Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2573/22.8T8VRL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: SOCIEDADE
VIOLAÇÃO DO DIREITO DO SÓCIO À CONSULTA E À INFORMAÇÃO
AÇÃO ADEQUADA
AÇÃO ESPECIAL DE INQUÉRITO JUDICIAL
FALTA DE ALEGAÇÃO FACTOS ESSENCIAIS
AÇÃO ESPECIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Quando o inquérito judicial à sociedade seja requerido com fundamento (causa de pedir) na não apresentação pela gerência da sociedade demandada, dentro do prazo legal estabelecido para o efeito, do relatório de gestão, das contas do exercício e/ou dos demais documentos de prestação de contas e o decurso de mais de dois meses sobre o termo daquele prazo, a ação adequada para exigir a prestação de contas não é a ação especial de prestação de contas dos arts. 941º e ss. do CPC, nem a ação especial de inquérito à sociedade dos arts. 1048º a 1052º do CPC, mas sim a ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade do art. 67º do CSC.
2- A ação especial de prestação de contas do art. 1048º a 1052º do CPC é o meio de reação adequado, entre outros fundamentos, quando o sócio demandante alegue como fundamento (causa de pedir) da sua pretensão em ver a sociedade submetida a inquérito judicial, a violação do seu direito à informação fora assembleia geral em qualquer uma das suas vertentes (direito à informação em sentido estrito, de direito de consulta e/ou de inspeção) ou quando, a par dessa causa de pedir, alegue ainda como fundamento dessa sua pretensão os fundamentos indicados no ponto anterior (os quais, quando alegados isoladamente são fundamento para a instauração da ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade do art. 67º do CSC).
3- Em ambas as ações, para a viabilidade do inquérito à sociedade, é exigido ao sócio que o requeira que alegue, na petição inicial, um mínimo de factos que permitam ver reunidos os respetivos pressupostos, sob pena da petição inicial por si apresentada ser inepta, por falta de alegação da causa de pedir.
4- No caso de ação especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC, cabe ao sócio demandante alegar, na petição inicial, os factos essenciais atinentes à sua qualidade de sócio em relação à sociedade demandada; os relativos à informação que solicitou à gerência desta (concretizando qual a concreta informação que solicitou em qualquer uma das vertentes – informação em sentido estrito, de direito à consulta e/ou de inspeção); que essa informação lhe foi recusada, ou que a informação que lhe foi prestada é presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa (alegando os factos concretos que assim permitam concluir).
5- Já na ação especialíssima de inquérito judicial do art. 67º do CSC, cabe-lhe alegar, na petição inicial, os factos essenciais relativos à sua qualidade de sócio em relação à sociedade demandada e que o relatório de gestão, as contas do exercício e/ou os demais documentos de prestação de contas não foram apresentados pela gerência ou administração daquela ao órgão competente para os aprovar (assembleia geral de sócios ou conselho geral de acionistas) apesar de estarem decorridos mais de dois meses sobre o prazo legal estabelecido para o efeito.
6- Tendo a demandante instaurado ação especial de prestação de contas contra uma sociedade (de que é sócia) e o gerente desta, com fundamento na violação do seu direito à informação em sentido estrito (sonegação de informação quanto aos negócios de compra e venda do património societário realizados pelo gerente e destino dado ao produto dessas vendas) e do direito à consulta (impedimento ao acesso à escrituração e demais elementos contabilísticos da sociedade, a fim de os analisar/consultar), ocorre erro na forma de processo, sendo o processo adequado para conhecer da pretensão da demandante o processo especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC.
7- Tendo o tribunal convidado a demandante a concretizar a facticidade absolutamente genérica que alegara na petição inicial, especificando quais os concretos documentos/informações que solicitou ao gerente e que não lhe foram prestados, não podia aquela vir alegar que o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas da sociedade não foram apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5, do art. 65º do CSC, por tal implicar uma alteração da causa de pedir que alegara na petição inicial originária, fora dos condicionalismos legais dos arts. 264º e 265º, n.º 1 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., ..., instaurou junto do Juízo Local Cível de ... ação especial de prestação de contas contra EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., e BB, com domicílio profissional no Lugar ..., ..., ... ..., pedindo que se:

A- Julgasse procedente, por provado, o pedido de prestação de contas da empresa EMP01..., Lda.;
B- Julgasse procedente, por provado, o pedido de prestação de contas e se apurasse os valores monetários e/ou rendimentos de capitais que o Réu tenha sob sua gestão, pertencentes à mesma empresa;
C- Julgasse procedente, por provado, o pedido de prestação de contas e se apurasse o saldo da administração e respetivos rendimentos dos transportes e mercadorias e pessoas, de venda de pneus e exploração do bar;
D- Proferisse sentença a condenar o Réu no saldo que se apresente a final a favor da Requerente; e
E- Ordenasse a citação do Réu BB para, querendo, no prazo legal apresentasse as contas da sua administração, dos valores monetários que tem sob a sua gestão e pertença da empresa EMP01..., desde ../../2002.
Para tanto alegou, em suma: ser sócia e gerente da Ré EMP01..., Lda., juntamente com o Réu BB; por carta falsificada foi afastada da gerência da sociedade Ré, estando a correr termos um processo criminal no Ministério Público da Comarca de ...; o Réu BB não permite o acesso daquela à sede da empresa, nem às contas, contabilidade, documentos ou balanço desta; a requerente teve conhecimento que os bens da Ré EMP01... estão a ser vendidos, tendo já sido vendidos diversos veículos automóveis (que identifica) e um barco e que as contas desta estão a ser utilizadas para pagamento de contas pessoais do Réu  BB, incluindo a pensão de alimentos que deve aos filhos; a empresa possuía quantias em dinheiro depositadas junto de instituição financeira, cujo montante não consegue computar devido à falta de elementos, que estão na posse do Réu BB; a empresa também recebe montantes do transporte de mercadorias e pessoas e também possui um estabelecimento de bar, que está a ser explorado por terceiros, recebendo a EMP01... renda mensal, mas o Réu BB não fornece à requerente quaisquer elementos sobre os valores que tem sobre a sua gestão, atuando como se estes lhe pertencessem a título próprio, e não lhe dando conta dos valores que pertencem à empresa, desconhecendo aquela o destino que o mesmo deu ao dinheiro que tem sob a sua gestão e qual o seu quantitativo, e dispôs do dinheiro resultante de rendas e depósitos pertencentes à empresa, movimentando-os sem dar explicações à requerente.
Por despacho de 23/03/2023, o Juízo Local Cível de ..., Juiz ..., ordenou a citação dos Réus, que não contestaram, nem apresentaram contas.
Por despacho de 03/07/2022, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, quanto à exceção dilatória de incompetência, em razão da matéria, do Juízo Local Cível para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial.
Apenas a Autora se pronunciou, requerendo que após a prolação de decisão que considere que o tribunal é materialmente incompetente, o processo fosse remetido para o tribunal competente, de forma a poder dar andamento à ação.
Por despacho de 27/11/2023, o Juízo Local Cível de ... declarou procedente a exceção dilatória de incompetência, em razão da matéria, e declarou materialmente competente para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial o Juízo do Comércio de ..., para onde ordenou a remessa do processo.
Em 16/04/2024, o Juízo do Comércio de ... notificou a Autora para, em dez dias alegar os concretos factos que fundamentam a sua pretensão, reportados os arts. 4º, 8º, 9º, 11º, 13º e 14º, esclarecendo quais os documentos/informações que, em concreto, solicitou ao requerido e que não lhe foram prestados e, bem assim, para que se pronunciasse quanto à convolação da ação especial de prestação de contas que intentou para ação especial de inquérito judicial à sociedade, constando esse despacho do teor que se segue, que aqui se transcreve ipsis verbis:
“O processo foi remetido a este Juízo, com fundamento na incompetência material, sem que tivesse sido dado cumprimento e assim verificadas as circunstâncias a que alude o art. 99º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil, no qual assentou a decisão proferida pelo (J1) da Local Cível deste Tribunal.
Não obstante, transitada a dita decisão e considerando a pretensão formulada, que não consubstancia uma prestação de contas conforme remessa (indevida), sendo patente a existência de erro na forma do processo, há que dar o devido andamento aos presentes autos, conforme infra.
*
AA veio instaurar processo especial de prestação de contas contra EMP01..., Lda. e BB, invocando, em suma, ter sido afastada da gerência da empresa, cuja cessação de funções se encontra averbada na certidão comercial da sociedade, que é o requerido que tem exercido as funções de gerente da sociedade, sonegando informações à requerente, impedindo o acesso da requerente à sede da empresa, à contabilidade e documentos da empresa, alienando bens para pagamento de despesas pessoais, não fornecendo elementos sobre os valores da sua gestão.
