EMP02....
 A testemunha EE é perentória em afirmar que, na sequência de ter ouvido o estrondo provocado pela queda da pedra padieira, quando olhou para trás, viu o CC já no chão e os garfos da retroescavadora levantados, encontrando-se esta  máquina recuada em relação às ombreiras sobre as quais tinha sido colocada a pedra padieira, o que tudo, quando submetido ao que se vem dizendo e às regras do normal acontecer, força a que se conclua que o manobrador da retroescavadora (II) efetuou a manobra de marcha atrás, a fim de se dirigir para o exterior do armazém e regressar ao estaleiro da EMP02..., com os garfos da máquina retroescavadora levantados, acabando por embater com os mesmos na pedra padieira que tinha sido anteriormente colocada sobre as respetivas ombreiras, provocando a respetiva queda sobre a cabeça do CC.
De resto, encontrando-se o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras já concluído quando se deu o acidente, não se antolha como razoável aceitar-se que o manobrador da retroescavadora (II) não tivesse cuidado em colocar essa pedra padieira sobre as respetivas ombreiras de modo estável e seguro, de modo a que não caísse, sem a intervenção de um elemento externo.
Esse elemento externo apenas podiam ser os garfos da retroescavadora que o seu manobrador não cuidara em recolher, os quais embateram na pedra padieira, provocando a sua queda sobre a cabeça do malogrado CC, quando o II, ao volante da retroescavadora empreendia a manobra de marcha atrás, a fim de se dirigir para a saída do armazém e regressar ao estaleiro da EMP02..., dado que não se vislumbra a existência de qualquer outro fator que pudesse ter provocado, ou possa explicar a queda da pedra padieira.
Finalmente, cumpre referir que, o que se acaba de concluir foi aquilo que logo na altura do acidente foi relatado à testemunha FF, tio do falecido CC, que atualmente exerce as funções de comandante da proteção civil; que, anteriormente exercera as funções de comandante dos bombeiros de ...; e que, à data do acidente, exercia as funções de bombeiro na corporação de ..., mas que se encontrava então a tirar um curso para comandante de bombeiros na corporação de ....
A testemunha FF foi perentória em afirmar que, na sequência da receção de um telefonema, no quartel de ..., para acudirem a um acidente, ocorrido na Quinta ..., dirigiu-se a esse local uma ambulância, seguindo o depoente para o mesmo de veículo automóvel. Acontece que, quando o depoente chegou ao local do acidente, constatou que a vítima do acidente era o seu sobrinho CC, o qual já se encontrava no interior da ambulância, aos gritos, chamando pela mãe, em grande sofrimento. Na altura, uma pessoa que se encontrava no local, sua desconhecida, relatou-lhe que: “estavam a colocar uma pedra e quando se vinham embora para o estaleiro, a máquina tocou na pedra da padieira e derrubou-a, atingindo o trabalhador”.
Destarte, em face da prova que se acaba de identificar e de analisar, longe de se impor concluir que esta não consente que se tivesse julgado provada a facticidade vertida no ponto 15º dos factos provados na sentença, a mesma impõe que se conclua pela respetiva prova e, bem assim, que o acidente ocorreu quando a retroescavadora efetuava a manobra de marcha atrás, a fim de sair do interior do armazém, para se dirigir para o estaleiro da EMP02..., uma vez ultimado o trabalho de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras.
Termos em que, na improcedência do fundamento de recurso apresentado pela recorrente EMP01... e na procedência do apresentado pelos recorrentes Autores, ordena-se a alteração da facticidade julgada provada no ponto 15º, o qual passa a constar da seguinte materialidade fáctica, que se julga provada:
 “15- Após ter concluído o trabalho descrito em 13º, o manobrador da retroescavadora efetuou uma manobra de marcha atrás, para sair do interior do armazém onde se encontrava e regressar ao estaleiro da empresa EMP02..., em ..., sem ter recolhido os garfos da retroescavadora.
15A- A retroescavadora tocou com os referidos garfos na pedra padieira que tinha sido colocado em cima das ombreiras, originando a sua queda ao chão”. 

B.3- Características de personalidade do CC.
Os recorrentes Autores imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pelo 1ª Instância o vício da deficiência, pretendendo que se adite ao elenco dos factos julgados provados a seguinte materialidade fáctica:
“O jovem CC era alegre, bem integrado social e familiarmente, jogava futebol e era querido por todos”.
“O jovem CC era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia”.
“Era poupado, tirou carta, comprou carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família”.
A expressão “o jovem CC” é eminentemente conclusiva, na medida que é por referência à data do nascimento daquele e à data da eclosão do acidente (e do seu posterior falecimento) que se há-de (ou não) extrair a ilação de aquele era “jovem” na data do acidente e decesso, pelo que, essa adjetivação não pode ser levada ao elenco dos factos provados ou não provados na sentença.
Por outro lado, que o CC, à data do acidente, era pessoa alegre e jogava futebol já consta do elenco dos factos provados nos pontos 47º (“À data do acidente o CC … era …, alegre) e 48º (“Praticava desporto, designadamente futebol, ocupando a posição de guarda-redes”), pelo que, quanto a esta concreta facticidade não se verifica o vício da deficiência que os recorrentes imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.
Resta, pois, indagar se a prova produzida impõe que se dê como provado que: “À data do acidente o CC estava bem integrado social e familiarmente; era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia; era poupado, tirou a carta, comprou carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família”.
A facticidade acabada de referir foi alegada pelos recorrentes nos pontos 31º e 34º da petição inicial (cfr. fls. 6 do processo físico) e, conforme se alcança da leitura da sentença recorrida, foi indevidamente nela considerada (porque não consta do elenco dos factos nela julgados provados) em sede de direito (cfr. fls. 448 do processo físico).
 Tratando-se de matéria essencial para o apuramento da dimensão dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido CC e pelos seus pais (recorrentes Autores), é indiscutível que ao não julgar a mesma como provada nem como não provada o tribunal a quo incorreu no invocado vício da deficiência do julgamento da matéria de facto que realizou.
Nos presentes autos, a fls. 16 verso do processo físico, encontra-se junta cópia do título de registo de propriedade de um veículo automóvel da marca ...”, cuja propriedade se encontra inscrito no registo, desde ../../2005, em nome do falecido CC.
CC nasceu em ../../1985 (cfr. ponto 1º dos factos apurados), pelo que, em 27/8/2005, data do acidente (cfr. ponto 4º dos factos apurados), contava vinte anos de idade, contando 31 anos de idade, em ../../2016, data do seu falecimento (cfr. ponto 2.º dos factos apurados após a correção infra determinada).
A testemunha EE relatou que o CC, à data do acidente, trabalhava na EMP02... há dois/três anos, era “muito trabalhador, responsável, um rapaz lutador, não era um rapaz de “borga”, era responsável pelo estaleiro e tinha tudo impecável”. O CC “ajudava os pais que, na altura, tinham quatro filhos, e eram pobres”. O CC era pessoa simples”, isto é, modesta na sua forma de ser, “tirou carta e comprou carro”.
No mesmo sentido se pronunciou a testemunha FF, que referiu que o CC “era trabalhador, divertido, alegre, não fumava, não bebia, saía apenas ocasionalmente com os amigos”. O CC compartilhava o quarto com os dois irmãos rapazes, “dado que a casa era pequena”. A família do CC “é pobre, mas humilde”. O CC “contribuía para as despesas do lar, por isso, é que ele deixou de estudar”. “As pessoas gostavam muito do CC”. O CC jogava no ..., onde era guarda redes, clube de futebol onde a testemunha era presidente. O funeral do CC foi enorme e de acordo com o que lhe foi dado ver não houve residente na freguesia ... que não tivesse ido ao funeral do CC, que era pessoa muito querida e estimada por todos.
No mesmo sentido também se pronunciou a testemunha HH.
Destarte, toda a prova que se vem identificando e analisando é concordante entre si em corroborar a facticidade que estamos a analisar, impondo-se, por isso, nos termos do art. 662º, n.º 1, aditá-la ao elenco dos factos provados na sentença.
