Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
100/12.4TBMSF-A.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
GARANTIA REAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1- O contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro.
2- Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo, no contrato de abertura de crédito essa entrega, de dinheiro necessariamente, pode, ou não, ocorrer e, ocorrendo, pode ser feita em diferentes modalidades.
3- Além disso, essa entrega pode, ou não, ter lugar em conta corrente; não é absolutamente necessário que seja feita directamente ao mutuário; e, por regra, só essa entrega é objecto de garantias pessoais ou reais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- Por apenso à execução que a C.., CRL, instaurou contra M.. e A.., veio a referida executada deduzir, no dia 11/06/2013, oposição, pedindo que se declare que “o título hipotecário dado à execução não constitui título executivo e, em consequência, prosseguindo é certo a execução, não beneficia a exequente da garantia hipotecária…”. Isto porque, em síntese, nunca a exequente concedeu qualquer crédito ao abrigo dessa mesma garantia.
2- Contestou a exequente defendendo a solução contrária; ou seja, que o crédito exequendo foi concedido ao abrigo de um contrato de abertura de crédito hipotecariamente garantido e, como tal, não pode deixar de ser assim assegurado.
Pede, por isso, a improcedência desta oposição e a condenação da oponente como litigante de má-fé, em multa e indemnização, não devendo esta última ser inferior a 10.000,00€.
3- O executado foi chamado a intervir junto da opoente/executada.
4- Finda fase dos articulados, foi proferido despacho saneador e ainda fixada a matéria de facto assente e controvertida.
5- Seguiu-se a audiência de julgamento, no final da qual, conforme fora comunicado às partes na sessão anterior, ocorrida no dia 27/05/2014, foi proferido despacho com os factos provados, não provados e respectiva fundamentação.
6- Após, foi proferida sentença que julgou a presente oposição totalmente improcedente e em consequência determinou o normal prosseguimento do processo de execução comum.
Além disso, condenou os executados como litigantes de má-fé, no pagamento de:
- Uma multa que fixou em 2 UC’s, a suportar pela opoente/executada M.. e uma multa de 4 UC’s a suportar pelo chamado/executado A..;
- Uma indemnização a favor do exequente, no montante de 1.000,00€, a suportar pela opoente/executada M.. e uma indemnização a favor do exequente, no montante de 3.000,00€, a suportar pelo chamado/executado A...
7- Inconformados com esta sentença, dela recorrem ambos os executados, concluindo as suas alegações recursivas do modo seguinte:
“1.º No caso dos autos ocorre nulidade de sentença prevista no art.º 615.° n.º 1 al. b).
2° Isto porque não obstante o Tribunal a quo dar como provado o facto vertido nas al. V) WW) e X) desconhece-se em que alicerçou tal conclusão, sendo a Sentença totalmente omissa quanto aos elementos de prova que permitiram aquela conclusão.
3.º A situação supra exposta configura nulidade de sentença prevista no art.º 615.° n.º 1 al. b).
4.º A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607.° n.º 2 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
5.º Estatui o artigo 607°, nº 3 do Código do Processo Civil que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos fatos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
6° Face ao exposto verifica-se nulidade de sentença prevista no art.º 615.° n.º 1 al. b), a qual expressamente se argui.
Isto posto,
7.° O Tribunal a quo entendeu que in casu, a Escritura de Abertura de Crédito acompanhado da Garantia Bancária, da notificação a peticionar o pagamento das quantias adiantadas pelo credor do empréstimo e o cheque da Exequente como garante a entregar o montante em dívida e respetiva quitação é título executivo bastante.
8° A posição assumida em sede de Oposição à execução, é a de que a Escritura Pública de Abertura de Crédito com Hipoteca não pode ser vista como parte integrante de um título executivo mais complexo, desde logo por não deter com os demais documentos juntos (garantia bancária) qualquer correlação.
9° Quanto à Exequibilidade do título apresentado - Escritura de Abertura de Crédito com Hipoteca, entende a Recorrente que não pode a presente execução valer-se da garantia hipotecária e respetiva Escritura de Abertura de Crédito.
