Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4884/20.8T8GMR.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
ASSESSOR TÉCNICO
AVALIAÇÃO DO DANO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RESERVA DA VIDA PRIVADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. No domínio processual civil (acção de indemnização por danos resultantes de acidente rodoviário), a possibilidade de, ao abrigo do nº 3, do artº 480º, CPC, no âmbito de perícia médico-legal, as partes assistirem à inspecção (de coisa ou de pessoa) e de se fazerem acompanhar por assessor técnico nos termos previstos no artº 50º, constitui emanação dos princípios do contraditório e da audiência contraditória: não são admitidas nem produzidas provas sem que àquela a quem hajam de ser opostas seja garantida pronúncia sobre as provas pré-constituídas e a intervenção nos actos de preparação e de produção das provas constituendas – artºs 3º e 415º.
2. Para efeitos da ressalva prevista na parte final daquela norma, o conceito de pudor, posto que não plasmado na lei, desaparecida a formulação que criminalmente o ligava à moralidade sexual e uma vez recentrada a necessidade de protecção jurídica na intimidade pessoal integrante da reserva da vida privada, deve reflectir a normatividade ínsita aos artºs 26º, nº 1, da CRP, e 80º, do Código Civil.
3. Susceptíveis, assim, de violarem aquela intimidade, por desencadearem atitude de resistência, constrangimento, embaraço, vergonha, mal-estar ou receio, serão os actos que impliquem a exposição ou a observação de certas zonas do corpo humano, a expressão de sensações ou sentimentos do foro subjectivo e a revelação do estado mental e psíquico da pessoa, normalmente contidos pela discrição e preservados do conhecimento de estranhos.
4. Na aplicação concreta de tal conceito (relativo à pessoa, ao tempo e às circunstâncias), são de ponderar e de considerar, casuisticamente, factores diversos, como a personalidade e modo-de-ser individuais, o ambiente social em que ela se insere e os costumes por si vivenciados, bem como a sua sensibilidade e os padrões de moralidade, designadamente sexual, por que se norteia, o nível do recato, decência e modéstia por que se pauta e, consequentemente, a extensão e densidade consequentes do reduto dentro do qual cultiva e preserva a sua intimidade pessoal.
5. Alegando a examinanda (autora) sequelas psíquicas derivadas das lesões sofridos em atropelamento e dos tratamentos a que foi sujeita e sua carência de tratamento e de acompanhamento psiquiátrico, queixando-se, no exame pericial de avaliação do dano, de síndrome depressivo diagnosticado e tratado há oito anos em termos sugestivos de recidiva, que levaram o perito a requisitar perícia de psiquiatria forense para completar o seu relatório, não parece, conjugados os dados pessoais conhecidos, as circunstâncias relativas ao evento, às lesões e aos tratamentos, à luz da pretensão indemnizatória formulada e do prognóstico (baseado na conjugação desses dados com as regras da experiência judicial) sobre a natureza, âmbito e extensão da inspecção e averiguações de que aquele irá necessitar, ser susceptível de ofender o seu pudor a requerida assistência da ré seguradora e seu assessor técnico, a ponto de tal impedir e de, assim, limitar o direito desta ao contraditório.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO [1]

A autora M. M., nascida em ..-05-1952, intentou, em 12-10-2020, no Tribunal de Guimarães, contra as rés Seguradoras “X” e “Y”, acção declarativa, sob forma comum, pedindo a condenação de uma ou de outra (individualmente), ou de ambas (solidariamente)[2], a pagar-lhe indemnização, por danos, no montante liquidado de 66.000€ e no que se vier a liquidar ulteriormente e, ainda, em juros.

Fundamentou-se, em síntese [3], na alegação de que, em 11-11-2017, como peão, foi vítima de um “duplo” atropelamento, com projecção e queda no solo do qual lhe resultaram lesões corporais traumáticas (designadamente fracturas dos ossos do nariz e da clavícula) que implicaram a sua condução ao Hospital, onde lhe foi prestada assistência. Apesar de ter tido alta nesse dia, foi sujeita a variados exames, consultas e tratamentos clínicos que se prolongaram até Dezembro de 2018. Sofreu (e continuará a sofrer) prejuízos de diversa natureza (também ao nível psíquico e exigentes de tratamentos psiquiátricos).[4]

Entre outros meios, requereu a produção de prova pericial (ao abrigo dos artºs 467º e sgs, do CPC), mediante arbitramento, através de exame médico-legal na sua pessoa, a realizar pelos serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, indicando como seu objecto [5], resumindo, as questões de facto (artº 475º) conexionadas com a descrição das lesões sofridos em consequência do evento, sequelas (físicas e psíquicas) daí resultantes e respectiva avaliação.