Trata-se, pois, de um inquérito judicial à sociedade requerida, com fundamento na violação do direito à informação em sentido amplo, regulado pelos artigos 1048.º e seguintes do C.P.C.
Seguindo a terminologia adotada no Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa de 02/10/2008, rel. Maria José Mouro, Proc. n.º 4451/2008-2, in www.dgsi.pt. Assim, nesse aresto explicou-se que “a expressão “(…) direito à informação” é usada tanto num sentido amplo – abrangendo o direito dos sócios a obterem dos gerentes informação verdadeira, completa e elucidativa, o direito à consulta de livros e documentos e o direito à inspeção de bens sociais – como num sentido estrito, de direito do sócio a haver, a seu requerimento, informação prestada pelos gerentes”.
Encontrando-se consagrado um processo especialíssimo deverá este ser adotado, em detrimento do processo especial geral (cfr. artigo 546.º, n.º 2, do C.P.C.), sob pena de se verificar um erro na forma do processo, sujeito à sanção prevista no artigo 193.º, n.º 1, do C.P.C. (“o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”), sem prejuízo da possibilidade de correção oficiosa do erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte (cfr. artigo 193.º, n.º 3, do C.P.C.), em consonância, aliás, com a regra estabelecida no artigo 146.º, n.º 2, do C.P.C. (“deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”).
Constata-se, pois, que a requerente incorreu num erro quanto à forma do processo, uma vez que devia ter lançado mão do inquérito judicial previsto no artigo 1048º do C.P.C. – cfr. artigo 193.º, n.º 1, do C.P.C.
No entanto, tal erro não implicará a invalidação de quaisquer atos, pois o articulado oferecido pelo requerente é suscetível de ser convolado numa petição inicial, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1048º do C.P.C., por forma a aferir se tal correção se afigura possível de ser oficiosamente empreendida, sem implicar uma diminuição das garantias reconhecidas aos réus – cfr. artigo 193.º, n.ºs 1 a 3, do C.P.C., notifique-se a requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, alegar os concretos factos que fundamenta a sua pretensão, reportados aos arts. 4º, 8º, 9º, 11º, 13º e 14º, esclarecendo quais os documentos/informações que, em concreto, solicitou ao requerido e não lhe foram prestados e, ainda para se pronunciar quanto à referida convolação – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.” (destacado nosso).
 Apenas a Autora se pronunciou, declarando nada ter a opor à convolação do processo de ação especial para a prestação de contas para ação de inquérito judicial à sociedade, com aproveitamento dos atos já praticados.

Alegou:
“2- O processo é intentado porquanto, como referido, foi a sócia gerente, e ora requerente, indevidamente afastada da gerência da empresa, com falsificação da sua assinatura, pelo que corre competente queixa crime.
3- Por tal facto foi também intentada a providência cautelar n.º 1155/22...., que correu termos neste M.ª Tribunal.
4- Ao longo do período em que o requerido esteve de forma exclusiva a gerir a Sociedade procedeu à venda de veículos, contratou empréstimos, levantou montantes das contas da empresa, tanto para pagamento de despesas pessoais, como para pagamento de faturas de alegados serviços que nunca foram prestados.
5- Inclusive existem faturas de alegados serviços prestados à requerente.
6- Desta forma permitiu a saída de dinheiro da EMP01... para a nova empresa por este criada, EMP02..., pessoa coletiva n.º ...79;
7- Descapitalizando a empresa, deixando as contas sem qualquer liquidez, mas com inúmeros empréstimos, nomeadamente de leasing.
8- Com o dinheiro da venda dos veículos adquiriu outros para a empresa EMP02..., que circularam com o alvará e documentos da EMP01..., tendo como sócio gerente um primo do requerido que, inclusive, trabalha como operário na ....
9- Dando uma sede que não existe.
10- Durante esse período não foram prestadas as respetivas contas, os sócios desconhecem para onde foram os montantes auferidos.
11- Corre termos a ação n.º 584/23...., no Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., na qual se solicita a declaração de nulidade dessas vendas, processo ainda em curso.
12- Ainda hoje a requerente desconhece os bens que sejam propriedade da sociedade,
13- Desconhece os mapas de responsabilidades de créditos com a banca e fornecedores, tendo sido surpreendida diariamente por comunicações e ações executivas;
14- Desconhece os ativos, identificação de subsídios de que a sociedade é beneficiária, relatórios de atividades anuais;
15- Foram sonegados contratos, quer de leasing, quer de assunção de responsabilidades.
16- O relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não foram apresentados nos 2 meses seguintes ao termo do prazo fixado no número 5 do artigo 65º do CSC (3 meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual).
17- Assim considera ser necessário proceder a inquérito à sociedade, determinando.
a) Quais os bens que a empresa vendeu, quais os valores que recebeu?
b) Os valores das vendas estão em consonância com os valores de mercado dos bens ou foram vendidos abaixo do preço?
c) Quais os lucros que obteve no período?
d) Qual o destino dos montantes recebidos?
e) Quais os bens que foram indevidamente vendidos?
f) Que lucros gerou a empresa no período?
g) Que serviços foram prestados pela EMP02... à EMP01...? Esses serviços foram efetuados quando? E qual o pagamento recebido pela EMP01...?
h) Verificar quais os pagamentos que o gerente fez de despesas pessoais, com o dinheiro e contas da empresa, nomeadamente os reportados nos autos do pagamento da pensão de alimentos dos filhos.
i) Quais os montantes que transferiu sem suporte ou com falso suporte?
j) As divergências que foram tomadas sem qualquer deliberação dos sócios.
18- Para tanto considera que:
a) Devem ser notificados os contabilistas para fornecerem aos autos os dados necessários;
b) Devem ser notificadas as entidades bancárias para fornecer aos autos os dados necessários;
c) Ser analisado todo o histórico de contas, contratos e pagamentos, nomeadamente transferências de dinheiro, feitas no período.
19- Tendo-se determinado que a gerente ora requerente fora indevida e ilicitamente afastada da empresa, determinar:
a) Quais as decisões que foram nulas, por carecer da sua aprovação.
b) As consequências de tais decisões.
c) Quais as formas de reposição das mesmas e qual o valor do prejuízo para a empresa e para os sócios.
 20- Considera perante os factos alegados, e a sua gravidade e alcance, somente um inquérito à sociedade poderá dar um resultado cabal.
21- Para tanto requer que seja nomeado perito para a prossecução do mesmo, o que se requer.

Observado o contraditório em relação aos Réus, estes não se pronunciaram quanto ao requerimento que antecede.
Por despacho proferido em 12/02/2024, ordenou-se a notificação da requerente para se pronunciar, querendo, nos termos e para os efeitos seguintes:
“Na sequência do convite que foi dirigido à requerente, veio a mesma apresentar novo articulado, através do qual altera o objeto da causa, além da sua pretensão inicial, que não se reconduz aos requisitos exigidos para a realização do inquérito, razão pela qual é intenção do Tribunal decidir liminarmente quanto à pretensão aqui deduzida, pelo que notifique-se a requerente para, querendo, em cinco dias, se pronunciar”.

Na sequência, a Autora alegou que:
“A 17 de janeiro de 2024 a requerente foi notificada de V.º douto despacho considerando que o presente processo não poderia ser tramitado como uma prestação de contas, como inicialmente a requerente a tinha configurado, mas como um inquérito judicial à sociedade, motivo pelo qual a requerente apresentou o requerimento seguindo a tramitação referida no art. 1048º e ss. do C.P.Civil.
Assim, a configurar uma alteração de objeto o é porquanto tinha sido determinado pelo despacho referido”.

Em 03/04/2024, a 1ª Instância proferiu despacho de indeferimento liminar da petição inicial, o qual consta do seguinte teor (que aqui transcrevemos ipsis verbis):
“AA veio instaurar processo especial de prestação de contas contra EMP01..., Lda. e BB, invocando, em suma, ter sido afastada da gerência da empresa, cuja cessação de funções se encontra averbada na certidão comercial da sociedade, que é o requerido que tem exercido as funções de gerente da sociedade, sonegando informações à requerente, impedindo o acesso da mesma à sede da empresa, à contabilidade e aos documentos da empresa, alienando bens para pagamento de despesas pessoais, não fornecendo elementos sobre os valores da sua gestão.
Por despacho datado de 16.01.2024, foi a requerente convidada a concretizar os factos em que fundamenta a sua pretensão, por reporte ao por si alegado nos arts. 4º, 8º, 9º, 11º, 13º e 14º na petição, devendo esclarecer quais os documentos/informações que solicitou e que não foram prestados, com vista à convolação do processo em inquérito judicial.
Compulsado a reposta ao convite formulado, verifica-se, que não tendo sido identificados os documentos/informações que tenham sido pedidos e não fornecidos pelo requerido, que o a requerente pretende é na verdade uma auditoria à sociedade, conforme resulta claramente das várias alíneas indicadas no ponto 17 do seu requerimento, como questões a ver resolvidas no âmbito deste processo.