10° Isto porque, como se refere no contrato de Abertura de Crédito, na cláusula primeira “A C.. abre a favor dos primeiros outorgantes um crédito até à quantia de duzentos e cinquenta mil euros, para solicitação dos capitais que necessitam, sendo considerados neste limite todos os empréstimos até hoje concedidos ou a conceder sob qualquer das formas vigentes”. E na cláusula Terceira “Os primeiros outorgante usarão do referido crédito por meio de letras ou quaisquer escritos particulares representativos dos empréstimos que solicitarem...”
11° Efetivamente, não podem os Executados refutar a validade do título executivo composto pela livrança.
12° Acontece que, no que concerne ao Contrato de Abertura de Crédito não pode aceitar a sua consideração como complemento de título executivo, desde logo porque tal trará implicações ao nível da cobrança de juros, que já não poderá ser pela taxa peticionada em sede de requerimento executivo mas antes à que se mostra estipulada para a concessão da garantia bancária, sendo a mesma totalmente omissa a respeito.
13° O mesmo se diga relativamente ao pedido formulado na sequência da cumulação de execuções, segundo o qual se mostra peticionada a quantia exequenda de €242.802,13 e o qual já nem se mostra alicerçado por qualquer livrança subscrita pelos Executados, mas tão só pela Garantia Bancária e prova do pagamento do valor de €224.433, 74.
14° Pressuposto para que este documento valha como título executivo é que seja comprovada a concessão de qualquer crédito, o que poderia ser feito através da simples junção de um extrato de conta.
15° Na escritura pública referida na execução, os outorgantes acordaram uma abertura de crédito, no valor de € 250.000 condicionada até manutenção da “conveniência de ambas as partes”, o qual seria utilizado “por meio de letras ou quaisquer escritos particulares representativos dos empréstimos que solicitarem (Cláusula 3ª da escritura de abertura de credito).
16° Ora, a escritura pública dos autos, figurando a dita “abertura de crédito” bancário, está condicionada à prova da titularidade ou concessão dos respetivos empréstimos efetuados ao abrigo daquela escritura pública.
17° Isto é, está sujeita à efetiva prova da utilização do crédito numa só utilização ou em várias desde que até ao limite concedido
18° Acontece que, como a própria Exequente aceita em sede de Contestação, com a celebração do contrato de abertura de credito não foi concedido qualquer crédito,
19° A verdade é que nenhum crédito foi concedido naquela data e a garantia de hipoteca prestada cingiu-se a garantir contratos de crédito já concedidos ou a conceder.
20º Não sendo feita qualquer relação entre a garantia e o contrato de abertura de crédito, não pode a mesma ser tida e conta como título executivo nos presentes autos.
21.° Ou seja, está efetivamente sujeita ao disposto no art.º 50º CPCiv, nos termos do qual, se nos documentos exarados por notário se convencionarem prestações futuras, haverá que provar, através de documento passado em conformidade com tal clausulado, que alguma prestação foi realizada ou alguma obrigação constituída, na sequência da previsão das partes.
22° Porém, a abertura de crédito não pode valer como título executivo porque da mesma não decorreu nenhuma utilização de crédito.
23º Ou seja, a presente execução não está abrangida pela presente escritura e respetivas garantias hipotecárias.
24° Porque nunca a exequente concedeu qualquer crédito ao abrigo da citada escritura.
25° E isto tem importância e especial significado ao nível do benefício hipotecário e natureza dos créditos, bem como no que concerne a eventual aplicação e juros.
26° Pelo exposto, na presente execução não existe garantia hipotecária e, deste modo, é inexequível a mesma garantia.
27º Finalmente, no que à condenação como litigante de má-fé respeita, julgam os Executados inexistir qualquer matéria relevante para efeitos de consideração dos Executados como litigantes de má-fé.
28° A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça ou a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar.
29° Pressupostos que não se mostram verificados in casu.
30º Pois, se se atentar à posição assumida pelos próprios Executados, como bem se refere na d. sentença trata-se de uma alegação jurídica, de um entendimento jurídico da questão em apreço, que julgamos legítimo e aliás através do presente recurso reiteramos.