Na audiência prévia, foram pelo tribunal enunciados, como temas de prova, além de outros, os das alíneas b), d), e) e i), relativos ao apuramento das lesões, respectivas sequelas, sua repercussão pessoal e funcional no dia-a-dia, designadamente as “consequências emocionais”.

O tribunal deferiu, então, a perícia requerida e fixou como seu objecto a “avaliação do dano corporal, devendo incluir a resposta aos quesitos enumerados pela autora”.

Realizou-se o exame. Do relatório preliminar respectivo [6], além do mais, consta que, no capítulo de “queixas”, a examinanda referiu, quanto a “cognição e afetividade”, padecer de “síndrome depressivo com diagnóstico há 8 anos com acompanhamento pela médica de família, tendo sido medicada com antidepressivos”, terapêutica que teria “interrompido cerca de 1,5 anos antes do acidente em apreço por sentir «melhoria»” mas terá “retomado …logo após”, por se sentir «muito em baixo, com muita tristeza outra vez porque foram dois acidentes…fiquei muito doente outra vez da cabeça», afirmando sentir mais impacto essencialmente a nível do padrão do sono e «perda de vontade de fazer as coisas»”. Não foram apresentadas conclusões definitivas. Pelo Perito foram, antes, solicitados o processo clínico completo existente na seguradora e a realização de perícia de psiquiatria forense.

Então, a ré “Y” requereu ao tribunal, “ao abrigo do disposto no artº 480º, nº 3, do CPC, se digne autorizar a sua assistência à aludida diligência, devidamente representada por assessor técnico”, indicando para o efeito o nome de uma Médica Psiquiatra.

Notificada a autora “entre mandatários” deste requerimento, não consta que sobre ele se tenha pronunciado.

Seguidamente, com data de 28-09-2021, foi proferida a seguinte decisão:

“Quanto à presença de assessor técnico no exame da especialidade de psiquiatria:
O facto de a perícia ser médico-legal não afeta a possibilidade de controlo das partes da diligência, nos termos do que resulta no artigo 480º/3, do Código do Processo Civil (CPCiv), pelo menos quando está em causa a avaliação de dano em direito civil.
Com efeito, contrariamente às perícias médico-legais efetuadas em processos de natureza criminal, em que o artigo 3º/1, da Lei n.º 45/2004, de 19.08 [que aprovou o Regime Jurídicos das Perícias Médico-Legais e Forenses], expressamente afasta a faculdade de designação de consultar técnico [quando dispõe que é inaplicável o artigo 155º, do Código do Processo Penal], no caso de processos de natureza cível, não há norma que derrogue a disposição geral prevista no artigo 480º/3, do CPCiv.
Assim, a admissibilidade da assistência de assessor técnico está balizada pelos limites constantes do artigo 480º/3, parte final, do CPCiv (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.02.2019, proferido no processo n.º 961/18.3T8VFR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Quando está apenas em causa a avaliação do dano corporal, em regra, por referência à citada norma do artigo 480º/3, do CPCiv, tem este Tribunal admitido a intervenção das partes e do respetivo assessor técnico, mas ressalvando-se a parte do exame atinente à perscrutação de repercussões das sequelas a nível sexual, por se entender que essa presença, quanto a esta matéria, seria suscetível de ofender o pudor do examinando.
Do mesmo passo, entende-se que, atento o caráter íntimo subjacente ao exame da especialidade de psiquiatria, está vedada a presença das partes e de assessores técnicos, por serem passíveis de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor.
Nesta medida, indefere-se o requerido sob a REFª: 39609512.
Notifique.”

A ré “Y” não se conformou e apelou a que esta Relação revogue tal decisão, tendo assim concluído as suas alegações de recurso:

“1. A Apelante requereu ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 480.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que fosse autorizada a sua assistência ao exame da especialidade de psiquiatria, representada por assessor técnico, concretamente a Exma. Senhora. Dra. M. A., médica psiquiatra.
2. A A. não apresentou qualquer oposição a tal requerimento.
3. No despacho recorrido foi considerado que “atento o caráter íntimo subjacente ao exame da especialidade de psiquiatria, está vedada a presença das partes e de assessores técnicos, por serem passíveis de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor.”.
4. Uma médica psiquiatra, na qualidade de assessora técnica, a representar a parte, está adstrita a deveres de respeito, independência, autonomia e sigilo, pelo que a sua presença jamais será susceptível de afetar a liberdade da examinanda, e muito menos de pôr em causa o seu pudor.
5. Nos presentes autos, o estado psicológico da A. é parte integrante da matéria de facto alegada na petição inicial, é fundamento do pedido apresentado nos autos e está inserido nos temas de prova fixados pelo Tribunal a quo.
6. A presença de uma médica psiquiátrica num exame da especialidade de psiquiatria, na qualidade assessora técnica, integra o direito de defesa da Apelante, de forma a que a mesma possa tomar a devida posição sobre o relatório pericial que se produzirá, por um lado, e, por outro, para poder avaliar os reflexos de tal perícia médica para com a matéria de facto objecto dos temas de prova.
7. Destarte, o despacho recorrido, ao indeferir a assessoria técnica requerida, violou o disposto nos artigos 4.º, 50.º e 480.º n.º 3 do Código de Processo Civil,
8. Sendo certo que, através da correta interpretação das supra referidas normas jurídicas, deve o despacho supra identificado ser revogado, e ser deferido o pedido da Apelante de se fazer representar pela Exma. Senhora Dra. M. A., médica psiquiatra, no exame da especialidade de psiquiatria.

Termos em que, sem prejuízo do sempre douto suprimento que se espera de V. Exas., devem as conclusões de recurso ser julgadas totalmente procedentes, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, com as ulteriores consequências legais, como é de Justiça!”

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.[7]

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado, com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivos, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.

Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento.

As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [8]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [9]

Ora, no caso, urge fazer uma precisão necessária.

O requerimento da ré solicita a “sua assistência” ao exame.

Porém, logo de seguida, parece sugerir não estar nas suas intenções a comparência do seu representante orgânico nem a do seu mandatário forense constituído no processo [10], pois que, ao definir que tal se concretize por um certo modo de actuar por ela própria adverbiado como bastante – “devidamente representada por assessor técnico”, como expressou –, daí pode deduzir-se que apenas a comparências deste tem em vista e que, afinal, prescinde da “sua”.

Não sendo isto irrelevante em face do que dispõe o nº 3, do artº 480º - “as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico” –, a verdade é que tal questão não foi enfrentada nem decidida, concretamente, pelo tribunal a quo, no despacho recorrido.

Ao invés, nele referindo este, em termos genéricos, que tem admitido “a intervenção das partes e do respectivo assessor técnico, mas ressalvando-se a parte do exame atinente à perscrutação de repercussões das sequelas a nível sexual” e acabando por decidir que, no caso sub judice, “entende-se que, atento o carater íntimo subjacente ao exame da especialidade de psiquiatria, está vedada a presença das partes e de assessores técnicos, por serem passíveis de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor”, com este fundamento excluiu qualquer possibilidade de assistência, seja da própria parte seja do seu assessor técnico.

Assim, em função do alcance do julgado, na impugnação está compreendida, apenas, a questão de saber se a presença conjunta (parte e seu assessor) não se reveste daquela susceptibilidade ofensiva, a despeito do entendimento seguido.

Não o pode estar, porque – repete-se – tal não foi objecto de pronúncia nem esta omissão foi arguida, a questão de saber se, caso porventura aquela potencialidade lesiva não se verifique e, portanto, esta posição não deva ser acolhida, o nº 3, do artº 480º, permite a assistência apenas do assessor (desacompanhado da parte a assessorar) e na simultânea qualidade de representante desta.

Por isso que não adianta discutir aqui – como inutilmente fizeram recorrente e recorrida nas suas alegações – se tal presença (singular) de assessor, dada a sua qualidade de técnico (médico) e, no caso, o seu especial estatuto (profissional), bem assim os deveres (deontológicos) associados ao seu exercício, afastam a possibilidade de qualquer ofensa relevante do pudor da examinanda e garantem adequadamente o sigilo requerido pelo acto.

Tratar-se-á, pois, de responder à pergunta: no caso concreto, a presença da parte (ré Y), no acto inspectivo (inerente à perícia médico-legal de psiquiatria forense), assistida por médico psiquiatra, ao abrigo do nº 3, do artº 480º, CPC, como seu assessor técnico, não é – ao contrário do decidido – susceptível de ofender o pudor da autora examinanda e, por tal motivo, não devia tal presença ter sido indeferida?