Na procedência parcial do vício da deficiência que os recorrentes Autores assacam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, ordena-se que se adite ao elenco dos factos provados na sentença, a seguinte facticidade, que se julga provada:
“50- À data do acidente o CC encontrava-se bem integrado social e familiarmente e era muito trabalhador e um bom trabalhador, pois gostava muito do que fazia”.
 “51- Era poupado, tirou a carta, comprou carro e ajudava com os seus rendimentos os seus pais e família”.

B.4- Correção oficiosa do ponto 2º dos factos provados.
No ponto 2º dos factos provados na sentença consta que “O CC faleceu no dia ../../2018 (…)”.
Sucede que, a certidão do assento de óbito de CC encontra-se junta ao processo físico a fls. 33, e nela consta que a data do falecimento daquele ocorreu em ../../2016.
Considerando que não foi invocada a falsidade da dita certidão do assento de óbito e tratando-se de documento autêntico, nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.º 1 e 2, 369º, 370º, n.º 1 e 371º, n.º 1, todos do CC, encontra-se plenamente provado que a data do óbito de CC ocorreu em ../../2016.

Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 666º, n.º 1 do CPC, determina-se oficiosamente a alteração da facticidade julgada provada no ponto 2º dos factos provados na sentença, o qual passa a constar da facticidade que se segue, que se julga provada:
“2- O CC faleceu no dia ../../2016, intestado, solteiro e sem descendentes”.
C- Mérito
C.1- Da caracterização do evento como acidente de viação
A recorrente Ré (EMP01...) imputa à decisão de mérito constante da sentença erro de direito ao nela se caracterizou o evento que vitimou o malogrado CC como acidente de viação, sustentando que, no momento da sua eclosão, “a retroescavadora estava a laborar, e não a circular, ainda que não estivesse a escavar, que é a sua atividade funcional. Estava a ser utilizada a força e capacidade da máquina para realizar uma tarefa de construção civil e não a transportar o seu condutor de um local para o outro, não sendo de aceitar que, pelo simples motivo de a máquina se ter movido, estarmos perante um acidente de viação”.
Conclui que o acidente sobre que versam os autos não pode ser caracterizado como acidente de viação, impondo-se, em consequência, que a ação seja julgada improcedente e a sua absolvição do pedido enquanto responsável civil pelas consequências indemnizatórias decorrentes do invocado pretenso acidente de viação, por via de ter celebrado, enquanto seguradora, contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel respeitante à circulação da retroescavadora.
A 1ª Instância caracterizou o acidente como de viação, tendo para tanto ponderado:
“A primeira questão que se coloca nestes autos é a de determinar se o acidente aqui em causa, além de acidente de trabalho, também pode integrar um acidente de viação.
Assim, é considerado acidente de viação, todo o acidente envolvendo veículos terrestres com capacidade de circulação autónoma incluindo tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, cilindros de compactação, etc., desde que não sejam utilizados em funções exclusivamente agrícolas ou industrias e, no momento do acidente, se encontrem a desempenhar função de locomoção.
Ora, as máquinas industriais ou agrícolas que aliam à sua função agrícola ou industrial uma função de locomoção, encontram-se sujeitas a dois seguros obrigatórios: o seguro automóvel e o seguro de laboração.
Assim, para saber qual dos seguros deve ser chamado a responder e em que medida, há que aferir se no momento do acidente a máquina se encontrava a desempenhar exclusivamente a sua atividade funcional que lhe é inerente enquanto máquina industrial, ou se também ou exclusivamente, se encontrava a desempenhar a sua função de locomoção/transporte.
No primeiro caso apenas opera o seguro obrigatório de laboração e no segundo o seguro obrigatório automóvel (isoladamente ou em conjunto com o seguro obrigatório de laboração).
Cabe, assim, apurar se o acidente de que os presentes autos tratam deve ser qualificado como “acidente de viação” e, nessa medida, se encontra abrangida pelo seguro automóvel obrigatório, ou antes, tal como defende a ré é um acidente de trabalho, sendo excluído, por essa via, da garantia do seguro automóvel.
De acordo com os arts. 105º e 107º, do Cód. da Estrada uma retroescavadora reveste a natureza de veículo automóvel, mais concretamente de uma máquina industrial.
«Estabelece o art. 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, que “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei”.  
O n.º 4 daquele preceito, exclui do regime do seguro obrigatório as “situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais”.          
Embora aquele n.º 1 fale em circulação de veículo terrestre a motor e, consequentemente, inculque a ideia de que só é “acidente de viação” os acidentes ocorridos quando o veículo envolvido no acidente se encontre em circulação e que só se encontra, consequentemente, abrangido pela obrigação de efetuar seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e são abrangidos pela garantia conferida por esse contrato, os veículos de circulação terrestre quando em circulação, é pacífico que no conceito de acidente de viação e para efeitos de obrigatoriedade de celebrar aquele contrato de seguro e a garantia conferida pelo mesmo abrange qualquer utilização de um veículo de circulação terrestre a motor, em conformidade com a sua função habitual.
Este entendimento mostra-se em consonância com o regime legal enunciado no n.º 1 do art. 503º do CC. que, em sede de responsabilidade objetiva estabelece que aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
Com efeito, conforme adverte Antunes Varela dentro desta “fórmula legal cabem tanto os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação (…), como os causados pelo veículo estacionado (…)”, tanto fazendo que o veículo “circule em via pública, aberta ao trânsito e geral, como em qualquer recinto privado (…) e pouco importa mesmo que o veículo circule fora de qualquer via, como o jeep que caminha sobre terrenos que outras viaturas não podem percorrer. O espírito da lei cobre manifestamente todas essas situações (…)” e parafraseando Dário M. Almeida, continua “no risco compreende-se tudo o que se relaciona com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, como maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja, com a sua conservação (…). É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga de eixo ou a barra de direção que pode partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento (…), a pedra ou gravilha ocasionalmente projetadas pela roda do veículo …”, cabendo dentro dessa fórmula, ainda “… os ligados ao termo do binómio que assegura a circulação desse veículo (o condutor). Também o perigo de síncope, de congestão, de colapso cardíaco ou qualquer outra doença súbita de quem conduz faz realmente parte dos riscos próprios do veículo (…) Fora do círculo (…)” ficam apenas “os que não têm conexão com os riscos específicos do veículo; os que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre”.       
Este entendimento que, como dito, era o seguido pela jurisprudência e doutrina nacionais, que desde há muito vem entendendo que “acidentes de viação” não são apenas os típicos acidentes de viação com intervenção de veículos automóveis a que é dada a comum utilização rodoviária, mas ainda os acidentes em que sejam intervenientes quaisquer outros veículos com capacidade de circulação autónoma, incluindo tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, bulldozers, cilindros de compactação, empilhadores, dumpers ou outras máquinas, desde que não sejam utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais (art. 4º, n.º 4 do citado Decreto-Lei n.º 291/2007) e que, consequentemente, todos eles, com exceção das máquinas agrícolas ou industriais enunciadas neste art. 4º, n.º 4, se encontram abrangidos pelo regime do seguro obrigatório, foi a solução que veio a ser consagrado pelo TJUE» (…).
«Significa isto que a exclusão a que alude o art. 4º, n.º4, do Decreto Lei n.º 291/2007, de 21/08, quanto ao seguro obrigatório automóvel, apenas abrange os veículos com capacidade de circulação terrestre autónoma, que sejam exclusivamente utilizados para fins industriais ou agrícolas e que não apresentem qualquer margem de sobreposição com utilizações próprias de circulação de viaturas que geram a obrigação de segurar no domínio do seguro obrigatório, isto é, que sejam insuscetíveis de desempenharem uma função de circulação/transporte.
Quanto às máquinas industriais e agrícolas que aliam à sua utilização industrial ou agrícola a função de circulação/transporte, as mesmas encontram-se sujeitas à celebração de seguro automóvel obrigatório e, bem assim a seguro obrigatório de laboração.