31.° Aliás, no próprio articulado de Oposição à execução, no qual os Executados juridicamente revelam a sua posição é dito “Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações a exequente só poderia ter seguido pela via da ação declarativa, munindo-se do único título que possui, a escritura de abertura de crédito, e não pela via executiva para obter a sua pretensão.
32° Deste modo entendemos com o devido respeito que é muito e merecido que não existe má-fé”.
Pedem, assim, que se declare nula ou, subsidiariamente, revogada a sentença recorrida e, em sua substituição, seja proferida outra decisão que julgue esta oposição procedente, julgando a escritura de abertura de crédito e hipoteca inexequível, e revogue ainda a condenação dos executados como litigantes de má-fé.
8- A exequente respondeu pugnando pela confirmação do julgado.
9- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objecto
Inexistindo, no caso em apreço, questões de conhecimento oficioso, o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 660.º n.º 2, “in fine”, 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil anterior ao que actualmente vigora, por força do disposto no artigo 6.º n.º 4 da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, uma vez que esta oposição foi deduzida no dia 11/06/2013, sendo daquele diploma primeiramente indicado todas as disposições citadas sem outra menção de origem), é constituído pelas seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação;
b) Em segundo lugar, aferir se o crédito exequendo beneficia, ou não, da garantia hipotecária constituída pela escritura pública de abertura de crédito celebrada entre a exequente e os executados;
c) E, por fim, decidir se deve manter-se a condenação dos executados como litigantes de má-fé.
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2- Fundamentação de facto
Vem provada, sem impugnação neste recurso, a seguinte factualidade relevante:
A. Do documento intitulado “Garantia Bancária”, consta a “C.., CRL (...), tendo tomado perfeito conhecimento dos termos e condições do mútuo gratuito de € 250.000,00 (...), concedido pela U.., S.A., a A.., contribuinte fiscal n,º .., (...), casado com M.., contribuinte fiscal n.º.. (...), no âmbito do acordo de compra exclusiva celebrado entre ambas, declara pela presente constituir-se fiador e principal pagador à referida U.. de todas as obrigações pecuniárias que, por força do referido empréstimo, vierem a resultar para a mutuária, até à sua integral liquidação. (...)” - documento junto com o requerimento executivo a folhas 08 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
B. No aludido documento consta ainda que “A presente garantia abrange não só a dívida do capital da referida operação mas ainda os respectivos juros, indemnização pelo incumprimento e demais encargos que se mostrem devidos. Esta C.. obriga-se assim, incondicional e irrevogavelmente, a pagar ao primeiro pedido da U.., S.A., todas as importâncias que, nos termos expostos, forem devidas a esta sociedade, renunciando, desde já, a qualquer objecção ou meios de defesa de que eventualmente pudesse vir a prevalecer-se. O valor da presente garantia poderá ser deduzido, semestralmente, na exacta medida das prestações do empréstimo já comprovadamente pagas pelo mutuário, desde que a U.., solicitada por escrito por este, dê a sua concordância a cada redução e a comunique por escrito à C... Esta garantia é valida até 15/04/2014 (90 dias após a data do termo previsto para a indemnização do empréstimo)” - documento junto com o requerimento executivo a folhas 08 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
C. No mencionado documento figura a data de 15 de Janeiro de 2009 - documento junto com o requerimento executivo a folhas 08 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
D. Do documento intitulado “Prestação de Garantia”, com data de 15 de Janeiro de 2009, consta que A.. e M.., “(...) em garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas pelo presente pedido, ou dele emergentes, deixo uma livrança por mim subscrita, em branco, a favor da C.., CRL, ficando V. Exªs autorizadas a preenche-la, fixando-lhe a data, o vencimento, que poderá ser à vista, o montante da garantia, respectivas comissões contratuais e quaisquer outras despesas, sempre que a C.. venha a substituir-me no pagamento” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 10 dos autos principais, e cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
E. Da livrança, junta como título de crédito, consta o valor de € 77.589,01, a data de 27 de Setembro de 2012, com a assinatura dos subscritores “A..” e “M..” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 09 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
F. Da escritura pública, intitulada “Abertura de Crédito com Hipoteca”, datada de 26 de Janeiro de 2009, figuram como primeiros outorgantes “A.. (...) e mulher M..” e como segundo outorgante a “C.., CRL” a declararem que “ajustam e reduzem à presente escritura um contrato de abertura de crédito com hipoteca nos termos seguintes:
a. A C.. abre a favor dos primeiros outorgantes um crédito até à quantia de duzentos e cinquenta mil euros, para solicitação dos capitais que necessitam, sendo considerados neste limite todos os empréstimos até hoje concedidos ou a conceder e utilizados sob qualquer das formas vigentes. (...)
