Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
610/22.5T8VCT.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: O CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
PERDA DA COISA
CADUCIDADE DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO DOS DANOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA RÉ IMPROCEDENTE E DO AUTOR PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar matéria nova, não submetida ao exame do tribunal recorrido.
II - Verifica-se a nulidade da sentença prevista no art.º 615º, nº 1, al. c), do NCPC, quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.
III - O contrato de locação de estabelecimento comercial trata-se um contrato atípico, regulado em primeiro lugar, pelas estipulações das partes nele contidas e, subsidiariamente, pelas disposições do contrato típico mais afim, não se podendo olvidar que se trata de um contrato de tipo locativo, abrangido pela ampla descrição tipológica do art.º 1022º do CC, sendo-lhe, portanto, aplicáveis as disposições gerais da locação, mas não as disposições legais específicas e, depois, na sua falta, pelas regras comuns a todos os contratos.
IV - A perda total da coisa locada acarreta a caducidade do contrato de locação, configurando-se uma situação de impossibilidade objectiva do cumprimento do contrato, tal como previsto, em geral, no domínio da responsabilidade contratual, no art.º 790º do CC.
V - A perda parcial da coisa locada só faz caducar o contrato de locação se o grau de destruição for tal que não permita o uso da coisa para os fins do respectivo contrato de locação.
VI – Caducidade esta que opera ope legis, ou seja de forma automática, acarretando a extinção do contrato, sendo que, em caso de culpa do senhorio, fica este constituído no dever de indemnizar o locatário, decorrentes de tal extinção contratual.
VII - Fundando-se a cessação do contrato em perda da coisa locada, a lei nem sequer prevê para esta hipótese qualquer obrigação de entrega, mas apenas para os demais casos em que, apesar da caducidade do contrato (por outras causas) a coisa arrendada continua a existir, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 1045º do CC (indemnização pelo atraso na restituição da coisa) uma vez que a coisa objecto do arrendamento já não existe, pelo menos enquanto bem susceptível de gozo.
VIII - A salvaguarda da coisa locada constitui encargo do locatário, nomeadamente, quando este tem o controlo material da coisa, pois, só ele pode protege-la e usá-la de modo adequado.
IX - Assim, a responsabilidade de reparar os danos, causados por assalto, na coisa locada, cabe ao locatário e não ao locador.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

EMP01..., Lda,
instaurou a presente acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra
EMP02..., Lda,
peticionando:
(i) a resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre a autora e a ré por perda de objecto;
(ii) a condenação da ré a restituir à autora a exploração do empreendimento turístico devoluto de pessoas e bens, com a entrega de todas as partes do imóvel onde se encontra instalado e de todos os equipamentos, móveis e utensílios que o integram;
(iii) a condenação da ré a pagar à autora o valor que vier a ser apurado a título de danos verificados e apurados no empreendimento e nos prédios, a liquidar posteriormente.
A ré foi regularmente citada e contestou a acção, requerendo a intervenção principal de AA, BB e CC e DD como associados da autora.
Invocou, em suma, ter celebrado em ../../2020 um acordo com a autora e com os chamados, mediante o qual a autora denunciou o contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes, uma vez que iria vender o empreendimento turístico a terceiros, tendo ainda sido estipulada uma compensação pela denúncia antecipada do aludido contrato no montante de € 130.000,00 e uma cláusula penal no valor de € 25.000,00; que a partir dessa data a ré ficou impedida do exercício da sua actividade, tendo a autora ficado na posse das chaves do empreendimento; não obstante, a autora não ter cumprido o estipulado no referido acordo, a ré tem cuidado do empreendimento, por direito de retenção, mesmo após a denúncia do contrato, tendo procedido à participação à PSP dos assaltos ocorridos no empreendimento turístico e dado conhecimento dos mesmos à autora.
Mais alegou a ré ter realizado benfeitorias no empreendimento, nas quais despendeu a quantia de € 125.000,00, quantia que reclamou igualmente lhe ser devida.
Deduziu reconvenção peticionando a condenação da autora a pagar-lhe a quantia global de € 295.984,66, acrescida do valor de juros à taxa legal aplicável às operações comerciais, de 8%, contados desde a notificação da contestação, até integral e efectivo pagamento.
Peticionou ainda a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e em indemnização à ré.
A autora replicou, pugnando pelo indeferimento do pedido reconvencional e do incidente de intervenção de terceiros, dizendo ainda que a invocada litigância de má-fé deve ser desatendida.
Foi admitida a intervenção principal de AA, BB e CC e DD, como associados da autora, tendo estes feito seus os articulados apresentados por esta.
Notificada para responder à matéria de facto relativa à excepção peremptória invocada na contestação, veio a autora defender que a ré só teria direito à compensação pela denúncia do contrato e ao invocado direito de retenção, no caso de ter ocorrido a venda do empreendimento, condição essa que não se verificou.
Na sequência foi dispensada a realização da audiência prévia e o processo saneado, tendo sido admitido o pedido reconvencional deduzido pela ré, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Produzida a prova pericial, realizou-se a audiência final e de seguida foi proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte:
“III – Decisão
Em face do exposto, julgo a acção proposta por EMP01..., Lda. contra EMP02..., Lda., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente:
- Declaro caducado o contrato de cessão de exploração celebrado em ../../2016 e descrito na alínea c), do ponto II.1.;
-  Condeno a Ré a restituir à Autora o prédio descrito na alínea h), do ponto II.1.;
- Absolvo a Ré do demais peticionado.
Custas da acção por Autora e Ré, na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para a segunda.
Julgo o pedido reconvencional deduzido por EMP02..., Lda. contra EMP01..., Lda., parcialmente procedente, por parcialmente provado, e consequentemente:
- Condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 12.551,84, acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às operações comerciais, desde ../../2022, até integral e efectivo pagamento;
Absolvo os Chamados dos pedidos reconvencionais contra si deduzidos.
Custas da reconvenção por Autora e Ré, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”.
Inconformada, apelou a ré da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
«1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que julgou:
- “a ação proposta por EMP01..., Lda. contra EMP02..., Lda., parcialmente procedente, por parcialmente provada e consequentemente, declarou caducado o contrato de cessão de exploração celebrado em ../../2016 e condenou a ré restituir à autora o prédio”;
e, que julgou,
- “o pedido reconvencional parcialmente procedente, por parcialmente provado e consequentemente condenou a autora a pagar à ré a quantia de €12.551,84, acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às operações comercias desde ../../2022 até integral e efetivo pagamento”.
2- Efectivamente, a ré/reconvinte não concorda com a douta sentença proferida, quanto à decisão de perda total do locado e consequente caducidade do contrato de locação do estabelecimento comercial nem quanto à decisão de não verificação da condição suspensiva do acordo celebrado em ../../2020 e consequente improcedente pedido de pagamento à Ré das quantias por esta peticionadas na Reconvenção decorrentes do acordo celebrado com a A. em ../../2020.
Vejamos,
Da caducidade do contrato por perda do locado:
3- Dispõe o artigo 1051º alínea e) do CC que “O contrato de locação caduca…pela perda da coisa locada.”
4- Considerou o Meritssimo Juiz à quo a perda total do estabelecimento comercial em virtude de o mesmo se encontrar encerrado há mais de 3 anos, de se encontrar desaparecido e inutilizado todo o seu equipamento e ainda em virtude de o imóvel onde funcionava se encontrar vandalizado, destruído no seu interior e, parcialmente, no seu exterior.
E mais considerou o Meritíssimo Juiz que,
Em face desta factualidade, ocorreu a perda da coisa locada, pois, inexistindo os elementos de que necessitava o estabelecimento para funcionar, desapareceu a possibilidade de se vislumbrar no que existe qualquer indício de organização.
Sucede que,
5- O estabelecimento comercial foi parcialmente danificado por terceiros, que o vandalizaram, não tendo a Ré qualquer culpa no sucedido, a qual efetuou várias participações junto da PSP, conforme resulta da alínea u), do ponto II.1., dos factos assentes, sendo que terceiros, em várias ocasiões, se introduziram nos imóveis por arrombamento de portas e janelas e escalamento, vandalizaram o espaço, furtaram objetos e, em 14.03.2022, foi detida uma pessoa em flagrante delito, que implica vigilância da Ré - afastando assim a sua culpa.
6- E, pese embora estes acontecimentos, reitera-se sem culpa da Ré, o estabelecimento comercial, com todos os seus pertences pode ser reposto, continuando o mesmo a existir (como universalidade) mesmo sem a existência de alguns dos seus componentes.
7- Sendo que, os imóveis onde o estabelecimento comercial se encontra instalado, apesar de vandalizados, continuam de pé, sendo possível e aconselhável a sua recuperação, conforme se verifica e pode ver pelas fotos juntas no Relatório Pericial.
8- E mais, o estabelecimento comercial, apesar de parcialmente danificado e vandalizado, possui o Alvará de Licenciamento Sanitário número 46/87, emitido pela Câmara Municipal ..., em ../../1987 – alínea c) dos factos provados, sendo este um elemento essencial que integra e compõe o estabelecimento comercial.
9- Ou seja, a estrutura essencial do estabelecimento comercial, continua a existir, para funcionamento como Hotel de 2 estrelas que é, apesar de danificados ou destruídos, por vandalismo, alguns dos seus elementos, sem qualquer culpa da Ré.
10- Sendo possível a recuperação do edifício com a realização de obras, podendo e devendo o senhorio fazer as obras de reconstrução do edifício que se afigurem necessárias para repor a situação anterior e a aptidão e funcionalidade do locado.
11- Posto isto, não deve tal situação configurar a perda da coisa locada.
12- E assim também não pode ser determinada a extinção do contrato de cessão de exploração por caducidade.
Efectivamente,
13- A caducidade do contrato de exploração, nos casos em que ocorre a perda total da coisa locada, por esta ter deixado de existir no plano naturalístico, não oferece dúvidas, pois, nesse caso, não existe “coisa” sobre a qual possa incidir a prestação do senhorio.
14- No caso em que, como acontece nos presentes autos, a coisa locada perde, por efeito da sua parcial destruição, a aptidão necessária à sua utilização para os fins previstos no contrato, só se verifica a perda total se essa aptidão não puder ser reposta com a realização de obras que possam e devam ser exigidas ao senhorio.
15- E é nestes casos que a solução a adotar poderá ser particularmente difícil, já que, utilizando as palavras de Pinto Furtado3, “sendo significativo tal perecimento, poderá já dizer-se que se verifica a perda da coisa, que determina a caducidade do contrato, ou que, pelo contrário, nos encontramos apenas ainda em presença de uma deterioração a inscrever na obrigação do senhorio de reparar os danos ocorridos?”.
