Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS INCUMPRIMENTO REGIME DE VISITAS RECUSA DO MENOR | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/08/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | a) Provando-se que é a menor, à data com 15 anos, quem recusa cumprir o regime de visitas estipulado para o pai, tal “incumprimento” não pode ser imputado à mãe. b) A importância do denominado “síndrome de alienação parental” relevará ao nível duma possível alteração da regulação do poder paternal (pois, a provar-se, é de ponderar a retirada da guarda do menor ao dito progenitor alienador), e não do seu incumprimento. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. Reguladas as responsabilidades parentais relativamente às menores AA e BB, veio o pai das mesmas, CC, suscitar incidente de incumprimento do regime estabelecido para as visitas. Ouvida a mãe das menores, DD, argumentou ser o pai quem deixou de visitar as menores. Após diligências várias, requerimentos e contra-requerimentos, logrou-se obter acordo entre os progenitores para um regime de visitas transitório, a vigorar por 6 meses. Veio então o pai suscitar novo incidente de incumprimento do regime provisoriamente estipulado para as visitas. Em conferência de pais, foi possível o acordo entre eles, que foi homologado em conformidade. De novo suscitado o incumprimento, por parte do pai, e de novo decidido mais um regime de visitas para vigorar por 3 meses. E mais uma vez veio o pai invocar o incumprimento do decidido. Realizadas as diligências tidas por pertinentes, decidiu-se então julgar: «- Improcedem todos os incidentes de incumprimento suscitados pelo progenitor, absolvendo-se a requerida dos pedidos de condenação em multa e indemnização; - Declaram-se cessados os regimes provisórios, passando a vigorar o regime que resultou do acordo na conferência de pais a fls 17 e ss, cujo cumprimento dependerá da vontade de Francisca.». 2. Inconformado com tal decisão, dela vem apelar o pai da menor, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1. Considera o apelante que, ao contrário do entendido pelo Mtm.ª Juiz a quo, os elementos existentes nos autos não permitem que se tenha por demonstrados os factos que vêm elencados nos pontos 2, 3 e 6 da sentença e, na decorrência disso, que se conclua pela inexistência de um incumprimento culposo do regime de visitas por parte da progenitora. 2. Considera ainda que, mesmo sem ter sido produzida prova testemunhal, os autos contêm já elementos dos quais se extrai que, por acção e/ou omissão, a progenitora impediu o cumprimento desse regime ou, pelo menos, daqueles que foram sendo fixados provisoriamente. 3. Considerando por isso também que fazer depender, como se fez na douta sentença, o cumprimento do regime de convívios paterno/filiais da vontade da BB, consubstancia decisão desconforme ao interesse desta, sendo por isso ilegal, por violação, dentre o mais, do disposto nos artigos 1878.º, n.º 1, e 1906.º, n.º 7, do Código Civil. 4. Nada existindo nos autos (ou nos factos provados na sentença) de onde se possa retirar que a ausência de convívios entre a BB e o progenitor encontra justificação um qualquer comportamento deste, muito menos de tal modo grave que permita concluir que a criança tinha e tem motivos bastantes para afastar o pai da sua vida, impõe a defesa do interesse dela que o relacionamento de ambos seja promovido. 5. Como é hoje pacificamente entendido pelas ciências humanas e abundantemente consagrado na lei interna e internacional, a manutenção de uma relacionamento próximo entre pais e filhos mostra-se imprescindível à preservação dos respectivos vínculos e laços de afecto, fundamentais ao saudável desenvolvimento intelectual, psicológico e emocional da criança, daí se concluindo que, se é certo que o convívio paterno/filial é, acima de tudo – embora não em exclusivo, pois os pais também o têm um direito da criança, menos certo não será que tal direito é-lhe atribuído em razão do seu interesse a manter com pai e mãe um relacionamento de grande proximidade. 