As ações para o exercício de direitos sociais que têm a natureza de processos de jurisdição voluntária estão tipificadas no Código de Processo Civil, estando a maior parte delas previstas na secção “Exercício de direitos sociais”, entre as quais o inquérito judicial à sociedade (art.º 1048.º do Código de Processo Civil).
Nos termos do citado artigo 1048º, nº 1 do Código de Processo Civil: “O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes”.
Ao requerente do inquérito judicial compete o ónus de alegação da factualidade concreta constitutiva do direito que fundamenta o seu pedido e que, na presente situação, tem a ver com a alegada violação do direito à informação de que é titular a sócia de uma sociedade por quotas.
O direito à informação que assiste ao sócio reveste conteúdo extrapatrimonial, entroncando no elemento essencial e caracterizador do contrato de sociedade, ou seja, o exercício em comum, com finalidade lucrativa, de uma determinada atividade comercial, constituindo um direito subjetivo concedido pela lei para assegurar o seu legítimo interesse em conhecer os factos pertinentes à vida societária, acompanhando, de forma esclarecida, o modo de gestão dos interesses ligados à respetiva participação social (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, “Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial. Artigos 703º a 1139º”, Almedina 2020, página 491).
O direito à informação é um direito geral dos sócios que tem como objetivo assegurar a transparência da realidade da situação da empresa e que se encontra consagrado no art. 21º nº1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais. O âmbito deste direito varia de acordo com o tipo de sociedade, estando regulado, quanto às sociedades por quotas, nos arts. 214º a 216º do mesmo diploma.
O inquérito judicial destina-se primordialmente a permitir o acesso à informação e não exatamente a recolher essa informação; a ampliação do objeto do inquérito (1480º n.º 4 do Código de Processo Civil e 1049º n.º 4 do NCPC) no decurso do processo tem que se fundar nos mesmos pressupostos do objeto inicial, ou seja, recusa de informações, falsidade ou insuficiência (neste sentido cfr. Ac. TRE de 20/12/12).
A questão jurídica que desde já se levanta consiste em saber se assiste à requerente, sócia de uma sociedade por quotas,  cuja gerência assumiu até ../../2021, o direito a exigir da gerência a prestação, por escrito, de um conjunto muito alargado e diferenciado de informações (relacionadas com o conjunto de vendas e lucros da sociedade; pagamentos de despesas pessoais; serviços prestados por terceiros; identificação de bens alienados; divergências entre a contabilidade e o património da sociedade e decisões tomadas sem deliberação dos sócios), vinculando, nestas circunstâncias, o representante da sociedade a fornecê-las, sob pena de violar o direito à informação que assiste à primeira e legitimar, desse modo, o recurso ao processo de inquérito judicial previsto no artigo 1048º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Ou se, ao invés, nestas concretas circunstâncias, deveria a mesma sócia encarregar-se ela própria da respetiva consulta na sede da sociedade, obrigando-se este último apenas a facultá-los, sem levantar qualquer tipo de obstáculo, dificuldade ou oposição.
Na situação sub judice, não existindo alegação de que a sociedade haja recusado proporcionar à sócia a consulta desses elementos ou que tenha, de algum modo, dificultado o seu acesso, a violação do dever de informação - em que a requerente sustenta juridicamente o pedido de inquérito judicial - só poderá ter por base a conclusão de que, nestas exatas circunstâncias, se verificava a obrigação de prestação, pelo gerente da sociedade, das informações solicitadas, por escrito e em tempo útil, o que não teria sido cumprido (estando portanto em causa o denominado direito à informação em sentido estrito).
O direito à informação a que alude o artigo 214º, n.º 1, do CSC, reveste sentido amplo, abrangendo três direitos parcelares do sócio: - a informação – em sentido estrito – que tem a ver com o pedido de conhecimento do sócio quanto à vida societária a concretizar através de perguntas que entenda formular sobre os atos substantivos e concretos de gestão praticados, ou a praticar, pelos gerentes, devendo a informação ser verdadeira, completa e elucidativa; - a simples consulta da documentação, com a possibilidade de exigência da sua exibição, a efetuar na sede da sociedade, porventura com o auxílio de perito ou especialista contratado pelo sócio interessado; - a inspeção concretizada através da atividade necessária para que o sócio vistorie os bens sociais (cfr. Carlos Maria Pinheiro Torres in “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, Almedina 1998, páginas 121 a 129; Jorge Coutinho de Abreu in “Curso de Direito Comercial”, Volume II, Almedina 2013, a páginas 254 a 270; Ana Gabriela Ferreira Rocha in “O direito à informação do sócio gerente nas sociedades por quotas”, publicado na Revista de Direito das Sociedades, Ano III, 2011, n.º 4, a páginas 1036 a 1037; Diogo Lemos e Cunha in “O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 75, janeiro/junho de 2015, a páginas 304 a 305 e Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2011 (relator Oliveira de Vasconcelos) de 29/10/2013 (relator Hélder Roque), de 26/01/2021 (relatora Ana Paula Boularot), publicados in www.dgsi.pt.
Pronunciando-se sobre esta concreta questão, vide ainda Ac. da RP de 17/01/2000 (relator Cunha Barbosa),  publicado in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXV, tomo I, a páginas 184 a 186, onde se enfatizou: “De acordo com o disposto no artigo 214º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o direito à informação “stricto sensu” só pode ter como objeto a “gestão da sociedade”, isto é, o sócio só pode requerer que o gerente preste informação sobre atos ou factos que se integrem na “gestão da sociedade”. (...) A “gestão da sociedade” que aí se pretende ver inserida é a que se compadece tão só com atos substantivos de gestão que já não com atos de mero registo dessa gestão pois, a entender-se doutro modo, ficaria sem justificação, sem interesse, e, de alguma forma, sem conteúdo o direito de consulta da respetiva escrituração, livros e documentos, já que o resultado de uma possível aos livros da escrituração, de que faz parte o “Diário Razão”, poderia ser obtido através dos gerentes ou administradores” (...) a entender-se de outra forma, (...) poderia transformar-se o gerente ou administrador em constante informador contabilístico, permitindo-se, desta forma, um constante exercício de chicana por parte dos sócios e para com os gerentes ou administradores da sociedade”.
Ora, a sócia requerente, no extenso e muito variado rol de temas cujo pedido de informação/esclarecimentos pretende da sociedade requerida, não demonstrou ou sequer alegou ter tomada a iniciativa da consulta de quaisquer elementos societários, pertinentes aos pontos que pretende por esta via ser apurados, nem demonstrou a intenção de ser verdadeiramente elucidada sobre qualquer ato concreto e substantivo de gestão que tivesse sido praticado (ou estivesse na iminência de sê-lo) pelo respetivo gerente e que lhe suscitasse dúvida ou controvérsia (que não concretizou minimamente).
Ao invés, limitou-se a elencar temas variados respeitantes ao ativo e passivo da sociedade, ao seu património, dados contabilísticos, informações, que constituem meros registos da vida corrente da sociedade (em escrituração, livros e outros documentos) e de que, atuando diligentemente, podia perfeitamente ter-se inteirado pela pertinente (e exigível) consulta, a realizar na sede social, porventura com a colaboração de um especialista nas matérias, da sua confiança e de que se fizesse acompanhar.
No fundo e em termos práticos, a ora requerente, sem se interessar pelo efetivo esclarecimento de qualquer questão concreta relativamente a atos ou omissões da gerência, pretende apenas forçar o gerente da sociedade - de que é igualmente sócia – a revolver uma grande parte dos registos que constituem a documentação da vida societária recente, para lhe apresentar depois o respetivo relato formal e pormenorizado, poupando-a desse modo a essa tarefa, sem se vislumbrar qual o ato substantivo de gestão que concretamente pretenderia inquirir, questionar, analisar, apreciar ou aprofundar.
A propósito, refere Raúl Ventura, in “Sociedade por Quotas”, Volume I, Almedina, 1993, 2ª edição, a página 293: “Deverá relacionar-se o direito de informação stricto sensu com a publicidade e a informação organizada. Esse direito não é facultado aos sócios como meio de tomar conhecimento mais cómodo do que a publicidade em geral ou a informação organizada e bem assim não deve servir para antecipar conhecimentos de factos sujeitos a esta última”.
In casu, a requerente limita-se a referenciar um conjunto variado de assuntos, muitíssimo amplo e genérico, não concretizando efetivamente que tipo de documentos queria consultar e quais lhe foram especificamente negados.
Não concretizou a requerente que tipo concreto de documentos pretende efetivamente consultar e cujo acesso lhe tenha sido negado, não tendo demonstrado qualquer impedimento à sua consulta por parte do gerente.
Logo, não existe, nestas circunstâncias, fundamento legal para o pedido de inquérito judicial, dado não haver ocorrido verdadeira e própria recusa ilícita do gerente da sociedade na prestação de informação stricto senso que a fundamentasse.