3 Manual do Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª ed. actualizada, pág. 875.
16- Parece-nos claro que a solução dessa questão não poderá ser encontrada na mera circunstância de o locado manter ou não condições para ser utilizado e aplicado à finalidade prevista no arrendamento, já que situações existem em que, como a dos presentes autos, apesar de o locado ficar desprovido de toda e qualquer aptidão para esse fim, essa situação pode ser facilmente ultrapassada com a realização de obras que reponham essa aptidão.
17- E, portanto, a questão reconduzir-se-á à possibilidade ou não de proceder a obras de reparação, que sejam susceptíveis de repor as condições necessárias ao gozo do locado para a finalidade prevista no arrendamento e que sejam exigíveis e possam ser impostas ao senhorio, por se inserirem ainda na obrigação, que sobre ele impende, de proceder às reparações necessárias ao gozo do locado.
18- Ora, como anteriormente se expôs, a culpa na deterioração do estabelecimento comercial não se deve a qualquer ato praticado pela Ré, bem pelo contrário, todos os atos de vandalismo no imóvel e no estabelecimento comercial aconteceram após ter sido assinado o acordo entre as partes (A, R e chamados) datado de ../../2020, nos termos do qual foi denunciado o contrato de cessão de exploração para venda do imóvel por iniciativa da A, tendo a Ré sido obrigada a cessar abruptamente a sua actividade e tendo o imóvel ficado entregue à A.
19- Por outro, a perda total do locado apenas determina a caducidade do contrato de exploração se a destruição do locado não decorrer de causa imputável, dolosa ou negligentemente, ao senhorio, o que também não é o caso dos autos, atento o facto de os atos de vandalismos e destruição do estabelecimento terem tido origem na denuncia abrupta do contrato de exploração, por iniciativa da A., e consequentemente dos deveres de conservação do edifício que sobre si impendiam pelo menos a partir da data da referida denuncia – ocorrida em ../../2020.
20- Por que, a Ré, se não tivesse ocorrido a denuncia do contrato por iniciativa da A. ainda no mesmo continuaria a exercer a sua actividade.
21- Ou seja, não será relevante o facto de, em termos imediatos, o locado manter ou não as condições e as aptidões necessárias para que possa ser aplicado ao fim a que se destina, pois que o que releva é a possibilidade ou não de essas condições ou aptidões poderem ser repostas mediante a realização de obras que sejam exigíveis ao senhorio.
22- Assim, continuando a existir a coisa (ainda que sem a totalidade das aptidões para as finalidades previstas no contrato), não poderá dizer-se, sem mais, que a prestação do senhorio deixou de ter objeto, tornando-se impossível, na medida em que, apesar de ficar, em termos imediatos, impossibilitado de cumprir a sua prestação essencial, poderá ainda cumprir a obrigação de fazer as obras necessárias com vista a repor as condições que existiam e com vista a assegurar ao locatário o efetivo gozo da coisa locada.
23- Como decorre do que dissemos supra, a mera circunstância de o locado não oferecer as condições necessárias à sua utilização para a totalidade das finalidades previstas no contrato não será bastante para concluir pela perda da coisa locada e consequente caducidade do contrato de arrendamento.
24- Os Apelantes consideram que, apenas a perda total do locado poderá determinar essa caducidade, sendo que o locado não poderá ser considerado totalmente perdido porquanto a sua recuperação ainda é possível.
25- Com efeito, se o gozo do prédio para as finalidades previstas no contrato ainda pode vir a ser assegurado ao locatário, mediante a realização de obras que, em face da lei, devam ser impostas ao senhorio, estaremos apenas perante uma impossibilidade temporária do cumprimento da prestação essencial do senhorio, que, como decorre da conjugação dos arts 790º e 792º do CC, não determina a extinção da obrigação e a caducidade do contrato, determinando antes a obrigação de proceder às necessárias reparações com vista a assegurar o efetivo gozo do arrendado.
26- Do exposto resulta que não se verifica no presente caso a caducidade do contrato por perda do objeto, devendo a sentença ser alterada e substituída por outra que declare totalmente improcedente o pedido de caducidade peticionado pela A.
Sem prescindir,
27- Caso se entenda que ocorreu a perda total do estabelecimento comercial e em consequência a extinção do contrato por efeito da caducidade, porque o vínculo obrigacional se mantém, face à impossibilidade de prestação que se traduz no gozo da coisa para os fins a que se destina, o direito e o dever de prestar terão que ser substituídos pelo dever de indemnizar – artigo 1031º alínea b) do Código Civil.
28- Devendo a A. neste caso ser condenada no pagamento de indemnização à Ré.
Da condição suspensiva do Acordo celebrado em ../../2020
29- Na sentença recorrida considerou-se não verificada a condição suspensiva do acordo descrito na alínea n), do ponto II.1 dos factos provados por não ter sido provada pela Ré a verificação dessa condição, nos termos da qual:
“as partes subordinaram à venda do prédio a um terceiro a produção de efeitos jurídicos do acordo descrito na alínea n), do ponto II.1.”
30- Ora, considerou o Meritíssimo Juiz à quo, na douta decisão proferida que,
“Não tendo logrado a Ré provar que a condição se verificou, improcede a sua pretensão de se ver paga das quantias de € 130.000,00 e de € 25.000,00 previstas no acordo descrito na alínea n), do ponto II.1.”
31- É indiscutível, face ao que se provou, que a referida condição (de venda do imóvel) ainda não se verificou, uma vez que o prédio onde se encontra instalado e pronto a funcionar o estabelecimento comercial de Hotel de 2 estrelas, não foi ainda vendido pela A a terceiros, como esta se propôs no acordo celebrado com a Ré para denuncia do contrato de cessão de exploração.
Sucede que,
32- A questão que se coloca é a de saber se a referida condição, que (ainda) não se verificou, pode (ainda) vir a verificar-se, sendo de notar que, segundo dispõe o art. 275º, nº 1, do CC, a certeza de que a condição não se pode verificar equivale à sua não verificação.
33- Sendo que, o n.º 2 do mesmo artigo 275º do CC dispõe ainda que:
“2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”
Ora,
34- Nos termos do art. 270º do CC as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
35- Como refere Pais de Vasconcelos, "é característico da condição, como cláusula típica, que o seu conteúdo corresponda à sujeição da eficácia do negócio, ou de parte dele, à verificação ou à não verificação de um facto e que esse facto, o facto condicionante, seja na condição tido como facto futuro e como facto incerto".
36- E, nos termos do artigo 272º do CC:
“Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa-fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.”.
37- Nos presentes autos, a A. e chamados assinaram com a Ré em ../../2020 o acordo constante da alínea n) dos Factos Provados, nos termos do qual:
38- “…os primeiros outorgantes, sócios-gerentes da sociedade cedente, pretendem denunciar antecipadamente o contrato de cessão de exploração celebrado, porquanto pretendem vender o respetivo empreendimento turístico a terceiros.”
“…os primeiros outorgantes e a sociedade por si representada (…) obrigam-se solidariamente a pagar à segunda outorgante, a título de compensação, para minimizar os danos verificados na esfera jurídica desta para ressarcimento dos lucros cessantes associados à antecipada e abrupta cessação do contrato a quantia de € 130.000,00, acrescido de todo o recheio existente no empreendimento turístico”.
“Nos termos da cláusula quinta do supramencionado acordo, “1. A referida quantia de € 130.000,00 será paga pelos primeiros outorgantes à segunda outorgante no dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel identificado…”
39- Do exposto resulta que, tendo o acordo sido celebrado no ano de 2020 e tendo em vista a venda urgente do imóvel por iniciativa da A. a referida venda apenas não se concretizou, por única e exclusiva responsabilidade da A. e volvidos mais de 3 anos, a A. teve tempo mais que suficiente para a concretização desse ou de outro negócio (com outros interessados na compra) para venda do imóvel e/ou do estabelecimento, fazendo assim cumprir a verificação da condição.
40- Acresce que, com a propositura da presente ação, invocando a perda do estabelecimento comercial e a consequente caducidade do contrato por perda do objeto que só a si pode ser imputado e peticionando a entrega do estabelecimento e dos imóveis onde o mesmo se encontra instalado, a A. apenas pretende evitar o pagamento da indemnização acordada à Ré porquanto caducando o contrato já nada terá que lhe pagar.
41- Ou seja, a A. pretende evitar que se verifique a condição a fim de evitar pagar a indemnização à Ré.
42- A venda do imóvel só depende da boa vontade da A. que tem evitado e recusado todo e qualquer negócio de compra e venda do estabelecimento comercial e/ou dos imóveis que o compõem.
43- Venda essa que como se disse ainda é possível bastando para isso a boa vontade da A. na concretização do negócio.
44- Pelo que, a condição a que as partes subordinaram o acordo celebrado a ../../2020 ainda não se verificou, mas pode ainda vir a verificar-se.
45- Acresce que A. atua de má-fé, evitando a concretização do negócio.
46- Sendo que, nos termos do referido artigo 275º n.º 2 do CC tendo a A. a quem prejudica a verificação da condição, evitado de má-fé a sua verificação, tem-se a mesma por verificada.
47- Pelo que, o pedido reconvencional, deve ser julgado totalmente procedente por provado e a A. e chamados (na qualidade de responsáveis solidários) ser condenados a pagar à Ré os valores acordados e por esta peticionados de €130.000 e de €25.000.
48- Assim, deve a sentença recorrida ser corrigida e substituída por outra que condene a A. e chamados a pagar solidariamente à Ré a indemnização acordada em ../../2020 nos valores de €130.000 e de €25.000.».
A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
E veio, por sua vez, recorrer da sentença, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
“1 – A autora/recorrente teve necessidade de instaurar a presente acção com vista à entrega do empreendimento turístico devoluto e com todos os móveis, equipamentos e utensílios que o integravam.
2 – Peticionou ainda a autora o pagamento dos danos provocados pelo encerramento do empreendimento a serem apurados em execução de sentença.
3 - Não procedeu o Tribunal a quo a uma análise dos depoimentos das partes de forma equilibrada e de acordo com as regras de senso comum.
4 - A sentença incorre em erro de julgamento ao não atender a que a autora entregou o empreendimento em condições de funcionamento, permitindo a imediata abertura ao público.
5 - Há falta de análise crítica da prova quanto à desconsideração da entrega do empreendimento turístico em perfeitas condições de funcionamento.