6. Sendo assim, do núcleo das responsabilidades parentais que compete a cada um dos pais exercer, faz também parte educar o filho no respeito pelo outro progenitor e promover a relação de ambos, pelo que, salvo em situações limite, em que a conduta do pai ou da mãe desaconselha a convivência deste com o filho, quando a criança manifesta recusa em conviver com um dos pais, nomeadamente aquele com quem não reside, no interesse dela sempre competirá ao outro, guardião, adoptar uma atitude que vá no sentido de reverter esse quadro e evitar a quebra dos vínculos que são próprios da filiação, sendo tal postura tão mais esperada quanto consabida é a relação de dependência afectiva que, na generalidade dos casos, a criança estabelece com o progenitor com quem reside e a ascendência que este tem sobre ela. 7. Pelo que, num contexto de aparente rejeição, o incumprimento do regime de visitas não se dá apenas quando da parte do progenitor guardião não ocorre um comportamento de activa e ostensiva falta de entrega do filho ao outro, verificando-se também quando, sendo o relacionamento com o outro progenitor do interesse deste, aqueloutro assume um comportamento de passividade, adesão e/ou cooperação com a vontade manifestada pela criança no sentido do corte relacional com um dos pais. 8. Particularmente na situação concreta que nos ocupa, o Tribunal, na medida em que entendeu inexistir qualquer razão atendível para que a Francisca não convivesse com o pai, considerou também que, no interesse desta criança, urgia restabelecer o seu relacionamento com o progenitor, para o que demandou da progenitora um comportamento pró-activo, que, ao invés de se conformar com a dita vontade da criança, fosse dirigido a revertê-la. 9. Todavia, como o próprio Tribunal constatou no seu douto despacho de 08 de Abril de 2014 – transitado em julgado -, aquilo que dos autos resulta – maxime do alegado pela própria progenitora, do declarado pela criança e do informado pela Segurança Social – é que o que se verificou da parte da mãe foi antes a criação de um conjunto de condições e dificuldades no sentido de obstar ao convívio da menor com o pai, sendo disso exemplo o facto de não ter promovido o contacto com o técnico da Segurança Social designado para monitorizar o cumprimento do regime, de barrar as mensagens que o pai lhe pretende enviar a esse propósito e, mais importante que isso, a sua atitude perante a própria menor, já que das declarações por esta prestadas, resulta que face à resistência por ela manifestada em conviver com o pai, a mãe, convenientemente, deixa ao critério da criança a existência do convívio. 10. Essa postura obstrutiva do convívio da Francisca com o pai materializou-se também na circunstância, assumida pela progenitora nos autos, de ter combinado – ou aceitado que a filha combinasse – um jantar da criança consigo e com amigos precisamente para o dia em que ela deveria tomar essa refeição, com o pai;prosseguiu com a recusa, também confirmada por si, de deixar a Francisca entregueao pai no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana, pois, como parece óbvio,para que, num contexto como o presente, tal entrega se consumasse impunha-seque ela abandonasse o local, ao invés de aí ficar; e culminou na total falta de entregada criança nos dias 22 de Agosto e 05 de Setembro, quando previamente a issoelatinha inclusivamente aceitado um jantar com o pai, como consta provado nos pontos4 e 5 da sentença sob recurso. 11. Considerando apenas os elementos probatórios constantes dos autos, conclui-se que,mesmo que se considere que a progenitora não actuou no sentido de manipular e/oualterar/alienar a consciência da Francisca, o certo é que, perante a relutânciamanifestada por esta em conviver com o progenitor, deixou-lhe evidente que aderiaà sua vontade e que deixava ao seu livre arbítrio manter ou não esse convívio,cooperando inclusivamente com ela na postura de evitamento paterno, ao criar,como comprovadamente criou, todo um conjunto de condições e dificuldadesdireccionadas ao não cumprimento do regimes de visita que foram sendoestabelecidos e, desse modo, a impedir o relacionamento entre pai e filha. 