A delimitação da garantia conferida por cada um dos enunciados contratos de seguro obrigatórios passa pela distinção sobre se, no momento do acidente, a máquina se encontrava a desempenhar exclusivamente a atividade funcional que lhe é inerente enquanto máquina, ou se, ao invés, os danos por ela provocados estão relacionados com os riscos da atividade viária, atividade essa que “é delimitada pelos casos em que algum veículo circula ou é usado na sua função de locomoção-transporte.        
Quanto às máquinas industriais e agrícolas que aliam à sua utilização industrial.
Precise-se, no entanto que tal se pondera no Ac. do STJ. de 23/11/2006, Proc. 06B3445, quando os danos, ainda que emergentes do desempenho funcional da própria máquina, mas que derivam também dos riscos dela relativamente à segurança, esses danos encontram-se cobertos pela garantia conferida pelo contrato de seguro obrigatório automóvel.  
Aliás, neste aresto sustenta-se que ocorrendo o acidente com uma máquina que se desloca para trás e para a frente em terraplanagem de ampliação de um caminho público e, num desses movimentos, colhe o menor, “se o acidente ocorreu porque a máquina se movimentava, mal se compreenderia a isenção de seguro, só porque o fazia em movimentos próprios da sua funcionalidade. É que, nestes casos, vem ao de cima, tanto como em circulação normal, o risco especial causado por veículos de que fala Vaz Serra no local citado, em palavras que nos parecem atuais. Para os demais utentes da via, potenciais sinistrados, tanto importa que a máquina se desloque porque o condutor pretende seguir para outro local, como a que se desloque porque o condutor apenas quer terraplanar a zona. Só vista pelo prisma destes, a medida traduzida pelo seguro obrigatório atinge os fins de alcance social e de tutela dos interesses dos lesados a que supra aludiu”.
Refira-se que esta jurisprudência se revela deveras pertinente quando se pondera que quem circula na via pública deve poder legitimamente contar que se for vítima de acidente provocado por veículo de circulação terrestre, independentemente deste se encontrar ou não a desempenhar trabalhos específicos da sua atividade funcional enquanto máquina, estacionado ou a circular (factos a que é totalmente alheio e que nem sequer controla), tem a sua indemnização assegurada, seja por via do funcionamento do seguro obrigatório da viatura, seja, na ausência desse seguro, através do Fundo Garantia Automóvel, o que não lhe estará necessariamente assegurado caso se entenda que estando, na altura do acidente, a máquina a desempenhar a sua função específica enquanto máquina, tal facto gera a exclusão da garantia do seguro obrigatório automóvel. É que apesar da obrigatoriedade do seguro de laboração, como é do conhecimento geral, o dono das referidas máquinas nem sempre cumpre com essa imposição legal e nem sempre dispõe de meios económicos para cumprir com as inerentes responsabilidades indemnizatórias.
Semelhante entendimento descura que mesmos nos casos em que uma máquina de circulação terrestre, no momento do acidente, se encontra a laborar no desempenho da sua funcionalidade específica enquanto máquina, não deixa de manifestar o risco especial enquanto máquina de circulação terrestre e que, consequentemente, o acidente por ela provocado é necessariamente a concretização desse risco.     
Acresce que esse entendimento descura a vertente social do seguro obrigatório e é suscetível de criar graves distorções entre lesados, violadoras do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no art. 13º, n.º 1 da CRP.» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/02/2018, proferido no Proc. 535/14.8TBPTL.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
Ora, o acidente em causa nos presentes autos envolve uma retroescavadora que tinha sido deslocada para a Quinta ... a fim de colocar uma pedra padieira em cima de umas ombreiras em granito que já se encontravam edificadas.
Após ter executado a tarefa, o condutor da retroescavadora disse aos outros trabalhadores - CC e EE – que também tinham sido deslocados para o local para auxiliar nessa tarefa que a mesma estava terminada e que podiam ir embora.
E, foi nessa altura que, ao recuar a máquina para retornar ao estaleiro, fazendo o percurso de cerca de 4 kms., que tinha feito anteriormente, circulando pela estrada nacional M13, de modo inadvertido, e provavelmente por não ter recolhido os garfos do balde da máquina, embateu na pedra e provocou a sua queda no solo.
O CC, que finda a tarefa se deslocava para a viatura para regressar ao estaleiro, tendo para o efeito de passar pela lateral da máquina retroescavadora, foi atingido pela pedra, caindo de imediato no solo com ferimentos gravíssimos.
Vários pontos a ter em consideração: o trabalho de colocação da pedra nas ombreiras estava a ser realizada com recurso à máquina retroescavadora tripulada por II, também funcionário da «EMP02..., Lda.»; terminada a colocação da pedra a máquina retroescavadora iniciou as manobras necessárias para se deslocar de novo para o estaleiro em ...; nessas manobras derrubou com os garfos, que não tinham sido recolhidos, a pedra padieira.
Da factualidade elencada na altura em que o acidente decorreu, a máquina retroescavadora já tinha concluído a função de laboração a que estava adstrita, estando na sua função de locomoção.
Não colhe, assim, a argumentação apresentada pela ré, pois que, no momento em que embateu na pedra de modo inadvertido e provocou a sua queda, se encontrava na sua função de deslocação.
Assim, considera-se que em causa está, além do já tratado acidente de trabalho, um acidente de viação, resultando da circulação terrestre da máquina retroescavadora e, portanto, abrangida pelo contrato de seguro outorgado com a ré”.
Na decisão que se acaba de transcrever o tribunal a quo seguiu (e quase que transcreveu) as considerações jurídicas que perfilhamos no acórdão desta Relação de 15/02/2018, Proc. 535/14.8TBPTL.G1, de que fomos relator, as quais continuamos a perfilhar e que são integralmente transponíveis para o acidente sobre que versam os autos, com as especificações que se passam a enunciar.
O acidente sobre que versou aquele aresto ocorreu em 11 de agosto de 2011, enquanto o dos presentes autos ocorreu em 27 de agosto de 2005.
Daí que, ao acidente sobre que versam os autos seja aplicável o regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro, na sua 18ª versão, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23/02 (e não o regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, aplicado ao acidente tratado naquele aresto) e, bem assim, o Código da Estada, aprovado pelo DL. n.º 114/94, de 03/05, na sua 10ª versão, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23/02.
Não obstante o que se acaba de referir, tal em nada altera as considerações jurídicas que o aqui relator expendeu no identificado acórdão de 15/02/2018, e a integral aplicação daquelas ao acidente sobre que versam os autos.
Com efeito, o art. 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, vigente em 27 de agosto de 2005 (data do acidente sobre que versam os autos), também obrigava que, toda a pessoa que pudesse ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas por veículo de circulação terreste a motor, seus reboques ou semirreboques, tivesse de celebrar contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel para que com eles pudesse circular.
Por sua vez, o Código da Estrada, na redação vigente à data do acidente sobre que versam os autos (27 de agosto de 2005), no seu art. 109º, n.º 2, caracteriza a máquina  retroescavadora que deu causa ao acidente como máquina industrial, e também determinava, no n.º 1, do art. 150º, que aquela apenas podia transitar na via pública desde que fosse efetuado, nos termos da legislação especial (o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12), seguro de responsabilidade civil que pudesse resultar da sua aplicação.
Por conseguinte, tal como acontecia à data da eclosão do acidente sobre que nos debruçamos no acórdão de 15/02/2018, no momento em que ocorreu o acidente que vitimou CC, em 27 de agosto de 2005 (acidente objeto dos autos), as máquinas industriais e agrícolas que aliassem a sua utilização industrial ou agrícola a função de circulação/transporte, como é o caso de uma retroescavadora, encontravam-se sujeitas à celebração de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e de contrato de seguro obrigatório de laboração para que pudessem circular e laborar. E considera-se que não é acidente de viação aqueles em que essas máquinas, na altura do evento, estivessem a ser exclusivamente a ser utilizadas na sua atividade funcional enquanto máquina. De contrário, o acidente tem de ser caracterizado como acidente de viação, ou como acidente de viação e, concomitantemente, acidente de laboração.
A delimitação das garantias conferidas por cada um daqueles contratos passava (e continua a passar) pela verificação se, no momento do acidente, a retroescavadora estava a desempenhar exclusivamente a sua atividade funcional que lhe é inerente enquanto máquina, ou se, ao invés, os danos por ela provocados estão relacionados com os riscos da atividade viária, isto é, em que aquela circula ou é usada na sua função de locomoção-transporte.