6 – Todas as testemunhas da autora e das partes que prestaram depoimentos no sentido de que a ré iniciou a exploração logo após a celebração do contrato.
7 – Há erro no julgamento, quanto à apreciação e valoração da prova, no que se refere ao pagamento da remuneração acordada no contrato de cessão de exploração.
8 – Esta retribuição devia ter sido retomada em julho de 2020, e não ocorreu.
9 – Ocorre nulidade da sentença, por os fundamentos estarem em contradição com a decisão - 1ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º, do Código do Processo Civil -, porquanto desconsidera a omissão de entrega do empreendimento voluntária e culposa por parte da ré, que invoca o direito de retenção.
10 – A ré, não entregando o empreendimento quando interpelada, deve ser condenada no pagamento de indemnização por acto ilícito, ao abrigo do artigo 1045º, em conjugação com os artigos 804º, n.º 2 e 805, n.º 2 alínea a), todos do Código Civil.
11 – Há contradição desta conclusão com o teor da contestação e os documentos que se encontram juntos aos autos, nomeadamente, o direito de retenção que a ré invoca e o facto de ter sempre assumido, designadamente, perante as autoridades policiais, a posse do empreendimento e dos imóveis.
12 – Na decisão desta matéria, o M.mo Juiz não procedeu ao tratamento cognitivo e ao processo de confrontação com os restantes meios de prova, designadamente os documentais.
13 – Porquanto há presunção de culpa derivada do artigo 1044º do Código Civil, a qual só pode ser ilidida com a prova de que nem a ré, nem terceiro a quem tenha permitido a utilização foram causadores da deterioração.
14 – A sentença, ao não atender ao facto da posse se ter mantido na ré, desconsiderou que a mesma ré terá de ser responsabilizada pelo pagamento da remuneração contratada, pela falta da guarda e pela devolução do empreendimento à autora no estado em que o recebeu.
15 - Deve ser alterada a decisão recorrida na parte em que absolve a ré do mais peticionado, substituindo-a pela condenação da ré no pagamento à autora da quantia que for apurada, a título de falta de entrega do empreendimento na data em que se considerou que o contrato cessou e nos danos verificados nos imóveis e no empreendimento turístico.
16 - Deve ainda ser feita a apreciação do mérito da sentença, quanto a saber se a autora tem o direito a receber a indemnização pela não entrega e qual o valor dessa indemnização, incluindo o valor que resulta do lucro cessante derivado da indisponibilidade do empreendimento.
17 - Deverá, pois, a sentença ser alterada e substituída por outra que considere como provados os factos constantes dos artigos 6º, 16º, 20º, 23º, 24º e 31º da petição inicial.
18 – Consequentemente, deve a ré ser condenada na entrega do empreendimento turístico devoluto e com todos os móveis, equipamentos e utensílios que o integram e nos dos danos que vierem a ser apurados no empreendimento e nos prédios, a remeter para execução de sentença.”.
A ré também contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da autora.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas recorrentes, são as seguintes:
- no que respeita ao recurso da ré:
a) do erro na subsunção dos factos ao direito, quanto à declaração de caducidade do contrato de locação do estabelecimento comercial [e, assim não se entendendo, saber se a ré tem direito a uma indemnização em consequência de tal caducidade, nos termos do art.º 1031º, al. b), do CC]; e
b) quanto à não verificação da condição suspensiva do acordo celebrado em ../../2020 [nomeadamente, saber se a mesma se deve ter por verificada nos termos do disposto no art.º 275º, nº 2, do CC];
- no que concerne ao recurso da autora:
a) da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão [art.º 615º, nº 1, al. c), do NCPC];
b) do erro na decisão de facto, apreciando – como questão prévia – a (in)observância dos ónus de impugnação que sobre a recorrente recaem, em especial os previstos nos art.ºs 639º, nº 1 e 640º, nº 1, als. a) e b) e 2 do NCPC;
c) do erro de julgamento na decisão de direito:
i. quanto à decisão proferida relativamente à impossibilidade de entrega do estabelecimento comercial; e
ii. quanto à decisão que julgou improcedente a atribuição de indemnização pelos danos ocorridos no empreendimento e no prédio. 
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a sublinhado a matéria de facto ora impugnada):
1 – Factos provados
a) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a exploração de hotéis, motéis e indústria hoteleira, conforme se retira da cópia certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos de fls. 7 a 9 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a prestação de serviços de hotelaria, restauração e similares, fabrico e venda de produtos alimentares pré-congelados, venda de refeições prontas a levar, organização de eventos, locação e sublocação de espaços e exploração de jogos Santa Casa, conforme se retira da cópia certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos de fls. 9v a 10 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) No dia ../../2016, no Cartório Notarial de EE, em acordo outorgado por escritura pública e apelidado pelas partes de cessão de exploração, a sociedade EMP01..., Lda. cedeu à sociedade EMP02..., Lda. a exploração do empreendimento turístico EMP03..., a que corresponde o Alvará de Licenciamento Sanitário número 46/87, emitido pela Câmara Municipal ..., em ../../1987, instalado nos imóveis descritos nessa escritura das alíneas a) a ac), nos termos que melhor surgem descritos na cópia da certidão junta aos autos de fls. 12 a 18 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) Nos termos da cláusula primeira do acordo supra referido, “a cessionária recebe o empreendimento no estado em que se encontra e não lhe pode dar outro uso ou destino, devendo, para o efeito, proceder a investimentos em mobiliário, decoração e equipamentos, com a finalidade de renovação do empreendimento. (…) § 1.º) Neste âmbito, são entregues nesta data os bens móveis e utensílios constantes de uma relação complementar, elaborada nos termos do número um, do art. 64º do Código do Notariado (…). (…) § 2.º) Estes bens são entregues nas condições que ficam descritas no referido documento complementar, devendo, em caso de caducidade deste contrato, ser devolvidos no estado em que se encontravam, ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização e do decurso do tempo. (…) § 3.º) A substituição dos bens entregues implica a sua imediata incorporação no empreendimento ou a reposição dos bens anteriormente existentes. (…) § 4.º) Todos os bens que não puderem ser retirados ou levantados pela representada do segundo outorgante, em caso de cessação deste contrato, serão objecto de avaliação por perito nomeado entre as partes, para efeito de ressarcimento do valor investido pela representada do mesmo segundo outorgante”;
e) Nos termos da cláusula quarta do supra referido acordo, “no caso de ocorrer o termo do presente contrato por qualquer forma, a cessionária entregará o empreendimento e seu equipamento no estado de conservação e limpeza em que foi recebido, ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização e do decurso do tempo, e tal entrega será precedida de vistoria prévia do local por ambas as partes ou por alguém por si nomeado. (…) § 1.º A entrega do empreendimento será efectivada mediante vistoria prévia, e sem quaisquer ónus, encargos, contratos de trabalho, de prestação de serviços ou contratos de exclusividade com marcas ou fornecedores. (…) § 2.º Mediante comunicação prévia, com antecedência de sessenta dias, por carta registada com aviso de recepção, a cessionária poderá entregar o empreendimento, sem invocação de qualquer motivo. (…) § 3.º Mediante comunicação prévia, com antecedência de sessenta dias, por carta registada com aviso de recepção, a cedente poderá fazer cessar este contrato, em caso de compra e venda dos imóveis”;
f) Nos termos da cláusula sexta do acordo citado, “para efeito de adaptação do empreendimento aos fins pretendidos, a cessionária fica desde já autorizada a iniciar todos os procedimentos tendentes à reconversão e adaptação das instalações aos fins pretendidos. (…) § 1.º) Fica, ainda, a cessionária autorizada, para efeito de adaptação do local aos fins pretendidos, a realizar as obras necessárias, devendo as mesmas ser do prévio conhecimento dos proprietários e ficarão a fazer parte integrante dos prédios, operando-se o acordo constante do parágrafo quarto da cláusula primeira, em caso de cessação. (…) § 2.º) Todas as despesas referidas nesta cláusula são da inteira responsabilidade da cessionária”;
g) Por acordo escrito datado de 26 de Outubro de 2017, as partes outorgantes do acordo celebrado em ../../2016, procederam à alteração da cláusula terceira deste, nos termos que melhor surgem reproduzidos a fl. 22 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...27, da freguesia ..., um prédio urbano, sito em Cais ..., composto de 24 edifícios, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 10v a 11v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o descrito prédio encontra-se inscrita na referida Conservatória a favor de AA, BB, CC e FF, por compra, mediante a Ap. ...58 de 2012/02/08, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 10v a 11v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
j) Em consequência da pandemia de Covid-19, a Ré encerrou o estabelecimento que funcionava nos imóveis que compõem o prédio descrito na alínea h);
k) Autora e Ré acordaram que as rendas dos meses de Abril, Maio e Junho de 2020 não seriam devidas;
l) A Ré não pagou as rendas de Julho de 2020 e seguintes, nem reabriu o estabelecimento, devido à falta de procura;
m) A Autora enviou, em 14.09.2020, a GG, HH e II, registadas com aviso de recepção, as missivas cujas cópias se encontram junta aos autos de fls. 19 a 21 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
n) Em ../../2020, a sociedade EMP01..., Lda., AA e BB, como primeiros outorgantes, e a sociedade EMP02..., Lda., como segunda outorgante, outorgaram, por escrito e com as assinaturas autenticadas, o acordo, apelidado pelas partes de confissão de dívida e acordo de pagamento, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 130v a 136 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
o) Nos termos da cláusula terceira do supra mencionado acordo, “os primeiros outorgantes, sócios-gerentes da sociedade cedente, pretendem denunciar antecipadamente o contrato de cessão de exploração celebrado, porquanto pretendem vender o respectivo empreendimento turístico a terceiros”;
p) Nos termos da cláusula quarta do supra mencionado acordo, “os primeiros outorgantes e a sociedade por si representada (…) obrigam-se solidariamente a pagar à segunda outorgante, a título de compensação, para minimizar os danos verificados na esfera jurídica desta para ressarcimento dos lucros cessantes associados à antecipada e abrupta cessação do contrato a quantia de € 130.000,00, acrescido de todo o recheio existente no empreendimento turístico”;
q) Nos termos da cláusula quinta do supra mencionado acordo, “1. A referida quantia de € 130.000,00 será paga pelos primeiros outorgantes à segunda outorgante no dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel identificado, através de cheque bancário, mantendo-se o contrato de cessão de exploração, plenamente válido e eficaz até confirmação bancária da boa cobrança do aludido cheque. (…) 2. Os primeiros outorgantes obrigam-se a comunicar à segunda outorgante, com a antecedência mínima de 10 dias, por carta registada com aviso de recepção, a data, hora e local onde se irá realizar a escritura pública de compra e venda do imóvel. (…) 3. O não pagamento da compensação na data acordada implica, para além do capital em dívida de € 130.000,00, o pagamento de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, os quais serão calculados à taxa comercial legal aplicável à data do pagamento. (…) 4. O não cumprimento dos primeiros outorgantes do presente acordo de forma pontual e tempestiva implica ainda o pagamento da quantia de € 25.000,00 (…), a título de cláusula penal. (…) Os primeiros outorgantes, caso não liquidem a referida quantia em dívida, reconhecem expressamente à segunda outorgante o direito de retenção do empreendimento em causa pelo não pagamento decorrente da denúncia antecipada do contrato de cessão de exploração, suspendendo-se a obrigação de restituir o empreendimento, enquanto não for paga à segunda outorgante a compensação acordada, juros e cláusula penal convencionada”;
r) Os imóveis onde funcionava o estabelecimento encontram-se devassados e vandalizados, nomeadamente, com as portas exteriores e interiores partidas, vidros partidos, caixilharias partidas e/ou danificadas, estores partidos e/ou danificados, caixa de estores partidas, espelhos partidos, revestimento do pavimento em soalho partido e/ou com infiltrações de humidade, revestimento dos tectos e paredes em gesso cartonado partido e/ou com infiltrações de humidade, rodapés partidos e/ou com infiltrações de humidade, revestimento em material cerâmico partido, louças sanitárias partidas, instalação eléctrica vandalizada, instalação telefónica e de telecomunicações vandalizada, instalação de gás vandalizada, rede predial de água e esgotos vandalizada e móveis partidos;
s) Os bens móveis que foram entregues à Ré aquando da celebração do acordo mencionado em c) já não existem por terem sido levados por terceiros do imóvel onde funcionava o estabelecimento;
t) A Ré despendeu, em obras de melhoramento do telhado (isolamento em roofmate) e do piso exterior (cubo de cimento mecan) do imóvel onde funcionava o estabelecimento, a quantia de € 12.551,84;
u) Em 13.06.2021, 28.08.2021, 05.09.2021, 06.04.2022 e 14.03.2022, II, sócio-gerente da Ré, participou à Polícia de Segurança Pública os factos que melhor se acham descritos nas cópias de fls. 232v a 234v dos presentes autos e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2 – Factos não provados (com exclusão dos enunciados fácticos de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito)
Da petição inicial: artigos 6º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea c), 16º, 20º, 23º, 24º e 31º.