12. Por conseguinte julgou o Tribunal a quo incorrectamente provado aquilo que constaelencado no ponto 3 da matéria de facto constante da douta sentença, pelo que deveo assim decidido ser alterado, considerando-se ao invés demonstrado que a vontademanifestada pela Francisca de não conviver com o pai tem vindo a ser induzida e/oualimentada pela progenitora e que esta, para além de não ter prestado qualquercolaboração no sentido da retoma do relacionamento paterno/filial, tem vindo a criardificuldades e obstáculos dirigidos a impedir esse relacionamento, pois tal é queresulta já dos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente doalegado pela progenitora (v.g. quanto ao barramento das mensagens do progenitor eao jantar que marcou para um dos dias previstos para a convivência deste com afilha), do Relato de Diligências junto aos autos em 17 de Dezembro de 2013 pelaSegurança Social e das declarações da criança. 13. Donde, uma vez provado isto, aliado ao que se encontra já provado no ponto 5 dasentença, deve, não só a progenitora ser condenada pelo incumprimento a que deuazo, mas também serem tomadas as diligências necessárias ao cumprimento doregime de visitas, sugerindo-se que, para tanto, o início dos períodos de convívioprevistos no regime em vigor coincida com o final do horário escolar e que aFrancisca volte a ser recolhida apenas pelo pai no estabelecimento de ensino, senecessário for com a intervenção de um técnico da Segurança Social (de preferênciapsicólogo) ou de outro organismo habilitado para o efeito, proibindo-se aprogenitora de, por si ou interposta pessoa, estar presente ou contactar a criançadurante o tempo que esta deva estar com o pai. 14. Sem prescindir, mesmo que se entenda que os elementos de prova que os autoscontêm são insuficientes para que se julgue provado o que acima se alegou, tambémnão permitem que o Tribunal pudesse considerar provado o elencado no ponto 3 dasentença sub judice, assim como nos pontos 2 e 6. 15. Na verdade, tendo o progenitor alegado, dentre o mais, que muitas das vezes em queconseguiu estar com a BB o convívio entre ambos deu-se num ambienteamistoso e que, na ausência da progenitora, a filha reagiu inclusivamente comagrado à sua presença, assim como à de outros familiares paternos, chegando até,nessas alturas, a aderir vir a estar com todos eles (cfr., por exemplo, o requerimentosde 10 de Setembro de 2013 – referência 14356415 -, 27 de Dezembro de 2013 –referência 15455430 – e 09 de Agosto de 2014 – referência 17544816) e a manifestardisponibilidade para reatar o relacionamento com o pai (vide, neste sentido, o que atal propósito consta dos relatórios sociais e periciais), não poderia o Tribunal,baseado apenas em alguns dos elementos probatórios constantes dos autos (comoos relatórios sociais e periciais ou as declarações da criança), decidir o contrário semque antes fossem ouvidas as testemunhas que foram sendo arroladas, errando assimtambém quando considerou provados os factos elencados nos pontos 2, 3 e 6relativamente à fragilização da relação paterno/filial e à existência de uma vontadeda BB em conviver com o pai, pelo menos no sentido de se tratar de umavontade estruturada, genuína, espontânea e não induzida, e depois resista a estarcom ele, não poderia o Tribunal. 16. Para além disso, tendo ainda o progenitor, como acima se expôs, imputado àprogenitora todo um rol de comportamentos – não lhe atender as chamadasdestinadas a acertar os convívios com a Francisca; recusar cooperar com ele nessesentido e verbalizar oposição a isso na presença da filha; não o atender quando ele sedeslocou à sua residência para recolher a filha; arranjar pretextos e programas paraque a filha não esteja com o pai; comparecer, e/ou instruir a filha mais velha paraque comparecesse, no final das aulas e/ou actividades extracurriculares a fim de irbuscar a BB, nos períodos em que ela deveria permanecer com o pai; levar afilha a casa do pai (ou ao Posto Territorial da Guarda Nacional da