Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | INCIDENTE DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR FUNDAMENTOS TAXATIVOS DE INDEFERIMENTO CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL E DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 08/29/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I. A exoneração do passivo restante tem por fundamento final proporcionar ao devedor um fresh start, ou uma nova oportunidade, de modo a que, liberto do passivo que o vinculava, se reabilite economicamente e se reintegre, plenamente, na vida económica e social. II. O despacho liminar em sede de incidente de exoneração do passivo restante visa apenas aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento que contém o pedido de exoneração formulado pelo devedor: o juízo de mérito que então se formula destina-se tão somente a averiguar se o devedor merece que lhe seja conferida uma nova oportunidade (requisitos de admissão do pedido), e não sobre se lhe deverá ser, ou não, concedida a exoneração (requisitos de exoneração definitiva), decisão esta, necessária e exclusivamente, a proferir findo o período de cessão. III. O elenco das causas de indeferimento liminar do incidente de exoneração do passivo restante, previsto no art.º 238.º, n.º 1, do CIRE é taxativo, e não meramente indicativo; e assenta em comportamentos de natureza substantiva (com excepção do previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, que também tem incidências processuais, por se reportar ao prazo em que deve ser formulado o pedido), que justificam a não concessão da exoneração, dele não constando a natureza não exonerável dos créditos conhecidos/reconhecidos. IV. Não deverá indeferir-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante quando o insolvente não o tenha limitado aos créditos tributários e da segurança social (únicos então conhecidos), excluindo desse futuro e eventual benefício quaisquer outros, porque estes últimos poder-se-ão vir a revelar no termo dos três anos do período de cessão, beneficiando então da respectiva extinção. V. Sendo discutida a possibilidade do Estado Português ter mantido no art.º 245.º, n.º 2, al, d), do CIRE a exclusão dos créditos tributários e dos créditos da segurança social dos efeitos da concessão do benefício da exoneração do passivo restante (após a Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, que transpôs a Directiva (EU) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho), ou os termos em que o poderia ter feito (nomeadamente, face à obrigatória conformação do direito nacional com o direito da União Europeia), será prudente que o Tribunal de 1.ª Instância aprecie e decida a questão de forma expressa, quando afirme a não exonerabilidade dos ditos créditos; sempre depois de ter sido dada ao insolvente e aos demais interessados a possibilidade de se pronunciarem sobe ela (habilitando, desse modo, as instâncias de eventuais recursos a novamente a apreciarem e a definitivamente a decidirem); e não o faça em sede de despacho de indeferimento liminar do incidente, prolatado com esse único e preciso fundamento, e sem que haja observado aquelas duas condições. | ||
Decisão Texto Integral: | (....) DECISÃO SUMÁRIA - 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ... (aqui Recorrente), propôs o presente processo especial de insolvência, pedindo que: · fosse declarado em estado de insolvência; · e lhe fosse concedido o benefício de exoneração do seu passivo restante. Alegou para o efeito, em síntese: ter 64 anos, ser divorciado e viver sozinho; trabalhar como operador de transformação de carnes, auferindo € 600,00 por mês, ser esse o seu único rendimento e não possuir quaisquer bens; viver numa casa emprestada, com a ajuda de familiares e amigos; e serem seus credores a Autoridade Tributária e Aduaneira, a quem deveria € 17.722,02, e o Instituto de Segurança Social, I.P., a quem deveria € 6.621,08. Mais alegou estar em condições de beneficiar da exoneração do passivo restante, por preencher todos os requisitos exigidos para o efeito pelos art.ºs 237.º e 238.º, ambos do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [1]. 1.1.2. Em 10 de Outubro de 2023 foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde nomeadamente: se declarou a insolvência do Requerente (AA); se decretou a imediata apreensão de todos os seus bens; e se designou o prazo de trinta dias para reclamação de créditos. 1.1.3. Em 16 de Dezembro de 2023 o Administrador de Insolvência nomeado apresentou o relatório previsto no art.º 155.º do CIRE (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde afirmou que: «desconhece qualquer motivo que pudesse levar ao indeferimento liminar do pedido de exoneração, nos termos do art.º 238.º do CIRE»; «é de parecer que deve aquele pedido ser deferido nos termos do disposto nos artigos 235.º a 239.º do CIRE contando que o insolvente se mostre disponível para cumprir escrupulosamente o estipulado no CIRE, cedendo o rendimento disponível sem pretensão de manter o nível de vida que detinha antes da declaração de insolvência»; e, para «efeitos da atribuição do rendimento disponível», como o «insolvente não apresentou despesas», dever-se-á atender «àquelas consideradas normais para um agregado familiar com a composição do requerente, que vive sozinho». Juntou ainda a lista provisória de credores, constando exclusivamente da mesma os já antes invocados pelo Insolvente (AA), isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira, com um crédito total de € 17.776,52, e o Instituto de Segurança Social, I.P., com um crédito total de € 7.547,12. 