Da contestação: artigos 8º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea k), 13º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea l), 14º a 17º, 19º a 27º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea n), 30º, 31º, parte final, 41º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea t).
Da réplica: inexistem factos a que cumpra, neste âmbito, responder.”.
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3.2. Fundamentação de Direito

Como visto, vem provado, desde logo, que, acordo escrito, celebrado por escritura pública de 1.02.2016, e intitulado de «Cessão de Exploração», a autora, na sua qualidade de cedente, declarou ceder, a título oneroso e nas condições ali exaradas, a exploração do estabelecimento em causa (“EMP03...”) à sociedade aqui ré, que esta declarou aceitar [ponto c) do elenco dos factos provados].
Ficou então definido o clausulado contratual objecto de vinculação, sendo que a alteração posterior operada pelas partes em 26.10.2017 [ponto g) do elenco dos factos provados] em nada contende com a matéria decidenda.
Claro resulta, assim, que a relação contratual e inerente vinculação se estabeleceu entre aquelas autora e ré, não sendo parte no contrato os chamados, que apenas outorgaram em representação da sociedade autora.
Também é clara – e não controvertida por qualquer das partes, logo, pacífica – a qualificação jurídica deste contrato, tal como operada na sentença em crise.
Com efeito, não há dúvidas de que, no caso em apreço, face à factualidade vertida nos pontos c) a f) do elenco dos factos provados, o acordo das partes configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual a autora cedeu à ré, por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de um “EMP03...”, transferindo para esta última todo o mobiliário e utensílios que o compunham à data.
Ora, o contrato de cessão da exploração de estabelecimento (ou locação de estabelecimento) tem sido entendido como aquele pelo qual uma pessoa convenciona com outra a transferência temporária e onerosa, com ou sem o gozo do prédio, a exploração da universalidade que constitui o estabelecimento; é no fundo um contrato de locação de estabelecimento porque o respectivo titular cede a outrem, temporária e onerosamente, a fruição da universalidade dos elementos materiais e dos direitos que integram o estabelecimento.
A cessão de exploração do estabelecimento comercial não produz qualquer transmissão do direito de propriedade (titularidade) do estabelecimento, que continua a pertencer ao cedente, envolvendo a simples cessão do direito de exploração do estabelecimento. O titular do estabelecimento obriga-se a proporcionar temporariamente ao cessionário a fruição do estabelecimento, o que implica a funcionalidade e inerente explorabilidade deste, mantendo aquele cedente a titularidade do estabelecimento.
Assim, “um dos contraentes, o locador, mantendo-se proprietário da organização mercantil, transfere para outrem a sua exploração. O locatário do estabelecimento exerce a actividade, em seu nome e por sua conta e risco, pagando como contrapartida um determinado montante. Expressa-se, deste modo, a sinalagmaticidade deste negócio, bem como o seu carácter continuado (em relação ao locador) e periódico (em relação ao locatário)”. Cfr., Fernando Gravato Morais, Alienação e oneração de estabelecimento comercial, Coimbra, 2005, p. 136-138.
Donde, a cessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil.
O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário. Cfr. Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, p. 72.
A cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, assim, um acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento; tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada; e é feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.
Dividia-se a doutrina sobre o carácter típico ou atípico de um tal contrato, ao passo que a jurisprudência era concordante na afirmação da sua atipicidade. Cfr. Fernando de Gravato Morais, obra citada, p. 138 e acs. do STJ de 08.05.08 (relator Salvador da Costa), da RP de 09.06.09 (relator Rodrigues Pires), da RL de 12.10.2010 (relator Luís Filipe Brites Lameiras) e da RC de 24.06.08 (relator Jorge Arcanjo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Entende-se, contudo, que o regime deste contrato é regulado em primeiro lugar, pelas estipulações das partes nele contidas (art.º 405º, nº 1 do CC) e, subsidiariamente, pelas disposições do contrato típico mais afim, não se podendo olvidar que se trata de um contrato de tipo locativo, abrangido pela ampla descrição tipológica do art.º 1022º do CC, sendo-lhe, portanto, aplicáveis as disposições gerais da locação, mas não as disposições legais específicas e, depois, na sua falta, pelas regras comuns a todos os contratos. Cfr. ac. da RC de 17.04.2012 (relator Henrique Antunes), acessível in www.dgsi.pt.
Note-se, porém, a propósito da locação de estabelecimento, o art.º 1109º do CC prevê expressamente que a transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, se rege pelas disposições previstas para o arrendamento para fins não habitacionais, com as necessárias adaptações e que a transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas devendo ser-lhe comunicada no prazo de um mês (nº 2 daquele preceito).
Nestes termos, do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário o direito de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração; mas, em contrapartida, dele emerge também o dever de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.
Desse contrato de locação emerge ainda, com interesse para o que ora nos ocupa, para o locatário a obrigação de não fazer uma utilização imprudente do objecto da locação.
Esta obrigação consta da al. d), do art.º 1038º e é desenvolvida no art.º 1043º, ambos do CC. O nº 1 deste último refere que «[n]a falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.».
Uma vez que a locação não deve implicar para o locador deterioração da coisa, deve o locatário restitui-la no estado em que a recebeu. Ocorrendo a perda ou deterioração da coisa locada, e não correspondendo a uma utilização prudente, a lei faz presumir a responsabilidade do locatário, permitindo a este, contudo, ilidir a presunção se demonstrar que tal resulta «de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela» - cfr. art.º 1044º, do CC.
No caso do estabelecimento comercial há que analisar esta obrigação com especiais cautelas. Tratando-se de uma realidade dinâmica, o estabelecimento não mantém em todos os momentos os mesmos elementos singularmente identificáveis. O que tem de ser preservado será o estabelecimento como um todo, com os seus valores de exploração, pelo que o locatário deverá ter a diligência de um “bom pai de família” naquela concreta situação de quem explora dado estabelecimento comercial.
Assim, diminuições da clientela ou do aviamento do estabelecimento devidas a factos não imputáveis ao locatário, como seja a conjuntura económica desfavorável, não deverão acarretar responsabilidade para este.
Já o mesmo se não poderá dizer se tal situação se ficar a dever à falta de diligência, de empenho. Em suma, a uma utilização imprudente do estabelecimento por parte do locatário ou de terceiro a quem tenha permitido a utilização ou o auxilie nessa actividade. Aqui será responsabilizado por violação das obrigações que lhe são legalmente impostas.
Feito este enquadramento geral, urge analisar as razões de discordância apresentadas por cada uma das partes relativamente à decisão recorrida.

3.2.1. No que respeita ao recurso da ré:
3.2.1.1. Da caducidade do contrato de locação do estabelecimento comercial e suas consequências
A sentença impugnada reputou verificada a perda da coisa locada e a consequente caducidade do contrato de locação do estabelecimento comercial celebrado entre as partes, segmento decisório que a apelante refuta, defendendo que a destruição do estabelecimento é imputável à autora; que as condições para o locado poder ser aplicado ao fim que se destina podem ser repostas mediante a realização de obras pelo senhorio, nomeadamente aquelas a que este estava obrigado realizar.
Mais defende que a considerar-se existir perda do locado, deve a autora ser condenada em indemnização.
Vejamos.
O contrato de locação caduca pela perda da coisa locada, de harmonia com o estatuído na al. e), do nº 1, do art.º 1051º do CC.
Situação que corresponde a uma verdadeira impossibilidade superveniente quanto ao objecto do contrato [cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos, 2000, p. 208 e Pinto Furtado, in Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, 2ª ed., p. 454].
É a própria essência do contrato de locação que justifica a extinção da relação contratual.
A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um imóvel, mediante retribuição (art.º 1022º, do CC).
Conexa com a obrigação de propiciar o gozo da coisa locada, está a obrigação, se necessário, que é imposta ao locador de levar a cabo as obras necessárias, para que isso se verifique, tal como consta do art.º 1074º do CC. Podendo o locatário, nos moldes previstos no art.º 1036º do CC, efectuá-las, nos moldes ali consagrados.