b. Os primeiros outorgantes usarão o referido crédito por meio de letras ou quaisquer escritos particulares representativos dos empréstimos que solicitarem. A quantia mutuada vence juros, postecipados e contados dia a dia, à taxa de juro nominal que resultar da média aritmética simples das cotações diárias da taxa EURIBOR a seis meses, durante o mês anterior a cada período semestral de contagem e arredondada à milésima de ponto percentual, por excesso se a quarta casa decimal for igualou superior a cinco, ou por defeito, se for inferior, e depois acrescida do spread de quatro vírgula seiscentos e trinta e cinco pontos percentuais, o que traduz na taxa de juro nominal actual de oito por cento ao ano. (...)
c. O crédito aberto cessará quando as importâncias em dívida se considerarem imediatamente exigíveis ou quando os primeiros outorgantes não cumprirem as suas obrigações como sócios ou como mutuários da C.., tornando-se incursos nas penalidades previstas na lei sobre Crédito Agrícola Mútuo. (...)
d. Para garantia do presente contrato e das obrigações acessórias, os primeiros outorgantes hipotecam, a favor da “C..” (...), com toda a plenitude e nos termos legais, com todas as benfeitorias e acessões, designadamente quaisquer construções já feitas ou que venham a fazer, os seguintes imóveis, todos os situados na freguesia de Vila Marim, concelho de Mesão Frio (...)” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 12 a 18, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
G. Os prédios que constam no documento acima referido são:
a. o prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio, sob o n.º .., inscrito na matriz predial rústica sob o número .. e na matriz predial urbana sob o número..;
b. O prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio, sob o n.º.., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..;
c. O prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio, sob o número .., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..;
d. O prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio, sob o número .., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo .. (documento junto com o requerimento executivo, a folhas 12 a 18, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).
H. Do aludido documento consta ainda que “Durante a vigência deste contrato, os primeiros outorgantes obrigam-se a não alinear ou onerar, por qualquer forma, ou a dar de arrendamento os prédios ora hipotecados, nem a praticar acto que, de algum modo, possa limitar, restringir ou anular esta garantia, sem o consentimento escrito da “Caixa”, sob pena de se vencer automaticamente todo o empréstimo a partir da data de verificação de tais factos, tornando-se exigível e em mora a dívida garantida pela presente hipoteca (...)” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 12 a 18, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
L. Da carta, datada de 01 de Junho de 2012, e enviada à exequente, em que figura como remetente “B.., S.A.” e como destinatária a “C.., CRL”, pode ler-se “Assunto: Accionamento de Garantia Bancária emitida a 15 de Janeiro de 2009 a favor de U.., S.A. e destinada a assegurar obrigações do nosso cliente A... (...) Nos termos e para os efeitos previstos no contrato de garantia em epígrafe, vimos comunicar a V. (s) Exª (s) que a garantia em referência deixou de cumprir a obrigação de reembolso do capital mutuado emergente do contrato de compra exclusiva com mútuo gratuito celebrado a 30.03.2009. Com efeito, tendo-se obrigado a restituir a quantia mutuada de € 250.000,00, em 48 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira no valor de € 5.224,00 e as restantes 47 no valor de € 5.208,00 cada, vencendo-se a primeira no dia 2 de Maio e as restantes nos mesmos dias dos meses subsequentes, constata-se que, até à presente data, a sociedade não liquidou as últimas 12 prestações. Face ao exposto, vimos solicitar, como beneficiários das garantias bancárias supra, o pagamento imediato da quantia de € 72.912,00 (...), que constitui o valor relativo às 12 prestações vencidas e não pagas na presente data, mantendo-se a garantia bancária válida, nos seus precisos termos, relativamente ao remanescente. (...)” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 19 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