Ora, no que respeita ao acidente sobre que versam os autos, o mesmo ocorreu no dia 27 de agosto de 2005, quando a entidade empregadora de II, EE e CC (a EMP02...) os incumbiu de se dirigirem à Quinta ..., a fim de executarem um trabalho, que consistia no transporte e fixação de uma pedra padieira em granito nas respetivas ombreiras, mediante a utilização de uma máquina retroescavadora, manobrada por II (cfr. pontos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º dos factos apurados).
Na execução dessa ordem, aqueles trabalhadores dirigiram-se à quinta, tendo para o efeito o II conduzido a retroescavadora até à mesma, percorrendo várias estradas, onde, aí chegados, executaram aquele trabalho e, uma vez findo este, o manobrador da retroescavadora (II) deu instruções a EE e CC para se irem embora, os quais, nessa sequência, avançaram em direção à porta do armazém onde se encontravam, passando nas laterais da retroescavadora, o EE do lado direito, e o CC do lado esquerdo (cfr. pontos 8º, 9º, 10º, 12º, 13º e 14º dos factos apurados).
Quando assim procediam, o manobrador da retroescavadora efetuou uma manobra de marcha atrás, para sair do interior do armazém em que se encontrava, a fim de regressar ao estaleiro da EMP02... (entidade empregadora), sem ter recolhido os garfos da retroescavadora, os quais tocaram na pedra padieira que tinha sido colocada em cima das respetivas ombreias, originando a sua queda ao chão, que atingiu a cabeça e o corpo de CC, causando-lhe lesões múltiplas e gravíssimas (cfr. pontos 15º, 15º-A, 16º e 17º dos factos apurados).

Resulta do exposto que, o acidente sobre que versam os autos, traduzido na queda da pedra padieira, provocada pelo toque naquela dos garfos da retroescavadora, com o subsequente atingimento da cabeça e do corpo de CC por essa pedra padieira, ocorreu quando os trabalhos de colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras já se encontravam concluídos e o manobrador da retroescavadora a manobrava para sair do interior do armazém onde se encontrava, a fim de empreender a viagem de regresso ao estaleiro da sua entidade empregadora (a EMP02...), e também entidade empregadora de CC e de EE, que também empreendiam a viagem de regresso ao mesmo estaleiro.
A retroescavadora, no momento do acidente, cujo manobrador provocou, negligentemente, a queda da pedra padieira, ao não recolher os garfos daquela e ao passar com aqueles assim elevados pela porta formada pela dita pedra padieira e pelas ombreiras em que assentava, como lhe era exigível que fizesse, não estava, pois, a utilizar a retroescavadora enquanto máquina, ou seja, a  exercer a atividade funcional a que aquela se destina (escavar, arrastar terra, carregar ou elevar pedras, etc.), posto que essa atividade funcional já tinha sido concluída (colocação da pedra padieira sobre as respetivas ombreiras), mas sim a empreender a viagem de regresso ao estaleiro da entidade empregadora, estando, portanto, a retroescavadora a ser utilizada exclusivamente na sua função de locomoção/transporte (o que nem era o caso da situação tratada naquele aresto que proferimos em 15/02/2018).
O acidente que vitimou o malogrado CC nada teve, assim, a ver com os riscos próprios relativos ao funcionamento da retroescavadora enquanto máquina industrial, mas sim exclusivamente com os riscos da sua utilização enquanto veículo de circulação terrestre.
Daí que o acidente sobre que versam os autos, tal como foi decidido pela 1ª Instância, consubstancie um típico acidente de viação, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida ao assim nela se ter decidido.
Decorre do exposto, improcederem os erros de direito que a recorrente EMP01... assaca à decisão de mérito constante da sentença recorrida quando nela se caracterizou o evento sobre que versam os autos como acidente de viação, com o que improcede integralmente o recurso que interpôs.

C.2 – Da compensação devida pela perda do direito à vida
A 1ª Instância fixou a compensação devida pela perda do direito à vida, ou dano morte do malogrado CC em 85.000,00 euros; a compensação pelos danos não patrimoniais por este sofridos desde a data do acidente até ao seu decesso em 130.000,00 euros; e a compensação devida a cada um dos recorrentes Autores, pais do falecido CC, pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência do estado e morte do filho em 60.000,00 euros para cada um.
Os recorrentes imputam ao assim decidido erro de direito, pretendendo que se eleve a compensação pela perda do direito à vida do CC para 150.000,00 euros; a devida pelos danos não patrimoniais por este sofridos para 170.000,00 euros; e a devida pelos danos não patrimoniais que os próprios sofreram para 100.000,00 euros em relação a cada um deles.
Em sede de indemnizatória vigora no ordenamento jurídico civil nacional o princípio geral da restauração natural, consagrado no art. 562º do CC, nos termos do qual quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, estando nessa obrigação incluídos não só os prejuízos causados (os denominados danos emergentes), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes (n.º 1, do art. 564º do CC).
O princípio geral que vigora, pois, no ordenamento jurídico nacional é o de que quem se encontra constituído na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar o dano causado ao lesado é obrigado legalmente, de acordo com o enunciado princípio geral da restauração natural, a repor o lesado na situação anterior à lesão, reconstituindo-a, para o que terá de reparar a coisa danificada, ou caso a sua reparação não seja possível, está obrigado a entregar-lhe outra da mesma espécie, categoria e estado, ou não sendo tal possível, por se tratar de coisa infungível, de não existir no mercado coisa da mesma espécie ou categoria, ou quando essa reposição in natura não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a entregar-lhe o valor da coisa destruída ou danificada em dinheiro (art. 566º do CC), além de se encontrar obrigado a pagar ao lesado as perdas por este sofridas no seu património decorrentes de ter ficado, em definitivo ou temporariamente, privado da coisa, isto é, os danos emergentes, como o lucro cessante ou lucro frustrado.
Sucede que, sendo o dano “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto ilícito, culposo e danoso, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”[21], o conceito de “dano” compreende  tanto as situações em que a perda sofrida pelo lesado se reconduza apenas a reflexos negativos na sua esfera jurídico-patrimonial – os denominados danos patrimoniais -, como situações em que a perda por ele sofrida não se repercute, ou não se repercute exclusivamente, na sua esfera jurídico-patrimonial, mas traduzem-se em realidades de natureza moral – danos não patrimoniais -, como as dores físicas, os desgostos, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética causados, os quais, porque são lesivos dos direitos de personalidade do lesado, como a saúde, o bem estar, a beleza, a perfeição física, a honra ou bom nome, etc., não são suscetíveis de serem diretamente reparados mediante restauração natural ou em espécie, mas apenas podem ser  compensados dentro daquilo que é humanamente possível.
Deste modo, os danos de natureza patrimonial sofridos pelo lesado têm de ser reparados pelo responsável civil mediante restauração natural ou através do substituto legal daquela (nos casos em que seja admissível), em dinheiro.
No que respeita aos danos não patrimoniais, dada a natureza moral dos bens jurídicos lesados, encontra-se impedida a restauração natural ou restituição em espécie, mas há que atenuar ou minorar o mal cometido ao lesado pela única forma humanamente possível, ou seja, mediante compensação pecuniária adequada.
Ao atribuir-se a referida compensação pecuniária ao lesado pelos danos morais sofridos, conforme frisa Antunes Varela, “não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos, o intuito de facultar o comércio com valores de ordem moral; há apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça”[22].
Sucede que nem todos os danos não patrimoniais são compensáveis, mas apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do CC), a ser avaliada tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, em função de um padrão objetivo.
O montante concreto da compensação a arbitrar ao lesado pelos danos morais que sofreu em consequência do evento lesivo (e que podem estender-se no tempo até ao termo dos seus dias) é determinado pelo tribunal mediante recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso (haja dolo ou negligência), o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (arts. 496º, n.º 4 e 494º do CC).