Assim, sendo impossível o uso e fruição do locado, não podem subsistir os efeitos do contrato e, tornando-se impossível ao locador assegurar a sua obrigação de proporcionar ao locatário o gozo do locado, só resta a sua extinção.
O contrato caduca, porque o evento que exonerou o locador do seu débito, priva este, simultânea e necessariamente, do seu crédito, em atenção ao princípio da interdependência das obrigações sinalagmáticas [cfr. Cunha de Sá, in “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, I, pág. 282, apud ac. da RP de 5.07.2011, relatado por Cecília Agante e disponível in www.dgsi.pt].
Com efeito, o regime de responsabilização do locador, nos termos gerais da responsabilidade civil contratual, rege-se pelo disposto nos art.ºs 798º e 799º do CC; ou seja, acarreta a sua responsabilidade de indemnização pelos danos causados ao locatário, incumbindo-lhe a prova de que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação de propiciar o gozo da coisa, para os fins a que a mesma se destina, não procede de culpa sua.
Sendo, ainda, de ter em consideração, que, nos termos do art.º 1034º, nº 2, do CC, só se verifica a falta de cumprimento do contrato quando o gozo da coisa for assegurado em moldes tais que determinem a privação definitiva ou temporária ou a diminuição dele por parte do locatário.
Ora, um dos casos em que se verificará a privação (total ou parcial) ou a diminuição do gozo da coisa é o da perda da coisa locada que, como acima já referido, acarreta a caducidade do contrato de arrendamento, configurando-se uma situação de impossibilidade objectiva do cumprimento do contrato, tal como previsto, em geral, no domínio da responsabilidade contratual, no art.º 790º do CC.
Relevando, aqui, apenas a perda total, dado que em caso de perda parcial, terá aplicação o disposto no art.º 793º, nº 1, do CC, caso em que o locador fica exonerado mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação (renda) a que a outra parte estiver vinculada.
Conferindo-se-lhe, em alternativa, a possibilidade de resolver o contrato – cfr. nº 2, deste preceito.
Assim, releva a perda total, a qual deverá ser apreciada em consonância de permitir ou não o uso do locado para a realização dos fins contratados.
Caducidade, pois, que opera ipso iuris, ou seja de forma automática, acarretando a extinção do contrato, sendo que, em caso de culpa do senhorio, fica este constituído no dever de indemnizar o locatário, decorrentes de tal extinção contratual.
Ou seja, a caducidade por perda do locado ocorre independentemente da culpa do locador, a qual só releva para efeitos de saber se o locatário tem direito a ser indemnizado [cfr. ac. da RP acima citado e ainda os acs. da RG de 18.12.2022, relatado por António Gonçalves, da RL de 26.05.2011, relatado por Henrique Antunes e do STJ de 11.12.2012, relatado por Gregório da Silva Jesus, todos acessíveis in www.dgsi.pt].
Como se refere no ac. do STJ de 9.03.2010, processo nº 440/07.4TVPRT.S1, disponível in www.dgsi.pt, citando Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 1996, 2ª Edição, p. 332 e inúmera jurisprudência no mesmo sentido “a caducidade do contrato opera ope legis, relevando a culpa do senhorio para efeitos de indemnização ao arrendatário, indemnização em que devem ser ressarcidos tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais sofridos”.
Não ignoramos já ter sido advogado em alguma jurisprudência a falta de verificação da caducidade do contrato de arrendamento quando a perda da coisa locada é imputável ao senhorio, propugnando-se “que, se assim não fosse, estaria encontrada a forma de tornear, por via da acção directa, os problemas legais decorrentes dos arrendamentos vinculísticos, que a lei não permite” [cfr. ac. STJ de 7.07.1999, in www.dgsi.pt, ref. 99A533].
Sem embargo, pensamos que a posição mais consentânea com a natureza do contrato de locação é considerar que a caducidade ocorre por mera consequência do evento a que a lei atribui esse efeito. Como vimos, o contrato em causa pressupõe o gozo do locado, de modo a que a sua inexistência inviabiliza o traço específico da obrigação principal do locador: assegurar ao locatário o gozo do locado para os fins a que se destina (art.º 1031º, al. b), do CC).
Verificando-se a caducidade, por facto imputável ao locador, não se extingue a obrigação de propiciar o gozo da coisa locada e em face da impossibilidade de a cumprir – proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina – a mesma é substituída pelo dever de indemnizar (havendo culpa do locador).
Por outro lado, e como se diz no ac. do STJ de 9.10.2003 (já acima citado), “só a perda total determina a caducidade do contrato de arrendamento, extinguindo-se imediatamente a obrigação do locador – n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil. A perda parcial da coisa locada só faz caducar o contrato de locação se o grau de destruição for tal que não permita o uso da coisa para os fins do respectivo contrato de locação.”.
Portanto, só a perda total determina a caducidade do contrato, regendo o disposto no art.º 793º do CC, para o caso de perda parcial.
No mesmo sentido se pronuncia a doutrina, referindo-se, para além da citada nos arestos já mencionados, Fernando Gravato Morais, in Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2.ª Edição, Almedina, 2007, a p. 273 e 274, que ali refere, dever considerar-se que a perda total da coisa também se verifica quando a “coisa locada não desparece, mas sofre danificações tais que fica inutilizada ou se torna imprópria para servir os fins do arrendamento”.
Ou seja, mesmo em caso de perda parcial, se a mesma se verifica em tal grau que impeça a finalidade tida em vista no contrato, deve operar a caducidade do contrato. Assim não sendo, deve prevalecer o procedimento previsto no art.º 793º do CC.
Januário Gomes, in Arrendamentos Comerciais, 2ª Edição Remodelada, Almedina, 1991, a p. 256, refere que:
A perda determinante da caducidade é a perda total resultante por ex. de incêndio, terramoto, desabamento, de acção do homem, etc.. Se a perda foi simplesmente parcial, pode haver lugar a redução de renda, nos termos do artigo 1040.º do Código Civil, sem prejuízo de o arrendatário poder resolver o contrato nos termos do artigo 1050.º.
Em concreto, pode ser discutível o carácter total ou parcial da perda. A apreciação deve primar pela razoabilidade: haverá perda total quando, objectivamente, o local tenha perdido as aptidões mínimas necessárias para ser usado. À luz desta concepção funcional, poderá não ser necessário aguardar que um prédio caia como um baralho de cartas para se concluir pela perda do mesmo.”.
Ora, em face do que se deixou dito acerca dos requisitos para que se verifique a caducidade do contrato de arrendamento, parece-nos que, no caso é manifesto que se verifica a impossibilidade de exploração do estabelecimento comercial locado.
O quadro factual admitido pelas partes revela que, em consequência da pandemia de Covid-19, a ré encerrou o estabelecimento (em 2020), não tendo mais procedido à sua reabertura.
E que os imóveis onde funcionava o estabelecimento encontram-se devassados e vandalizados, nomeadamente, com as portas exteriores e interiores partidas, vidros partidos, caixilharias partidas e/ou danificadas, estores partidos e/ou danificados, caixa de estores partidas, espelhos partidos, revestimento do pavimento em soalho partido e/ou com infiltrações de humidade, revestimento dos tectos e paredes em gesso cartonado partido e/ou com infiltrações de humidade, rodapés partidos e/ou com infiltrações de humidade, revestimento em material cerâmico partido, louças sanitárias partidas, instalação eléctrica vandalizada, instalação telefónica e de telecomunicações vandalizada, instalação de gás vandalizada, rede predial de água e esgotos vandalizada e móveis partidos; sendo que os bens móveis que foram entregues à ré aquando da celebração do contrato em 2016 já não existem por terem sido levados por terceiros do imóvel onde funcionava o estabelecimento.
Ora, assim sendo, afigura-se-nos que o locado – o estabelecimento comercial – cedido pela autora à ré desapareceu, não sendo recuperável com umas meras obras nos edifícios, ao contrário do que defende a ré/recorrente. 
É verdade que o conceito de estabelecimento comercial pode variar conforme a perspectiva de que é visto.
Sob o ponto de vista económico, estabelecimento comercial é, num sentido amplo, a organização técnica constituída por todos os factores que servem para o exercício de uma actividade comercial; num sentido restrito, pode designar uma loja, um armazém, uma fábrica, uma oficina, um escritório, etc. Sob o ponto de vista jurídico, que é o que nos interessa especialmente aqui (se bem que nunca possamos pôr de lado as noções da ciência económica), a expressão estabelecimento comercial não tem, à face da legislação portuguesa, um significado rigoroso e preciso, antes nos aparece em várias acepções» (cfr. Barbosa de Magalhães, “Do estabelecimento comercial”, in: Estudos de Direito privado, 2ª ed., Lisboa, Edições Ática, 1964, p. 13).
De todo o modo, tem de existir um acervo patrimonial, mais ou menos amplo, que englobará um conjunto organizado de coisas e direitos de diversa natureza e categoria.
O estabelecimento implica também um suporte humano. Pelo que, em regra, congrega um conjunto de pessoas, mediante vínculos jurídicos de diversa natureza. Pode, contudo, este suporte humano, cingir-se ao empresário. O importante é que este suporte humano, plural ou não, prossiga a finalidade comum visada com o estabelecimento.
Nestes termos, estes diversos elementos não são uma mera soma das partes, mas um todo interligado pelo elemento organizacional, articulando-se estavelmente com vista à prossecução do seu fim mercantil. Esta organização é funcional, pois atende à actividade económica que o empresário pretende prosseguir, a qual será, ou visará ser, lucrativa.
Grosso modo, só perante estes factores poderemos considerar estar perante um estabelecimento comercial.
Constata-se, assim, que se trata de um bem jurídico complexo, o qual integra vários elementos. O estabelecimento tem qualidades próprias que fazem com que o seu todo complexo seja mais que a soma das partes ou elementos que incorpora.
Entendemos, pois, ser de subscrever o entendimento segundo o qual o estabelecimento comercial deve ser entendido como uma unidade jurídica, e não somente como unidade económica (cfr. Ferrer Correia, “Reivindicação de estabelecimento comercial…”, p. 262 e seguintes).