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Relevam, para decisão da enunciada questão recursiva, os factos descritos no precedente relatório e aqueles para que se remete, emergentes dos próprios autos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A ponderação da natureza, extensão e profundidade da inspecção (pressuposta para realização da perícia e para elaboração do relatório com o respectivo resultado), consequentemente a definição e avaliação do seu “carácter íntimo subjacente” e o prognóstico quanto à necessidade de invasão do último reduto pessoal da examinanda e, em conclusão, o juízo sobre se a “presença das partes e de assessores técnicos” é “passível de afetar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor”, impõem, além do apelo aos conceitos normativos correspondentes e susceptíveis de serem convocados, a análise rigorosa da situação concreta de que se parte, na sua dimensão fáctica.

Não basta, para consolidar e afirmar um certo “entendimento”, partir da afirmação de que se está em presença de um “exame da especialidade de psiquiatria” e que lhe subjaz um “carater íntimo” para daí se concluir que ele é “passível de afectar a liberdade do examinando e de pôr em causa o seu pudor” em termos vedantes da presença da parte e do seu assessor técnico, assim excepcionalmente se restringindo àquela o direito de ao mesmo assistir e de fazer ao perito as observações que entenda, como decorre do artº 480º, nºs 3 e 4, que mais não é do que um afloramento particular da regra mais geral estatuída no artº 415º segundo a qual “não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória” e esta do fundamental princípio do contraditório (artº 3º).

É necessário, pois, desde logo em observância do dever de fundamentação da decisão (artº 154º), examinar detidamente o caso em concreto, de modo a poder concluir-se, justamente, se ele exige a aplicação da ressalva legal – susceptibilidade de ofender o pudor ou de implicar quebra de qualquer sigilo – e se ela se harmoniza pacificamente com a restrição ao exercício do direito da parte.

Impõe-se-nos, então, com método, começar por enquadrar legal e conceitualmente o problema, subsumir-lhe, depois, a situação concreta e, por fim, concluir com a resposta à questão colocada.
*
Como é sabido, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial – artº 388º, do Código Civil.

Sendo embora livremente fixada pelo tribunal a força probatória das respostas dos peritos, não é necessário enfatizar a importância da descrição e da apreciação especializada destes e, por isso, da participação das partes no exame para o efeito cometido àqueles, no exercício do seu direito a contraditoriamente participar na produção da prova e de influenciar a decisão – artº 389º, CC.

Nos termos do artº 480º, do Código de Processo Civil, ordenada a perícia e definido o seu objecto, os peritos procedem à inspecção e averiguações necessárias à elaboração do relatório no qual hão-de exprimir o resultado daquelas e pronunciar-se, fundamentada e conclusivamente, sobre o dito objecto – nº 1 (conjugado com o artº 484º, nº 1).

Se o considerar necessário, o juiz assiste à inspecção – nº 2.

Além disso, “As partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos do artº 50º, salvo se a perícia for susceptível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer protecção” – nº 3.

Nesse ensejo, “As partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários” – nº 4.

O artº 50º, nº 4, para cujos termos aquele nº 3 remete a concretização da referida assistência por assessor, define que “o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direcção deste e não pode produzir alegações orais”.

Enquanto que, na perícia, a inspecção e averiguações necessárias ficam a cargo do perito e, portanto, o meio de prova é intermediado por ele, na inspecção judicial propriamente dita, uma vez que a percepção dos factos sob averiguação é feita directamente pelo juiz, cabe a este realizá-la e, nesse
âmbito, inspecionar coisas e pessoas – artºs 390º, do Código Civil, e 490º, nº 1, do CPC.


Neste caso, diversamente do que sucede naquele, o técnico acompanha o juiz e a respectiva intervenção, naturalmente orientada por este no âmbito da presidência do acto que lhe compete, visa elucidá-lo sobre a averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar – artº 492º, nº 1.

Semelhantemente, porém, as partes “podem, por si ou por seus advogados, prestar ao tribunal os esclarecimentos de que ele carecer, assim como chamar a sua atenção para os factos que reputem de interesse para a resolução da causa” – artº 491º.

Na perícia, o papel de inspector cabe ao perito. A sua missão é responder às questões definidas no objecto dela, pré-fixado. O juiz e as partes assistem. Podem estas fazer-lhe as observações que entendam, quiçá as que lhe sejam sugeridas pelo seu assessor técnico – nºs 2 a 4, do artº 480º, e 476º.

Na inspecção, o papel de inspector cabe ao juiz. A tarefa consiste em perceber e se esclarecer directamente sobre factos que interessem à decisão da causa (os que se integrem nos temas da prova). O técnico designado acompanha o tribunal, para o elucidar sobre a averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar. As partes presentes podem, no acto, chamar a atenção do juiz para os factos que reputem de interesse para a resolução da causa – artºs 490º a 492º.