Em suma, a sócia requerente não pretende indagar nada de concreto e substantivo, no âmbito do seu direito ao acompanhamento dos atos de gerência da sociedade, mas obter por outrem (o gerente) aquilo que estava perfeitamente ao seu alcance, tratando-se de registos de elementos contabilísticos e outros existentes na sede social, e que, atuando diligentemente, como lhe competia.
Nem, tão pouco, da propositura de tal ação adviria qualquer utilidade para os fins do processo de inquérito judicial, único cabível na situação em apreço, nomeadamente no que respeita a permitir o acesso à informação e não exatamente a recolher essa informação societária.
Pelo exposto, e ao abrigo das normas legais citadas, indefiro liminarmente a petição inicial, por não se verificarem os pressupostos a que se reconduz o objeto desta ação, a que alude o art. 1048º do CPC.
Custas a cargo da Autora, por lhes ter dado causa, fixando-se o valor da causa em € 5.000,01 (art. 527.º, n.º 1, do C.P.C.).
Registe e notifique”.

Inconformada com o decidido, a Autora AA interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

1- O requerido BB foi gerente da empresa EMP01..., de forma exclusiva durante cerca de 3 anos;
2- A requerente deixou de ser gerente da empresa EMP01... em consequência de um requerimento a pedir a sua saída do cargo, requerimento esse em que a sua assinatura foi falsificada, como já decidido por este M.º Tribunal de Comércio.
3- Durante o período em que não pode exercer funções não foram prestadas contas.
4- No mesmo período foi vendido a quase totalidade do património da empresa.
5- O capital depositado em instituições de crédito foi levantado sem que se saiba o seu destino.
6- Citado para a ação o requerido BB não contestou a obrigação de prestar contas nem as prestou.
Consideram-se violados os art.ºs 941º e ss. do C.P.Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vªs Ex.ªs mais doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, alterando a decisão recorrida, e mandando prosseguir os autos, farão a esperada JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se a decisão recorrida (que indeferiu liminarmente a petição inicial, “por não se verificarem os pressupostos a que se reconduz o objeto desta ação, a que alude o art. 1048º do CC.) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e ordenar o prosseguimento da presente ação especial de inquérito judicial à sociedade recorrida.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a questão decidenda no âmbito do presente recurso são os que constam do «Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Processo especial de inquérito judicial à sociedade versus processo especialíssimo de inquérito
O Código das Sociedades Comerciais (CSC) prevê o recurso a inquérito judicial à sociedade nos seguintes casos: a) falta de apresentação das contas do exercício pelo órgão competente para a sua elaboração e apresentação ao órgão social competente para a sua apreciação e aprovação fora do prazo legal estabelecido para o efeito (art. 67º do CSC); b) apresentação das contas do exercício ao órgão competente para as apreciar e aprovar (a assembleia geral de sócios ou conselho geral de acionista) mas em que este delibere no sentido de que a gerência ou a administração proceda à reformulação das contas que lhe apresentou ou proceda à elaboração de novas contas de exercício, podendo, nesta eventualidade, a gerência (no caso de sociedade por quotas) ou a administração (no caso de sociedade anónima) requerer inquérito judicial à sociedade, em que se decida sobre a reforma das contas apresentadas, a não ser que a reforma deliberada incida sobre juízos para os quais a lei não imponha critérios (art. 68º, n.º 2 CSC); c) violação do direito dos sócios à informação por recusa, incompletude ou falsidade da informação prestada pelo órgão competente para a fornecer a(os) sócio(s) que a solicitou(aram) (arts. 181º, n.º 6, 216º, 292º, n.º 2 e 450º do CSC); d) inquérito judicial para redução de remuneração de gerente(s) (art. 255º, nº 2 do CSC); e e) inquérito judicial em caso de abuso de informação a pedido de qualquer acionista (art. 449, n.ºs 1 e 2 e 450º, n.º 1 do CSC)[2].
Dadas as particularidades das matérias e dos interesses que estão envolvidos nas situações acabadas de referir, em que nem sempre se verifica um verdadeiro litígio entre os sócios ou entre estes e a sociedade e em que, por isso, o processo declarativo comum não é adequado para dar resposta àqueles questões, o CPC e o CSC preveem meios processuais específicos, isto é, ações especiais, sujeitas a regulamentação jurídica própria, destinadas a dar resposta às específicas questões e interesses que nessas situações se levantam, a saber: a) o processo especial de inquérito judicial, que se encontra regulado nos arts. 1048º a 1052º do CPC; e b) o processo especialíssimo de inquérito judicial, que se encontra regulado no art. 67º do CSC (art. 1048º, n.º 3 do CPC).
O processo especial de inquérito judicial, regulado nos arts. 1048º a 1052º do CPC (a que se referem todas as disposições legais que se venham a enunciar, sem menção em contrário), é um processo de jurisdição voluntária, ao qual são aplicáveis, por força do art. 986º, n.º 1, as disposições dos arts. 292º a 295º.
Trata-se de um processo que é aplicável a todas as situações (acima identificadas) em que o CSC prevê o recurso a inquérito judicial, com exceção das situações em que o recurso a este tenha exclusivamente por fundamento a circunstância da gerência ou do conselho de administração da sociedade não terem apresentado, respetivamente, à assembleia geral de sócios ou ao conselho geral de acionistas o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas dentro dos prazos legais estabelecidos para o efeito, situação em que o modo de reação  contra essa omissão é o processo especialíssimo de inquérito judicial, que se encontra regulado no art. 67º do CSC, ex vi, art. 1048º, n.º 3[3].
Dito por outras palavras, quando o inquérito judicial à sociedade tenha por fundamento exclusivo a não apresentação pontual do relatório de gestão, das contas de exercício e/ou dos demais documentos de prestação de contas, o meio processual adequado para exigir a prestação de contas não é a ação especial de prestação de contas dos arts. 941º e segs., nem a ação especial de inquérito judicial à sociedade regulada nos arts. 1048º a 1052º, mas sim o processo especialíssimo de inquérito judicial, que se encontra regulado no art. 67º do CSC.
Mas se o inquérito judicial à sociedade se fundar num dos outros fundamentos previstos no CSC que legitimam o recurso a inquérito judicial, o processo adequado para o efeito é a ação especial de inquérito judicial à sociedade regulado nos arts. 1048º e segs., o qual também será o adequada quando o fundamento do recurso a inquérito judicial seja a não apresentação pontual de relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas, além da pretensão do sócio em aceder a outras informações que solicitou à sociedade, mas em que a gerência ou a administração desta ilegitimamente recusou a prestação da informação solicitada, ou em que a informação que prestou ao sócio que a requereu é presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa (art. 216º do CSC)[4].
Cingindo-nos ao inquérito judicial à sociedade com fundamento na recusa, incompletude ou falsidade da informação prestada aos sócios e, bem assim, à não apresentação pontual de relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas, uma vez que são estes fundamentos que estão em discussão no presente recurso, cumpre enfatizar que no âmbito do direito societário, o direito à informação é inerente à qualidade de sócio, na medida em que este tem de ter acesso à informação atinente à vida da sociedade, a fim de salvaguardar o feixe de direitos, deveres, ónus e expetativas jurídicas que lhe assistem enquanto sócio perante  sociedade e os restantes sócios, em que nuns casos a lei lhe confere  o direito à informação como direito instrumental ou acessório de outros direitos sociais que lhe reconhece, designadamente, o direito de participar nas deliberações sociais, mas que noutros casos lhe confere o direito à informação independentemente dos fins a que a possa destinar[5].
O art. 21, n.º 1, al. c) do CSC reconhece aos sócios em geral o direito à informação sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato social.
No que respeita às sociedades por quotas, como é o caso da aqui recorrida EMP01..., Lda., o direito à informação dos sócios fora das assembleias gerais encontra-se regulado e concretizado nos arts. 214º a 216º do CSC, e no art. 290º, n.º 1, ex vi, art. 214º, n.º 7, quanto é exercido em assembleia geral.
Nas sociedades por quotas, fora da assembleia geral, qualquer sócio pode requerer informações sobre a gestão da sociedade; pode consultar na sede social a respetiva escrituração, livros e documento (art. 214º, n.ºs 1 e 4 do CSC); e pode inspecionar os bens da sociedade (art. 214º, n.º 5 do CSC), sem ter de justificar ou motivar o seu pedido, o que se deve ao facto do art. 259º do mesmo Código condicionar o desenvolvimento da gerência das sociedades por quotas à vontade dos sócios[6].