Republicana) e,depois, ficar serenamente à espera, com o carro ligado, que ela dissesse aoprogenitor que não permaneceria com ele; encenar a entrega da filha ao pai,nomeadamente no dia de Natal, etc. -, que, quando demonstrados, permitiriam quedeles se extraísse com elevada certeza que aquela, não só vem actuando no sentidode obstar ao relacionamento paterno/filial, como também chega a utilizar a BBpara ficcionar uma inexistente intenção de cumprimento do regime de visitas,maxime quando simula tencionar entregar a filha ao pai na casa deste (e também naGNR), quando estava perfeitamente consciente de que ela recusaria permanecercom ele e só para depois poder dizer que tentou e foi a vontade da criança que não opermitiu, impunha-se que o Tribunal procedesse à produção da prova testemunhalindicada relativamente aos factos que o sustentam e que os apreciasse, não podendosem isso julgar demonstrados os factos elencados nos pontos 2, 3 e 6 da sentença,tanto mais porque inexistem elementos probatórios que o sustentem. 17. Donde, ao assim não entender, julgou o Tribunal incorrectamente aqueles pontos damatéria de facto, devendo por isso, subsidiariamente - caso se entenda que os autosnão contêm já os elementos necessários à alteração supra propugnada econsequente procedência dos incidentes de incumprimento – ser tal decisão anuladae determinada a inquirição das testemunhas arroladas. Termos em que, julgando procedente o recurso, farão V. Exs. InteiraJustiça» 3. A mãe da menor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso, no que foi secundada pelo Ministério Público. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS [[] São os factos constantes da decisão proferida pela primeira instância e que __ por não impugnados e por não se verificar qualquer uma das circunstâncias referidas no art. 662º do CPC __, aqui cumpre manter.] Foram os seguintes os factos considerados em 1ª instância: «1 — Não tem sido cumprido o regime de visitas estipulado a fls 17e os regimes provisórios que subsequentemente vigoraram. 2 — Tal deve-se à vontade da menor em não conviver com o pai,apresentando sempre resistências quando é entregue ao progenitor,recusando-se outras vezes a privar com o mesmo. 3 — A menor BB não quer estar com o pai por vontadeprópria, não tendo sido induzida a tal pela mãe. 4 — No regime provisório estabelecido de entregas na GNR amenor só aceitou ir jantar uma vez com o pai, após uma longa resistêncianesse sentido, e decorridas duas horas no posto policial. Nesse dia amenor foi entregue pela progenitora no posto policial. 5 — A menor não foi entregue pela progenitora no posto policialnos dias 22 de Agosto e 5 de Setembro, tendo a progenitora comunicadotal aos autos, previamente, pelo facto de estar de férias pessoais noAlgarve, tendo a filha acompanhado a mãe. 6 — A menor BB sente-se transtornada com a pressão dopai, nomeadamente quando a questiona do motivo da rejeição. A menorencontra-se desapontada e desiludida com o pai, estando a relação paternofilial muito fragilizada, entendendo a menor que o progenitor a devia teracompanhado mais nas diferentes áreas de vida e mostrar interesse emotivação para prestar auxílio nas suas actividades e rotinas. 7 — BB nasceu em 15 de Dezembro de 2000 (fls 6).» 5. O MÉRITO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC). No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR: · Se deve ser alterada a matéria de facto e, subsidiariamente, se deve ser anulada a decisão para produção de novos elementos de prova. · Se o cumprimento do regime de visitas não deve ficar dependente da vontade da menor. 