1.1.4. Em 16 de Dezembro de 2023, no Apenso A (Reclamação de Créditos), decorrido o prazo de reclamação de créditos, o Administrador de Insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, elaborada nos termos previstos no art.º 129.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE, reiterando dever o Insolvente (AA) à Autoridade Tributária e Aduaneira um crédito total de € 17.776,52 e ao Instituto de Segurança Social, I.P. um crédito total de € 7.547,12; e sem indicar outros credores. 1.1.5. Em 26 de Fevereiro de 2024 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), pedindo que o Insolvente (AA) esclarecesse qual a utilidade por si visada com o incidente de exoneração do passivo restante, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Ao apresentar-se à insolvência, requereu o devedor a exoneração do passivo restante, alegando que se encontram preenchidos todos os requisitos legais. Porém, vista a lista de créditos reconhecidos verifica-se que apenas são credores a segurança social e a autoridade tributária, pelo que atento o teor do disposto no n.º 2, alínea d) do art. 245º do CIRE, a final, a exoneração nunca abrangeria tais créditos. Assim, notifique o devedor para se pronunciar sobre a utilidade do incidente de exoneração do passivo restante. (…)» 1.1.6. Em 28 de Fevereiro de 2024 o Insolvente (AA) veio afirmar «requerer que seja deferida a exoneração do passivo restante para que seja possível fazer uso do mecanismo previsto no art 29.º, n.º 4, al. c) do CIRE: “Durante o período de cessão, o devedor fica ainda obrigado a: Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores». 1.1.7. Devidamente notificados, os Credores do Insolvente (AA) mantiveram-se inertes e silentes. 1.1.8. Em 15 de Abril de 2024, no Apenso A (Reclamação de Créditos), e sem que tivessem sido apresentadas quaisquer impugnações, foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), homologando a lista de credores apresentada pelo Administrador da insolvência e graduando como comuns os créditos por ele referidos. 1.1.9. Em 15 de Abril de 2024 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Os efeitos da exoneração, regulados no artigo 245º do CIRE, em face do seu texto, reportam-se à sua concessão efectiva, nos termos do artigo anterior, o qual prevê a decisão final do incidente de exoneração. Ainda não estamos nesse momento, pois que o presente despacho é o inicial, proferido nos termos do art.º 239.º do CIRE. Apesar disso, afigura-se-nos ser de fazer um juízo antecipatório, não obstante ainda não haver decisão final da exoneração. O art.º 245.º, n.º 2, al. d), dispõe que a exoneração não abrange “Os créditos tributários e da segurança social”. Ao apresentar-se à insolvência, requereu o devedor a exoneração do passivo restante, alegando que se encontram preenchidos todos os requisitos legais. Porém, vista a lista de créditos reconhecidos verifica-se que apenas são credores a segurança social e a autoridade tributária, pelo que atento o teor do disposto no n.º 2, alínea d) do art. 245º do CIRE, a final, a exoneração nunca abrangeria tais créditos. Notificada a devedora para se pronunciar sobre a utilidade do incidente de exoneração do passivo restante, veio dizer que requereu a exoneração do passivo restante para que seja possível fazer uso do mecanismo previsto no art 239.º, n.º 4, al c) do CIRE: ”Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”. A exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de excepção, pois que por via do mesmo se concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores. Não visa, como parece pretender a devedora, uma espécie de moratória. Assim, face ao que supra se deixou dito, uma vez que nunca será possível conceder a exoneração quanto aos créditos reconhecidos nestes autos, por impossibilidade, indefiro liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Notifique. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Insolvente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse o despacho recorrido. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): I - Não pode o ora recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal “a quo” (sentença proferida nos autos com refª ...99). II - Como alegou o insolvente em 28/02/2024, através de requerimento de fls… (ref.ª ...27), o insolvente pretende, legitimamente, fazer uso do mecanismo previsto no art.º 239.º, n.º 4, al c) do CIRE: ”Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”. III - Não é intenção do insolvente, como pretende fazer crer a sentença recorrida, criar “uma espécie de moratória”. IV - Ao invés, e como alegou, o insolvente pretende pura e simplesmente “não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”. V - E isto porque, como resulta do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, junto aos autos pelo Senhor AJP, (requerimento de fls… ...90, datado de 16/12/2023), “Foi identificado nos registos o prédio urbano, descrito na CRP ..., sob o n.