J. Da carta, datada de 15 de Junho de 2012, e enviada pela exequente à “B.., S.A”, em que figura como remente a “C..” e como destinatária “B.., S.A”, pode ler-se que “Em resposta ao vosso ofício referenciado em epígrafe, somos de enviar cheque si Caixa Central, com o n.º 6517375274, no valor de € 72.912,00 (...), para liquidação das prestações vencidas e não pagas da garantia bancária, de acordo com o disposto no contrato de utilização. Solicitamos recibo de quitação. ( ... )” -documento junto com o requerimento executivo, a folhas 20 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
K. Do cheque número 6517375274, enviado pela exequente à “B.., S.A”, juntamente com a carta acima mencionada, figura a data de 15 de junho de 2012, o valor de € 72.912,00, emitido pela “C..” à ordem de “B.., S.A” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 21, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
L. Da carta, datada de 21 de Junho de 2012, em que figura como remetente “B.., S.A” e como destinatária a “C.., CRL”, pode ler-se “Assunto: Quitação de valores em dívida liquidados ao abrigo da Garantia Bancária emitida a 15 de Janeiro de 2009 a favor de U.., S.A e destinada a assegurar obrigações do nosso cliente A... ( ... ) B.., S.A vem pela presente declarar que recebeu da C.. CRL a quantia de € 72.912,00 ( ... ) em cumprimento das obrigações assumidas através da garantia bancária melhor identificada em epígrafe, quantia da qual damos completa e total quitação, mantendo-se a referida garantia em vigor nos demais termos acordados. (...)” - documento junto com o requerimento executivo, a folhas 22 dos autos principais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
M. Ainda se mantém a garantia bancária relativa ao remanescente.
N. Apesar de várias interpelações da exequente, os executados ainda não efectuaram o pagamento da referida quantia, não obstante nunca terem questionado o pagamento efectuado pela exequente.
O. Corre termos neste Tribunal, sob o n.º 135/12.7TBMSF, em que são autores R.. e M.. e em que são réus A.. e M.. e ainda o aqui exequente, acção declarativa, mediante a qual os autores peticionam a resolução do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 14 de Junho de 2012, bem como o reconhecimento do direito de retenção para garantia do crédito de € 190.000,00 - documento junto a folhas 29 a 58, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
P. O mencionado contrato-promessa e acção declarativa dizem respeito aos prédios descritos em G. b) e c) - documento junto a folhas 29 a 58, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
Q. Os réus A.. e M.. não contestaram a acção declarativa acima mencionada - documento junto a folhas 29 a 58, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
R. Corre termos neste Tribunal, sob o n.º 136/12.5TBMSF, em que são autores R.. e M.. e em que são réus A.. e M.. e ainda o aqui exequente, acção declarativa, mediante a qual os autores peticionam a resolução do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 09 de Julho de 2012, bem como o reconhecimento do direito de retenção para garantia do crédito de € 90.000,00 - documento junto a folhas 59 a 86, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
S. O mencionado contrato-promessa e acção declarativa dizem respeito aos prédios descritos em G. a) e d) - documento junto a folhas 59 a 86, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
T. Os réus A.. e M.. não contestaram a acção declarativa acima mencionada - documento junto a folhas 59 a 86, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
U. Na data de 15 de Janeiro de 2009, e no contexto descrito em D. e E., não foi entregue qualquer quantia monetária à opoente / executada;
V. Os executados, incluindo a oponente, bem sabiam e sabem que foi sua vontade constituir hipoteca sobre os imóveis identificados em G.;
W. Para garantir o cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária referida em A.;
X. O executado A.. sabia e sabe que se não tivesse constituído hipoteca sobre os imóveis identificados em G. para garantia do cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária referida em A., o exequente não teria aceite prestar-lhe a garantia bancária autónoma.