5.1. Pretende o Recorrente que sejam dados por não provados os factos 2, 3 e 6 da sentença. Para os considerar provados, o M.mº Juiz discorreu da seguinte forma: «Contudo, o controverso é se o incumprimento é devido ao comportamento culposo da progenitora. Quanto a este ponto o relatório pericial junto aos autos é claro no sentido de que não existe nenhum elemento de que a progenitora induza a menor a não visitar o pai (fis 232), o que foi declarado pela própria menor (fis 399). O facto da menor oferecer resistências em conviver com o pai, e inclusive, não querer estar com ele, resulta não só das suas declarações (fls 399), relatório social já de 2012 (fls 109, onde então reclamava um pai mais presente), e informações policiais (fis 134 e 138, onde manifestava, junto com a irmã, recusa em estar com o pai, pretendendo mais acompanhamento da parte deste). A resistência da menor em estar com o pai e o facto de ter ido só por uma vez jantar após duas horas de insistência é reconhecido por este no documento que juntou a fls 457 e 458. A fragilidade da relação paterno-filial e o que a BB sente em relação ao pai consta do relatório pericial a fls 230, o que corrobora o que já dizia aquando do relatório social de 2012 (fls 109).» Reapreciando estes elementos probatórios, temos desde logo as declarações da própria menor: ouvida pelo M.mº Juiz (conferência de 12.03.2014), declarou que “Também não quer estar com ele porque ele nunca quis saber dela e só agora é que se lembra que ela existe. Relativamente a tudo isto, a mãe diz que, se quiser pode estar com o pai, se não quiser não precisa de estar.”. Em 13.07.2012, o agente da PSP fez constar numa participação que “As menores em questão, à minha chegada encontravam-se na via pública da citada artéria na companhia da sua mãe, tendo as mesmas recusado ir com o pai (participante)”. Também em 16.07.2012, a propósito do cumprimento de um mandado de recolha e entrega, a agente Ana Moreira informou que “Contactadas as menores, estas recusaram-se terminantemente a ir de férias com o pai, alegando para o efeito, que lhe queriam dar um ensinamento, por acharem que o pai durante o ano, não as acompanhou como deveria”. No dito relatório de perícia psicológica (02.05.2013), os técnicos fizeram constar que “Questionada sobre o motivo para presentemente rejeitar os contactos com o progenitor, BB verbalizou que, no seu entender, não sente que ela própria seja o principal interesse do CC (…), verbalizando que tais comportamentos lhe causam tristeza (…), A menor referiu rejeitar estes convites, (…). No entanto, a BB verbalizou que aceitaria retomar os contactos com o pai caso este alterasse o seu comportamento para consigo (…), ainda que percecione elevada dificuldade em que tal se torne real (…).” De todos estes elementos, é de concluir que efetivamente é a menor quem recusa ir com o pai. Essa recusa, tendo a menor já 15 anos, deve ser respeitada. Ora, a ser assim, a falha não pode ser imputada à mãe, em sede de um incidente de incumprimento. Nada há, portanto, que alterar à matéria de facto. 5.2. Coisa diferente da vontade manifestada pela menor para não querer ir com o pai é o motivo ou causa dessa recusa. E aqui sim, pode ponderar-se a hipótese de interferência/influência da mãe. Sucede que o denominado Síndrome de Alienação Parental (SAP) não tem validade científica sendo «(…) foco de intensa controvérsia para psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, advogados, juízes, assistentes sociais, sociólogos, pedagogos, etc.». [[] Pedro Cintra, Manuel Salavessa, Bruno Pereira, Magda Jorge, Fernando Vieira, “Síndrome de Alienação Parental: Realidade Médico-Psicológica ou Jurídica?”, revista Julgar, nº 7, Janeiro/Abril 2009, pág. 198. No mesmo sentido, e dando nota das reservas de um tal conceito, Maria Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 5ª edição, 2011, Almedina, pág. 154 a 194.] Porém, confira-se-lhe ou não alguma virtualidade de enfoque para o apuramento de uma determinada realidade —— que cremos de todos conhecida, em situações de divórcio ou não, a “campanha denegritória” adotada por um dos pais em relação ao outro, como forma de conseguir a preferência do filho ——, o certo é que ela deve ser vista numa perspetiva diferente das situações de incumprimento. Na verdade, o progenitor dito alienador, ao assim atuar, padece de uma disfunção que “consiste na transformação de um vínculo positivo num negativo (amor em ódio)”, a qual extravasa o âmbito dos tribunais, antes merecendo o cuidado de uma terapia psicológica