Nas sociedades por quotas, o direito à informação dos sócios fora da assembleia geral pode, assim, manifestar-se por três modos distintos: como direito à informação em sentido estrito, que consiste no poder atribuído ao sócio de fazer perguntas à sociedade (normalmente, ao órgão de administração) sobre a vida social e de exigir que ela lhe responda verdadeira, completa e elucidativamente; como direito de consulta, traduzido no poder atribuído ao sócio de exigir à sociedade (ao órgão de administração) a exibição dos livros de escrituração e de outros documentos sociais, a fim de os examinar; e como direito de inspeção, que se traduz no poder atribuído ao sócio de exigir à sociedade (ao órgão de administração) o necessário para que vistorie os bens sociais[7].
Em qualquer uma dessas vertentes o direito à informação, que nas sociedades por quotas (contrariamente ao que acontece nas anónimas) é atribuído a qualquer sócio, independentemente do capital por ele detido, confere-lhe um verdadeiro direito potestativo, um direito de crédito a que a gerência da sociedade lhe preste a informação que lhe solicitou, de modo verdadeiro, completo e elucidativo, devendo essa informação ser prestada por escrito, se assim for solicitado (n.º 1 do art. 214º do CSC); lhe seja facultado acesso, na sede social, à respetiva escrituração, livros e documentos para que os possa pessoalmente consultar, assistido eventualmente (se assim o entender) por um revisor oficial de contas ou de outro perito, com a possibilidade de tirar cópias, fotografias ou de os reproduzir através de outros meios de reprodução, desde que tal se mostre necessário e se lhe não oponha motivo grave alegado pela sociedade (n.ºs 1 e 4 do art. 214º do CSC, ex vi, art. 576º do CC); e/ou que lhe seja facultado, na sede social, os bens sociais para que os possa inspecionar (n.º 4 do art. 214º do CSC).
Por sua vez, salvo os casos previstos no art. 215º, n.º 1 (disposição do contrato de sociedade que seja lícita à luz do disposto no n.º 2 do art. 212º e que vede ao sócio a informação por ele pretendida em qualquer uma daquelas três vertentes – direito à informação em sentido estrito, de direito de consulta ou de inspeção -; receio que o sócio utilize a informação que solicitou e que lhe seja facultada para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou quando a sua prestação ocasionar a violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros), a sociedade, através dos seus gerentes, fica constituída na correlativa prestação de facere perante o sócio, devendo-lhe prestar a informação que o mesmo lhe solicitou,  facultar-lhe o acesso à sua escrituração, livros e documentos para que os consulte e, bem assim, aos bens sociais para que os inspecione nas condições já enunciadas[8].
O direito à informação em sentido estrito que assiste aos sócios fora da assembleia geral encontra-se regulado para as sociedades por quotas nos n.ºs 1 a 3 do art. 214º, e traduz-se grosso modo na possibilidade daqueles de solicitar ao gerente ou gerentes (no caso de gerência coletiva) da sociedade esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, atuais e futuros, que integrem a “gestão da sociedade”.
No conceito “gestão da sociedade” está compreendida qualquer “informação sobre qualquer evento (ato ou omissão) da vida e do giro da social, seja nas relações entre sócios, na orgânica interna de funcionamento da sociedade ou nas relações da sociedade com pessoas a ela ligadas ou com terceiros, incluindo assuntos respeitantes às relações da sociedade com sociedades coligadas”. Essa informação pode incidir sobre atos já praticados (passados), atos presentes, e sobre atos cuja prática seja esperada (atos futuros), desde que possam fazer incorrer o seu autor em responsabilidade (n.º 3, do art. 214º do CSC)[9].
 O sócio que solicite informação em sentido estrito à gerência da sociedade relativa à gestão da sociedade, que exerça o direito à informação que lhe assiste na vertente de consulta ou de inspeção tem o direito potestativo a que a informação que solicitou lhe seja efetivamente prestada, a qual apenas lhe pode ser recusada, conforme antedito, nos termos do disposto no art. 215º.
Do ponto de vista da qualidade, a informação que seja facultada ao sócio que a pediu tem de ser, em função do padrão de um homem médio: verdadeira “(traduzindo uma descrição exata e coerente da realidade, sem subterfúgios ou elementos que induzam o requerente em erro), completa (conter, dentro da esfera de conhecimento obrigatório e imputável à gerência, todos os elementos necessários para resposta plena à solicitação do sócio, atento o teor do seu requerimento) e elucidativa (ser clara e esclarecer as dúvidas ou remover o desconhecimento acerca de factos, à luz do requerimento do sócio)”[10].
Quando a informação solicitada pelo sócio em qualquer uma daquelas vertentes lhe seja recusada ou a informação que lhe seja prestada seja presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, o art. 216º, n.º 1 do CSC confere-lhe o direito a requerer ao tribunal inquérito à sociedade.
O inquérito judicial em causa encontra-se regulado pelo disposto nos n.ºs 2 e seguintes do art. 292º do CSC (n.º 2, do art. 216º), disposição essa, cujo n.º 2 remete para o CPC, ou seja, trata-se da ação especial de inquérito à sociedade a que aludem os arts. 1048º a 1052º do CPC
A referida ação especial de inquérito à sociedade tem de ser instaurada pelo sócio a quem foi recusada a informação, ou a quem foi prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, e tem de ser instaurada contra a sociedade e, bem assim, os gerentes a quem o mesmo impute a irregularidade cometida (art. 1048º, n.º 2 do CPC), verificando-se, assim, uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre a sociedade e o gerente ou gerentes (no caso de gerência colegial) que sejam responsáveis pela não prestação da informação solicitada ao sócio demandante, ou a quem foi prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não esclarecedora.
Na petição inicial com que instaure a ação especial de inquérito judicial o sócio demandante tem de alegar “os fundamentos do pedido de inquérito e de indicar os pontos de facto que interessa averiguar e requerer a produção das providências que reputa convenientes” (art. 1048º, n.º 1).
Tal significa que o demandante tem de alegar, na petição inicial, a factualidade constitutiva do direito a que se arroga titular em ver a sociedade por si demandada submetida a inquérito judicial, competindo-lhe, por isso, alegar, nesse articulado base da ação, os factos essenciais integrativos da causa de pedir de onde faz emergir aquele direito, ou seja: a sua qualidade de sócio em relação à sociedade por si demandada; que solicitou à gerência ou à administração desta, no caso de sociedade anónima, determinada informação (que terá de concretizar); que a informação solicitada não lhe foi facultada, ou que, tendo-o sido, a informação que lhe foi facultada é presumivelmente falsa, incompleta ou não esclarecedora, alegando os concretos factos que assim permitam concluir (arts. 216º, n.º 1 do CSC, 5º, n.º 1 e 1048º, n.º 1) e terá de concretizar, em sede de pedido, de forma inequívoca, os elementos informativos a que pretende aceder. Por sua vez, recai sobre a sociedade ou os gerentes demandados alegarem (e, posteriormente, provarem) os factos extintivos e impeditivos que sustentem a licitude da recusa em prestarem a informação solicitada pelo sócio demandante[11].
A ação especial de inquérito à sociedade dos arts. 1048º a 1052º “divide-se em três fases: a fase da admissão do inquérito, em que o tribunal aprecia os motivos alegados pelo sócio requerente, decidindo se existe ou não fundamento bastante para que o inquérito seja ordenado (art. 1048º e 1049º do CPC); a fase de realização do inquérito, no decurso do qual serão realizadas as diligências probatórias necessárias relativamente aos pontos determinados pelo juiz (art. 1049º, n.ºs 2 a 4 do CPC), podendo ainda ser ordenadas medidas cautelares (art. 1050º do CPC); e a fase de conclusão do inquérito, em que, findo o procedimento de inquérito, o tribunal fixa a matéria de facto e profere decisão de procedência ou improcedência do pedido (art. 1051º, n.º4 do CPC)”[12]
Diferentemente da ação especial de inquérito judicial que acabamos de analisar é a ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade, que se encontra regulada no art. 67º do CSC, ex vi, art. 1048º, n.º 3 do CPC.
A ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade tem por fundamento exclusivo a circunstância de não ter sido apresentado dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e cujos fundamentos se relacionam com o disposto nos arts. 18º, 29º e 62º do Cód. Com., que obrigam as sociedades comerciais, enquanto comerciantes, a prestarem contas.
O dever de prestação de contas encontra-se especificamente previsto para as sociedades comerciais em geral no art. 65º, n.º 1 do CSC, e subdivide-se em dois deveres: a) o dever dos membros da administração de elaborarem anualmente o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei; e b) o dever de os submeterem aos órgãos competentes para a respetiva aprovação.
Destarte, o órgão de administração da sociedade comercial deve prestar, periódica e regularmente, aos sócios contas da atividade desenvolvida, para que estes, com base no conhecimento desses elementos, possam avaliar a qualidade e o resultado do desempenho da atividade de gestão da sociedade desenvolvida por aquele(s) a quem entregaram a sua gestão.