º ...17-... e inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo ...45. Apurada a factualidade junto do insolvente o mesmo esclareceu que tal prédio era sua pertença, bem como da sua ex-esposa. Os mesmos, através de escritura pública outorgada a 25.01.2017, venderam o prédio à filha do casal. Sucede, porém, que o insolvente reconhece que tal trata-se de uma venda simulada, pugnando pela nulidade da escritura, encontrando-se a correr termos o processo judicial 2054/21...., a correr no Juízo Central Cível de Braga – J.... Pelo que se conseguiu apurar, a sentença proferida foi procedente à pretensão do insolvente, tendo as Rés, ex-cônjuge e filha do insolvente recorrido, encontrando-se a acção a aguardar desfecho junto do STJ. Assim, o AJ é de parecer que se deverá aguardar o desfecho da acção de modo a apreender a meação do insolvente, se for o caso”. VI - Pelo que, fácil está de ver que há uma grande probabilidade de os autos prosseguirem para liquidação do activo. VII - E o produto dessa mesma liquidação é ainda desconhecido, podendo o mesmo ser suficiente para liquidar todas as dívidas do insolvente. VIII - Assim, o que fará sentido é o insolvente gozar do instituto da exoneração do passivo restante, até que o valor resultante da liquidação seja rateado pelos credores. IX - Pelo que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que defira o pedido de exoneração do passivo restante. * 1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aqui aplicáveis ex vi do art.º 17.º, do CIRE), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e do art.º 17.º, do CIRE) [2]. Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, e do recurso interposto pelo Insolvente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do art.º 238.º, n.º 1, do CIRE, inexistindo fundamento legal para se indeferir liminarmente o incidente de exoneração de passivo restante requerido pelo Insolvente (nomeadamente, por o dito incidente ter utilidade para o mesmo, não obstante os seus únicos débitos conhecidos neste momento serem à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Instituto de Emprego e Segurança Social, I.P.)? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA factualidade de facto relevante para a decisão do recurso de apelação interposto coincide com a descrição feita no «I - RELATÓRIO» da mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzida. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.1. Exoneração do passivo restante 4.1.1. A que realidade é que atende (que ponderação lhe subjaz) A exoneração do passivo restante é um instituto próprio, e gerado, pela economia moderna, de mercado, a qual necessita de funcionar permanentemente, isto é, de produzir ininterruptamente. Contudo, esta produção ininterrupta só pode ser alimentada se, do outro lado, houver quem consuma incessantemente. Ora, o consumo vive intimamente ligado à concessão de crédito [4], actividade que se faz com risco (antecipado e calculado pelos credores). Logo, o sobreendividamento é um resultado, não só eventual, como previsível, da dita concessão de crédito [5]. Vindo a liquidação do património do devedor (a garantia geral dos seus credores - art.º 601.º, do CC) a revelar-se insuficiente para o cumprimento integral das suas obrigações, poderão os respectivos credores, em caso de regresso de melhor fortuna, accionar o insolvente nos 20 anos do prazo ordinário de prescrição dos seus créditos (art.º 309.º, do CC); e, assim, pode ser inviabilizada a sua reabilitação económica (cruzando-se na mesma quer a dignidade da pessoa humana, quer o interesse no desenvolvimento da economia, que nomeadamente pressupõe o contributo do maior número de elementos financeiramente saudáveis [6]). Com efeito, foi-se reconhecendo que: (i) a insolvência pode ter causas que escapam ao controlo do devedor, sobretudo ao nível das perdas de rendimento, sejam estas resultantes de factores pessoais (v.g. desemprego, doença, divórcio - nos trabalhadores subordinados - ou fracasso de uma iniciativa empresarial -, nos trabalhadores independentes), sejam resultantes do quadro macro-económico (v.g. crise do subprime, pandemias, guerras regionais) [7]. A própria realização descontrolada de despesas (v.g. hábitos de consumo desenfreados) foi muitas vezes demasiado facilitada, senão mesmo induzida, por campanhas agressivas, senão mesmo enganadoras, de marketing [8]. (ii) o desenvolvimento da economia (na lógica de ininterrupto funcionamento do mercado) pressupõe o contributo do maior número de elementos financeiramente saudáveis; e, por isso, também lucraria com a adição, e não com a exclusão por um tempo demasiado longo, do consumidor insolvente. (iii) a dignidade da pessoa humana imporia que a reabilitação económica do insolvente (recuperação da sua liberdade económica, da sua produtividade e, em última análise, do seu bem-estar) não ficasse postergada ad eternum. Decidiu-se, então, conceder ao devedor insolvente uma nova oportunidade, por meio de um importado fresh start (nascido no ordenamento jurídico norte-americano), por forma a que pudesse começar de novo, liberto das suas anteriores dívidas. O princípio geral nesta matéria é, então, o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência [9]. * 4.1.2. DefiniçãoLê-se, então, no art.º 235.º, do CIRE, que se o «devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo». Logo, só as pessoas singulares podem requerer a concessão do benefício de exoneração do passivo [10]; mas todas as pessoas singulares o podem fazer (v.g. consumidores, comerciantes, profissionais independentes ou liberais). Mais se lê, nos art.º 239.º e 245.