Tal que significa que, perante a multiplicidade e complexidade de fatores a considerar para a determinação do montante concreto da compensação a arbitrar por danos não patrimoniais o legislador optou por incumbir o juiz dessa tarefa, mediante recurso à equidade.
A equidade é um critério para correção do direito, um princípio moderador do direito positivo, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.  
O recurso à “equidade” não significa, portanto, “arbitrariedade”, mas antes a resolução do litígio de acordo com “um critério de justiça”, isto é, “dar ao conflito a solução que se entenda mais justa, atendendo às características concretas da situação”, o que exige que se atenda às especificidades do caso em particular, aos critérios específicos fixados no art. 494º (grau de culpa do lesante, situação económica deste e do lesado), às conceções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico[23] e, em particular, ao princípio da igualdade, pedra angular do sistema jurídico-constitucional nacional (art. 13º, n.º 1 da CRP), procurando-se uma uniformização de critérios, para se determinar o montante concreto da compensação a arbitrar.
 Dito isto, no que tange à compensação pela perda do direito à vida ou dano morte, é atualmente pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial tratar-se de um dano autónomo, suscetível de reparação pecuniária, que radica na esfera do de cujus e que depois se transmite (em conjunto) aos seus herdeiros referidos no n.º 2, do art. 496º do CC[24].
A vida representa o bem supremo do ser humano – com proteção constitucional, como bem inviolável (art. 24º, n.º 1 da CRP) –, pelo que a sua perda é um dano de maior gravidade. “Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica. O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros”[25].
Na fixação da compensação pela perda do direito à vida não pode deixar de se atender às circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc.[26].
Por outro lado, conforme antedito, tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios compensatórios, não pode deixar de se ter como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis.
Neste domínio, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 22/02/2018, Proc. 33/12.4 GRSTB.E1.S1, arbitrou uma compensação de 120.000,00 euros pelo dano morte, de vítima de acidente de viação, para o qual não contribuiu, com 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira.
No acórdão de 03/03/2021, Proc. 3710/18.2T8FAR.E1.S1, arbitrou pelo dano morte uma compensação de 80.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, com 33 anos de idade, casado, com um filho, com vida ativa, pessoal e socialmente bem inserido, saudável, não padecendo de qualquer deficiência, sendo muito trabalhador, esforçado e batalhador, e esforçando-se para conseguir uma vida condigna.
No acórdão de 23/11/2022, Proc. 8340/18.6T9PRT.P1.S1, confirmou a decisão da Relação que fixou a compensação devida pelo dano morte em 120.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, com 31 anos de idade, que vivia em união de facto, tendo o casal dois filhos menores, gozando de boa saúde, pessoa feliz, que dedicava toda a sua vida e afeto à companheira e aos filhos, licenciado e com pós-graduação e que exercia a profissão de professor.
No acórdão de 27/09/2022, Proc. 253/17.5T8PRT-A.P1.S1, fixou a compensação pelo dano morte em 95.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para o qual não contribuiu, com 41 anos de idade, pessoa saudável, feliz, alegre, com família constituída, com agregado familiar composto por marido e uma filha menor, e estabilizada profissionalmente.
No acórdão de 10/10/2023, Proc. 9039/20.9T8SNT.L1.S1, arbitrou a compensação pelo dano morte em 100.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para o qual não contribuiu, com 39 anos de idade, alegre, jovial e bem-disposto, que vivia em união de facto, cuja companheira se encontrava grávida aquando do acidente, e que trabalhava na área do teatro, representação e comunicação.
No acórdão de 19/01/2023, Proc. 3437/21.8T8PNF.P1.S1, fixou a compensação pelo dano morte em 95.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para a qual não contribuiu, com 29 anos de idade, cabo da GNR, com o 12º ano de escolaridade, que vivia em união de facto, que era pessoa frugal, não lhe sendo conhecido qualquer vício, dedicado à companheira, com quem tinha uma vida harmoniosa, cheio de energia e vontade de viver, saudável, trabalhador e jovial, respeitado, sociável, expansivo, alegre, que gozava de grande estima e carinho de quantos os que o rodeavam, que com ele gostavam de conviver.
No acórdão de 07/05/2020, Proc. 952/06.7TBMTA.L1.S1, arbitrou a compensação por dano morte em 85.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, com 29 anos de idade, casado, com um filho com cerca de um ano de idade.
E no acórdão de 15/09/2022, Proc. 2374/20.8T8PNF.P1.S1, arbitrou a compensação pelo dano morte em 85.000,00 euros, de vítima de acidente de viação, para o qual não contribuiu, com 33 anos de idade, casado, com três filhos e um enteado a cargo, que com ele residia desde os dois anos de idade, todos menores, saudável, alegre, desportista, comunicativo, muito bem disposto, muito estimado por amigos e colegas de trabalho, devotado à família, que tratava com grande estima e carinho, poupado, cuja relação com a mulher e filhos era vista por toda a comunidade como um exemplo de família feliz, e que era carpinteiro de 1ª da construção civil.
Revertendo ao caso dos autos, nele a 1ª Instância arbitrou a compensação pelo dano morte de CC em 85.000,00 euros, valor esse que os recorrentes pretendem ver elevado para 150.000,00 euros, sustentando que: “se já em 2013, há 11 anos, a nossa jurisprudência, pela perda do direito à vida atribuía valores não inferiores a 100.000,00 euros para vítimas jovens e, em 2018 já chegou a 120.00,00 euros e mesmo 150.000,00 euros, a posterior evolução e o princípio da atualidade reclamam, passados já vários anos, claramente um valor superior, justificando-se hoje uma quantificação mais elevada deste superior dano, mais atual, mais humana e por isso mais justa, nunca inferior a 150.00,00 euros”.
Compulsada a facticidade apurada, o acidente que vitimou CC ocorreu em 27 de agosto de 2005, quando aquele contava vinte anos de idade, e traduziu-se num evento que, em simultâneo, foi acidente de trabalho e de viação.
CC veio a falecer em consequência das lesões sofridas naquele acidente em ../../2016, isto é, 10 anos e 10 meses depois daquele ter ocorrido, quando contava 31 anos de idade.
CC em nada contribuiu para a eclosão do acidente, o qual é de imputar exclusivamente à negligência inconsciente, mas grave, do condutor da máquina retroescavadora, que depois de ter executado o trabalho de que ele, o CC e um outro trabalhador foram encarregados pela sua entidade empregadora (a EMP02...), e quando todos já iniciavam o percurso de regresso ao estaleiro desta empregadora, encetou uma manobra de marcha atrás com a retroescavadora que manobrava, a fim de sair do interior do armazém onde se encontrava e regressar ao esteiro, com os garfos da retroescavadora levantados, os quais tocaram na pedra padieira que tinha sido antes colocada sobre as respetivas ombreiras, provocando a sua queda sobre a cabeça e o corpo de CC, causando-lhe múltiplas e gravíssimas lesões.
Na altura do acidente, o malogrado CC trabalhava como servente da construção civil. Vivia com os pais, uma irmã mais velha e com dois irmãos, de onze anos de idade, tratando-se de uma família muito amiga e unida (cfr. pontos 3º, 43º e 44º dos factos apurados).
À data do acidente, CC encontrava-se bem integrado social e familiarmente, era muito trabalhador e um bom trabalhador, que gostava muito do que fazia (cfr. ponto 50º dos factos apurados).
Tinha tirado a carta de condução e comprado carro e ajudava os seus pais e família com os seus rendimentos. Era pessoa saudável, forte, alegre, carinhosa e praticava desporto, designadamente futebol, ocupando a posição de guarda-redes (cfr. pontos 47º, 48º e 51º dos factos apurados).
Em face do que se acaba de dizer, tudo ponderado e sopesado, tomando em linha de conta os critérios compensatórios seguidos pela jurisprudência nacional, mormente, nos arestos supra identificados, entendemos que é adequado, necessário e suficiente fixar a compensação pela privação do direito à vida de CC em 95.000,00 euros.
 Resulta do que se vem dizendo proceder parcialmente o fundamento de recurso acabado de analisar, impondo-se, em consequência, elevar a compensação devida pelo dano morte de CC fixado pela 1ª Instância (em 85.000,00 euros) para 95.000,00 euros.