Para o efeito, o órgão de administração da sociedade encontra-se obrigado a elaborar as contas e o balanço de cada exercício e a produzir o relatório de gestão, em que relate a situação da sociedade relativamente a esse exercício, com o conteúdo mínimo prescrito no art. 66º do CSC, em que descreva e sintetize, em termos genéricos, os principais aspetos da vida societária no decurso daquele exercício social, mencionando os factos relevantes ocorridos desde o termo do anterior exercício até à data da conclusão do relatório, permitindo que a situação da sociedade seja conhecida dos sócios e dos demais stakeholders e, bem assim, a submeter esses documentos à aprovação dos sócios para apreciação e aprovação[13]
Mediante a obrigação imposta à administração de ter prestação de contas o legislador quis garantir que toda a informação sobre a situação patrimonial da sociedade e sobre a forma como é feita a sua gestão, seja elaborada e fornecida aos interessados, quer internamente (aos sócios) quer externamente (nomeadamente, aos credores sociais, trabalhadores, Estado, etc.).
Note-se que o interesse protegido pelas normas legais que impõem à administração a obrigação de prestar contas não é, assim, apenas o dos sócios, mas também o de terceiros, nomeadamente, o dos credores e dos potenciais futuros sócios e, inclusivamente, o interesse público do Estado, designadamente, em matéria fiscal.
O dever de prestação de contas encontra-se sujeito a um conjunto de princípios gerais, que se encontram enunciados no art. 65º do CSC, a saber: a periodicidade (de acordo com o qual o relatório de gestão e as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas devem ser preparados pela administração da sociedade com uma regularidade anual - n.º 1, do art. 65º); a legalidade ( nos termos do qual a elaboração daqueles documentos deve obedecer ao disposto na lei, que o contrato de sociedade pode complementar, mas não derrogar - n.º 2, do art. 65); a subscrição (em função do que o relatório de gestão e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração, devendo a recusa de assinatura por qualquer deles ser justificada no documento a que respeita e explicada pelos próprios perante o órgão competente para a sua aprovação, ainda que já tenha cessado funções - n.º 3 do art. 65º); e, finalmente, a tempestividade (nos termos do qual o relatório de gestão, as contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente para a sua aprovação e por este apreciados dentro dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito - n.º 5 do art. 65º)[14].
O dever de prestar as contas do exercício anual e, consequentemente, o ónus de elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestações de contas e de apresentá-los ao órgão competente para a respetiva aprovação recai sobre os membros da administração (n.º 1 do art. 65º do CSC), ou seja, nas sociedades por quotas, sobre a gerência (art. 252º, n.º 1, 259º, 260º e 263º do CSC).
Para o efeito, os gerentes encontram-se obrigados a elaborar anualmente o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e a apresentar esses documentos ao órgão competente para os apreciar e aprovar (que, nas sociedades por quotas, é a assembleia geral de sócios – art. 246º, n.º 1, al. e) do CSC – que para tal terá de ser convocada pela gerência), regra geral, no prazo de três meses a contar do encerramento de cada exercício anual (n.º 5 do art. 65º do CSC), ou seja, até 31 de março do ano seguinte.
Caso não o façam nos dois meses seguintes até ao termo daquele prazo, ou seja, até ../../.... do ano subsequente ao termo de cada ano de exercício, fica conferido a qualquer sócio o direito a requerer que se proceda a inquérito judicial à sociedade (art. 67º, n.º 1 do CSC).
Enfatize-se que o dever de prestar contas é correlativo ao direito dos sócios e é independentemente do direito daqueles à informação, em qualquer uma das suas vertentes (direito à informação em sentido estrito, de consulta ou de inspeção) a que alude o art. 214º do CSC.
A falta de apresentação do relatório de gestão, das contas do exercício e/ou dos demais documentos de prestação de contas pela gerência à assembleia geral de sócios (órgão social que, nas sociedades por quotas, tem competência para apreciação e eventual aprovação de tais documentos), decorridos que sejam dois meses sobre o termo legal do prazo fixado para o efeito, ou seja, em regra, até ao dia ../../.... do ano seguinte ao termo de cada exercício anual, confere, como antedito, nos termos do n.º 1, do art. 67º do CSC, o direito a qualquer sócio a requerer ao tribunal que proceda a inquérito judicial à sociedade.
 Trata-se do processo especialíssimo de inquérito que se encontra regulado nesse art. 67º, em que, uma vez instaurada a ação, observado o contraditório em relação aos gerentes (no caso de sociedade por quotas) ou aos administradores (no caso de sociedade anónima), cumpre ao juiz proferir decisão, julgando procedentes ou improcedentes as razões que venham a ser alegadas para a falta de apresentação das contas.
Caso julgue procedentes essas razões, cumpre ao julgador fixar um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que as contas sejam apresentadas; de contrário, cabe-lhe  nomear um, de entre os gerentes ou administradores, para que elabore o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas em falta, fixando-lhe prazo para o efeito, e para que as submeta ao órgão competente para a sua aprovação, que caso não as aprove, confere ao administrador nomeado pelo tribunal a faculdade de submeter, nos próprios autos de inquérito em curso, a divergência, que proferirá decisão final de aprovação ou de rejeição dessas contas  (art. 67º, n.ºs 2 a 5 do CSC, ex vi, art. 1048º, n.º 3 do CPC)[15].
O processo de inquérito judicial que se encontra regulado no art. 67º do CSC é, portanto, um processo especialíssimo, que não se confunde com o processo especial de prestação de contas dos arts. 1048º a 1052º do CPC, em virtude de ambos os processos terem fundamentos (causas de pedir) distintos e encontrarem-se submetidos a uma regulamentação jurídica própria.
O processo especialíssimo de inquérito judicial do art. 67º do CSC tem por fundamento exclusivo a circunstância do relatório de gestão, as contas do exercício e/ou os demais documentos de prestação de contas não terem sido apresentados pela gerência ou pela administração da sociedade de forma tempestiva ao órgão competente para a sua aprovação e estarem decorridos mais de dois meses sobre o termo do prazo legal fixado para o efeito, enquanto o processo especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC tem por fundamento, entre os demais casos já supra identificados, a violação do direito dos sócios à informação fora das assembleias gerais em qualquer uma das suas três vertentes em que este se desdobra.
No entanto, cumpre relembrar que quando o sócio demandante alegue como fundamento para a instauração da ação de inquérito judicial à sociedade a não apresentação do relatório de gestão, as contas do exercício e/ou os demais documentos da prestação de contas a par da violação do seu direito à informação em qualquer uma das modalidades acima já enunciadas em que esse direito se desdobra (informação em sentido estrito, de direito de consulta e/ou de inspeção), o meio de reação contra essas omissões e violações já não é o processo especialíssimo de inquérito à sociedade do art. 67º do CSC, mas antes o processo especial de prestação de contas dos arts. 1048º a 1052º do CPC.
Contudo, à semelhança do que acontece com a ação especial de inquérito judicial à sociedade, também o sócio que instaure a ação especialíssima de inquérito judicial do art. 67º do CSC encontra-se onerado com o ónus da alegação dos factos essenciais constitutivos da causa de pedir em que fundamenta/justifica o seu direito de ver submetida a sociedade a inquérito judicial, tendo, assim, no que respeita a esta concreta ação especialíssima, de alegar, na petição inicial (e posteriormente provar, com vista a obter a procedência da ação), a sua qualidade de sócio em relação à sociedade demandada; que o relatório de gestão, as contas do exercício e/ou os demais documentos de prestação de contas não foram apresentados pela gerência/administração ao órgão competente para a sua aprovação (a assembleia geral de sócios), estando já decorridos mais de dois meses sobre o termo do prazo fixado pelo art. 65º daquele Código para a sua apresentação[16].

A.1- Do caso concreto.

Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, a recorrente instaurou, no Juízo Local Cível de ..., ação especial de prestação de contas contra EMP01..., Lda. e BB, alegando ser sócia e gerente da sociedade demandada, mais o último; ter sido afastada da gerência da sociedade demandada pelo demandado BB; que este tem exercido exclusivamente a gerência da sociedade e que lhe vem sonegando informação relativa à vida societária, ao não lhe permitir o acesso à sua sede, contas, contabilidade e demais documentos daquela, além de ter procedido à venda do património societário, sem lhe dar conhecimento acerca desses negócios e sobre o destino dado ao produto dessas vendas, e que vem efetuando o pagamento de despesas próprias com os meios financeiros da sociedade requerida.
Conforme bem ponderou a Instância Local Cível, atenta a causa de pedir que foi alegada pela recorrente na petição inicial em que a mesma fundamentou/justificou a sua pretensão em que os recorridos (demandados) lhe prestem contas, essa sua pretensão assenta na violação do seu direito subjetivo, enquanto sócia da sociedade demandada, à informação em sentido amplo, mais concretamente, na violação do seu direito à informação em sentido estrito (ao pretensamente ter-lhe sido sonegada informação quanto aos pretensos negócios de compra e venda dos bens societários celebrados pelo gerente demandado em representação daquela e quanto ao destino que deu ao produto dessas vendas) e, bem assim, à violação do seu direito à consulta da escrituração, livros e documentos da sociedade demandada, para o que, a ação adequada para pôr cobro a essas pretensas violações e obter a informação pretendida não é a ação especial de prestação de contas, mas sim a ação especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC.