º, do CIRE, que, encerrado o processo de insolvência sem que os credores do insolvente pessoa singular (cujos créditos sejam anteriores à data da declaração de insolvência) tenham logrado o seu pagamento (ou logrado o seu pagamento total), inicia-se um novo período, de três anos, em que os ditos credores têm uma nova oportunidade para serem pagos, pela cedência pelo devedor do rendimento própria que a lei considera disponível para o efeito; e, decorrido esse período (haja, ou não, pagamento integral dos créditos sobre a insolvência), verifica-se extinção da quase generalidade dos créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que a exoneração do passivo restante seja concedida. * Vem-se, assim, defendendo que a exoneração do passivo restante é um instrumento que, simultaneamente: liberta o devedor do estigma da insolvência, reabilitando-o e reintegrando-o plenamente na vida económica (evitando que fique ad eternum marginalizado, social e economicamente); beneficia a transparência e o funcionamento da economia em geral, nomeadamente evitando o recurso a procedimentos maliciosos (como o recurso a testas de ferro do devedor, na tentativa deste sobreviver economicamente), aumentando a disponibilidade dos credores para negociarem (quer a satisfação dos seus créditos, quer a recuperação do devedor), recuperando para a economia um novo agente (uma vez que o devedor não exonerado tem o seu acesso ao crédito limitado, o que deixará de suceder após alcançar aquele benefício, propiciando-se a sua contribuição futura no desenvolvimento da economia) e estimulando a concessão responsável do crédito por parte das entidades bancárias e financeiras; e atende aos interesses dos credores (renovando a possibilidade de pagamento - ainda que parcial - dos créditos não satisfeitos na pendência do processo de insolvência) [11]. Afirma-se, por isso, que não «se pense (…) que o CIRE contém um regime que é um brinde ao incumpridor» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, pág. 584), já que, a exoneração do passivo restante balancearia, simultânea e equilibradamente, quer o interesse do devedor (que poderá ficar, definitivamente, exonerado do seu passivo restante - face ao termo do processo de insolvência), quer os interesses dos seus credores (que aqui encontram uma «dupla oportunidade» de satisfação dos seus créditos) [12]. Ora, dir-se-á que, defendendo uns que o instituto se encontra estabelecido tendo em conta um razoável benefício dos credores [13], e outros tendo em conta interesses não só dos devedores como ainda inapropriáveis por nenhum sujeito ou grupos de sujeitos [14], entendemos que nele se privilegiaram sobretudo os interesses dos devedores [15]. Com efeito, é indiscutível que na exoneração do passivo restante há uma efectiva «colisão entre direitos ou valores constitucionalmente protegidos; de um lado, a proteção constitucional dos créditos no quadro (…) da proteção geral do património; do outro, a proteção da liberdade económica e do direito ao desenvolvimento da personalidade, e, também, o princípio, próprio do Estado Social de Direito, da proteção social dos mais fracos (neste caso, tendencialmente o devedor insolvente)»; mas é igualmente indiscutível que a solução alcançada passou por um sacrifício não desproporcionado do interesse do credor na satisfação do seu crédito (Paulo Mota Pinto, «Exoneração do passivo restante: Fundamento e constitucionalidade», III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, págs. 179, 187 e 194). Só assim se compreende que a exoneração do passivo restante possa ser requerida em casos de insuficiência da massa insolvente, conforme art.º 39.º, n.º 8, do CIRE [16], ou sê-lo por insolventes sem qualquer rendimento actual susceptível de ser cedido aos seus credores [17]; e se assista, na generalidade das situações pendentes em juízo, a uma inexistente, ou irrisória, satisfação remanescente (durante o período de cessão) dos créditos sobre a insolvência insatisfeitos no prévio encerramento do processo de insolvência [18]. * 4.1.3. Pressuposto - Merecimento do devedor (na concessão da segunda oportunidade)Contudo, ainda assim e conforme já se deixou implícito, o nosso instituto da exoneração do passivo restante não assenta num modelo de puro fresh start , mas antes no modelo derivado do earned start ou da reabilitação [19]: o devedor, pessoa singular, declarado insolvente não pode ser exonerado das suas dívidas em quaisquer circunstâncias, dado que, em princípio, os contratos são para cumprir, conforme art.º 406º, n.º 1, do CC (assumindo o instituto um carácter excepcional); e, por isso, o devedor insolvente só será exonerado das ditas dívidas quando demonstre, ao longo de todo o processamento do incidente, que é merecedor da dita segunda oportunidade (grosso modo, desde que não haja dolo ou culpa grave da sua parte na situação em que se encontra, isto é, por ter agido de forma recta e honesta, nomeadamente cumprindo com o rigor, a transparência e a boa fé que lhe eram exigíveis e acessíveis as obrigações que previamente assumira, não sendo a insolvência em que, não obstante, depois incorreu devida a contrário modo de proceder seu) [20]. Esta avaliação do seu merecimento é feita em três momentos chave [21], nomeadamente: na apreciação liminar do seu pedido [22]; durante os três anos do período de cessão [23]; e no final do mesmo, ao ser proferida a decisão final do incidente [24] (podendo ainda, mas com carácter eventual, ocorrer na posterior revogação da exoneração antes concedida, conforme art.º 246.º, n.º 1, do CIRE). * 4.1.4. Efeitos O despacho proferido no final do período da cessão, concedendo a exoneração, liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento, mesmo que os correspondentes créditos não tenham sido reclamados e verificados. Fala-se a propósito (desta extinção dos créditos que não tenham sido reclamados e verificados) da comprovação da «ideia de que o processo de insolvência é um processo com eficácia externa ou erga omnes» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 623, com bold apócrifo). Com efeito, lê-se no art.º 245.º, n.º 1, do CIRE, que, vindo a ser concedida a exoneração do passivo restante, «importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados» [25]. Logo, os credores que não tenham logrado a satisfação dos seus créditos verão os mesmos ficarem extintos, não podendo mais propor qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) com vista à sua satisfação, restando-lhes apenas a possibilidade de requererem a revogação da exoneração do passivo restante (se para tanto existir fundamento). * Contudo, esta exoneração não é absoluta.Com efeito, lê-se no art.