Como a tal propósito bem se distinguiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-11-2018 [11] diferentemente de um consultor (como o referido no artº 155º, do Código de Processo Penal), “o assessor, presenciando o acto, não intervém nele e relaciona-se apenas com a parte e o seu advogado. A assistência de um e outro ao acto inspectivo é diferente - ali é activa, aqui é passiva.”

E acrescenta:

“As funções do assessor técnico […] implicam que o mesmo funcione junto da parte que o nomeou como se de um «intérprete» se tratasse relativamente ao conteúdo do acto inspectivo: a sua intervenção destina-se a traduzir e transmitir ao advogado da parte o conteúdo do acto, com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para este, de modo a que possa exercer eficazmente o contraditório através das reclamações que entenda fazer ao relatório pericial.

“O direito da parte se poder socorrer de assessor técnico nos exames médico legais constitui manifestação do direito ao contraditório, na vertente a que se lhe refere o nº 3 do art 3º CPC – o da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspectos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial.”

Possibilidade de reclamação esta ao relatório que, exercitando-se em momento posterior (após a elaboração e notificação do mesmo), tanto na perícia como na inspecção não afasta, como forma também de influenciar, logo por ocasião do exame da coisa ou da pessoa, a sua produção e, assim, o respectivo resultado, a participação nele das partes – artºs 480º, nº 3, 485º e 493º [12].

A questão a decidir aqui contende precisamente com a ressalva prevista na parte final do nº 3, do artº 480º: é vedada a assistência das partes com seu assessor “se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer protecção”. [13]

Não se suscitando, seja na decisão recorrida seja pela própria autora [14], questão alguma relativa a segredo pessoal que deva ser tido em conta, a verificação da excepção prevista naquela norma conter-se-á, apenas, na ofensa ao pudor.

Não consta da lei uma noção de tal sentimento. Apontando-se, nos dicionários, para significados próximos de “vergonha produzida por actos ou coisas que ferem a decência, a modéstia ou a honestidade”, “vergonha ou timidez causadas por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa”, não é fácil estabelecer uma definição nem acertar um conteúdo para tal ideia capaz de operar na generalidade das situações, designadamente neste domínio.

No tempo em que, entre os crimes sexuais, se punia o “atentado ao pudor”[15] e em que jurídico-penalmente relevava a “moralidade” associada, considerava-se atentatório “o comportamento pelo qual outrem é levado a sofrer, presenciar ou praticar um acto que viola, em grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual”.[16]

Comentava-se que neste conceito se reúne “o conjunto de regras que disciplinam, numa dada sociedade, o comportamento humano ligado ao sexo”, regras estas que “visam proteger o sentimento de pudor inerente a todo o ser humano minimamente socializado, pudor que o faz recuar de vergonha perante actos ou coisas que firam a honestidade, a decência, a modéstia, o recato”. Como individual ou pessoal que é, tal sentimento “não se afere pelo padrão de determinada pessoa ou classe, mas por aquele pudor que é comum à generalidade das pessoas numa dada época e num dado lugar”.

Advertia-se que, apesar da noção que então vigorava comportar alguma precisão e objectividade e de se considerar que certos actos aberrantes, preversos e anti-naturais eram só por si susceptíveis de a integrar, deveria entender-se, porém, que só em face de determinado comportamento concreto é que o acto (sofrido, presenciado ou praticado) poderia ser classificado como violador do sentimento geral de moralidade sexual. [17]

Desaparecida aquela forma de criminalização e, assim, o conceito legal nela utilizado mas, sobretudo, desvalorizada que foi uma certa “moralidade” e recentrada a necessidade de protecção fundamentalmente na área de intimidade pessoal que integra o reduto ou reserva da vida privada, por contraponto à social, em que se projectam as manifestações mais caras da liberdade e autodeterminação individuais, do conceito de pudor a considerar não deve arredar-se uma referência ao direito à “reserva da intimidade da vida privada e familiar” tal como normativamente consagrados no nº 1, do artº 26º, da CRP, e no artº 80º, do Código Civil: todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem (nº 1); a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas (nº 2). [18]

Ainda assim, não coincidindo os limites do reduto da intimidade pessoal com os do campo mais extenso da vida privada parece que susceptíveis de, por desrespeito daqueles, ofenderem o pudor, portanto, de causarem resistência, embaraço, vergonha, mal-estar, receio, serão os actos implicantes de observação e de exposição (devassa) de certas zonas do corpo, de alguns sentimentos ou sensações do foro subjectivo e, enfim, do estado mental e psíquico normalmente cultivados pela discrição e resguardados de revelação a pessoas alheias.

