Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO NULIDADE PROCESSUAL REGIME DE ARGUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REJEITADO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. O despacho inicial do relator, que admita tabelarmente um recurso de apelação interposto, não faz caso julgado, permitindo depois a sua alteração posterior, em sede de acórdão, proferido pelo colectivo de juízes de que faça parte. II. Arguida a nulidade (por falta de fundamentação) de despacho inicial de dispensa de contraditório prévio em sede de providencia cautelar, e sendo a mesma apreciada, reconhecida e suprida pelo Tribunal que o proferira, o referido despacho deixou de existir na sua versão original; e passou a constar dos autos com a fundamentação que lhe foi aditada pelo suprimento (de nulidade) realizado. III. Vindo depois o requerido (na providência cautelar) interpor recurso do despacho que dispensara o seu contraditório prévio (defendendo de novo a sua absoluta falta de fundamentação), e tomando com objecto da sua sindicância, não a versão devidamente completada daquele despacho (por supressão da nulidade de falta de fundamentação nele antes registada), única subsistente nos autos, mas sim a respectiva versão inicial, já não existente nos mesmos, não tem o seu recurso objecto. IV. O despacho de dispensa de contraditório prévio em sede de providência cautelar não se integra em qualquer uma das hipóteses de apelação autónoma, previstas no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 644.º do CPC, devendo ser impugnado com o recurso da decisão final (ou a que julgou a providência cautelar procedente, ou a depois proferida na sequência de oposição deduzida). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ... (aqui Requerente), propôs um procedimento cautelar de embargo de obra nova, contra EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ..., em ... (aqui Requerida), pedindo que · fosse ratificado o embargo de obra nova por si realizado em 12 de Agosto de 2024 e, em consequência, fosse ordenado à Requerida a suspensão imediata das obras que se encontra a realizar sobre parcela de prédio seu e a restituição do mesmo no preciso estado em que se encontrava em momento anterior a elas (com a consequente reposição da vedação delimitadora da sua propriedade); · fosse a Requerida condenada numa sanção pecuniária compulsória (destinada em partes iguais ao Estado e a si próprio), pela violação, entrada ou realização de qualquer trabalho na dita parcela de terreno, de montante não inferior a € 20.000,00 por cada dia em que tal suceda; · e fosse a providência cautelar decretada com dispensa do contraditório da Requerida. Alegou para o efeito, em síntese, que sendo proprietário de um prédio urbano com logradouro (por o ter adquirido por doação e por usucapião), a Requerida (EMP01..., S.A.) incluiu uma parcela dele (de 2.800 m2) num projecto urbanístico de vários milhões de euros, que promove (por pretensamente integrar propriedade sua e não dele próprio). Mais alegou que, na execução do dito projecto urbanístico (incluindo operações de desmatação, movimentação de terras e edificação de pavilhões industriais), entre 8 e 12 de Agosto de 2024 a Requerida (EMP01..., S.A.) derrubou a vedação instalada por si próprio e ocupou uma parcela de cerca de 500 m2 do seu prédio, desmatou o local, instalou um poste de telecomunicações, e procedeu a operações de aterro e compactação do pavimento com saibro e terra, com a constante passagem de escavadores e cilindros. Alegou ainda que, no dia 12 de Agosto de 2024, conjuntamente com três testemunhas, procedeu ao embargo extrajudicial da obra, que na parte executada já alterou a configuração do seu próprio prédio (conforme melhor discriminou), receando ainda o acentuar dessa alteração caso a execução do projecto urbanístico da Requerida (EMP01..., S.A.) aí prossiga (discriminando igualmente os termos dessa projectada alteração); e ter a Requerida desrespeitado o embargo extrajudicial de obra nova realizado, retomando a execução desta logo no dia seguinte. Por fim, alegou que, representando o investimento da Requerida (EMP01..., S.A.) milhões de euros, e sendo infungível o seu respeito pelo embargo extrajudicial realizado e pela ratificação judicial respectiva pretendida, justificar-se a sua condenação na sanção pecuniária compulsória impetrada. Já relativamente ao pedido de dispensa de contraditório da Requerida (EMP01..., S.A.), alegou existir um sério risco de a obra ficar concluída antes do eventual decretamento da providência, nomeadamente pela maior rapidez que aquela (conhecedora da providência) lhe imprima, face à imensa capacidade económica de que dispõe e ao volume dos interesses que prossegue no local. 1.1.2. Foi proferido despacho, designando dia para produção da prova arrolada e dispensando o contraditório prévio da Requerida (EMP01..., S.A.), lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Para a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio, designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14 h. Notifique e não sendo suscitados impedimentos legais, em 2 dias, insira na agenda electrónica. (…)» 1.1.3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando procedente o procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Dos factos provados, resulta, sem qualquer dúvida para o Tribunal, a ofensa ao direito de propriedade causado pelo trabalho de desmatação do local, instalação de um poste de telecomunicações, operações de aterro e compactação de pavimento com saibro e terra, com a constante passagem de escavadores e cilindros, sendo causador de danos na sua propriedade. Do exposto resulta que estão preenchidos os requisitos assinalados, devendo a providência proceder. (…) Atendendo a que a sanção pecuniária compulsória visa reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas decisões e o prestígio da justiça e, também, favorecer a execução específica das obrigações de prestação de facto, tem de ser fixada num montante que pressione o requerido, neste caso uma imobiliária e construtora civil de ..., de grandes dimensões, a imediatamente parar a construção em causa, sob pena de o estrago cometido não poder ser ressarcido. Obviamente, sendo uma sanção que visa pressionar o devedor a cumprir e satisfazer ao credor aquilo em que foi condenado em sentença visando, também, preservar a autoridade dos tribunais donde a condenação emanou, decide-se face aos factos provados e às partes em confronto, bem como ao facto de nem os embargos da Câmara Municipal ..., estarem a ser respeitados, fixar a peticionada sanção compulsória em €5.000,00 por dia. O efeito visado só será conseguido caso, o mesmo, vigore ininterruptamente desde o dia em que o devedor entre em incumprimento até que satisfaça a obrigação em que foi condenado. III. Dispositivo Face ao exposto, julgo o procedimento cautelar intentado contra EMP01..., S.A., NIPC ...86. procedente, ratificando-se, em consequência o embargo extrajudicial realizado pelo requerente AA, determinando-se a imediata suspensão das obras realizadas no prédio urbano do prédio urbano correspondente a casa de habitação e lavoura com três divisões no ... e duas no ... andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81.º, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º da União de Freguesias ..., ... e ... do concelho .... Mais se determina que a Ré deve abster-se de praticar qualquer acto, por si ou por terceira pessoa, que possa bulir ou contender com o prédio referido nomeadamente, não trespassar os limites da propriedade tal como delimitados com a vedação e o acesso à estrada, não proceder a qualquer operação de desmatação ou movimentação de terras e não proceder ao desmantelamento ou demolição das estruturas urbanas existentes no prédio urbano, nem implantar nada no referido prédio, nos termos do embargo extrajudicial de 12 de agosto de 2024. Quanto à sanção pecuniária compulsória fixa-se a mesma em €5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento. Custas pelo Requerente, sem prejuízo da decisão final, existindo oposição. Valor do procedimento: €26.268,00. Registe e notifique a requerida, cumprindo-se o contraditório. (…)» 1.1.4. Regularmente citada, a Requerida (EMP01..., S.A.) deduziu oposição, pedindo que: o procedimento cautelar fosse julgado totalmente improcedente, por não provado; subsidiariamente, lhe fosse concedida autorização para continuar com a obra mediante a prestação de caução (de valor a determinar pelo tribunal e em prazo a conceder por ele); subsidiariamente, fosse reduzida a sanção pecuniária compulsória para € 50,00 por dia. Alegou para o efeito, em síntese e exclusivamente no que interessa ao recurso em apreciação, ser o despacho de dispensa de contraditório prévio nulo, por falta de fundamentação; e essa nulidade afectar todos os actos subsequente dos autos (nomeadamente a sentença proferida), requerendo esse decretamento. 1.1.5. Foi proferido despacho, apreciando a arguição de nulidade feita, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Cumpre decidir: Efectivamente este Tribunal consignou: “Para a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14h. Notifique e não sendo suscitados impedimentos legais, em 2 dias, insira na agenda electrónica”. Deveria ter feito constar, no que agora se supre, que tal dispensa do contraditório foi motivada pelos factos aduzidos, na petição inicial nos seguintes termos: “Considerando a factualidade exposta, entende o requerente que a providência cautelar deverá ser decretada sem realização do contraditório da requerida, nos termos do disposto no artigo 366º n.º 1, ex vi artigo 376º n.º 1 do Código de Processo Civil. O referido preceito legal contempla que “o tribunal ouve o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”. Ora, No caso concreto, o decurso de tempo entre o conhecimento da pretensão da requerente, a eventual audição da requerida e a decisão de mérito constitui uma probabilidade séria da perda de utilidade da providência cautelar. Ainda que o procedimento cautelar apresente um carácter urgente e, por isso, imponha uma tramitação célere sempre decorrerá um lapso temporal suficiente para colocar em causa o fim da providência requerida. Correndo-se o sério risco de a obra ficar concluída antes do eventual decretamento da providência. Para tanto deverá salientar-se que a execução da obra já decorre há alguns dias. E, portanto, os trabalhos já visam construir as fundações de uma edificação. Além de que é de conjecturar que a requerida, ao tomar conhecimento do procedimento cautelar que corre contra ele, providencie no sentido de os trabalhos na obra serem realizados com maior rapidez. Reunindo esforços, humanos e materiais, para que seja possível antecipar a data de conclusão da obra. Nesse sentido, veja-se o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04 de Dezembro de 2007, no processo 1783/07.2TBCBR.C1, relator Ferreira de Barros (disponível em www.dgsi.pt): “O contraditório só deve ser dispensado quando a audiência do requerido puser em sério risco o fim ou a eficácia da providência, e tal se compreende porque a audiência retarda o decretamento da providência, potencia o periculum in mora, eliminando a audiência o efeito surpresa da medida, bem podendo o requerido, nesse interim, agir por forma a inutilizar todo o interesse da medida cautelar”. Constituindo uma possibilidade com grau elevado de concretização que a Requerente nem provisoriamente consigam salvaguardar o direito que reclamam. Por essa razão, e tendo em vista acautelar a posição da Requerente, a suspensão da obra deverá ser imediata. Desta feita, deverá o embargo de obra nova ser decretado relegando para momento posterior o contraditório do Requerido, de acordo com o disposto no artigo 372º do Código de Processo Civil”. Assim, e considerando-se que atentos os factos aduzidos e que levaram à decisão de dispensa do contraditório, o nosso despacho enferma apenas de lapso, que se corrige: “Para a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio, atentos os factos aduzidos na petição inicial, designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14h. Notifique e não sendo suscitados impedimentos legais, em 2 dias, insira na agenda electrónica”. Desta forma e não constatada a nulidade invocada, prosseguirão os autos para a apreciação da prova suscitada pela requerida. Para a audição da prova testemunhal apresentada, no sentido de aferir dos pedidos formulados na oposição designa-se o dia 13 de Novembro deste ano, pelas 14h. Notifique e não sendo suscitados impedimentos legais, em 5 dias insira na agenda electrónica. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Requerida (EMP01..., S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente, declarando-se a nulidade de todo o processado a partir do requerimento inicial (designadamente da sentença, afectada por nulidade intrínseca). Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): I. Insurge-se a Recorrente contra o despacho que dispensou o seu contraditório prévio, o qual é datado de 30-08-2024 e que tem o seguinte teor: “Para a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14h…”. II. A providência cautelar em causa é a ratificação de embargo extrajudicial, a qual veio a ser ratificada sem o contraditório prévio da Requerida, ora recorrente. III. Nos procedimentos cautelares impõe-se, como regra, o contraditório do requerido antes de decretamento da providência, exceto no âmbito dos procedimentos em que a lei o dispensa. IV. O art.º 366º nº 1, em consonância com o art.