º 245.º, n.º 2, do CIRE, que a «exoneração não abrange, porém», os «créditos por alimentos», as «indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade», os «créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações» e os «créditos tributários e os da segurança social» [26]. Logo, os credores titulares de tais créditos, não extintos por força da exoneração concedida, conservam o seu direito de acção judicial contra o devedor após o termo do incidente, podendo, por isso, promover a cobrança coerciva do seu crédito. Atendeu-se, neste elenco de créditos excluídos da exoneração, à particular natureza dos interesses dos seus titulares, que o legislador entendeu assegurar; e todos eles têm como elemento comum a sua fonte legal, isto é, os seus credores são-no involuntariamente, não tendo podido avaliar previamente o devedor com que depois se relacionaram [27]. Precisa-se apenas, a propósito das «indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade» (isto é, no próprio processo de insolvência) - em que se valorou a especial censurabilidade das condutas geradoras das obrigações de indemnização -, que, estando aqui incluídos quer os ilícitos extracontratuais, quer os ilícitos contratuais, há quem proponha uma interpretação restritiva do preceito, por forma a excluir estes últimos [28]. Contudo, e não obstante o carácter excepcional da norma de exclusão dos créditos não abrangidos pela exoneração (sendo, por isso, o seu elenco taxativo) [29], parte da doutrina defende que, ainda assim, se consagraram exclusões muitos amplas, capazes de diminuir o interesse da exoneração, em particular no que tange aos créditos tributários [30] (o que, porém, a prática/estatística dos tribunais não tem confirmado [31]). * 4.2. Indeferimento liminar (do pedido de exoneração do passivo restante)4.2.1. Fundamentos Lê-se no art.º 236.º do CIRE, que o «pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação» (n.º 1), pelo que só ele tem legitimidade para o efeito; e do requerimento deve constar «expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos» exigidos para o efeito, discriminados nos art.ºs. 238.º e seguintes (n.º 3). Precisa-se, porém, que o despacho liminar visa apenas aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento que contém o pedido de exoneração formulado pelo devedor: o juízo de mérito que então se formula destina-se tão somente a averiguar se o devedor merece que lhe seja conferida uma nova oportunidade (requisitos de admissão do pedido), e não sobre se lhe deverá ser, ou não, concedida a exoneração (requisitos de exoneração definitiva), decisão esta, necessária e exclusivamente, a proferir findo o período de cessão. Compreende-se, por isso, que se afirme que «não pode deixar de se associar o despacho inicial e a subsequente abertura do período de cessão à concessão da liberdade condicional por bom comportamento - uma espécie de “período experimental”, em que, se tudo correr bem, terá lugar a libertação definitiva do sujeito» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 616, com bold apócrifo) [32]. * Mais se lê, no art.º 238.º, n.º, 1, do CIRE (preceito inovador, face ao regime anterior), que o «pedido de exoneração é liminarmente indeferido se» o insolvente tiver actuado de forma subsumível a qualquer uma das suas alíneas (recorda-se e grosso modo, ter prejudicado os credores com a sua pretérita actuação [33]):«a) For apresentado fora de prazo; b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica; e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º; f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência». Logo o indeferimento liminar [34] assenta em comportamentos de natureza substantiva (com excepção do previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, que também tem incidências processuais, por se reportar ao prazo em que deve ser formulado o pedido), que justificam a não concessão da exoneração [35]. * 4.2.2. Elenco taxativo Considera-se que o elenco legal destas causas de indeferimento liminar é taxativo, e não meramente indicativo [36]. * Precisa-se, ainda, que estando em causa o direito do devedor insolvente à exoneração do passivo restante, entende-se maioritariamente que não é ele quem deverá fazer prova dos requisitos previstos no art.º 238.º, n.º 1, do CIRE (bastando-lhe a mera declaração da sua verificação). Caberá, sim, aos seus credores, ou ao administrador de insolvência (que o n.º 2 do mesmo preceito impõe que sejam previamente ouvidos), o ónus de invocarem e demonstrarem que os ditos requisitos não se verificam, como circunstâncias impeditivas do direito daquele à dita exoneração [37]. Contudo, não deixa também aqui de ser aplicável o princípio do inquisitório, consagrado no art.º 11.