Destarte, para além da recorrente ter incorrido em erro na forma do processo, o Juízo Local Cível é materialmente incompetente para conhecer da ação adequada à sua pretensão (isto é, a ação especial de inquérito judicial à sociedade), tudo conforme se encontra decidido nos autos, por despacho proferido pela Instância Local Cível, transitado em julgado, que julgou procedente a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, e ordenou a remessa dos autos ao Juízo do Comércio.
Acontece que, impendendo sobre a recorrente, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 e 1048º, n.º 1 do CPC, o ónus de alegar os factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu e em que fundamentou/justificou o pedido em ver a sociedade recorrida submetida a inquérito judicial, por despacho proferido pelo Juízo de Comércio, em 16/01/2024, aquela foi convidada a concretizar os factos específicos reportados aos arts. 4º, 8º, 9º, 11º, 13º e 14º da petição inicial em que funda o seu pedido, esclarecendo quais os específicos documentos e informações que em concreto solicitou ao requerido e que não lhe foram prestados.
Sucede que, no articulado que juntou aos autos em 29/01/2024, a recorrida não cuidou em suprir as insuficiências alegatórias de que padecia a petição inicial ao nível da causa de pedir que aí elegeu para fundamentar/justificar aquele pedido (a violação do seu direito à informação em sentido estrito e na vertente de direito à consulta), conforme foi convidada a fazer, mas antes operou uma alteração da causa de pedir que alegou na petição inicial originária, não consentida pelos arts. 264º e 265º do CPC (os quais condicionam a alteração da causa de pedir a acordo das partes – art. 264º -  ou, na ausência deste, aos casos em que a alteração da causa de pedir for consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, e a alteração da causa de pedir seja feita por este no prazo de dez dias a contar da aceitação – n.º 1 do art. 265º -, o que não é manifestamente o caso dos autos, em que os recorridos nenhuma intervenção tiveram nos autos, apesar de terem sido regulamente citados para a ação) ao alegar, no art. 10º desse articulado que, durante o período em que o recorrido BB vem a exercer em exclusivo as funções de gerente da sociedade “não foram prestadas as respetivas contas”, e no art. 16º que: “o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não foram apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no número 5 do artigo 65º do CSC (3 meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual)”, conforme, aliás, foi logo corretamente denunciado pela 1ª Instância no despacho que proferiu em 12/02/2024, onde consignou  que, “na sequência do convite que foi dirigido, veio a mesma apresentar novo articulado, através do qual altera o objeto da causa”.   
Tendo a 1ª Instância indeferido liminarmente a petição inicial com fundamento de que a recorrida não alegou, na petição inicial e na posterior petição corrigida que apresentou, “ter tomado a iniciativa da consulta de quaisquer elementos societários pertinente aos pontos que pretende por esta via ver apurados” e, bem assim, que não existe “alegação de que decorra que a sociedade haja recusado proporcionar a consulta desses elementos, ou que tenha, de algum modo, dificultado o seu acesso” e que, por isso, aquela não alegou/justificou a pretensa violação do seu direito à informação, nas alegações de recurso, a recorrente não questiona o acerto do assim decidido, acerto esse que, aliás, salvo  o devido respeito por opinião contrária, é indiscutível.
Com efeito, em lugar algum da petição inicial originária e na posterior concretização da facticidade que nela alegou, que realizou, em 29/01/2024, jamais a recorrente alegou ter solicitado qualquer informação ao recorrido BB (gerente da sociedade recorrida) e que este lhe recusara as concretas informações que eventualmente lhe solicitara, pelo que, quanto à violação do direito à informação, como corretamente foi decidido pela 1ª Instância (o que, reafirma-se, nem sequer é colocado em crise pela recorrente, pelo que, quanto a esse segmento decisório a decisória recorrida transitou em julgado), a petição inicial enferma do vício da ineptidão, por falta de alegação de causa de pedir.
O que a recorrente alega é que, na petição inicial, alegou como fundamento (causa de pedir) da sua pretensão em ver submetida a sociedade recorrida a inquérito judicial a circunstância do gerente (o recorrido BB) não ter apresentado o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas ao órgão competente para a sua aprovação (a assembleia geral de sócios) nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado para o efeito, no n.º 5 do art. 65º do CSC. Mas, antecipe-se, desde já, sem razão.
Com efeito, na petição inicial que originariamente apresentou, a recorrente jamais alegou como fundamento da sua pretensão (pedido) em ver a sociedade recorrida submetida a inquérito judicial o facto do recorrido BB (enquanto gerente da sociedade recorrida), durante o período em que vem exercendo a gerência, após a ter alegadamente excluído das funções de gerente, “nunca ter prestado contas”, mas sim a violação do seu direito à informação em sentido amplo, ou seja, quer na sua vertente de direito à informação em sentido estrito, quer na vertente de direito de consulta.
A alegação da recorrente de que o recorrido BB, durante o período de tempo em que vem exercendo exclusivamente as funções de gerente da sociedade recorrida, “nunca apresentou contas” e, bem assim, que “o relatório de gestão, as contas do exercício e os documentos de prestação de contas não foram apresentados nos dois meses seguintes ao termos do prazo fixado no n.º 5 do art. 65º do CSC” foi apresentada pela primeira vez no articulado que apresentou em 29/01/2024, na sequência do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, e consubstancia, por isso, uma alteração ilegal da causa de pedir que alegou na petição inicial originária para suportar o pedido, não consentida pelos arts. 5º, n.º 1, 264º, 265º, n.º 1 e 552º do CPC, por implicar uma violação do princípio do dispositivo, e que, por isso, não podia ser considerada pela 1ª Instância no âmbito do despacho recorrido.
Daí que, independentemente dos restantes fundamentos que são invocados pela 1ª Instância no despacho recorrido, com fundamento nos quais indeferiu liminarmente a petição inicial, “por não se verificarem os pressupostos a que se reconduz o objeto desta ação, a que alude o art. 1048º do CPC”,  o que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, se reconduz tecnicamente ao vício da ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir, geradora de indeferimento liminar quando detetada no despacho liminar e, quando detetada posteriormente, consubstancia uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que dele devia ter conhecido no despacho saneador, a não ser que se considerasse sanada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e geradora da absolvição da instância dos réus (recorridos), ao não conhecer daquela causa de pedir (o que lhe estava legalmente vedado), a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que lhe são assacados pela recorrente.
Decorre do excurso antecedente que, com a precisão de que tendo o despacho de indeferimento liminar sido proferido já após os recorridos terem sido citados para os temos da presente ação, não podia a 1ª Instância proceder ao indeferimento liminar da petição inicial, mas antes se impunha que, nos termos do disposto nos arts. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a), 196º, 1ª parte, 200º, n.º 2, 576º, n.ºs 1 e 2, e 577º, al. a) do CPC, tivesse julgado procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir, e tivesse absolvido os recorridos da instância, impõe-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, com a referida precisão.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Quando o inquérito judicial à sociedade seja requerido com fundamento (causa de pedir) na não apresentação pela gerência da sociedade demandada, dentro do prazo legal estabelecido para o efeito, do relatório de gestão, das contas do exercício e/ou dos demais documentos de prestação de contas e o decurso de mais de dois meses sobre o termo daquele prazo, a ação adequada para exigir a prestação de contas não é a ação especial de prestação de contas dos arts. 941º e ss. do CPC, nem a ação especial de inquérito à sociedade dos arts. 1048º a 1052º do CPC, mas sim a ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade do art. 67º do CSC.
2- A ação especial de prestação de contas do art. 1048º a 1052º do CPC é o meio de reação adequado, entre outros fundamentos, quando o sócio demandante alegue como fundamento (causa de pedir) da sua pretensão em ver a sociedade submetida a inquérito judicial, a violação do seu direito à informação fora assembleia geral em qualquer uma das suas vertentes (direito à informação em sentido estrito, de direito de consulta e/ou de inspeção) ou quando, a par dessa causa de pedir, alegue ainda como fundamento dessa sua pretensão os fundamentos indicados no ponto anterior (os quais, quando alegados isoladamente são fundamento para a instauração da ação especialíssima de inquérito judicial à sociedade do art. 67º do CSC).
3- Em ambas as ações, para a viabilidade do inquérito à sociedade, é exigido ao sócio que o requeira que alegue, na petição inicial, um mínimo de factos que permitam ver reunidos os respetivos pressupostos, sob pena da petição inicial por si apresentada ser inepta, por falta de alegação da causa de pedir.