Esta «universalidade não compreende só as mercadorias, matérias primas, máquinas, os instrumentos produtivos, mas abrange ainda bens imateriais (créditos, marcas, patentes, invenção, o nome comercial, etc.) e certas situações ou relações de facto com relevo económico (o crédito de que goza o estabelecimento, a clientela que possui) – enfim, o “aviamento” da empresa. (…) O estabelecimento não está nas próprias coisas, está na organização delas para os fins da produção: é uma unidade de fim. Ver só as coisas em si, abstrair do conjunto, da força de coesão que as prende – é ver as arvores e não ver a floresta…» (cfr. Ferrer Correia, obra e lugar citados).
A questão que então aqui se coloca é a de saber se existe estabelecimento comercial quando lhe faltam um ou mais dos elementos essenciais apontados. Diremos que depende de saber se essa organização produtiva se encontra apta a funcionar, permitindo identificar a existência de um bem distinto da mera soma das partes que o compõem.
Ora, no caso, a referida organização produtiva desapareceu, pelo que, podemos afirmar que há uma impossibilidade objectiva da prestação do locador que torna impossível a execução do contrato e o gozo da coisa locada, que se reconduz à sua perda, ao menos, para conferir as utilidades que lhe são próprias.
Mas ainda que se considere a sua perda parcial (na medida em que os edifícios onde se encontrava instalado o empreendimento só se encontram parcialmente destruídos), a verdade é que os danos de que padece o empreendimento são de tal monta que impossibilitam a exploração do estabelecimento comercial, o que, como vimos, é equiparável à sua destruição.
Note-se que, como alerta Orlando de Carvalho: «Embora o prédio com os seus apetrechos tenha um peso absorvente nessa organização mercantil, esta suplanta esse elemento fundiário, abrangendo o complexo da exploração constituída, com os seus elementos corpóreos e incorpóreos, a sua fama, a sua clientela, as relações com os fornecedores e o público, etc., elementos que podem faltar eventualmente, em maior ou menor número, numa negociação em concreto, sem que desapareça por isso a organização a que respeitam: basta que os elementos restantes tenham força para conter ou exprimir em si – para “aprisionar” e ostentar, se quisermos – a realidade da organização no seu conjunto.» (in, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, p. 363).
Por conseguinte, no caso, “[m]esmo não tendo ocorrido a perda do locado no sentido naturalístico, no momento em que o seu estado de degradação tornou inviável o fim do contrato, ela ocorre para o mundo do direito” (assim, ac. da RP de 5.07.2011, supra citado).
Destarte, não podemos deixar de acompanhar o tribunal recorrido quando concluiu pela perda do locado e, consequentemente, pela caducidade do contrato de locação outorgado entre as partes. 
Contrapõe a ré/recorrente que esta situação é imputável à autora e que, caso se conclua pela perda do locado, deve a autora ser condenada no pagamento de indemnização à ré.
Todavia, baseia a ré tal asserção em factos que não resultaram demonstrados. Com efeito, não logrou a mesma demonstrar que, após o acordo celebrado em ../../2020, foram entregues as chaves do empreendimento à autora, tendo ficado a ré impedida de ali exercer a sua actividade.
De todo o modo, mesmo que a perda do locado pudesse ser imputada ao locador (ora autora), tal circunstância, como vimos, nunca constituiria obstáculo à declaração de caducidade, que opera ope legis.
Acresce dizer ainda, embora deduzindo pedido reconvencional, a ré não formulou - no respectivo articulado - qualquer pretensão indemnizatória, ao abrigo do disposto no art.º 1031º, al. b), do CC. E, assim sendo, nunca poderia a autora ser condenada em qualquer indemnização a esse título nesta sede.
Os poderes do tribunal ad quem limitam-se ao controlo da sentença recorrida, pois o direito português segue o modelo de recurso de revisão ou reponderação.
Daí que a nossa jurisprudência venha afirmando de forma unânime que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar matéria nova, não submetida ao exame do tribunal recorrido – ver entre muitos outros e só a título de exemplo, o recentíssimo ac. desta Relação de Guimarães, datado de 9.05.2024, relatado por José Cravo e acessível in www.dgsi.pt.
Com efeito e como muito bem se anota no ac. desta Relação de Guimarães de 24.11.2022, relatado por Joaquim Boavida (e igualmente acessível in www.dgsi.pt) são várias as razões para não admitir a discussão de questões novas na fase de recurso.
Por um lado, existem razões práticas: a admissão ex novo de questões suprimiria um ou mais graus de jurisdição relativamente a elas e os inerentes actos de exercício do contraditório e de instrução atrasariam a decisão do recurso.
Por outro, há razões substanciais, inerentes à natureza deste meio processual: os recursos são meios de impugnação de concretas decisões judiciais e destinam-se a permitir que o tribunal superior as reaprecie. Incidindo sobre uma decisão anteriormente proferida no âmbito de um processo, ou seja, sendo o seu objecto a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, o recurso visa permitir o controlo de tal decisão e não, no nosso modelo, a repetição da instância no tribunal de recurso.
Daí que o tribunal superior deva, na sua função de reapreciação, ser confrontado com questões que as partes suscitaram e discutiram nos momentos próprios do processo. De outra forma, teríamos, para a questão nova introduzida por via do recurso, um novo julgamento pelo tribunal de recurso.
Donde deflui a impossibilidade de afrontar essa matéria em sede recursiva, tanto mais que não se trata de matéria de conhecimento oficioso.
Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso da ré nesta parte [conclusões 3ª a 28ª].
3.2.1.2. Da verificação da condição suspensiva do acordo celebrado em ../../2020
Conforme decorre do acima exposto, a ré/recorrente, sem colocar em causa que as partes subordinaram a produção dos efeitos jurídicos do acordo celebrado em ../../2020 à venda do prédio a um terceiro – ou seja, que as partes estipularam no âmbito daquele acordo uma condição suspensiva – e que esta não se verificou; veio defender, por um lado, que a referida condição ainda se pode vir a verificar e, por outro (de forma algo incongruente), que a mesma se deve ter por verificada ao abrigo do disposto no nº 2, do art.º 275º, do CC.
No direito civil português, a noção de condição encontra-se no art.º 270º do CC ao dispor que as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição, no segundo, resolutiva (cfr. ac. da RG de 27.05.2021, relatado por Raquel Baptista Tavares – aqui 2ª adjunta – e acessível in www.dgsi.pt).
“A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)” (cfr. ac. do STJ de 10.12.2009, relatado por Moreira Alves, disponível em www.dgsi.pt).
O legislador optou por incluir, no mesmo preceito legal, a definição de ambas as espécies típicas: a condição suspensiva e a condição resolutiva.
O critério de distinção consagrado no art.º 270º é o da influência que a verificação do evento condicionante tem sobre a eficácia do negócio: se a verificação da condição importa a produção dos efeitos do negócio trata-se de uma condição suspensiva; se a verificação da condição importa a destruição dos efeitos negociais, aquela é resolutiva (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição, p. 559).
A validade das cláusulas condicionais encontra o seu fundamento no princípio da liberdade contratual previsto no  art.º 405º do CC, salvaguardando-se, naturalmente, a nulidade do negócio subordinado a condição contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes tendo-se a condição resolutiva por não escrita (cfr. art.º 271º nº 2 do CC).
São elementos caracterizadores da condição a “futuridade” e a “incerteza”: a condição abrange acontecimentos futuros e incertos, pelo que o acontecimento condicionante não deve ser certo quanto à sua verificação, pois se o for estaremos, regra geral, perante um termo e não uma condição (cfr. art.º 278º do CC).
Ora, no caso, tal como afirmou o tribunal recorrido, os factos provados permitem a conclusão de que se mostra prevista no acordo outorgado em ../../2020 uma condição suspensiva.
Com efeito, a este propósito, ressuma dos factos provados o seguinte:
“Em ../../2020, a sociedade EMP01..., Lda., AA e BB, como primeiros outorgantes, e a sociedade EMP02..., Lda., como segunda outorgante, outorgaram, por escrito e com as assinaturas autenticadas, o acordo, apelidado pelas partes de confissão de dívida e acordo de pagamento, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 130v a 136 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
Nos termos da cláusula terceira do supra mencionado acordo, “os primeiros outorgantes, sócios-gerentes da sociedade cedente, pretendem denunciar antecipadamente o contrato de cessão de exploração celebrado, porquanto pretendem vender o respectivo empreendimento turístico a terceiros”;
Nos termos da cláusula quarta do supra mencionado acordo, “os primeiros outorgantes e a sociedade por si representada (…) obrigam-se solidariamente a pagar à segunda outorgante, a título de compensação, para minimizar os danos verificados na esfera jurídica desta para ressarcimento dos lucros cessantes associados à antecipada e abrupta cessação do contrato a quantia de € 130.000,00, acrescido de todo o recheio existente no empreendimento turístico”;
Nos termos da cláusula quinta do supra mencionado acordo, “1. A referida quantia de € 130.000,00 será paga pelos primeiros outorgantes à segunda outorgante no dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel identificado, através de cheque bancário, mantendo-se o contrato de cessão de exploração, plenamente válido e eficaz até confirmação bancária da boa cobrança do aludido cheque. (…) 2. Os primeiros outorgantes obrigam-se a comunicar à segunda outorgante, com a antecedência mínima de 10 dias, por carta registada com aviso de recepção, a data, hora e local onde se irá realizar a escritura pública de compra e venda do imóvel. (…) 3. O não pagamento da compensação na data acordada implica, para além do capital em dívida de € 130.000,00, o pagamento de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, os quais serão calculados à taxa comercial legal aplicável à data do pagamento. (…) 4. O não cumprimento dos primeiros outorgantes do presente acordo de forma pontual e tempestiva implica ainda o pagamento da quantia de € 25.000,00 (…), a título de cláusula penal. (…) Os primeiros outorgantes, caso não liquidem a referida quantia em dívida, reconhecem expressamente à segunda outorgante o direito de retenção do empreendimento em causa pelo não pagamento decorrente da denúncia antecipada do contrato de cessão de exploração, suspendendo-se a obrigação de restituir o empreendimento, enquanto não for paga à segunda outorgante a compensação acordada, juros e cláusula penal convencionada” (o sublinhado é nosso).
Ou seja, tendo as partes convencionado expressamente que o contrato de locação se manteria em vigor até à data em que fosse efectivamente vendido o empreendimento turístico a terceiros, é manifesto que a denúncia “acordada” só produziria efeitos se e quando o dito empreendimento fosse alienado.
Deste modo, a ré/recorrente também só teria direito a exigir a indemnização acordada entre as partes se e quando tal venda se viesse a concretizar.