Com o que, mesmo assim, subsiste o carácter relativo do conceito, dependente, na sua ponderação e consideração casuísticas, de factores variados como a personalidade e modo-de-ser individuais, o ambiente social em que o sujeito se insere e os costumes por ele vivenciados, bem como a sua sensibilidade e os padrões de moralidade, designadamente sexual, por que se norteia, o nível do recato, decência e modéstia por que se pauta e, consequentemente, a extensão e densidade consequentes do reduto dentro do qual cultiva e preserva a sua intimidade pessoal. [19]

Embora, pois, variável no tempo, de pessoa para pessoa e conforme as circunstâncias, temos de nos contentar com uma ideia socialmente comum, captável e aceitável pela generalidade dos cidadãos, mas pô-la em prática justamente em função de cada caso concreto. [20]

Ora, no caso, sabe-se que a autora é senhora de 69 anos, viúva, reformada, natural de … e residente em … (concelho de VN de Famalicão).

Foi vítima de atropelamento e visa ser indemnizada pelos danos consequentes, designadamente os derivados das lesões sofridas e sequelas daí resultantes.

Nesse âmbito, sujeitou-se a assistência hospitalar, variadas observações clínicas, exames, tratamentos e, mesmo para avaliação, a exame pelos serviços clínicos da seguradora que a acompanhou, por médico que procurou e lhe elaborou relatório descritivo e de avaliação do seu estado e agora (como requereu) pelo Instituto de Medicina Legal, já no âmbito da instrução deste processo.

Neste, o perito respectivo considerou necessária perícia de psiquiatria.

Recordando-se o que a autora alegou a propósito das lesões e sequelas, os tópicos a tal propósito enunciados como temas de prova, o fim visado com a perícia médico-legal de avaliação do dano e o objecto fixado a esta, importa, com base em todos esses dados, formular um prognóstico sobre aquilo que, no acto (perícia de psiquiatria), poderá razoavelmente ser-lhe solicitado a expor ou manifestar, bem como os efeitos sentimentais que tal, em termos de normalidade e considerando a sua pessoa e situação, especialmente os aspectos sobre que aquele se haverá plausivelmente de debruçar, lhe poderão despertar, avaliando concomitantemente a necessidade de evitar a presença da ré e seu assessor técnico e de preservar adequadamente intocada a sua intimidade, sobretudo segundo o critério jurídico de proporcionalidade e razoabilidade em função dos interesses relativos à produção de prova e à contra-prova.

Quando a ofensa daquele sentimento de pudor se nos apresentar sobreposta a este interesse da descoberta da verdade e da realização da justiça do caso, tornar-se-á o mesmo merecedor da legal protecção normativa.

Vejamos o alegado na petição e pela autora salientado nas suas contra-alegações:


“71. A Autora apesar dos vários internamentos hospitalares, das várias intervenções cirúrgicas, das várias sessões de fisioterapia, das várias consultas médicas nas especialidades de Ortopedia e Fisiatria, da ajuda medicamentosa e dos vários tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer definitivamente e em função das lesões politraumáticas sofridas com o acidente de viação melhor descrito nos autos, das seguintes queixas, lesões e sequelas atuais, permanentes e irreversíveis:

1. Queixas a nível funcional:
a) Fenómenos dolorosos: Anca direita dolorosa; Ciatalgia direita; Ombro esquerdo doloroso; dores na clavícula esquerda e ombro esquerdo, mais, dores esporádicas na face lateral da coxa;
b) Postura, deslocamentos e transferências: refere por vezes dificuldade para descer escadas e no decúbito lateral direito, por dor na face lateral da coxa direita, onde refere ter sofrido o impacto das viaturas;
c) Manipulação e preensão: refere dificuldade para colocar a mão esquerda nas diversas posições do espaço; refere dificuldades na preensão com a mão esquerda, por limitação da mobilidade dos dedos;
2. Queixas a nível situacional:
a) Actos da vida diária: A sinistrada ficou com medo de atravessar passadeiras; Evita usar roupa com botões, pela dificuldade em apertar estes botões; Apresenta dificuldade em subir planos inclinados e em carregar pesos. Dificuldades para a realização de certos cuidados pessoais (calçar-se, fazer a sua higiene íntima quando vai à sanita-apesar de ser dextra refere que nesta situação só consegue arranjar-se com a mão esquerda - tomar banho completo); alimenta-se pelos seus próprios meios, desde que lhe sejam cortados os alimentos, Sem autonomia e independência para realizar a totalidade das tarefas domésticas habituais, tendo já começado a realizar algumas mas poucas e que não exijam nem esforços nem destreza dos membros superiores; está a ser apoiada pelas filhas (uma apoiou-a a tempo inteiro nos primeiros 15 dias após o acidente), que repartem entre elas o serviço de casa, as compras e alguns cuidados pessoais à Mãe; está a viver sozinha; não tem carta; não carrega compras;
3. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento:
a) Tórax: Dismorfia na região clavicular esquerda, sequelar a fractura com desnível na consolidação e encurtamento de mais de 2 cm;
b) Membro superior esquerdo: Rigidez na abdução do ombro, limitado a 90º e Rigidez na antepulsão do ombro e na flexão, nos seus últimos graus.
123.Embora não tão intensas, a Autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer atualmente, tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, incómodos e mal-estar durante o resto da sua vida, designadamente a nível da anca direita, ciatalgia direita, ombro esquerdo e membro inferior direito.
124.As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços e que a Autora até à data do acidente de viação descrito nos presentes autos não sentia.
125.A Autora tem dificuldades em dormir por se recordar, sob a forma de pesadelos recorrentes, do acidente.
126.A Autora em consequência das lesões supra referidas, padeceu e ainda atualmente de alterações de humor e irritabilidade para com os seus filhos, familiares e amigos.
127.A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa que, apesar de ter sofrido um acidente anterior (fractura do punho esquerdo) e de ter falecido o seu marido (depressão recuperada e sem medicação) tinha uma vida pessoal normal, sendo uma pessoa dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.
128.Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
129.A Autora, atualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões sofridas e às sequelas atuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
130.A Autora, sente-se atualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afetada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente.
131.Estando afetada física e psiquicamente e consciente das suas limitações.
132.Em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos autos, advieram para a autora várias cicatrizes a nível do couro cabeludo e sobretudo a dismorfia clavicular esquerda.
133.O que causa à Autora enorme desgosto, tristeza, complexos e inibição e a desfavorecem esteticamente no seu dia a dia.
134.O recurso a uma ou várias operações cirúrgicas plásticas às referidas cicatrizes e dismorfia, não eliminará na totalidade as mesmas.”

Recordem-se também os aspectos de carácter psíquico que no relatório médico particular por si junto de avaliação do dano se referem, diferentemente do elaborado pelos serviços clínicos da seguradora: medo de atravessar passadeiras.


Bem assim o que deriva do relatório preliminar elaborado pelo INML a tal propósito: síndrome depressivo diagnosticado há oito anos, agora com aparência de recidiva.

Ora, fazendo-se uma antevisão baseada nas circunstâncias conhecidas ou alegadas e nas regras da nossa experiência em circunstâncias análogas, não nos parece que, na perícia de psiquiatria destinada a examinar e avaliar os aspectos desse foro porventura relacionados com o acidente sub judice, seja sequer necessário confrontar a autora com questões de “grande sensibilidade” capazes de atingirem o “núcleo importante da intimidade” da sua vida privada.[21]

Muito menos, que a assistência da autora e de seu assessor técnico ao acto sejam susceptíveis de potenciar o inerente incómodo e de ofender o seu pudor.

Os aspectos que, em função dos dados conhecidos relativos ao seu estado psíquico relacionável com o acidente, prognosticamos carentes de indagação e de avaliação não parecem revestir-se das características íntimas acima delineadas, nem carentes de atingir profunda e subjectivamente a zona mais interior da personalidade da autora, nem susceptíveis de lhe cercear a liberdade e gerar constrangimentos ofensivos do seu pudor.

Ela própria, como demandante, contraparte da ré e sujeita ao exercício do contraditório por esta, alegou no processo os parcos factos do seu foro psíquico, requereu a sua voluntária submissão ao exame e propôs o respectivo objecto, sendo interessada no seu regular procedimento e eficaz resultado, por certo ciente de alguma contrariedade imanente à sua realização e que, no contexto infeliz do acidente, é uma entre as várias, e por certo não a maior, dele consequência.

Não nos convencemos, em suma, que da mera alusão ao “caráter íntimo” do exame possa concluir-se certeiramente ser este passível de “afetar a liberdade” e de “pôr em causa o pudor” da autora examinanda e, por isso, que nele deva, excepcionalmente, ser barrada a presença da parte ré e de seu assessor técnico, ao contrário do entendido na decisão recorrida, e, assim, que deva restringir-se o direito de assistência desta, o qual não se confunde com os direitos subsequentes à notificação do relatório nem se justifica por estes ser preterido (artºs 484º a 487º, CPC).

Responde-se, portanto, afirmativamente à questão recursiva supra identificada.