ou psiquiátrica. Um progenitor que assim atua compromete o crescimento e desenvolvimento sadio do menor, pelo que não lhe deve ser atribuída a guarda da criança. Ou seja, a importância do dito síndrome de alienação parental relevará ao nível duma possível alteração da regulação do poder paternal (sendo de ponderar a retirada da guarda do menor ao dito progenitor alienador), e não do seu incumprimento. Temos para nós que, na ausência de um motivo sério e ponderoso (como seria por exemplo um caso de abusos), a recusa de contactar com pai compromete um desenvolvimento sadio, situação que deveria preocupar a própria mãe. Numa relação de afetos, a raiva e a frustração também têm lugar, porque os pais não são seres perfeitos; ora, é da convivênciaque se aprende a gerir e controlar essas emoções, num processo de crescimento e de maturidade para aceitar a diferença e que, quem reclama respeito e maior interesse pela sua pessoa, não pode deixar de respeitar o outro e manifestar também interesse por ele. E neste aspeto, naturalmente que é o progenitor que tem a criança a seu cargo que tem as condições necessárias para exercer influência sobre o menor, transmitindo-lhe os valores necessários e as condições para o efeito. 5.3. No contexto descrito, não se vislumbra necessidade, nem utilidade, em produzir outros meios de prova, designadamente a inquirição de testemunhas. O problema está identificado e é a recusa da menor em cumprir o regime de visitas. As causas de um tal comportamento são, e devem ser sentidas pelo pai e pela mãe, como algo preocupante e que deve ser escalpelizado e tratado, no interesse da menor. A resolução duma tal questão já extravasa, porém, as competências dos tribunais, antes se situando no foro psicológico e/ou psiquiátrico, quiçá de terapia familiar. «Pode tentar-se, nestes casos, o recurso à mediação familiar, medidas de aproximação entre o pai e a criança, através de apoio de profissionais da psicologia, ou a melhoria da capacidade parental do progenitor rejeitado. Na impossibilidade de o conseguir, por medidas de conciliação e apoio psicológico, a reconciliação da criança com o pai, a sociedade e os Tribunais têm que aceitar que a criança, como qualquer adulto, tem direito a escolher as pessoas com quem quer ou não conviver. Meios coercivos, como a intervenção das forças policiais, negam à criança o estatuto de pessoa e a liberdade mais profunda do ser humano: a liberdade de amar ou de não amar. Não cabe ao poder judicial impor sentimentos e afetos, e exigir a perfeição moral dos cidadãos. (…). É preferível que estes casos sejam decididos à luz das regras pragmáticas e de bom senso, tendo em conta os limites da intervenção do Estado na família e respeitando a relação da criança com a sua pessoa de referência, assim como a sua integração no seu ambiente natural de vida.». [[] Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág. 193/194.] Como já se disse, tendo a menor já 15 anos, a sua vontade deve ser respeitada, pelo que também não se vêem motivos para alterar o decidido. Posto é que essa recusa de convivência seja assumida de forma responsável, por forma a que, já maior de idade, o filho não venha, de forma incoerente, a pretender usufruir apenas de um dos aspetos que devem pautar as relações entre pais e filhos [por exemplo, o económico em detrimento da solidariedade, contacto, convívio, entreajuda, respeito, cuidados… situação em causa no art. 2013º nº 1 al. c) do CC]. 6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC) a) Provando-se que é a menor, à data com 15 anos, que recusa cumprir o regime de visitas estipulado para o pai, tal “incumprimento” não pode ser imputado à mãe. b) A importância do denominado “síndrome de alienação parental” relevará ao nível duma possível alteração da regulação do poder paternal (pois, a provar-se, é de ponderar a retirada da guarda do menor ao dito progenitor alienador), e não do seu incumprimento. III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo do Recorrente. Guimarães, 08.10.2015 Isabel Silva Heitor Gonçalves Carvalho Guerra |