Acresce ainda dizer que efectivamente recaia sobre a ré o ónus de provar a verificação da condição suspensiva, em conformidade com o disposto no art.º 342º, nº 1 do CC, o que não logrou fazer, como a própria admite.
Ademais, tendo, entretanto, ocorrido a perda do estabelecimento comercial, inevitável é considerar que a dita condição já não se poderá verificar (não pode a autora alienar o que já não existe).
Defende, porém, a ré/recorrente que a referida condição suspensiva se deve ter por verificada, uma vez que a autora vem actuando de má-fé, evitando a concretização do negócio.   
Isto é, invoca a ré/recorrente o preceituado no art.º 275º, nº 2, do CC que estabelece que a condição se tem por verificada quando a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa-fé.
Ora, mais uma vez a apontada questão, com todas as suas repercussões, não foi anteriormente suscitada no processo. Surge, pela primeira vez, apenas nas alegações do recurso de apelação, invocando a recorrente factos que igualmente não foram oportunamente aportados para os autos (só em sede de recurso veio a ré dizer que o projectado negócio de venda do empreendimento não se concretizou porquanto a autora vem agindo de má-fé com o propósito de evitar o pagamento da indemnização acordada).
É matéria que não foi colocada perante o tribunal recorrido, o competente para a apreciar, não tendo sido objecto da decisão recorrida. E, não sendo manifestamente de conhecimento oficioso, não pode esta Relação dela conhecer, como já vimos, por se tratar de questão nova.
Pelo exposto, não se conhece da apontada questão da verificação da condição suspensiva ao abrigo do nº 2, do art.º 275º, do CC, pelo que nenhuma censura pode merecer a decisão que julgou improcedente a reconvenção quanto aos peticionados valores de € 130.000,00 e de € 25.000,00.
Improcede, pois, também neste segmento o recurso da ré [conclusões 29ª a 48ª].

3.2.2. No que respeita ao recurso da autora:
3.2.2.1. Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão
A autora/recorrente veio arguir a nulidade da sentença recorrida, porquanto “desconsidera a omissão de entrega do empreendimento voluntária e culposa por parte da ré, que invoca o direito de retenção”; que “a ré, não entregando o empreendimento quando interpelada, deve ser condenada no pagamento de indemnização por acto ilícito, ao abrigo do artigo 1045º, em conjugação com os artigos 804º, n.º 2 e 805, n.º 2 alínea a), todos do Código Civil.” e “Há contradição desta conclusão com o teor da contestação e os documentos que se encontram juntos aos autos, nomeadamente, o direito de retenção que a ré invoca e o facto de ter sempre assumido, designadamente, perante as autoridades policiais, a posse do empreendimento e dos imóveis.”.
O tribunal a quo não proferiu despacho a pronunciar-se sobre a nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, nº 1 e 617º, nº 1 do NCPC.
Todavia, a omissão de despacho do tribunal a quo sobre a nulidade arguida não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito (vide nº 5, do referido art.º 617º, do NCPC), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, 6ª edição, p. 214.
Tendo presente a natureza das questões suscitadas e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
Vejamos, então, se assiste razão à recorrente/autora.
Importa começar por referir que as nulidades da sentença se encontram taxativamente previstas no art.º 615º, do NCPC e não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação em desconformidade com a lei.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º. Vide, entre muitos outros o ac. do STJ de 9.03.2022, relatado por Isaías Pádua, acessível in www.dgsi.pt.
Com interesse para a questão que nos ocupa, preceitua o art.º 615º, nº 1, al. c) do NCPC, que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”.
Decorre do 1º segmento de tal normativo, que o vício de nulidade da sentença - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.
Assim, e por outras palavras, só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto” (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 141). Ou melhor ainda, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.
Vício esse que poderá ainda ocorrer quando a decisão se mostre ininteligível por ser ambígua ou obscura (2º segmento do normativo).
O vício da ambiguidade ou obscuridade pressupõe inteligibilidade de uma decisão ou resposta, ou seja, que não pode, com segurança, determinar-se o sentido exacto dessa decisão ou resposta, quer porque não se mostra claramente expresso, quer porque contém em si mais do que um sentido.
Refira-se ainda que, como vem sendo dominantemente entendido, os factos e/ou respostas de que resultaram, só devem considerar-se contraditórios quando se mostrem absolutamente contraditórios entre si, de tal forma que não possam coexistir entre si, ou seja, quando se apresentem como um conteúdo logicamente incompatível, de tal modo que não possam subsistir entre si. [Vide, nesse sentido, por todos, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processos Civil, 6ª edição, p. 352; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, p. 735; Amâncio Ferreira, in Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, p. 56; e acs. do STJ de 16.11.2021, processo nº 2534/17.9T8SRTR.E2.S1, e de 8.10.2020, processo nº 361/14.4T8VLG.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt].
Ainda com particular interesse para o caso que nos ocupa, importa trazer aqui à colação os ensinamentos do esclarecido e esclarecedor ac. do STJ de 03.03.2021, relatado por Leonor Cruz Rodrigues (disponível em www.dgsi.pt), no qual se pode ler o seguinte:
III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”.
No mesmo sentido encontramos ainda os acs. do STJ de 18.01.2019, processo nº 25106/15.8T8LSB.L1.S1, de 31.01.2017, processo nº 820/07.5TBMCN.P1.S1 e 11.01.2018, processo nº 779/14.2TBEVR-A.E1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt. 
Tendo presente o que se deixou expendido, e na esteira de tal jurisprudência é de concluir pela manifesta improcedência da invocada contradição entre a decisão e determinada factualidade que o tribunal a quo alegadamente não tomou em consideração.
Não ocorre, portanto, a nulidade arguida, podendo eventualmente as “contradições” apontadas consubstanciar erros de julgamento - a apreciar infra.
E, tanto assim é que a própria recorrente, apesar de começar por invocar que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, acaba por, de forma incongruente, arguir que a sentença é nula.
Improcede, pois, nesta parte o recurso interposto pela autora [conclusões 9ª a 11ª].

3.2.2.2. Do erro de julgamento imputado à decisão de facto.
A autora veio defender ocorrer erro na decisão da matéria de facto, pretendendo que sejam dados como provados os factos constantes dos artigos 6º, 16º, 20º, 23º, 24º e 31º da petição inicial.
Cumpre, pois, decidir agora se a decisão deve ser alterada no sentido pugnado pela recorrente, averiguando, contudo, e previamente se nesta sede se a recorrente observou os ónus de impugnação que sobre si recaem (cfr. art.º 640º, do NCPC).
Para a apreciação desta pretensão importa, pois, ter presente os seguintes pressupostos:
Prescreve o art.º 639º do NCPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4. O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5. O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.

Por sua vez, dispõe o art.º 640º do NCPC que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido.» (assim, o ac. da RP de 17.03.2014, processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o ac. do STJ de 28.04.2014, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Não cumprindo o recorrente os ónus do art.º 640º, nº 1 do NCPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do NCPC (cfr. ac. da RG de 19.06.2014, processo nº 1458/10.5TBEPS.G1, in www.dgsi.pt).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no nº 1 do art.º 640º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do nº 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, ac. do STJ de 29.10.2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, também acessível in www.dgsi.pt).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. acs. do STJ, de 26.05.2015, processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, de 22.09.2015, processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, de 29-10-2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e de 19.01.2016, processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do nº 2 do art.º 640º do NCPC (neste sentido, ac. do STJ de 19.02.2015, processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova dos factos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. ac. do STJ de 28.05.2015, processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, também acessível in www.dgsi.pt).
Por outro lado, nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, acs. do STJ de 19.02.2015, processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 01.10.2015, processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 e de 11.02.2016, processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt e o ainda recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 12/2023, publicado no DR nº 220/2023, Série I, de 14.11.2023).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o ac. da RC de 15.09.2015, processo nº 6871/14.6T8CBR.C1, disponível in www.dgsi.pt), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. art.º 130º do NCPC).
Não obstante tudo o que deixamos dito, o tribunal de recurso não só pode, como deve sanar oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c) do NCPC.
Com efeito, na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do art.º 662º do NCPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão, levando, para tanto, em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, e conforme resulta do ponto 17 das conclusões de recurso da autora, a recorrente pretende que considere como provados os factos constantes dos artigos 6º, 16º, 20º, 23º, 24º e 31º da petição inicial.
Todavia, a recorrente não diz, nem requer que os mesmos sejam eliminados do elenco dos factos não provados. Veja-se que o tribunal incluiu tal factualidade – pelo menos parcialmente - na matéria de facto não provada (a matéria de facto alegada no art.º 6º, da petição inicial encontra-se parcialmente vertida na al. c) do elenco dos factos provados).
Acresce que, analisadas as alegações da autora/recorrente, considera-se ser manifesto que a mesma não satisfez o ónus impugnatório, uma vez que se limitou a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que impunham a inclusão de cada ponto da matéria facto em questão nos factos provados.
A recorrente limitou-se a afectuar, na motivação de recurso, breves e genéricas referências à prova produzida em sede de audiência de julgamento, aludindo – sem, contudo, os distinguir e concretizar - à existência de erros de julgamento quer na decisão de facto e de direito.
Na verdade, a recorrente cingiu-se nas respectivas alegações a invocar e descrever conclusões por si conjecturadas, como se as mesmas consubstanciassem prova produzida com valor absoluto desconsiderado pelo tribunal a quo.
Por conseguinte, a recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus expressamente consagrado no art.º 640º do NCPC.
O mesmo se diga quanto ao ónus de alegar e formular conclusões, conforme expressamente consagrado no art.º 639º do NCPC, uma vez que a recorrente não cumpre com a apreciação cabal da prova produzida, limitando-se a fazer, à mesma, referências genéricas; não dirigindo à mesma, tão pouco, qualquer interpretação concreta que permita concluir no sentido que pugna. Por outras palavras, a recorrente não apresenta qualquer fundamento e caminho lógico que permita a esta instância de recurso concluir por decisão contrária à proferida pelo tribunal a quo. Com efeito, a recorrente nada concretiza nas suas motivações, limitando-se a fazer juízos genéricos quanto à sentença proferida pelo tribunal recorrido. No fundo, limita-se a dizer que discorda.
Não há dúvidas, assim, que a recorrente não cumpre, no recurso por si interposto, os ónus que o legislador expressamente estabeleceu nos art.ºs 639º e 640º do NCPC, aplicável aos presentes autos, e cuja sua razão de ser é exactamente a de evitar que sejam admitidos recursos genéricos contra decisões proferidas – quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.