Daí que, com o frágil fundamento nela expendido, não possa a decisão em apreço ser mantida, devendo, antes, em função de tudo quanto atrás se referiu, ser revogada.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, determinando que, em 1ª instância, a mesma seja substituída por outra que, caso mais nenhum fundamento de indeferimento exista, autorize a assistência ao exame por assessor técnico (médico) da ré, nos termos da primeira parte do nº 3, do artº 480º, do Código de Processo Civil.
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Custas da apelação pela recorrida (sem prejuízo do apoio) – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral

Adjuntos: Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria João Marques Pinto de Matos


1. Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2. Conforme extenso e denso petitório espalhado de folhas 38 a 45 dos autos.
3. Síntese muito apertada, face à extensão e aos termos, desmesuradamente prolixos e repetitivos, da petição.
4. Tudo mais exuberantemente narrado nos itens 74 a 76 e 119 a 138, para que se remete.
5. Objecto este cujo enunciado se alonga de fls. 87 a 95.
6. Fls. 52 a 55.
7. Não se transcrevem as suas conclusões, uma vez que, não sendo obrigatórias, as apresentadas não cumprem o ónus de síntese tal como definido no nº 1, do artº 639º, do CPC, se limitam a reproduzir o texto das alegações e este a transpor, adaptado, o teor do acórdão desta Relação de Guimarães, de 16-09-2021, proferido no processo 6274/20.3T8BRG-A.G1, incluindo parte da alegação fáctica neste tomada como relevante (os itens nºs 125, 126, 129 e 130 deste correspondem aos nºs 158, 159, 162 e 163 daquele, mudando-se pouco mais que o género da pessoa ofendida, de masculino para feminino …).
8. Caso não seja arguida a nulidade com base em tal omissão de pronúncia e se não trate de matéria de conhecimento oficioso.
9. Isto mesmo foi lembrado no recentíssimo Acórdão desta Relação de 07-10-2021, proferido no processo nº 886/19.5T8BRG.G1.
10. O que, tratando-se de pessoa colectiva sem corpo físico mas apenas dotada de personalidade ficcionada para efeitos jurídicos, obviamente só é de perspectivar através de um seu administrador (trata-se de sociedade anónima) ou, no âmbito do processo judicial, do seu advogado e mandatário forense (cujo mandato, nos termos do artº 44º, CPC, lhe atribui poderes para a “representar” em “todos os atos e termos” dele, ainda que circunstancialmente e no caso de se suscitarem “questões de natureza técnica para as quais este não tenha a necessária preparação”, aquele possa “fazer-se assistir”, designadamente “durante a produção da prova” por “pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas”, como prevê o nº 1, do artº 50º).
11. Processo nº 1864/17.4T8LRA-A.C1. Entendimento seguido no Acórdão da mesma Relação, de 23-11-2021, processo nº 486/21.0T8VIS-B.C1.
12. Embora, neste caso – auto de inspecção – a reclamação dela não se subordine aos mesmos pressupostos e regime da reclamação do relatório pericial.
13. Ressalva análoga que, quanto à inspecção, consta no nº 1, do artº 490º, e abrange a “intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana”.
14. Que, como já se disse, ao requerimento da ré não deduziu qualquer oposição e se limitou a contra-alegar no recurso em defesa da decisão recorrida mas centrando-se na dimensão púdica que do exame poderá eventualmente ser atingida.
15. Assim era, ainda, no artº 205º, do Código Penal de 1982.
16. Nº 3 desse artigo.
17. O Código Penal de 1982, Manuel de Oliveira Leal Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, volume 3, 1986, páginas 75 e 76.
18. Cfr., ainda, o artº 70º, do Código Civil.
19. Cfr. os Acórdão desta Relação de Guimarães, de 23-01-2020, processo nº 1865/19.8T8VCT-A.G1, bem assim o de 13-07-2021, processo nº 131/20.0T8VCT-B.G1, que segue o da Relação do Porto, de 25-02-2021, processo nº 3232/19.4T8VFR-A.P1.
20. Afastamo-nos do entendimento seguido no Acórdão desta Relação, de 16-09-2021, processo nº 6274/20.3T8BRG-A.G1, que subjaz à decisão de aplicação da excepção prevista na segunda parte do nº 3, do artº 480º, CPC, e que parte do pressuposto de que, integrando o estado de saúde a vida privada, a perícia médico-legal com presença da parte e seu assessor é ipso facto geradora de ofensa ao pudor da examinanda.
21. Como, para contrariar a apelação, se enfatiza nas contra-alegações, reproduzindo nelas o discurso de Acórdão desta Relação.