º 3º nº 3 CPC, impõe a regra da audição prévia do Requerido, que só poderá ser postergada se e quando a sua observância colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência, não bastando, portanto, um qualquer vislumbrado risco, tem de ser um risco sério, manifesto, anormal, incomum. V. O vicio de falta de fundamentação NÃO É UM LAPSO, antes, um vício cominado com a nulidade e que não pode ser corrigido após a sentença ter sido proferida. VI. O despacho em que se dispense a audição prévia do requerido tem de ser fundamentado, impondo-se ao juiz uma ponderação casuística sobre a repercussão da citação prévia na eficácia ou utilidade da providência e uma pronúncia expressa de acordo com a avaliação que faça, só sendo legítima a dispensa do contraditório prévio se as circunstâncias do caso permitirem sustentar, em factos concretos decorrentes do requerimento inicial, a avaliação de que está iminente a lesão do direito pretendido acautelar não se compadecendo o perigo da verificação dessa lesão com a dilação inerente à observância do contraditório, ou se permitirem sustentar a avaliação de que o conhecimento prévio do procedimento cautelar permitirá ao requerido actuar de molde a, seriamente, afectar o efeito prático ou a utilidade da medida cautelar solicitada, devendo ainda o juiz sopesar o eventual desequilíbrio que possa advir da concessão de uma tutela que, embora provisória, produz efeitos que podem ser irreversíveis. VII. O princípio do contraditório é uma pedra basilar do processo civil, não consistindo numa mera formalidade destinada a dar a conhecer ao demandado que contra ele foi deduzida uma determinada pretensão e de que dispõe do direito de defesa; o próprio momento em que lhe é facultado este direito pode ser determinante para o desenvolvimento e desfecho da lide, por lhe proporcionar, ou não, desde início apresentar as suas razões e elementos de prova antes de ser proferida qualquer decisão, desse modo podendo influenciar o sentido desta. VIII. Nos presentes autos, o tribunal a quo decidiu dispensar o contraditório prévio da Recorrente, sem que tenha fundamentado essa decisão. IX. A inobservância do contraditório ou da audiência do requerido deve constar sempre de despacho fundamentado, sendo a sua omissão cominada com a nulidade, cuja verificação se requer (cfr. art.º 195º nº 1 CPC). * 1.2.2. Contra-alegações O Requerente (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a decisão recorrida. Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): I. Inexiste qualquer vício que coloque em crise toda a tramitação processual. II. O despacho de 30.10.2024 contem a fundamentação bastante e necessária para justificar a pertinente e necessária dispensa do contraditório da Requerida, na medida em que tal inquirição poderia colocar em causa a eficácia da providência. III. A Recorrente visa apenas obter o atraso no processo, pois que como demonstra a sucessão de factos entretanto ocorrida, com ou sem ratificação judicial do embargo realizado a 12.08.2024, os trabalhos prosseguiram em claro prejuízo do Recorrido e do seu direito de propriedade, com todos os transtornos e incómodos que isso acarreta. IV. Inexistiu qualquer violação do direito ao contraditório por parte da Recorrente, cuja dispensa era e foi não só legítima como em tempo fundamentada, tanto mais que o direito de exercer o contraditório foi já exercido em toda a sua plenitude, conforme a oposição já apresentada, encontrando-se o processo a seguir a sua marcha processual em temos normais. V. Resulta manifesta a fundamentação cuidada do despacho, com explicitação motivada do entendimento pelo qual foi dispensada a audiência prévia e consequente contraditório da Requerida, aqui recorrente. * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aqui aplicáveis ex vi do art.º 17.º, do CIRE), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e do art.º 17.º, do CIRE) [1]. Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar2.2.1. Identificação das questões Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Requerida (EMP01..., S.A.), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, ao não declarar a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que dispensou o contraditório prévio da Requerida (EMP01..., S.A.) e, consequentemente, de todo o processado desde então ? * 2.2.2. Questão prévia - Admissibilidade do recurso (face ao teor do despacho dele objecto e/ou ao momento em que foi interposto)Contudo, e não obstante a prévia admissão do recurso em causa por despacho da Relatora, suscita-se agora, na conferência de juízes que constituem este Tribunal ad quem, a questão da sua inadmissibilidade, face ao teor do despacho dele objecto e/ou do momento em que foi interposto. Com efeito, lê-se no art.º 641.º do CPC que, findo «os prazos concedidos às partes» para alegarem e contra-alegarem, «o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar» (n.º 1); e o «requerimento [de interposição de recurso] é indeferido quando» se «entenda que a decisão não admite recurso» (n.º 2). Logo, compete ao juiz a quo emitir despacho sobre o requerimento de interposição de recurso, nomeadamente conhecendo, ainda que de forma oficiosa, as questões ligadas à sua admissibilidade, onde se inclui a recorribilidade da decisão impugnada. Mais se lê, no n.º 5 do art.º 641º citado, que a «decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior». Compreende-se, por isso, que se leia, no art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, que o juiz [do tribunal ad quem] a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente verificar «se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso». Logo, a «decisão de admissão do recurso não é definitiva, tal como não são definitivas as decisões a fixar a espécie do recurso e a determinar o efeito que lhe compete. Tais decisões não são susceptíveis de impugnação por recurso, mas o tribunal ad quem pode decidir não conhecer do recurso, (…) ou alterar o efeito, uma vez que não esta vinculado pela decisão do tribunal a quo» (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 69). Contudo, é ainda pacífico (na doutrina e na jurisprudência) que a «apreciação genérica e tabelar de aspectos formais relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso não produz efeitos de caso julgado formal, não precludindo a possibilidade de posterior pronúncia de sentido diverso, sejam por iniciativa do próprio relator, seja por sugestão dos adjuntos. Por exemplo, o facto de o relator ter declarado na intervenção liminar que não se verificavam obstáculos à admissibilidade do recurso não impede que posteriormente se inverta o sentido da decisão, concluindo que obsta ao prosseguimento do recurso o facto de a acção ter um valor inferior ao da alçada do tribunal ou de o recorrente não ter a posição de vencido» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 187 ) [3]. Importa então, e de forma prévia a qualquer outra, apreciar e decidir em conferência a admissibilidade, ou inadmissibilidade, do recurso interposto. * III - QUESTÃO PRÉVIA - (IN)ADMISSIBILIDADE DO RECURSO3.1. Despacho a dispensar o contraditório prévio (em providência cautelar) - Fundamentação 3.1.1. Exigência de fundamentação de decisões judiciais Lê-se no art.º 154.º, do CPC que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas» (n.º 1), sendo que a «justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2). Mais se lê, no art.º 205.º, n.º 1, da CRP, que as «decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Consagra-se, assim, a obrigação do juiz fundamentar as suas decisões. Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [4]. Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. «A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1). Compreende-se, assim, que se leia no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é «nula a sentença quando» não «especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», disciplina que o art.º 613.º, n.º 3, estende, «com as necessárias adaptações», aos próprios despachos [5]. Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido (quer pela doutrina, quer pela jurisprudência) que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [6]. Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140). A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1). * 3.1.2. Dispensa de contraditório prévio em providência cautelarLê-se no art.º 366.º, n.º 1, do CPC que o «tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência» cautelar intentada contra ele pelo requerente». Logo, a regra dos procedimentos cautelares é a da audiência da parte contrária, previamente à prolacção de qualquer decisão [7]; e à semelhança de todo o demais processo civil português, que tem no princípio do contraditório um dos seus principais princípios enformadores [8]. Dir-se-á que «a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a parcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, carregando o quadro com as cores luminosas do seu alegado direito e com as cores negras do “periculum in mora”. A sua posição de parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 160). Compreende-se, por isso, que se afirme que «o contraditório diferido é, na realidade um contraditório inexoravelmente “defeituoso”, na justa medida em que não permite ao requerido um contraditório pleno, nos moldes em que lhe seria possível exercer ao abrigo do disposto nos artigos 366º e 367º do Código de Processo Civil», alterando o «equilíbrio das partes (…), quer ao nível dos meios de reação, quer dos meios de prova e das condições da respetiva produção», com reflexos nas «condições em que se realiza a primeira audiência com aquelas em que se realiza a segunda», isto é, depois de deduzida oposição (Ac. da RL, de 20.06.2018, Ana Isabel Mascarenhas Pessoa, Processo n.º 298/16.2T8FNC-D.L1-1) [9]. Mais se dirá que, no caso da providência cautelar especificada de embargo de obra nova (prevista nos art.ºs. 397º a 402.º, do CPC), se reafirma a regra geral: a lei não prevê a possibilidade do seu decretamento sem audição da parte contrária. * Assim para que possa ser dispensada a audiência prévia do requerido, e de acordo com o critério legal, importa que a sua audiência ponha «em risco sério o fim ou a eficácia da providência».Particularizando este «risco sério», terá o mesmo que ser aferido em função de um critério objectivo (não bastando para o efeito um simples temor do requerente, não suficientemente concretizado em factos) [10], considerando-se para o efeito não apenas os efeitos jurídicos derivados do eventual decretamento da providência, como ainda os seus efeitos práticos, «que dependem em grande parte da celeridade que deve imprimir-se ao procedimento cautelar, da urgência com que devem ser tomadas determinadas medidas e do efeito surpresa que, por vezes, é necessário para acautelar efectivamente os interesses prosseguidos pelo requerente» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 163) [11]. Compreende-se, por isso, que se afirme que, quando a providência se destine a evitar uma lesão e a apreciação objetiva do circunstancialismo determine a inadmissibilidade de qualquer dilação, o juiz deve dispensar a audiência do requerido, valorizando o “fim” da providência (razoes objetivas). O fator de “eficácia” poderá ligar-se preferencialmente a razões de ordem subjetiva inerentes à pessoa do requerido, à semelhança do que ocorre com o arresto». Logo, há que aferir se a audiência prévia do requerido, eliminando o efeito surpresa da medida cautelar, permitirá àquele, nesse ínterim, agir por forma a inutilizar todo o interesse da medida cautela» (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 426, com bold apócrifo) [12]. * Dir-se-á por fim, e de forma conforme com o referido antes, que «a decisão sobre a dispensa ou não do contraditório não constitui um reflexo de um poder discricionário (art.º 152º, nº 4), antes correspondendo ao exercício de um poder vinculado, pelo que deve ser fundamentada (art.º 154.º, n.º 1)» (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 426, com bold apócrifo) [13].* 3.1.3. Arguição de nulidades Lê-se no art.º 195.º, n.º 1, do CPC, que, fora «dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa». Está-se aqui perante a nulidade processual ou nulidade de procedimento (por contraposição à nulidade de julgamento), que se verifica quando existe um desvio entre o formalismo determinado na lei e o formalismo seguido nos autos, ao qual aquela faça corresponder - embora de modo não expresso - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais [14]. Precisa-se ainda que «nos artigos anteriores» (art.ºs 186.º a 194.º) se prevê a ineptidão da petição inicial, a falta e a nulidade da citação, o erro na forma de processo e a falta de vista ou exame ao Ministério Público, que consubstanciam nulidades principais. Ora, estas outras previstas no art.º 195.º, do CPC, consubstanciam nulidades secundárias; e têm o seu regime inspirado, nos vários aspectos em que se desdobra, no princípio de economia processual [15]. Compreende-se, por isso, que: · a nulidade de um acto só implicará a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente, e não de quaisquer outros (art.º 195.º, n.º 2, I parte, do CPC); se um acto for nulo apenas numa das suas partes, as partes restantes que dela não dependam, manterão a sua validade (art.º 195.º, n.º 2, II parte, do CPC); se o vício do acto apenas impedir a produção de determinados efeitos, não serão afectados os restantes efeitos para que o acto seja apto (art.º 195.º, n.º 3, do CPC); · a apreciação e o julgamento das nulidades depende da respectiva invocação por parte do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto, não podendo porém argui-la a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à sua arguição (art.ºs. 196.º, II parte, e 197.º, do CPC); · esta arguição terá de ser feita nos prazos previstos nos art.ºs 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, do CPC, isto é, estando a parte presente, por si ou por mandatário, terão de o ser no momento em que forem cometidas, embora até ao acto em causa terminar; e, não estando presente, terão de ser arguidas no prazo regra de dez dias, contados do momento em que intervenha no processo, ou seja notificada para qualquer termo do mesmo, sendo que neste último caso apenas quando se possa presumir que tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. · para a apreciação das nulidades é competente o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da reclamação (art.ºs 196.º, 199.º, n.º 3, a contrario, e 200.º, do CPC), sendo julgadas logo que apresentada a reclamação (art.º 200.º, n.