º, do CIRE, que permite que, no incidente de exoneração do passivo restante, o juiz possa fundamentar a sua decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes, ou cuja prova haja resultado da sua própria actividade [38]. * 4.3. Caso concreto - Utilidade na dedução do incidente 4.3.1. Créditos em geral (ainda que desconhecidos) Concretizando, verifica-se que, no despacho sob recurso, o Tribunal a quo considerou que, estando apenas reconhecido nos autos créditos tributários e créditos da segurança social, «nunca será possível conceder a exoneração» quanto aos mesmos; e, «por impossibilidade», indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, sem razão. Com efeito, o Insolvente (AA), no seu requerimento inicial, não limitou a exoneração do passivo restante aos créditos tributários e da segurança social, isto é, não formulou o seu pedido exclusivamente quanto a eles, excluindo desse futuro e eventual benefício quaisquer outros. Assim, e não obstante aqueles sejam neste momento os únicos conhecidos nos autos (por terem sido desde logo indicados por ele e reconhecidos pelo Administrador da Insolvência, e nenhuns outros tenham sido oportunamente reclamados), nada nos garante que outros não existam e se venham a revelar no termo dos três anos do período de cessão; e, sendo esse o caso, poderão beneficiar então da extinção permitida pela concessão da exoneração do passivo restante. Neste pressuposto se decidiu já, em caso análogo ao dos autos, existir um efectivo interesse em agir por parte do insolvente, uma efectiva utilidade no prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante, ainda que os créditos conhecidos se limitassem aos tributários e da segurança social [39]. * 4.3.2. Créditos tributários e da segurança socialDir-se-á ainda que, não constando do elenco legal taxativo das causas de indeferimento liminar do incidente de exoneração do passivo restante a natureza não exonerável dos créditos conhecidos/reconhecidos, tem-se ainda por prematuro e insuficientemente fundamentado o juízo de impossibilidade de prosseguimento dos autos formulado pelo Tribunal a quo. Com efeito, e relativamente à insusceptibilidade de extinção dos créditos tributários e da segurança social (na sua integralidade ou apenas quanto ao remanescente não pago na pendência do processo de insolvência), vem a mesma sendo discutida nos nossos tribunais, face aos termos em que a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro (que alterou o CIRE) transpôs a Directiva (EU) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho, nomeadamente o seu art.º 23.º, n.º 4. Recorda-se que se lê no mesmo que: «Os Estados-Membros podem excluir determinadas categorias de dívida do perdão da dívida, ou restringir o acesso ao perdão da dívida ou fixar um prazo para o perdão mais prolongado, caso essas exclusões, restrições ou prolongamentos de prazos sejam devidamente justificados, nomeadamente no caso: a) Das dívidas garantidas; b) Das dívidas decorrentes de sanções penais ou com elas relacionadas; c) Das dívidas decorrentes de responsabilidade delitual; d) Das dívidas respeitantes a obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade; e) Das dívidas contraídas após a apresentação do pedido de abertura de um processo conducente a um perdão da dívida ou após a abertura de tal processo; e f) Das dívidas decorrentes da obrigação de pagar as custas do processo conducente a um perdão da dívida». Assim, é discutível (e tem-no sido) a questão de se saber se, sem violar a Directiva referida, o Estado Português poderia ter mantido no art.º 245.º, n.º 2, al, d), do CIRE a exclusão dos créditos tributários e dos créditos da segurança social dos efeitos da concessão do benefício da exoneração do passivo restante; ou, pelo menos, se o poderia ter feito sem o ter fundamentado expressamente no CIRE; ou ainda se, sendo admissível a fundamentação dessa exclusão noutras disposições do direito nacional, contudo inexiste a mesma [40]; ou, por fim, se a ser válida a dita exclusão, apenas o seria quanto aos créditos tributários e aos créditos da segurança social que tivessem natureza garantia, e não genericamente quanto a todos eles [41]. Estando-se neste momento na fase inicial do incidente de exoneração do passivo restante, e revelando-se bem mais complexa a interpretação e aplicação do art.º 245.º, n.º 2, al, d), do CIRE (nomeadamente, na sua conformação com o Direito da União Europeia [42]) do que a singelamente realizada pelo Tribunal a quo, deveria o mesmo ter relegado para o final do período da cessão esse seu definitivo juízo; e sempre depois de ter sido dada ao Insolvente e aos demais interessados a possibilidade de suscitarem todas as questões a elas pertinentes (habilitando, desse modo, as instâncias de eventuais recursos a novamente as apreciarem e definitivamente decidirem). * Mostra-se, assim, fundado o recurso do Insolvente (AA), por não se encontrar verificada nos autos qualquer uma das previsões do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE; e não colher fora delas o fundamento invocado pelo Tribunal a quo para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante apresentado por ele. Importa, pois, decidir em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação do Insolvente (AA), revogando-se a decisão recorrida. * V - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo insolvente AA e, em consequência, decido: · Revogar o despacho recorrido (que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, formulado por ele) e ordenar ao Tribunal a quo que profira um outro, de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, nos termos e com os efeitos prevenidos na lei para o efeito (nomeadamente, com a devida fundamentação de facto [43] e com a determinação do rendimento disponível para cedência pelo Insolvente aos seus credores). * As custas da apelação são pelo Insolvente, que dela tirou proveito (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC), sem prejuízo do regime especial do seu pagamento, previsto no art.º 248.