4- No caso de ação especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC, cabe ao sócio demandante alegar, na petição inicial, os factos essenciais atinentes à sua qualidade de sócio em relação à sociedade demandada; os relativos à informação que solicitou à gerência desta (concretizando qual a concreta informação que solicitou em qualquer uma das vertentes – informação em sentido estrito, de direito à consulta e/ou de inspeção); que essa informação lhe foi recusada, ou que a informação que lhe foi prestada é presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa (alegando os factos concretos que assim permitam concluir).
5- Já na ação especialíssima de inquérito judicial do art. 67º do CSC, cabe-lhe alegar, na petição inicial, os factos essenciais relativos à sua qualidade de sócio em relação à sociedade demandada e que o relatório de gestão, as contas do exercício e/ou os demais documentos de prestação de contas não foram apresentados pela gerência ou administração daquela ao órgão competente para os aprovar (assembleia geral de sócios ou conselho geral de acionistas) apesar de estarem decorridos mais de dois meses sobre o prazo legal estabelecido para o efeito.
6- Tendo a demandante instaurado ação especial de prestação de contas contra uma sociedade (de que é sócia) e o gerente desta, com fundamento na violação do seu direito à informação em sentido estrito (sonegação de informação quanto aos negócios de compra e venda do património societário realizados pelo gerente e destino dado ao produto dessas vendas) e do direito à consulta (impedimento ao acesso à escrituração e demais elementos contabilísticos da sociedade, a fim de os analisar/consultar), ocorre erro na forma de processo, sendo o processo adequado para conhecer da pretensão da demandante o processo especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052º do CPC.
7- Tendo o tribunal convidado a demandante a concretizar a facticidade absolutamente genérica que alegara na petição inicial, especificando quais os concretos documentos/informações que solicitou ao gerente e que não lhe foram prestados, não podia aquela vir alegar que o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas da sociedade não foram apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5, do art. 65º do CSC, por tal implicar uma alteração da causa de pedir que alegara na petição inicial originária, fora dos condicionalismos legais dos arts. 264º e 265º, n.º 1 do CPC.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida, com a precisão de que tendo esta sido proferida já após os recorridos terem sido citados para os termos da presente ação, impõe-se julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir e, em consequência, absolve-se os recorridos EMP01..., Lda. e BB da instância.
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Custas do recurso pela recorrente dado ter nele ficado “vencida” (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 12 de junho de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 2ª Adjunta

 

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abílio Neto, “Novo Código de processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, Ediforum, pág. 1068, nota 2; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, págs. 490 e 491, nota 8.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta
[4] António Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 4ª ed., Almedina, pág. 769, em que expende: “Se a informação que o sócio pretende obter consta do relatório de gestão, das contas do exercício e dos demais documentos e prestação de contas, não tendo tais documentos sido apresentados aos competentes órgãos sociais, deverá, sob pena de erro na forma de processo (que é de conhecimento oficioso), desencadear o inquérito judicial às contas regulado no art. 67º, para o qual remete o art. 1048º, n.º 3 do CPC. Se o sócio exigir aceder a outras informações que não apenas as constantes daqueles documentos (ainda não apresentados ou não elaborados), o inquérito judicial, pelo art. 216º do CSC, deverá seguir a tramitação dos arts. 1048º, n.ºs 1 e 2 e 1049º a 1052º do CPC. Por respeitar à falta de apresentação dos documentos de prestação de contas, e não a todas e quaisquer informações societárias, a norma do art. 67º do CSC é especial face à do art. 216º”.
No mesmo sentido, Jorge M. Coutinho de Abreu (Coord.), “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Almedina, págs. 855 e 856.
Na jurisprudência: Acs. R.G., de 23/01/2020, Proc. 1846/12.2TBVCT.G1 (relatado pelo aqui relator); de 31/10/2018, Proc. 32/18.2T8BCG.G1; de 23/01/2014, Proc. 114/12.4TBPTL.G1; R.L., de 1712/1998, CJ, t. V, págs. 148 a 150. 
[5] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Curso de Direito Comercial (Das Sociedades)”, vol. II, 7ª ed., pág. 247.
[6] Paulo Olavo da Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, págs. 391 e 392.
[7] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Curso de Direito Comercial (Das Sociedades)”, vol. II, 7ª ed., Almedina, pág. 247.
[8] Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, pág. 305.
Ac. RL., de 02/12/1992, CJ. T. 5º, págs.129 a 131.
[9] António Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 759 e 760.
[10] António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 760.
[11] António Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 768 e 769, onde pondera que: “O requerente tem o ónus de alegar e provar a sua qualidade de sócio, que solicitou a informação à sociedade, que a informação solicitada foi recusada, que a recusa era ilícita ou que foi prestada informação falsa, incompleta ou não elucidativa (seja na vertente do direito à informação em sentido estrito, seja do direito à consulta ou do direito de inspeção), devendo concretizar, de forma inequívoca, os elementos informativos a que pretende aceder. Sobre a sociedade, recai o ónus de alegar e provar os factos extintivos e impeditivos que sustentam a licitude da recusa. O inquérito não poderá servir para que o requerente, por essa via, aceda a informação que fundaria uma recusa lícita por parte da sociedade. Não se poderá, pois, subverter, pelo inquérito, a ponderação entre a divulgação de informação e a reserva em que assentam os arts. 214º e 215º”. 
No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 489, nota 3, em que postulam que, na ação especial de inquérito judicial à sociedade, regulada nos arts. 1048º e segs. do CPC, “cabe ao requerente deste processo alegar a factualidade concreta constitutiva do direito invocado (v.g. falsidade da informação solicitada ou a sua insuficiência), não basta meras suspeitas de irregularidades. O requerente precisará os elementos informativos que se pretende conhecer (“pontos que a diligência deve abranger” – n.º 2 do art. 1049º), havendo quem defenda que a omissão de tal pedido deve ser sancionada com a improcedência, na fase liminar, do pedido de inquérito (Lemos e Cunha, “O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas”, ROA, 75º, t. 1, pág. 344), quando, na verdade, é caso para emissão de despacho de aperfeiçoamento (art. 590º, n.º 3)”.
Ainda Paulo Olavo Cunha, ob. cit., pág. 411, onde se lê: “Em qualquer circunstância ao exercer o direito de informação, na vertente judicial (isto é, recorrendo ao inquérito judicial), o sócio (ou acionista) deve fundamentar o seu pedido – alegando a insatisfação do seu direito e a recusa injustificada da informação -, e sustentando-o «em factos concretos».
Na jurisprudência: Ac. STJ., de 29/10/2013, Proc. 3829/11.0TBVCT.G1.S1; R.P., de 8/03/2018, Proc. 2929/16.5T8STS.P1; de 21/01/2000, Proc. 0050849; R.L, de 28/02/2019, Proc. 2929/16.5T8STS.P1, lendo-se neste último que: “Quem pretende a realização de inquérito judicial à sociedade deve alegar, no respetivo requerimento inicial, os fundamentos do pedido de inquérito. Os fundamentos do pedido da ação especial do inquérito judicial a uma sociedade por quotas são: (i) a recusa de informação; (ii) ou a prestação de informação presumivelmente falta, (iii) ou prestação de informação não esclarecedora. Não invocando que tenha solicitado informações à gerência da sociedade nem que esta lhe tenha recusado, a requerente não respeitou o ónus de alegação dos factos constitutivos/justificativos do seu direito de ação de inquérito judicial à sociedade”.
[12] António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 768.
[13] Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., págs. 946 a 954.
[14] Tese de Mestrado de Cláudia Sofia Monteiro Pereira, intitulada “A Prestação de Contas e o Regime Especial da Invalidade das Deliberações”, julho de 2014, in internet.
[15] Ac. RL. de 18/06/2019, Proc. 4701/18.3T8LSB.L1-1.
[16] Acs. RG., de 23/01/2020, Proc. 1846/12.2BVCT.G1; de 31/10/2018, Proc. 32/18.2T8BCG.G1; de 23/01/2014, Proc. 114/12.4TBPTLG1; RL., de 20/09/2011, Proc. 554/10.3TYLSB.L1-7, lendo-se neste que ainda que a ação especial de inquérito judicial dos arts. 1048º a 1052 do CPC seja uma ação de jurisdição voluntária, “não basta a invocação genérica que não lhe é prestada “qualquer informação”. Mesmo em processo de jurisdição voluntária, como é o caso, não está o interessado dispensado do ónus de trazer uma configuração fáctica mínima, capaz de sustentar a viabilidade da ação (arts, 264º, n.º 1, 467º, n.º 1, al. d) e 1409º, n.º 2 do CPC). E, na hipótese concreta, o que se permite inferir é que o apelante jamais dirigiu à gerência societária uma interpelação ajusta, dirigida a um esclarecimento sobre algum facto, ou factos, da vida societária”.