º 3, do CPC); mas se entretanto «o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão» [16]. Do exposto resulta que uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa (repete-se, erro de procedimento que não de erro de julgamento), ou que a lei expressamente comine com a nulidade, tem um regime próprio de arguição, não podendo ser impugnada através de recurso. Assim, deve a parte reclamar (arguir a nulidade), possibilitando ao juiz a sua sanação, e não reagir através da interposição de recurso (o que se traduz pela máxima «dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se») [17]. Logo, a reclamação por nulidade e a impugnação por recurso articulam-se de harmonia com o princípio da subsidiariedade [18]: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia de reclamação; e, por isso, o que pode ser impugnado por via de recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade (e não a nulidade ela mesma) [19]. Compreende-se, assim, que a perda do direito à impugnação por via de reclamação importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso [20]. Contudo, diferente situação ocorre: quando se trata de nulidades de conhecimento oficioso (pois que estas «constituem sempre objecto implícito do recurso», podendo «ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido» [21]); nos casos relativos às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior (conforme art.º 199.º, n.º 3, do CPC); e nos casos em que o juiz, ao proferir a sentença/decisão, omite formalidade de cumprimento obrigatório, designadamente o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, afigurando-se nestes casos («num campo do direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais») em que o juiz, ao proferir decisão, «se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei», dever a parte a parte interessada reagir através da interposição de recurso sustentando nulidade da própria decisão, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, d), do CPC [22]. * 3.1.4. Recurso de apelação Lê-se no art.º 627.º, do CPC, que as «decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos» (n.º 1), nomeadamente o recurso ordinário de apelação (n.º 2). Logo, o ponto de partida do recurso é sempre uma decisão judicial que recaiu sobre determinada(s) questão(ões), em regra posta previamente à apreciação do tribunal por uma das partes e sobre a qual a outra tenha exercido o seu direito de contraditório; e pretende-se com ele permitir que um tribunal hierarquicamente superior repondere a decisão recorrida, por forma a mantê-la, alterá-la ou revogá-la [23]. Particularizando, no que ao recurso de apelação diz respeito, lê-se no art.º 644.º, n.º 1, do CPC que cabe o mesmo: «a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautela ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos». Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que cabe «ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) Da decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos expressamente previstos na lei». Lê-se ainda, no referido art.º 644.º, que as «restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1» (n.º 3), sendo que, se «não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor apos o trânsito da referida decisão» (n.º 4). Precisando apenas o disposto na al. h), do n.º 2, do art.º 644.º citado («decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil»), dir-se-á que a inutilidade que a lei aqui pretende evitar é do próprio recurso, e não de actos do processo. Com efeito, o «advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador (…). Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 159-160, com bold apócrifo). Logo, o «recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à retenção já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, incluindo o do julgamento, por ser isso um risco próprio ou normal dos recursos diferidos» (Ac. do STA, de 17.12.1974, in Acórdãos Doutrinais Do STA, 160º-557, com bold apócrifo). Compreende-se, por isso, que se afirme que a inutilidade prevista na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC «verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. Ac. RC - 5/5/1981, BMJ 310, 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. Ac. RL – 29/11/1994, BMJ 441, 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (Ac. RL - 30/6/1992, CJ 92/3, 254)» (Ac. da RC, de 12.01.2010, Artur Dias, Processo n.º 102/08.5TBCDN-A.C1) [24]. * 3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)3.2.1. Inadmissibilidade do recurso face ao seu objecto Concretizando, verifica-se que, tendo o Requerente (AA) intentado uma providência cautelar especificada de embargo de obra nova (no caso, de ratificação de embargo extrajudicial já realizado), pediu desde logo que o mesmo fosse realizado sem a prévia audição da Requerida (EMP01..., S.A.), por existir um sério risco da obra embargada por ele próprio ficar concluída antes do eventual decretamento da providência, nomeadamente pela maior rapidez que aquela (conhecedora dela) lhe imprimisse, face à imensa capacidade económica de que dispõe e ao volume dos interesses que prossegue no local. Verifica-se ainda que o despacho inicial referido, designando dia para produção da prova arrolada e dispensando o contraditório prévio da Requerida (EMP01..., S.A.), nada referiu quanto aos fundamentos desta dispensa, lendo-se singelamente no mesmo que para «a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio, designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14 h». Ora, face ao mesmo, veio depois a Requerida (EMP01..., S.A.), uma vez citada e em sede de oposição deduzida, arguir a respectiva nulidade, por falta de fundamentação [25], lendo-se expressamente no seu articulado que, lido «e relido o despacho que dispensou o contraditório prévio, o mesmo não tem nenhum fundamento, pelo que é NULO, por falta de fundamentação». Compreende-se, assim, que no despacho depois proferido, apreciando autonomamente esta arguição de nulidade (isto é, sem mesmo esperar para o efeito pelo integral julgamento de mérito da oposição deduzida), o Tribunal a quo tenha reconhecido que deveria «ter feito constar, no que agora se supre, que tal dispensa do contraditório foi motivada pelos factos aduzidos na petição inicial nos seguintes termos», reproduzindo-os ipsis verbis de seguida; e que, depois dessa reprodução, haja decidido que, «atentos os factos aduzidos e que levaram à dispensa do contraditório», corrigisse o despacho inicial, por forma a que no mesmo se passasse a ler, não apenas para «a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio», mas ainda «atentos os factos aduzidos na petição inicial» (bold apócrifo), expressão então nele introduzida, «designa-se o dia 4 de Setembro desta ano, pelas 14h». De forma conforme, compreende-se ainda que a Requerida (EMP01..., S.A.), vindo depois recorrer deste despacho, tenha fundado exclusivamente a sua sindicância na mesma falta de fundamentação inicialmente por ela denunciada (por ter sido o único objecto de apreciação do Tribunal a quo), lendo-se expressamente nas respectivas conclusões (que imperativamente definem e limitam o seu objecto): «V. O vicio de falta de fundamentação NÃO É UM LAPSO, antes, um vício cominado com a nulidade e que não pode ser corrigido após a sentença ter sido proferida. VI. O despacho em que se dispense a audição prévia do requerido tem de ser fundamentado (…)»; «VIII. Nos presentes autos, o tribunal a quo decidiu dispensar o contraditório prévio da Recorrente, sem que tenha fundamentado essa decisão».; «IX. A inobservância do contraditório ou da audiência do requerido deve constar sempre de despacho fundamentado, sendo a sua omissão cominada com a nulidade, cuja verificação se requer (cfr. art.