 
C.3- Da compensação pelo sofrimento de CC entre o acidente e o falecimento – danos morais intercalares.
No caso de falecimento da vítima é pacífico o entendimento que deve haver lugar a compensação pelos danos morais padecidos entre o momento em que aquela sofreu a lesão e o momento da morte – danos morais intercalares.
Trata-se de compensar a vítima pelo sofrimento físico e psicológico de que foi alvo entre  aqueles momentos temporais, impondo-se valorizar as dores físicas por ela sofridas em consequência direta das lesões  que lhe foram causadas, as que resultem dos subsequentes tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas a que teve de ser submetida, mas também o seu sofrimento espiritual, incluindo a angústia que sentiu com o aproximar da morte[27].
A 1ª Instância fixou a compensação pelos danos não patrimoniais intercalares padecidos por CC em 130.000,00 euros, com os seguintes argumentos:
“À data do acidente o CC era jovem, saudável, com 20 anos de idade, ficando numa situação contínua e diária de perda do bem supremo, que é a vida humana.
Não ficou demonstrado, na situação de que se ocupa, que o CC tinha consciência pelo menos, a partir de novembro de 2006, do seu estado de total incapacidade. No entanto, essa consciência existiu até ficar em estado de coma, tendo uma efetiva perceção subjetiva da extrema e irreversível degradação do seu padrão e qualidade de vida, ao longo do tempo que iria preceder a sua morte.
«Considera-se que é pertinente, a este propósito, distinguir, para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objetivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da perceção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjetivo, decorrente de – a tal estado objetivo – se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projetos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado» - acórdão do STJ de 2013 já referido.
Tendo em conta a situação em que o CC esteve, já sobejamente descrita, que importou um sofrimento atroz, com demonstração da consciência do mesmo pelo menos desde a data do acidente até ao dia ../../2006, e todos os anos que se seguiram no estado comatoso em que esteve, sujeito a inúmeros procedimentos, tratamentos e intervenções de caráter clínico e médico, entende-se ser adequado fixar uma indemnização de 130.000,00 euros”.    
Os recorrentes assacam erro de direito ao assim decidido, advogando que o caso sobre que versam os autos apresenta algumas similitudes com o tratado no acórdão do STJ, de 28/02/2013, citado pelo julgador a quo, em que aquela instância superior arbitrou uma compensação ao aí lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu, desde o dia do acidente (de que lhe resultaram múltiplas e gravíssimas lesões, que o deixaram em coma) e a morte a quantia de 125.000,00 euros.
Acontece que face aos critérios seguidos nesse aresto para a fixação daquela quantia compensatória, e as diferenças fundamentais que apartam o caso nele tratado da situação de CC (a compensação de 125.000,00 euros fixada naquele aresto do Supremo foi arbitrada em fevereiro de 2013, ou seja, há mais de 12 anos, impondo-se a sua atualização; o lesado sobre que se debruçou aquele acórdão tinha à data do acidente 40 anos de idade, enquanto CC tinha 20 anos de idade; o período temporal que intermediou entre o acidente e a morte de CC prolongou-se ao longo de quase onze anos, enquanto o tratado no aresto proferido pelo Supremo prolongou-se durante cerca de seis anos; e, no caso sobre que versam os autos ficou demonstrado que CC, ao longo de cerca de dois meses e meio teve imenso sofrimento e efetiva consciência do estado de total incapacidade em que se encontrava, e, bem assim que durante os quase 11 anos em que esteve em coma, por vezes, reagia à presença da mãe e outros familiares), advogam os recorrentes que a compensação pelo danos não patrimoniais intercalares sofridos por CC deve ser elevada para 170.000,00 euros.
Cumpre esclarecer que, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, durante o período em que esteve de coma (que se prolongou de ../../2005 até ao seu falecimento, em ../../2016, ou seja, durante 10 anos e 7 meses), não se apurou que CC reagisse à presença e carinho da mãe e outros familiares, mas sim que “parecia reagir” à presença e carinho daquelas pessoas (cfr. ponto 39º dos factos apurados), o que não permite inferir qualquer juízo em como o mesmo tivesse efetiva consciência do carinho e da presença das ditas pessoas ou do estado comatoso em que se encontrava.
Como quer que seja, como referem os recorrentes, a situação sobre que se debruçou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/06/2017, Proc. 976/12.5TBBCL-G1.S1, a que se socorreu a 1ª Instância para fixar a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo CC durante o denominado período intercalar, apresenta contributos deveras úteis para a fixação dessa compensação, considerando que, o nele lesado, em consequência das graves lesões neurológicas que sofreu por via do acidente de viação que sofreu ficou de, imediato, em estado comatoso, estado esse em que permaneceu durante cerca de seis anos, até falecer, quando o CC esteve em como, durante 10 anos e 7 meses, em consequência das lesões que sofreu por via do acidente.
 Apesar dessas similitudes, a situação de CC apresenta, porém, assinaláveis diferenças (para pior) em relação à situação do lesado sobre que se debruçou aquele aresto.
Com efeito, a vítima do caso sobre que se debruçou o Supremo sofreu o acidente de viação quando contava 40 anos de idade, enquanto CC contava 20 anos de idade à data do acidente de que foi vítima.
O lesado sobre que versa aquele acórdão em consequência do acidente, sofreu diversas lesões cerebrais e neurológicas que determinaram que entrasse em coma de imediato, na sequência do acidente e lesões nele sofridas.
Por sua vez, CC, em consequência do acidente, sofreu, entre outras, lesões cerebrais e neurológicas gravíssimas e dolorosas, mas que o deixaram consciente, via e ouvia, durante um período de 2 meses e 18 dias, onde esteve internado em unidade hospitalar, onde foi submetido  a dolorosos procedimentos médicos e clínicos, não comia por si próprio, não conseguia falar, estando numa situação visível e onde era aspirado através de um buraco que lhe foi aberto na garganta, e era alimentado através de uma sonda que lhe foi introduzida no nariz (cfr. pontos 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º dos factos apurados).
Apenas ao fim daquele período de 2 meses e 18 dias é que, em ../../2005, CC foi operado à cabeça, por lhe ter rebentado um aneurisma cerebral, na sequência do que ficou em coma, de que não mais acordou até falecer. Ou seja, CC esteve em estado comatosa ao longo de 10 anos e 17 meses, enquanto o lesado sobre que versa o acórdão do STJ a que vimos fazendo referência permaneceu no estado de coma durante cerca de seis anos.
Já em estado de coma, permanecendo hospitalizado, CC foi operado à coluna e a um braço. Em ../../2012, foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados ..., onde veio a falecer. Nessa Unidade de Cuidados ... era alimentado por uma sonda, que tinha no nariz; usava fralda e algália e, de vez em quando necessitava de oxigénio, sendo-lhe então colocada uma máscara para respirar (cfr. pontos 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 34º, 35º, 36º e 37º dos factos apurados).
Por conseguinte, CC tinha metade da idade da vítima sobre que se debruçou o acórdão proferido pelo Supremo acima identificado; esteve durante 2 meses e 18 dias consciente, via e ouvia, período em que padeceu de intensas dores e foi sujeito a dolorosos procedimentos médicos e clínicos, ao que se seguiu um período de 10 anos e 7 meses em que esteve de coma, onde permaneceu sempre internado até ao seu falecimento, primeiramente em diversas unidades hospitalares e, a partir de ../../2012, na Unidade de Cuidados Continuados ....
A vítima do acidente sobre que se debruçou o acórdão do Supremo, em consequência do acidente sofreu lesões que lhe determinaram, de imediato, o estado comatoso em que permaneceu ao longo de cerca de seis anos, durante o qual esteve primeiramente internado em unidade hospitalar, e o restante período na sua residência.