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3- Fundamentação jurídica
3.1- Da alegada nulidade da sentença recorrida
Deriva esta nulidade, como vimos, da falta de fundamentação que os Apelantes imputam à sentença recorrida. Concretamente, por nela não se terem alegadamente discriminado os elementos de prova que serviram de suporte à demonstração dos factos descritos nas als. V) WW) e X) dos Factos Provados.
Ora, deve desde já adiantar-se que esta crítica não é certeira.
E não o é porque, embora a referida sentença não contenha, em si mesma, a motivação de facto, ou seja, a explicitação dos motivos que levaram à fixação dos ditos factos como provados, também não tinha de a ter.
Na verdade, à presente oposição, como já dissemos, é ainda aplicável o regime processual civil pretérito (por força do disposto no artigo 6.º, n.º 4, da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho). E, de acordo com ele, o julgamento da matéria de facto era objecto de despacho autónomo, proferido logo após o encerramento da discussão (artigo 653.º do referido Código de Processo Civil). Não tinha, por isso, de transitar para a sentença, que se cingia ao aspeto jurídico da causa.
Ora, no caso presente, foi, justamente, este regime que foi observado.
Finda a discussão, no dia 27/05/2014, foram as partes notificadas de que a audiência prosseguiria no dia 11/06/2014. E neste foram publicitados as respostas à matéria de facto controvertida, bem como a respectiva motivação.
De modo que, mostrando-se cumprido todo o ritualismo legalmente prescrito e não tendo a sentença recorrida de conter, como no regime atual, o julgamento da matéria de facto, não se verifica a nulidade que os Apelantes lhe imputam.
3.2- Passemos, agora, à análise da questão seguinte; ou seja, à questão de saber se o crédito exequendo beneficia, ou não, da garantia hipotecária, constituída pela escritura pública de abertura de crédito celebrada entre a exequente e os executados
Na sentença recorrida respondeu-se afirmativamente a esta questão. Mas os Apelantes continuam a sustentar o contrário. O crédito exequendo - dizem eles - não resultou daquele contrato de abertura de crédito mas, sim e apenas, do contrato de garantia celebrado com a U.., S.A., ainda que conjugado com a livrança exequenda e, portanto, nunca aquele crédito pode beneficiar da garantia hipotecária já referenciada. Até porque – acrescentam – nenhuma utilização do financiamento concedido pelo contrato de abertura de crédito em questão se mostra comprovada nos autos, designadamente através da junção de qualquer extrato de conta, o que indica, claramente, que não existe nenhuma conexão entre o crédito exequendo e aquele mesmo contrato.
Ora, desde já podemos adiantar que este modo de ver não merece a nossa concordância.
E não merece porque, desde logo, parece partir de um pressuposto que, a nosso ver, é erróneo. Isto é, reduz o contrato de abertura de crédito a uma só das suas modalidades - a abertura de crédito em conta corrente -, quando podem ser configurados outros tipos.
Efetivamente, no seu núcleo essencial, o contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro.
Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo (artigo 1142.º do Código Civil) [1], no contrato de abertura de crédito essa entrega, de dinheiro necessariamente, pode, ou não, ocorrer e, ocorrendo, pode ser feita em diferentes modalidades.
Assim, por exemplo, no contrato de abertura de crédito simples, quando bancário, o cliente, embora possa utilizar parcialmente o capital, nunca o reutiliza depois de devolvido ao banco.
Já no contrato de abertura de crédito em conta-corrente passa-se, justamente, o contrário. O cliente, para além de poder fazer utilizações parciais do crédito, pode ainda reutilizar os seus próprios reembolsos, desde que não ultrapasse, em cada momento, a diferença entre o capital em dívida e o limite máximo de crédito concedido, conforme acordado entre as partes [2].