º 195º nº 1 CPC)». Assim sendo, o recurso da Requerida (EMP01..., S.A.) não está fundado em qualquer erro de julgamento ou error in iudicando, vício intrínseco do acto de julgamento (nomeadamente, por os factos alegados pelo Requerente para o efeito não serem suficientes ou idóneos para permitirem a dispensa do seu contraditório prévio, impondo desse modo a revogação do despacho recorrido), mas sim na violação das regras próprias da elaboração e estruturação de qualquer decisão judicial, vício formal extrínseco ao acto de julgamento propriamente dito, relacionado com a sua exteriorização, justificando a arguição de nulidade respectiva com esse fundamento (e permitindo o seu posterior suprimento pelo próprio Tribunal que tinha proferido a dita decisão) [26]. * Prosseguindo, dir-se-á que, pese embora sem total felicidade de linguagem, o Tribunal a quo supriu efectivamente a nulidade resultante da falta de fundamentação inicial da sua decisão de dispensa de contraditório prévio.Com efeito, afirmou expressamente que: «Devera ter feito constar, no que agora se supre, que tal dispensa do contraditório foi motivada pelos factos aduzidos, na petição inicial nos seguintes termos» (com bold apócrifo); reproduziu de seguida a alegação do articulado inicial onde o Requerente (AA) justificou a dispensa pedida do contraditório prévio; e concluiu afirmando que, «considerando-se que atentos os factos aduzidos e que levaram à decisão de dispensa do contraditório, o nosso despacho enferma apenas de lapso, que se corrige», aditando-lhe então a expressão «atentos os factos aduzido na petição inicial» (com bold apócrifo), precisamente como justificação daquela dispensa de contraditório prévio. Assim sendo, e não obstante ter dito que se tratava «apenas de lapso», a nulidade que reconheceu como efectivamente resultante da falta de fundamentação inicial de tal despacho ficou suprida; e lendo-se a sua expressão final de que, desta «forma e não constada a nulidade invocada» no sentido de que a fundamentação da dispensa de contraditória foi desde logo por si ponderada (embora não escrita) no que o Requerente (AA) tinha alegado nesse sentido e, uma vez escrita (consubstanciando o suprimento da nulidade) deixou de ser constactável. Logo, e neste pressuposto (de efectivo suprimento), o despacho inicial deixou de existir na sua versão original (da qual, precisamente, teria sido arguida a respecitva nulidade por falta de fundamentação); e passou a constar dos autos com a fundamentação que lhe foi aditada pelo Tribunal a quo. * Prosseguindo uma vez mais, verifica-se que, não obstante o referido (desaparecimento dos autos da versão original, sem fundamentação, do despacho inicial que dispensara o contraditório), veio a Requerida (EMP01..., S.A.) tomá-lo como reiterado objecto da sua sindicância (já não em sede de arguição de nulidade, mas desta feita de recurso de apelação), de novo (e neste pressuposto) defendendo a sua absoluta falta de fundamentação.Com efeito, afirma de forma expressa no introito do seu recurso: «Visto o despacho de 30-08-2024 que dispensou o contraditório prévio e não se conformando com o mesmo, por ser nulo, vem apresentar recurso»; o «mesmo deve ser acompanhado das seguintes peças processuais cuja certidão se requer», e onde como primeira consta o «despacho impugnado datado de 30-08-2024». Depois, já nas alegações do dito recurso, afirma que se insurge «contra o despacho que dispensou o seu contraditório prévio, o qual é datado de 30-08-2024 e que tem o seguinte teor: “Para a audição da prova, dispensando-se o contraditório prévio designa-se o dia 4 de Setembro deste ano, pelas 14 h.”». Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não tendo tomado como objecto do seu recurso o despacho de dispensa de contraditório prévio devidamente completado (por supressão da nulidade de falta de fundamentação nele antes registada), único que subsiste nos autos, mas sim a respectiva versão inicial (que já não existe nos mesmos), não tem o seu recurso objecto [27]. * 3.2.2. Inadmissibilidade do recurso face à sua prematuridadeContudo, e ainda que se entendesse que a Requerida (EMP01..., S.A.) poderia recorrer nos autos da versão inicial (e não exclusivamente da versão suprida) do despacho que dispensou o seu contraditório prévio (o que, reitera-se, este Tribunal ad quem não aceita), ainda assim esse seu recurso não seria passível de ser interposto neste momento (isto é, imediatamente). Com efeito, a dita decisão não se integra em qualquer uma das hipóteses de apelação autónoma, previstas no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 644.º por ela citado, devendo antes ser impugnada com o recurso da decisão final (a proferir na sequência da oposição por si deduzida) que eventualmente venha a interpor. Acresce que, sendo esse o caso, e vindo tal recurso (desta decisão interlocutória) a merecer provimento, provocará a inutilização dos actos posteriores ao despacho em causa, sendo que - podendo os ditos actos ser perfeitamente repetidos -, a dita inutilização não retira à impugnação, em si mesma, a sua utilidade. O legislador escolheu e conformou-se com aquele risco, salvaguardando outros valores (como o da celeridade processual). Concluindo, em termos mais gerais, o despacho de dispensa de contraditório prévio em providência cautelar não é susceptível de recurso de apelação autónoma, tendo a sua sindicância que ser feita com o recurso da decisão final (ou a que julgou a providência cautelar procedente, ou a depois proferida na sequência de oposição deduzida). * Deverá, assim, concluir-se em conformidade, considerando que o recurso interposto pela Requerida (EMP01..., S.A.) é legalmente inadmissível, por não ter objecto.* IV - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não admitir o recurso de apelação interposto pela Requerida (EMP01..., S.A.), por o mesmo ser legalmente inadmissível. * Custas da apelação pela Requerida (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).* Guimarães, 09 de Janeiro de 2025. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício. [1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3] Na mesma obra e local, encontra-se indicação extensa de jurisprudência e doutrina conformes com o entendimento exposto, que se diz «unânime». [4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348. [5] Precisando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final». Mais se lê, no n.º 4, do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados a presunções impostas pela lei ou por regras da experiência». Por fim, lê-se no n.º 5, do mesmo art.º 607.º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes». Assim, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza). Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim). A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art.º 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento. De seguida, e em termos de matéria de direito, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos desta natureza em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos. Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art.º 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666). [6] No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141. Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332. Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). [7] As únicas excepções consagradas a esta regra são as providências cautelares especificadas de restituição provisória de posse (art.º 378.º do CPC) e de arresto (art.º 393.º, n.º 1, do CPC). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 04.12.2007, Ferreira de Barros, Processo n.º 1783/07.2TBCBR.C1, onde se lê que nos «procedimento cautelar impõe-se, como regra, o contraditório do requerido antes de decretamento da providência, excepto no âmbito dos procedimentos em que a lei o dispensa, como são os casos do arresto e da restituição provisória de posse». [8] Lê-se no art.º 3.º, do CPC, que o «tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1), só «em casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2); e o «juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (n.º 3). Reconhece-se aqui que, estando em causa conflitos de natureza privada - e não pública - o Tribunal apenas intervém para os dirimir se previamente solicitado por uma parte, que lhe traz os factos sobre que versa o litígio e formula o pedido de tutela jurisdicional pretendido (princípio do dispositivo); e tendo depois a parte contrária o direito de sobre eles se pronunciar, sendo, porém, dever do Tribunal assegurar a possibilidade do seu exercício (princípio do contraditório). Sendo estes dois princípios basilares de todo o processo civil (ínsitos ao «processo equitativo» que o n.º 4, do art. 20.º, da CRP consagra como direito), o princípio do contraditório surge consagrado na lei processual civil quer na sua versão geral, quer na sua vertente especial proibitiva, de emissão de qualquer decisão-surpresa de questões de direito. Assim, e por sua imposição, todas as fases do processo decorrem num diálogo entre as partes, sob a direcção do juiz (v.g. articulados, audiência prévia, audiência final, recursos); e todas as diligências ou actos relacionados com a proposição ou produção de meios de prova pressupõem o cumprimento dessa estrutura dialéctica ou bipolar (as partes podem, em igualdade de circunstâncias, apresentar todos os meios probatórios potencialmente relevantes, podem decidir fazê-lo até ao momento que considerem acentuar a sua relevância, a admissão ou produção da sua prova é feita com audiência contraditória, e podem apreciar a prova produzida por si, pelo outra parte, e pelo tribunal). Considera-se, deste modo, que só a permanente audição de ambas as partes permite que, simultaneamente: se apure a verdade (material) e se alcance a justa composição do litígio (art.º 411.º, do CPC); e se controle o modo como o Tribunal exerce a sua actividade, com vista precisamente a alcançar esse fim. [9] No mesmo sentido, na doutrina: . José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 30 - onde se lê que o «critério legal (correto)de conceder um amplo poder de apreciação ao juiz deve ser aplicado considerando as regras gerais da experiência e as particularidades do caso concreto, equacionado o equilíbrio a observar entre os valores da contraditoriedade e os da eficácia da Justiça e não esquecendo que, se o princípio do contraditório é a regra (art. 3-2), o domínio das providências cautelares é, já ele, de exceção (art. 3-2)». . Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2016-2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, págs. 362 e 363 - onde se lê que o «princípio do contraditório, consubstanciado na possibilidade de o requerido de uma determinada providência “oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados”, insere-se no direito a um processo justo e equitativo, sendo, por isso, um importante “instrumento de procura da verdade provável”. Com efeito, o princípio do contraditório é concretizado, quer pelo direito à audição prévia da parte contra a qual foi requerida a providência judicial, quer pelo direito de resposta em relação a um determinado ato processual praticado pela contraparte ou pelo tribunal». O «contraditório prévio do requerido permitirá ao tribunal decidir com maior segurança na medida em que deixa de ficar dependente de uma visão unilateral dos factos»: «ponderados os factos alegados na petição do requerente e na oposição do requerido, o julgador ver-se-á reconfortado com a possibilidade de decidir o pleito em conformidade com a matéria de facto indiciariamente provada e devidamente contraditada». Na jurisprudência, Ac. da RL, de 17.03.2024, Amélia Puna Lopo, Processo n.º 3515/23.9T8LSB.L1-8, onde se lê que o «princípio do contraditório é uma pedra basilar do processo civil, não consistindo numa mera formalidade destinada a dar a conhecer ao demandado que contra ele foi deduzida uma determinada pretensão e de que dispõe do direito de defesa; o próprio momento em que lhe é facultado este direito pode ser determinante para o desenvolvimento e desfecho da lide, por lhe proporcionar, ou não, desde início apresentar as suas razões e elementos de prova antes de ser proferida qualquer decisão, desse modo podendo influenciar o sentido desta». [10] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 29, onde se lê que «a exigência de que o perigo seja sério» pressupõe que «o aumento do perigo de lesão deve ser objetivo (tal como o periculum in mora) e substancial». [11] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 17.03.2024, Amélia Puna Lopo, Processo n.º 3515/23.9T8LSB.L1-8, onde se lê que o «art.º 366º nº 1, em consonância com o art.º 3º nº 3 CPC, impõe a regra da audição prévia do Requerido, que só poderá ser postergada se e quando a sua observância colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência, não bastando, portanto, um qualquer vislumbrado risco, tem de ser um risco sério, manifesto, anormal, incomum». Logo, «só sendo legítima a dispensa do contraditório prévio se as circunstâncias do caso permitirem sustentar, em factos concretos decorrentes do requerimento inicial, a avaliação de que está iminente a lesão do direito pretendido acautelar não se compadecendo o perigo da verificação dessa lesão com a dilação inerente à observância do contraditório, ou se permitirem sustentar a avaliação de que o conhecimento prévio do procedimento cautelar permitirá ao Requerido actuar de molde a, seriamente, afectar o efeito prático ou a utilidade da medida cautelar solicitada, devendo ainda o juiz sopesar o eventual desequilíbrio que possa advir da concessão de uma tutela que, embora provisória, produz efeitos que podem ser irreversíveis». [12] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 29, onde se lê que utilidade, «fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência, resultante da observância da contraditoriedade, aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar». [13] No mesmo sentido, na doutrina: . José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 30 - onde se lê que a «decisão do juiz de ouvir ou não o requerido não é proferida no uso dum poder discricionário. Os conceitos indeterminados “risco sério” e “fim ou eficácia da providência” hão de ser por ele preenchidos segundo critérios de razoabilidade e a decisão que proferir, fundamentada, nos termos gerais (art. 154)». «Note-se ainda que a omissão, no despacho liminar, de pronúncia sobre o requerimento de não audição do réu constitui nulidade, nos termos do art. 615-1-d, e a falta de fundamentação da decisão integra a nulidade do art. 615-1-b». . Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2016-2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, págs. 371 e 372 - onde se lê que inclusivamente «o tribunal pode dispensar oficiosamente a audiência prévia do requerido (…) desde que o faça de forma fundamentada e com ela não seja posta em causa a celeridade da diligência e, consequentemente, a sua utilidade prática».. Na jurisprudência: . Ac. da RC, de 04.12.2007, Ferreira de Barros, Processo n.º 1783/07.2TBCBR.C1 - onde se lê que a «inobservância do contraditório ou da audiência do requerido deve constar sempre de despacho fundamentado»; e que a «falta de fundamentação de tal despacho constitui nulidade a ser arguida pelo requerido perante a 1ª instância». . Ac. da RL, de 17.03.2024, Amélia Puna Lopo, Processo n.º 3515/23.9T8LSB.L1-8 - onde se lê que o «despacho em que se dispense a audição prévia do Requerido tem de ser fundamentado, impondo-se ao juiz uma ponderação casuística sobre a repercussão da citação prévia na eficácia ou utilidade da providência e uma pronúncia expressa de acordo com a avaliação que faça». [14] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 176. [15] Neste sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 391. Na jurisprudência, Ac. da RG, de 23.05.2019, Ramos Lopes, Processo n.º 3669/16.0T8BRG.G1, onde se lê que o «regime das nulidades secundárias é inteiramente inspirado, nos vários aspectos em que se desdobra, por um são princípio de economia processual». [16] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 393. Na jurisprudência, Ac. da RP, de 09.12.2022, Ana Lucinda Cabral, Processo n.º 6616/15.3T8PRTA.P1, onde se lê que está «sedimentado na doutrina e na jurisprudência a posição de que a arguição de nulidade se faz por via de reclamação, exceto se a nulidade foi cometida a coberto de despacho judicial, caso em que deve ser arguida por via de recurso a interpor dessa decisão». [17] Neste sentido, Ac. da RL, de 05.10.2018, António Santos, Processo n.º 1905/13.4TYLSB-F.L1-6, onde se lê que, «na presença de uma nulidade processual, e não se verificando a situação a que alude o nº 3, do artº 199º, do C.P.C., deve a mesma ser arguida pelo interessado perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no artigo 149.º, nº 1, do mesmo Código, que não suscitar o referido vício em sede de instância recursória». [18] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 26. [19] Esta faculdade sofre, porém, a limitação estabelecida no n.º 2 do art.º 630.º do CPC, segundo a qual o recurso das decisões proferidas sobre nulidades previstas no n.º 1 do art.º 195.º do CPC só é admissível se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios. [20] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, pág. 52. [21] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, pág. 52. [22] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 26. [23] O recurso ordinário é, no nosso sistema, um recurso de reponderação (sistema da cassação) e não de reexame (sistema da substituição), uma vez que o tribunal superior é chamado, não a apreciar de novo inteiramente a questão e a julgá-la como se fosse a primeira, mas sim a controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, com os elementos averiguados por este último. [24] No mesmo sentido: . Ac. da RP, de 07.01.2016, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 2754/13.5TBBCL-A.G1 - onde se lê que as «decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do artº 644º do Código de Processo Civil, são apenas aquelas cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não as que acarretem a mera inutilização de atos processuais»; . Ac. do STJ, de 07.12.2023, João Cura Mariano, Processo n.º 801/21.6T8CSC-A.L1.S1 - onde se lê que a «inutilidade, significativamente adjetivada de absoluta, enquanto requisito da dedução autónoma do recurso de apelação, ocorre quando um desfecho favorável da impugnação de um determinado despacho, quando obtido apenas com o resultado do recurso da decisão final, já não consegue reverter o resultado do despacho recorrido, não se revelando eficaz a inutilização dos atos entretanto praticados». [25] Dir-se-á que, atento o objecto legal da oposição, não poderia a Requerida ter vindo arguir, naquela que deduziu, a alegada nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que dispensou o seu contraditório prévio, podendo apenas fazê-lo no eventual recurso que viesse a interpor da sentença a proferir na sequência da dita oposição. Com efeito, lê-se no art.º 372.º, do CPC, que quando «o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º». Contudo, tendo o Tribunal a quo entendido de outro modo (apreciando em despacho autónomo a arguição de nulidade feita naquela sede), esse seu entendimento (de concreta tramitação que permitiu e sequenciou nos autos) não foi objecto de qualquer sindicância; e, por isso, encontra-se subtraído à apreciação deste Tribunal ad quem. [26] Distinguindo os vícios da decisão judicial (nomeadamente os intrínsecos ao acto de julgamento e os formais extrínsecos ao mesmo): Ac. da RG, de 04.10.2018, Eugénia Cunha, Processo n.º 1716/17.8T8VNF.G1; Ac. da RG, 30.11.2022, Maria João Matos, Processo n.º 1360/22.8T8VCT.G1; Ac. da RG, de 15.06.2022, Rosália Cunha, Processo n.º 111742/20.8YIPRT.G1; ou Ac. da RG, 12.10.2023, Rosália Cunha, Processo n.º 1890/22.1T8VCT.G1. [27] Neste sentido, em hipótese equiparável na versão inicial do CPC de 1961, Ac. da RP, de 04.11.2002, Oliveira Abreu, Processo n.º 0151214, onde se lê que, constituindo a «falta de fundamentação do despacho a dispensar a prévia audição do requerido em procedimento cautelar (…) a nulidade prevista no n.1 do artigo 201 do Código de Processo Civil», vindo a ser interposto «recurso e reparado o agravo com a fundamentação, de forma correcta, da dispensa de audição prévia do requerido, fica sem efeito o respectivo agravo». Defendeu-se, ainda, que a «nulidade cometida, depois reparada, não teve influência sobre a decisão que decretou a providência cautelar, produzidos que foram os meios de prova indicados pelo requerente, pois em ambos os casos (dispensa prévia da audição do requerido, fundamentada ou não) a solução do caso seria a mesma, estando sempre garantido o exercício do contraditório, que ocorrerá num momento posterior». Contudo, de forma diferente da exposta supra se teria que decidir se a Requerida (EMP01..., S.A.), em vez de considerar a versão original do despacho em causa como objecto do seu recurso, insistindo pela sua falta de fundamentação (já reconhecida pelo Tribunal a quo e por ele suprida), tivesse recorrido do juízo de mérito contido na dita fundamentação (aditada), isto é, invocando erro de julgamento, por os factos considerados para o efeito não serem suficientes ou idóneos para a dispensa de contraditório prévio e respectivo (o que, porém, não consta das conclusões do dito recurso). Nesta hipótese, o seu recurso teria indiscutivelmente objecto. |