 Conforme se expende no supra identificado acórdão prolatado pelo STJ, em  28/02/2013, a especificidade do caso nele tratado (e que também se verifica no caso sobre que versam os presentes autos com maior intensidade) prendeu-se com a circunstância de não ter ficado nele “demonstrado a consciência por parte do lesado do seu estado de total incapacidade, pelo que não teria tido este uma efetiva perceção subjetiva ainda que mínima, da extrema e irreversível degradação do seu padrão e qualidade de vida, ao longo dos quase 6 anos que precederam a morte: ou seja, não está demonstrado que tenha ocorrido o sofrimento psicológico inerente a ter de suportar, durante esse período prolongado, as sequelas absolutamente frustrantes e incapacitantes das lesões sofridas”.
A propósito da situação da vítima acabada de descrever, entendeu-se no dito aresto que, apesar de não se ter provado a consciência da vítima quanto ao estado comatoso em que se encontrava, “a perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial de personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana” tem de ser compensada a título de dano não patrimonial intercalar, independentemente da perceção cognitiva (subjetiva) do lesado do estado em que se encontra. E, nessa sequência, arbitrou uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado durante o período que se situou entre o acidente e o seu falecimento, de cerca de seis anos, em que aquele esteve sempre em estado de coma e em que não se provou ter consciência da situação em que se encontrava, no montante de 125.000,00 euros.
Ora, tendo em consideração as diferenças substanciais já supra identificadas, que existem entre ambos os casos, em que CC tinha à data do acidente metade da idade do sinistrado sobre que recaiu aquele acórdão e decisão; em que CC esteve consciente durante 2 meses e 18 dias, durante os quais sofreu dores intensas e procedimentos médicos e clínicos dolorosos, onde necessariamente percecionou e consciencializou o estado de absoluta degradação física e moral em que se encontrava e o agravamento desse estado; em que se seguiu um período em que CC esteve de coma durante de 10 anos e 7 meses até falecer (versus os cerca de seis anos de coma em que esteve a vítima do acidente sobre o qual se debruçou o STJ), e tendo presente que, no acórdão de 15/09/2022, o STJ arbitrou uma compensação de 145.000,00 euros, pelos danos não patrimoniais que a vítima de acidente de viação sofreu, quando contava 31 anos de idade à data do acidente, e a quem este determinou múltiplas lesões dolorosas, incluindo, lesões neurológicas, que demandaram que tivesse sido submetida a intervenções cirúrgicas e a outros tratamentos médicos e clínicos dolorosos ao longo de um período de um ano e quatro meses, até falecer[28], entende-se que face às especificidades do caso concreto sobre que versam os presentes autos e atentos os critérios jurisprudenciais  seguidos nos acórdãos que se acabam de enunciar, a justa medida da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por CC  deverá ser fixada na quantia de 170.000,00 euros que vem reclamada pelos recorrentes.

C.4- Da compensação por danos morais sofridos pelos Autores
A 1ª Instância arbitrou a cada um dos recorrentes Autores a quantia de 60.000,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreram com a morte de CC e pelos danos morais sofridos, ao longo de cerca de onze anos, com o percecionar e o acompanhamento do estado em que aquele seu filho se encontrava e pelo apoio permanente e presente que lhe prestaram desde a eclosão do acidente até ao decesso do mesmo.
Os recorrentes reputam a quantia compensatória fixada como insuficiente para os compensar da integralidade dos danos não patrimoniais que sofreram, atentas as particularidades únicas e irrepetíveis dos danos morais a que foram sujeitos, em que, ao longo de cerca de onze anos viram o seu filho CC, de 20 anos de idade, a degradar-se e, finalmente, a falecer, focados que estavam em lhe dar apoio e esperançados na sua recuperação e regresso ao seio familiar, esperança que viram gorada quando se depararam com o seu falecimento.
Entendem que o montante compensatório fixado pelo tribunal a quo deve ser elevado para a quantia de 100.000,00 euros para cada um.
Cotejada a facticidade apurada, a dimensão dos danos morais sofridos pelos recorrentes por via de serem obrigados a assistir ao estado de sofrimento e de degradação física e humana do seu filho CC e da assistência que lhe prestaram  ao longo dos 2 meses e 18 dias em que aquele esteve consciente, via e ouvia, e do período subsequente, em que, durante 10 anos e 7 meses esteve em coma, até que o viram a falecer, apresenta particularidades, que demandaram especial e intensíssimo sofrimento moral dos recorrentes em relação à generalidade dos casos (de per se,  causadores de inimaginável sofrimento) de progenitores que vêm os seus filhos a falecer em consequência de lesões sofridas em acidente.
Com efeito, à data do acidente CC tinha escassos vinte anos de idade e, em consequência das lesões sofridas esteve durante um período de 2 meses e 18 dias internado, consciente, via e ouvia, em estado de intenso sofrimento físico e emocional, o qual foi seguido de um período de 10 anos e 7 meses, em que esteve sempre internado, em coma, até falecer, o que determinou um elevadíssimo sofrimento moral aos recorrentes, que o visitavam (a recorrente mulher, dia sim dia não, no Hospital ..., e diariamente, nos hospitais de ... e do ... e na Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração, onde passava todas as tardes, falando com o CC, acariciando-o na esperança  de o ver acordar um dia, e o recorrente marido sempre que podia – cfr. pontos 30º, 31º e 32º dos factos provados), e onde presenciaram a situação de degradação física e moral em que o seu filho se encontrava e o agravamento desta, o que lhes causou um intensíssimo sofrimento moral.
O referido intenso sofrimento moral dos recorrentes foi necessariamente intensificado pelas características de personalidade de CC (saudável, forte, alegre, carinhoso, poupado, muito trabalhador, que ajudava os seus pais e família com os seus rendimentos) e, bem assim, por o CC ter escassos 20 anos à data do acidente, viver ainda com os mesmos e os três irmãos, dois dos quais com onze anos de idade, e se tratar de uma família muito amiga e unida (cfr. pontos 43º, 44º, 47º, 48º, 50º e 51º dos factos apurados).
Os factos relatados nos pontos 30º, 31º, 32º, 33º, 38º, 39º, 42º, 45º e 45º da facticidade apurada demonstram que os recorrentes, ao longo de cerca de onze anos acalentaram a esperança que CC melhorasse, recuperasse e regressasse ao seio familiar, esperança essa que viram gorada ao serem confrontados com o seu falecimento.  
Durante esse longo período os recorrentes eram presença assídua junto do CC, sofrendo incómodos com as viagens que tiveram de fazer para o visitar. Prescindiram de viver as suas próprias vidas, na medida em que a recorrente mulher, por via da assistência permanente prestada ao filho, deixou de estar presente na vida familiar e nos cuidados a prestar aos outros filhos, a qual era assegurada pelo recorrido marido, que sofria com a ausência daquela.
Acontece que, analisados os critérios seguidos pela jurisprudência na fixação da quantia compensatória devida aos progenitores de vítimas de acidente de viação, nomeadamente, os infra indicados, somos em concluir que a quantia compensatória de 60.000,00 euros que lhes foi arbitrada pela 1ª Instância não teve em consideração na sua integralidade as particularidades que se vêm enunciando, nomeadamente o particular sofrimento a que os recorrentes, progenitores de CC, estiveram sujeitos durante um período de cerca de onze anos.

Vejamos:
No acórdão do STJ., de 10/04/2024, Proc. 404/14.1T8BJA.E1.S1, arbitrou-se uma compensação de 50.000,00 euros a cada um dos progenitores pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência do falecimento da sua única filha, de 22 anos de idade, em acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que ficaram profundamente abalados psíquica e emocionalmente, envolvidos numa grande tristeza e que ficaram, de forma permanente e irreversível afetados, designadamente a nível psíquico, psiquiátrico e neurológico, com acompanhamento médico, tratamento medicamentoso antidepressivo, tendo ambos desenvolvido perturbações psíquicas, caracterizadas por humor depressivo e manifestações ansiosas, dificuldade de adaptação à perda sofrida, com comportamentos de evitamento, que reúne critérios de diagnóstico para stress pós-traumático, o que lhes acarreta uma repercussão em grau ligeiro na sua autonomia pessoal, social e profissional, valorizável em 9 pontos.