Por sua vez, no contrato de abertura de crédito documentário, o banco abre, a pedido do respectivo cliente, um crédito a favor do fornecedor deste último, assumindo o banco o compromisso de pagar àquele mesmo fornecedor o preço dos bens e/ou serviços fornecidos, contra a entrega dos documentos estipulados no contrato. É uma modalidade muito utilizada no comércio internacional, mas o que lhe é característico é que a entrega do capital mutuado é sempre feita a um terceiro, ou seja, ao fornecedor do cliente do banco, a pedido desse mesmo cliente, servindo o contrato de abertura de crédito também como garantia de pagamento do fornecimento. Até porque “[o] crédito é, em princípio, irrevogável, nos termos do nº 2, do artº 1170º, CC, por se tratar de um contrato em benefício de terceiro, sem prejuízo de as partes convencionarem uma cláusula específica sobre a revogabilidade ou a irrevogabilidade. E é transferível, sempre que o beneficiário fique com o direito de instruir o banco encarregado do pagamento (que tanto pode ser o emitente como um banco intermediário) de tornar o crédito utilizável por terceiro. Na modalidade irrevogável, o crédito documentário é, além disso, autónomo em relação ao negócio subjacente, sendo-lhe indiferentes as excepções que o ordenante-importador e o beneficiário-exportador poderiam opor um ao outro” [3].
Numa outra modalidade, o contrato em causa pode ser configurado também como contrato de abertura de crédito garantido; ou seja, um contrato mediante o qual o creditante se assegura, previamente, regra geral, do reembolso do capital mutuado, através de garantias, pessoais e/ou reais, prestadas pelo creditado. O que lhe é característico é que o risco garantido não está associado à abertura de crédito em si mesma, mas aos créditos futuros dela emergentes.
E poderíamos continuar a equacionar outros tipos de contratos de abertura de crédito. Dentro dos limites da lei, as partes podem ordenar e tutelar livremente os seus interesses (artigos 398.º e 405.º, do Código Civil). Podem, assim, celebrar contratos de abertura de crédito escolhendo alguma das modalidades já indicadas, misturar características dessas modalidades ou mesmo estabelecer um clausulado distinto. Mas já não podem, sob pena de desvirtuar o modelo contratual, alterar o objecto do próprio contrato, que é, sem dúvida, uma prestação de disponibilidade de crédito. Como contrato preliminar que é, o contrato de abertura de crédito tem por objecto essa prestação de disponibilidade e não, propriamente, a utilização efectiva do crédito [4]. Por isso se diz que não é um contrato real; ou seja, um contrato que exija para a sua formação a entrega efectiva do capital cujo mútuo foi prometido. Além disso, como já vimos também, essa entrega pode, ou não, ter lugar em conta corrente; não é absolutamente necessário que seja feita directamente ao mutuário; e, por regra, só essa entrega é garantida pelos reforços suplementares em relação ao património do devedor.
Ora, partindo destes pressupostos e analisando a factualidade provada, cremos ser evidente que os Apelantes não têm razão nas suas objecções quanto à solução encontrada na sentença recorrida.
Assim, começa por não ser verdade que a prova da concessão do crédito exequendo tivesse de ser feita pela junção aos autos de qualquer extracto de conta bancária (clª 14ª). Efetivamente, não se tratando de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, o mútuo controvertido podia ser feito por qualquer meio em direito permitido, que não apenas e necessariamente através de conta bancária. Aliás, tal como tinha sido convencionado (“…por meio de letras ou quaisquer escritos particulares representativos dos empréstimos” - Ponto F, b) dos Factos Provados. E, efectivamente, assim sucedeu, através de um cheque que a exequente entregou à credora dos Apelantes, para saldar uma dívida dos mesmos.
É certo que essa entrega também foi feita no cumprimento de uma obrigação própria da Apelada, ou seja, no cumprimento do contrato de garantia que a mesma celebrou com aquela credora. Mas, em simultâneo, a dita entrega gerou na esfera jurídica dos Apelantes uma dívida que não pode deixar de se considerar assegurada pela garantia constituída com a abertura de crédito. É que, como se provou, “[o]s executados, incluindo a oponente, bem sabiam e sabem que foi sua vontade constituir hipoteca sobre os imóveis (…) [p]ara garantir o cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária (…)”.