º do CIRE. * Guimarães, 29 de Agosto de 2024. A presente decisão sumária é assinada electronicamente pela respectiva Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos. [1] O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, e objecto desde então de sucessivas alterações. [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4] Neste sentido, Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 36, onde se lê que o «consumo preenche uma dupla função, do ponto de vista do indivíduo: a satisfação de necessidades e a realização de desejos Assim, o crédito aos consumidores contribui para a realização pessoal, expressa simbolicamente por um nível de vida melhorado. Simultaneamente, permite a criação de novas identidades culturais e de novas oportunidades de participação social, distintas do sistema leitoral e do político, dando origem à denominada “democracia do gasto”». [5] Neste sentido, Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 41, onde se lê que o «sobreendividamento constitui a outra face da moeda da democratização do crédito, variando a dimensão e os contornos do fenómeno de Estado para estado, conforme a literacia financeira, o sistema de segurança Social e o comportamento do mercado de trabalho». [6] Neste sentido, Maria Manuel Leitão Marques e Catarina Frade, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Comunicações sobre o anteprojecto de código, Ministério da Justiça, Gabinete de Justiça e Planeamento, Coimbra Editora, pág. 89, onde se lê que «o sobreendividamento» é «um risco natural da economia de mercado, particularmente associada à expansão do mercado de crédito - o crédito é uma actividade que se faz com risco e, por isso, o sobreendividamento é um risco antecipado e calculado pelos credores: o consumidor que ousa recorrer ao crédito e é mal sucedido não deve ser, por isso, excessivamente penalizado e, sobretudo, não deve ser excluído do mercado por um tempo demasiado longo». [7] Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 322, onde se lê que «a concessão de uma nova oportunidade às pessoas singulares justifica-se, até porque a insolvência pode ter causas que escapam ao seu controlo, como as perdas de rendimento resultantes de desemprego, doença, ou divórcio, nos trabalhadores subordinados, ou o lançamento de um novo negócio, que se revelou não rentável, nos trabalhadores independentes, desempenhando muitas vezes os hábitos de consumo desenfreados também um papel, podendo o devedor muitas vezes recompor a sua situação económica se lhe derem a oportunidade de começar de novo». [8] Neste sentido, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2013, pág. 104, onde se lê que, «em regra, as pessoas singulares, micro-empresas e empresários em nome individual, carecem de falta de informação contratual ao que acresce um país dado a irrealismos e enfermo de iliteracia financeira. Tudo apimentado por uma política de crédito predatório e tentacular praticada pelas instituições financeiras. Nos contratos entre as instituições financeiras e os clientes, a posição daquelas é sempre mais forte e preponderante prevalecendo sempre o seu interesse». [9] Lê-se expressamente no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março (recorda-se, que aprovou o CIRE), que o «Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante”». [10] Compreende-se que as pessoas colectivas estejam excluídas do procedimento da exoneração do passivo restante, uma vez que «nem sequer dela efectivamente necessitam, na medida em que se dissolvem com a declaração de insolvência e veem a sua personalidade jurídica definitivamente extinta com o registo do encerramento da liquidação» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 323). [11] Apud Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, págs. 614-616. No mesmo sentido, Ana Filipa Conceição, «Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas», I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, págs. 29-62 (com bold apócrifo), onde se lê que, no instituto da exoneração do passivo restante, o legislador procurou conciliar os incontornáveis direitos dos credores a verem satisfeitos os seus créditos, com direitos de personalidade do devedor, desde que não haja dolo ou culpa grave da sua parte na situação em que se encontra e desde que não seja reincidente. No regime instituído foram nitidamente ponderadas, ainda, questões de política social geral. Estão presentes as ideias de socialização do risco do mercado de crédito, repartindo-o entre credores e devedores, e de prevenção da exclusão social do devedor. [12] Neste último sentido: . Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 322 - onde se lê que, «após o encerramento do processo de insolvência, e portanto esgotada a função do administrador de insolvência com a repartição do saldo do património actual (Ist-Vermögen) pelos devedores, ainda se efectua a cessão do rendimento disponível do devedor a um fiduciário durante cinco [hoje três] anos, com a função de o repartir pelos credores (art. 239º), colocando-se assim também o património a adquirir futuramente pelo devedor (Soll-Vermögen) durante um longo período igualmente afecto à satisfação dos seus credores». . Letícia Gomes Marques, «O regime especial de insolvência de pessoas singulares», Revista de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, 2013, n.º 2, pág. 137, in https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/3260, para quem a exoneração constituiu uma dupla oportunidade de satisfação dos seus créditos, isto é, durante o processo de insolvência e durante o período de cessão. [13] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, op. cit., págs. 858 e 868, onde se lê que, do prazo fixo do período de cessão se retira o ser «manifestamente estabelecido em benefício dos credores», constituindo «o período que o legislador entendeu adequado para lhes assegurar uma razoável satisfação dos seus créditos». Ponderam ainda que o nº 2, do art.