E, conforme já supra aludido, o tribunal não pode, sob pena de favorecimento de uma das partes, convidar ao aperfeiçoamento no que toca ao pedido de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto tem de ser rejeitada.
De todo o modo, sempre se dirá que tal reapreciação sempre se revelaria inútil.
Com efeito, a factualidade alegada nos artigos 6º e 31º, da petição inicial (estado e bens que compunham o estabelecimento comercial entregue à ré) na parte que se mostra relevante para a decisão da causa já se mostra vertida na matéria de facto provada, nomeadamente, na al. c) do elenco dos factos provados.
O mesmo se diga quanto ao alegado no artigo 24º, da petição inicial (no qual se diz que a ré permitiu que o empreendimento fosse alvo de vários roubos), pois, para além do que consta dos pontos r), s) e u) do elenco dos factos provados, afigura-se-nos que incumbia à ré demonstrar que a perda ou deterioração do locado se deveu a causa que não lhe é imputável e não à autora o inverso (cfr. art.º 1044º, do CC), como melhor veremos infra.
Refira-se também que, na economia da decisão, era igualmente à ré que incumbia demonstrar já ter entregue o empreendimento à autora - o que diga-se, não logrou fazer – sendo, pois, despiciendo apurar se a autora e/ou os chamados não têm acesso exclusivo ao empreendimento (como se diz no artigo 16º, da petição inicial).   
Por fim, quanto à materialidade (hipótese) dos artigos 20º e 23º da petição inicial (prejuízos que eventualmente possam ocorrer caso seja retirada a licença de funcionamento ao empreendimento turístico) trata-se de um mero juízo hipotético e não dos factos que o autorizam.
Com interesse para a decisão da causa, deveria ter sido alegado e demonstrado que foi de facto retirada a licença de funcionamento, e não foi.
Deste modo, sempre se mostraria absolutamente inconsequente o aditamento de tal factualidade ao elenco dos factos provados.
Concluindo, improcede na íntegra este segmento do recurso interposto pela autora.
3.2.2.3. Da reapreciação da decisão de direito
i. quanto à decisão proferida relativamente à impossibilidade de entrega do estabelecimento comercial:
Entende a autora que a ré deveria ter sido condenada na entrega do empreendimento turístico devoluto (?) e com todos os móveis, equipamentos e utensílios que o integram, pois tem a autora direito a receber indemnização pela não entrega a partir do momento em que o contrato cessou.
Como vimos, o contrato de locação em apreço caducou por perda do estabelecimento comercial objecto do mesmo.
Ora, é entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, no ac. proferido em 07.07.2009 no âmbito do processo n.º 360/09.8YFLSB, disponível in www.dgsi.pt, e que merece a nossa inteira adesão, que “Este caso de caducidade não configura, no rigor dos termos, um caso de caducidade em sentido estrito, mas antes um caso de extinção da obrigação assumida pelo locador de proporcionar ao locatário o gozo da coisa, por impossibilidade superveniente quanto ao objecto do litígio. (…) É que se o contrato finda e a coisa locada continua a existir, compreende-se bem o regime sancionatório do artigo 1045.º. Não assim se o contrato finda pela singela razão de que a coisa, objecto do contrato, se perdeu. Ali, extinta a relação contratual, justifica-se a aplicação de tal regime em homenagem ao equilíbrio prestacional que a norteou; aqui, o contrato findou, é certo, mas não há nada a liquidar, já que a coisa se perdeu e, portanto, deixou de haver qualquer possibilidade de gozo (…) Daí que o artigo 1053.º do Código Civil se deva interpretar de modo hábil, excluindo da sua previsão, o caso de o arrendamento ter caducado por perda da coisa, pois que não faria qualquer sentido a imposição de entrega da coisa que…deixou de existir.”, concluindo que “o preceituado no artigo 1045.º do Código Civil é inaplicável aos casos de caducidade do arrendamento por perda da coisa locada”.
Com efeito e como também se diz no ac. desta Relação de Guimarães de 9.11.2017, relatado por Eva Almeida e acessível in www.dgsi.pt: “fundando-se a cessação do contrato em perda da coisa locada, a lei nem sequer prevê para esta hipótese qualquer obrigação de entrega, mas apenas para os demais casos em que, apesar da caducidade do contrato (por outras causas) a coisa arrendada continua a existir.
Não tem aqui aplicação o disposto no art.º 1045º do CC (indemnização pelo atraso na restituição da coisa) uma vez que a coisa objecto do arrendamento já não existe, pelo menos enquanto bem susceptível de gozo.”.
Deste modo, e porquanto o estabelecimento comercial se perdeu, já não pode ser ordenada a sua entrega, como concluiu o tribunal recorrido (e consequentemente não pode ser configurada qualquer indemnização pelo atraso na sua entrega), não havendo que introduzir qualquer alteração a este segmento da decisão recorrida. 
ii. quanto à decisão que julgou improcedente a atribuição de indemnização pelos danos ocorridos no empreendimento e no prédio. 
Diverge, por último, a autora do segmento da sentença que não lhe reconheceu o direito de ser indemnizada pelos danos ocorridos no empreendimento e no prédio onde o estabelecimento comercial se encontrava instalado; argumentando que a ré não logrou afastar a sua responsabilidade pela perda da coisa de acordo com a disciplina do art.º 1044º, do CC.
Segundo o art.º 1043º, nº 1, do CC, “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.”
A salvaguarda da coisa, como afirma Menezes Cordeiro, “está a cargo do locatário (…) uma vez que, na generalidade das locações, o locatário fica com o controlo material da coisa, só ele pode protege-la e usá-la de modo adequado. (…) Os riscos inerentes ao gozo da coisa situam-se na esfera do locatário. Assim, a responsabilidade de reparar os danos, causados por assalto, num edifício arrendado para comércio, cabe ao comerciante-inquilino e não ao proprietário-senhorio.” [in, Leis do Arrendamento Urbano anotadas, 2014, p. 78].
Ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, incumbe ao locatário manter a coisa no estado em que a recebeu o que implica, para si, não só o dever de fazer dela um uso prudente em vista dos fins a que se destina, como a guardá-la e vigiá-la, por forma a zelar pela sua manutenção a fim de a restituir no estado em que a recebeu.
As deteriorações da coisa inerentes ao risco da sua utilização inserem-se, como é evidente, no âmbito dos deveres de manutenção da coisa que incumbem ao locatário e, assim, é ele o responsável pela reparação.
Com efeito, como resulta do art.º 1044º, do CC, o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.
À semelhança do que se estabelece para o devedor inadimplente (art.º 799 do CC) a norma estabelece uma presunção de culpa do locatário por perdas e deteriorações da coisa que, objectivamente, não resultem de deteriorações inerentes a uma prudente utilização, o que significa que incumbe ao locatário demonstrar, nas configuradas situações, que a perda ou deterioração da coisa não procede de culpa sua (nem de terceiro a quem tenha permitido a utilização desta).
Mas assim sendo, afigura-se-nos que não basta afirmar que uma determinada deterioração da coisa foi causada por terceiros desconhecidos para necessariamente se concluir que não é imputável ao locatário (como defendeu a ré).
Concorda-se, por isso, com entendimento propugnado no ac. da RE de 19.11.2020, relatado por Francisco Matos e acessível in www.dgsi.pt, quando afirma que a norma tem em vista a causalidade normativa, não a causalidade natural, a deterioração da coisa é imputável ao locatário quando resulte de acção ou omissão sua, ou seja, é-lhe imputável quando directamente causada por ele mas também quando resulte de violação de deveres inerentes à sua posição jurídica, como ocorre, v.g., com a inobservância dos deveres de vigilância da coisa.
Na verdade, “defender o oposto implicaria esvaziar de conteúdo a obrigação de manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, uma vez que, deixando de vigiar a coisa ou, no limite, abandonando-a nunca seria responsável por deterioração dela, necessariamente, causadas por terceiros.
A salvaguarda da coisa, repete-se, constitui encargo do locatário, o que significa que a vandalização da coisa, por terceiros, representa uma (presumida) violação dos seus deveres de vigilância que lhe incumbe ilidir, por forma a afastar a sua responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa que não resultem de uma prudente utilização, sem prejuízo do direito de acção contra os terceiros responsáveis.”.
Isto posto, e voltando ao caso que nos ocupa, afigura-se-nos que tem razão a apelante quando afirma que a ré não logrou ilidir a presunção estabelecida no aludido art.º 1044º, do CC, não sendo minimamente suficiente para concluir pelo cumprimento dos deveres de vigilância que incumbiam à ré, ter-se apurado que o gerente desta participou às autoridades por diversas vezes a ocorrência dos assaltos ao estabelecimento.
Note-se que, como salientamos supra, ficou provado terem as partes acordado que enquanto o empreendimento não fosse vendido a terceiro o contrato se mantinha plenamente válido e eficaz.
Deste modo, mantendo-se tal contrato em vigor, mantinha-se a ré sujeita a tais deveres de vigilância, deveres que impunham, no caso, que a mesma tivesse adoptado medidas de vigilância efectivas que prevenissem ou ao menos mitigassem a possibilidade de assaltos ao local e sobretudo que não permitissem o grau de destruição do estabelecimento que se veio a verificar, com o desaparecimento de todos os móveis que o compunham.    
Neste conspecto, afigura-se-nos ser inexorável concluir pela procedência do recurso da autora nesta parte, revogando-se parcialmente a decisão recorrida e condenando-se a ré a indemnizar a autora pelos danos sofridos no empreendimento turístico e no prédio onde o mesmo se encontrava instalado, a liquidar posteriormente (cfr. art.º 609º, nº 2, do NCPC).
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As custas do recurso interposto pela ré são da responsabilidade daquela recorrente atento o seu integral decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
As custas do recurso interposto pela autora da acção ficam a cargo da autora e da ré, provisoriamente, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente, ficando o seu rateio definitivo para a decisão a proferir na liquidação (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:
A - Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela ré;
As custas do recurso da ré ficam a cargo desta.
B - Julgar parcialmente procedente o recurso da autora e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando-se a ré a indemnizar a autora pelos danos sofridos no empreendimento turístico e no prédio onde o mesmo se encontrava instalado, em quantia a liquidar posteriormente (cfr. art.º 609º, nº 2, do NCPC);
mantendo-se no mais a sentença recorrida.
As custas do recurso interposto pela autora da acção ficam a cargo da autora e da ré, provisoriamente, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente, ficando o seu rateio definitivo para a decisão a proferir na liquidação (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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Guimarães, 20.06.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Raquel Baptista Tavares