Aliás, como também se provou, “[o] executado, A.. sabia e sabe que se não tivesse constituído hipoteca sobre os (ditos) imóveis (…) para garantia do cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária (…), a exequente não teria aceite prestar-lhe a garantia bancária autónoma”.
É, pois, bem patente a ligação da referida hipoteca ao contrato de garantia.
E a tal não obsta a circunstância do contrato de abertura de crédito ter sido celebrado posteriormente ao contrato de garantia.
Efetivamente, além de resultar do contrato primeiramente referido que o mesmo se destinava a assegurar todos os empréstimos até então “concedidos ou a conceder”, a verdade é que o facto gerador do mútuo foi a transferência patrimonial concretizada através do cheque já referenciado e não a abertura do crédito propriamente dita, que não envolve, por si só, como vimos, qualquer efeito real.
Daí que, a todas as luzes, se deva considerar que a exequente dispõe, tal como se sentenciou, de título executivo hipotecariamente garantido.
3.3- Por fim, resta aquilatar se deve manter-se a condenação dos executados como litigantes de má-fé.
Os Apelantes entendem que não; que se limitaram a defender uma tese jurídica legitima, no sentido de que o crédito exequendo não beneficia da hipoteca constituída com a abertura de crédito e, portanto, nenhuma censura lhe pode ser dirigida.
Mas a nosso ver, mantendo-se, como se mantém, inalterada a factualidade provada, é inegável que os Apelantes não podiam sustentar, honestamente, tal posição.
Efectivamente, provou-se, como dissemos, que “[o]s executados, incluindo a oponente, bem sabiam e sabem que foi sua vontade constituir hipoteca sobre os imóveis (…) [p]ara garantir o cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária (…)”.
Além disso, também se provou, “[o] executado, A.. sabia e sabe que se não tivesse constituído hipoteca sobre os (ditos) imóveis (…) para garantia do cumprimento das suas obrigações decorrentes do pedido de concessão da garantia bancária (…), a exequente não teria aceite prestar-lhe a garantia bancária autónoma”.
Por conseguinte, pretender sustentar nesta oposição que o crédito exequendo não pode beneficiar da referida hipoteca é, não só infundado, como contrário à vontade contratual dos Apelantes.
Ora, o artigo 8.º do Código de Processo Civil é bem explícito ao impor às partes o dever de agir de boa-fé. E agir de boa-fé pressupõe, como estabelece o artigo 542.º, n.º 2, do mesmo Código, que não se deduza pretensão ou oposição sem fundamento cognoscível; que não se altere a verdade dos factos ou omitam factos relevantes para a decisão da causa; que não se pratique omissão grave do dever de cooperação; e que não se use o processo ou os meios processuais de modo reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Pois bem, como vimos, os Apelantes deduziram esta oposição, claramente, contra aquilo que sabiam ter sido a sua vontade contratual.
De modo que a sentença recorrida, também neste aspecto, não pode deixar de ser confirmada. O que significa, em suma, que este recurso só pode ser julgado totalmente improcedente.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, mantém-se na íntegra a sentença recorrida.
- Porque decaíram na sua pretensão, as custas serão suportadas pelos Apelantes - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Guimarães, 17/12/2015
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Francisca Mota Vieira
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[1] Cfr. neste sentido, por exemplo, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, Wolter Klumer Portugal/Coimbra Editora, pág. 90.
[2] O que, note-se, nada tem a ver com o contrato de conta-corrente previsto no artigo 344.º do Código Comercial, uma vez que o banco, além de só estar a obrigado a fazer a entrega do capital mutuado se e quando o cliente o solicitar, também tem direito ao reembolso integral desse capital e não apenas ao saldo da conta-corrente, pois, em rigor, não há lugar a qualquer compensação com o valor do crédito que não foi utilizado, por o banco dele não ser devedor.
[3] Ac. STJ de 03/04/2003, Proc.º 03B910, consultável em www.dgsi.pt
[4] No sentido de que o contrato de abertura de crédito é um contrato preliminar, pronunciou-se o Ac. STJ de 08/06/1993, CJ, ano I, tomo III, pág.3, Ac. STJ de 10/12/1997, Proc. 97B671, consultável em www.dgsi.pt.