No acórdão do STJ, de 15/10/2024, Proc. 1830/21.5T8PVZ.P1.S1, arbitrou-se uma compensação de 35.000,00 euros à viúva, e de 40.000,00 euros a cada um dos filhos, pelos danos não patrimoniais que sofreram (tendo, à data do acidente, a viúva 50 anos de idade, e os filhos 20 anos e 3 anos de idade) em consequência do falecimento do respetivo, marido e pai, em acidente de viação e de trabalho, para cuja eclosão não contribuiu, quando contava 46 anos de idade.
No acórdão do STJ., de 20/04/2021, Proc. 1751/15.0T8CBT.C1.S1 (citado pelos recorrentes), arbitrou-se a cada um dos progenitores uma compensação de 20.000,00 euros por via dos danos morais por eles sofridos (e que continuarão a sofrer) em consequência de acidente de viação que vitimou a sua filha, de 10 anos de idade, que lhe determinou lesões dolorosas, múltiplas e graves, com internamento hospitalar, tratamento fisiátrico, a que continua a ser submetida, e que ficou com sequelas permanentes (nomeadamente, declínio cognitivo, com capacidade cognitiva muito inferior à normalidade; alterações da perceção visual, relações espaciais assim como da coordenação motora; repercussão permanente na atividade escolar; dores, apesar dos tratamentos realizados, com necessidade permanente de ajudas medicamentosas e de tratamentos médicos regulares), que lhe determinaram um défice permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos percentuais, sendo de admitir a existência de dano futuro.
No acórdão do STJ., de 30/04/2015, Proc. 1380/13.3T2AVR.C1.S1, a que os recorrentes fazem referência, é referido ter sido atribuída pela Relação uma compensação de 60.000,00 euros a progenitora de um jovem de 19 anos, falecido por via de lesões sofridas em acidente de viação, pelos danos não patrimoniais que sofreu por via do falecimento do filho. O Supremo não se pronunciou quanto à bondade desse montante compensatório arbitrado, dado não fazer parte do objeto do recurso de revista excecional interposto.
Ora, ao fixar a compensação devida a cada um dos recorrentes em 60.000,00 euros, a fim de os compensar por via dos danos não patrimoniais intensíssimos e temporalmente extensos (cerca de 11 anos) que sofreram com o estado e a assistência permanente que prestaram a CC, seu filho, e com o falecimento deste, em que deixaram de ter vida própria e de prestar (a progenitora) a assistência aos restantes filhos do casal, para acompanharem o CC, tomando por referência os critérios jurisprudenciais acima explanados adotados pelo STJ, a quantia compensatória fixada mostra-se insuficiente para compensá-los pela integralidade e do intensíssimo sofrimento moral a que foram sujeitos ao longo dos cerca de onze anos em que prestaram assistência permanente e presente ao seu filho CC e com a morte do último, sofrimento moral esse que não lograrão olvidar até ao fim das suas vidas e que perdurará (atenuado pelo decurso do tempo) até ao termos dos seus dias, prefigurando-se ser adequada, necessária, proporcional, mas suficiente à dimensão do seu intensíssimo e prolongado sofrimento moral elevar o montante compensatório devido a cada um dos recorrente para 80.000,00 euros.
Destarte, procede parcialmente o fundamento de recurso acabado de analisar.
Decorre do excurso antecedente improceder totalmente o recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros EMP01... e proceder parcialmente o que foi interposto pelos Autores.
*
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em:

A- Julgar o recurso interposto pela Ré, Companhia de Seguros EMP01..., S.A., totalmente improcedente;
B- Julgar o recurso interposto pelos Autores, AA e BB, parcialmente procedente e, em consequência:
1- Introduzem as alterações supra identificadas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância;
2- Revogam o segmento da sentença recorrida em que se fixou em 85.000,00 euros a compensação pelo dano morte de CC e, em sua substituição, condenam a Companhia de Seguros EMP01..., S.A. a pagar aos Autores a quantia de 95.000,00 (noventa e cinco mil) euros, a título de compensação pelo dano morte de CC;
3- Revogam o segmento da sentença recorrida em que se fixou em 130.000,00 euros a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por CC desde a data do acidente até ao momento em que veio a falecer e, em sua substituição, condenam a Companhia de Seguros EMP01..., S.A. a pagar aos Autores a quantia de 170.000,00 (cento e setenta mil) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por CC desde a data do acidente até ao momento em que veio a falecer;
4- Revogam o segmento da sentença recorrida em que se fixou a cada um dos Autores a quantia de 60.000,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência da morte de CC e dos que sofreram ao longo dos cerca de onze anos que antecederam o falecimento deste e, em sua substituição, condenam a Companhia de Seguros EMP01..., S.A. a pagar a cada um dos Autores a quantia de 80.000,00 (oitenta mil) euros, a título de compensação pelos referidos danos não patrimoniais que sofreram.
5- No mais, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas do recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros EMP01..., S.A. pela própria, dado que ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Custos do recurso interpostos pelos Autores, pelos próprios e pela Ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 20% para os Autores e em 80% para a Ré (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 23 de janeiro de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto 
   

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 147.
[3] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 147; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 795
[4] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 144 a 146.
[5] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 138, em que sustenta que: “(…) o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, n.º 2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito. Caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art. 638º, n.º 1”. Acrescenta, a pág. 141, nota 236, que a rejeição do recurso, por inaplicabilidade do alongamento do prazo de dez dias “apenas é ajustada nos casos em que as alegações revelem a pura omissão de qualquer impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em prova gravada. Não pode aplicar-se aos casos em que, porventura, o recorrente tenha cumprido deficientemente os ónus impugnatórios previstos no art. 640º ao nível da motivação ou das conclusões, A tempestividade do recurso constitui um pressuposto de ordem formal não pode ficar dependente da apreciação do mesmo recurso, a operar num momento posterior”.
[6] Ac. do STJ., de 28/04/2016, CJ/STJ, tomo I, pág. 213, cujo sumário consta do seguinte: “A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, n.º 7, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objeto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum ónus previstos no art. 640º, n.º 1”. Na fundamentação desse acórdão adianta-se não poder “ser feita qualquer associação entre a admissibilidade formal da impugnação da decisão da matéria de facto e a tempestividade do recurso de apelação”.
No mesmo sentido, Acs. STJ., de 24/10/2019, Proc. 3150/13.0TBPTM.E1.S1; de 09/02/2018, Proc. 471/10.7TTCSC.L1.S1; de 28/04/2016, Proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1; R.G., de 28/09/2023, Proc. 2000/22.0T8VCT.G1; RC., de 12/07/2023, Proc. 1274/18.6T8LMG.C1; RP., de 13/07/2022, Proc. 25666/19.4T8PRT-B.P1; RL, de 27/10/2022, Proc. 7241/18.2T8LRS-A.L1-2.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 793.
[8] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1.
[9] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1.
[10] António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153.
[11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797.
[12]António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228.
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8.
[14] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
[15] Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159; Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, em que se lê que, “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”.
No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1.
[16] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
[17] Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 797 e 798, nota 6.
[18] Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1.
[19] Acs. do STJ, de 08/02/2018, Proc. n.º 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Proc. n.º 3396/14.
[20] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, Coimbra Editora, 1967, pág. 553, para quem o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto abrange “tanto o caso de falta absoluta de decisão, como o caso de incompleta, insuficiente ou ilegal”.
[21] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª ed., Almedina, pág. 598.
[22] Antunes Varela, ob. cit., pág. 604.
[23] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, 5ª ed., Almedina, 5ª ed., pág. 600; Ac. STJ., de 23/11/2022, Proc. 8340/18.6T9PRT.P1.S1.
[24] Antunes Varela, ob. cit., págs. 614 a 616; Ac. STJ, de 10/05/2017, Proc. 131/14.GBBAO.P1.S1.
[25] Leite Campos, BMJ, n.º 365º, págs. 5 e seguintes.
[26] Ac. STJ., de 22/02/2018, Proc. 33/12.4GTSTB.E1.S1.
[27] Acs. STJ., de 22/02/2018, Proc. 33/12.4GTSTB.E1.S1; de 15/04/2009, Proc. 15/04/2009
[28] Ac. STJ., de 29/06/2017, Proc. 976/12.5TBBCL.G1.S1.