º 243.º, e o n.º 1, do art.º 244.º, ambos do CIRE, dos quais decorre que a cessação antecipada do procedimento de exoneração, quando não fundada em situações relativas ao devedor, só se verifica se se mostrarem totalmente satisfeitos os créditos sobre a insolvência», «satisfazendo-se, assim, o fim que preside ao instituto», ocorrendo então «uma situação equivalente à inutilidade superveniente da lide». [14] Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, págs. 612 e 614, onde se lê que, embora a exoneração seja, «antes de tudo, uma medida de protecção do devedor», as suas «maiores vantagens não respeitam (…) aos interesses privados de nenhum sujeito ou grupo de sujeitos», sendo de alcance mais geral»: «constituindo um estímulo à diligência processual do devedor, ela permite o início mais atempado do processo de insolvência, ajudando a atenuar uma das maiores preocupações do legislador»; «permite a tendencial uniformização dos efeitos da declaração de insolvência, mais particularmente dos efeitos do encerramento do processo de insolvência, estendendo o benefício exoneratório a todos os devedores»; e, apesar de «provocar uma contracção imediata do crédito, ela acaba por produzir um impacto positivo na economia», já que, «quanto mais restrito é o acesso ao crédito - mais “exigente” quem o concede e mais “responsável” quem o pede - menor é o risco de sobreendividamento e menos provável a insolvência dos consumidores e dos empresários em nome individual». [15] Neste sentido, Assunção Cristas, «Exoneração do passivo restante», Themis, Edição Especial - Novo Direito da Insolvência, 2005, pág. 167. [16] Neste sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, pág. 584. Na jurisprudência: Ac. da RP, de 05.11.2007, Pinto Ferreira, Processo n.º 0754986; ou Ac. da RP, de 12.05.2009, Henrique Araújo, Processo n.º 250/08.1TBVCD-C.P1. Contudo, considerando que nem sempre será uma boa decisão (quando tenha sido «o devedor que se colocou intencionalmente na situação e insolvência - que ele planeou apresentar-se à insolvência absolutamente desprovido de bens»), além de que, «sempre que a exoneração prossiga, os custos da exoneração transferem-se integralmente para os credores, o que não é fácil de aceitar», Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 612. [17] Neste sentido: Ac. da RP, de 18.06.2009, José Ferraz, Processo n.º 3506/08.0TBSTS-A.P1; Ac da RC, de 23.02.2010, Alberto Ruço, Processo n.º 1793/09.5TBFIG-E.C1; Ac. da RG, de 07.04.2011, Augusto Carvalho, Processo n.º 1101/10.2TBVVD-A.G1; ou Ac. da RG, de 04.03.2021, Ramos Lopes, Processo n.º 3872/19.9T8STS.G1. [18] Explicando-o, e lembrando que, com a exoneração, cada um dos credores fica novamente sujeito a um rateio, restrito para os credores da insolvência ao remanescente do pagamento dos credores da massa (conforme art.º 241.º, n.º 1, al. d), do CIRE), Catarina Serra afirma que, se «não houvesse exoneração, não haveria rateio; a satisfação do credor dependeria apenas da sua diligência processual e da data de prescrição do seu crédito, o que não poucas vezes representaria um aumento do prazo para agir executivamente contra o devedor. O período de cinco anos [hoje reduzido para três] não é, além do mais, suficientemente longo para que seja frequente o devedor reconstituir-se in bonis de forma a pagar, dentro desse período, de formas satisfatória, a todos os que permanecessem seus credores» (Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 614). No mesmo sentido, Ac. da RG, de 23.11.2023, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3833/22.4T8VCT-H.G1. [19] Neste sentido: . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 611 - onde se lê que «podem identificar-se hoje dois modelos para o tratamento da insolvência da pessoa singular: o modelo a que pode chamar-se modelo (puro) do fresh start e o modelo (derivado) do earned start ou da reabilitação. O primeiro baseia-se ma ideia de que a liquidação patrimonial e o pagamento das dívidas devem ter lugar no curso do processo de insolvência, sendo que, uma vez concluído este, restem ou não dívidas por pagar, o devedor deverá ser libertado de forma a poder retomar, com tranquilidade, a sua vida. O modelo da reabilitação assenta ainda no fresh start mas desenvolve um raciocínio diferente: o raciocínio de que o devedor não deve ser exonerado em quaisquer circunstâncias pois, em princípio, os contratos são para cumprir (pacta sunt servanda). Em conformidade com isto, o devedor deve passar por uma espécie de período de prova, durante o qual parte dos seus rendimentos é afectada ao pagamento das dívidas remanescentes. Só findo este período, e tendo ficado demonstrado que o devedor merece (earns) a exoneração, deverá ser-lhe concedido o benefício. Este é, indiscutivelmente, o modelo de que mais se aproxima a lei portuguesa». . Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, págs. 41-41 - onde se lê que, segundo «o modelo do fresh start, o sobreendividamento é encarado como um mero risco que está associado à expensão do mercado financeiro, atribuindo-se uma responsabilidade limitada ao sobreendividado. Desta forma, a insolvência é perspetivada como a consequência de uma opção falhada do sujeito enquanto agente económico»: «o perdão será concedido ao devedor que, independentemente das causas que o conduziram a tal circunstancialismo, teve a infelicidade de cair numa situação de insolvência. Assim sendo, os riscos decorrentes desta, bem como os consequentes efeitos, deverão também ser repartidos pelos seus credores». Já «no modelo de reeducação/reabilitação, a situação a que o devedor chegou será imputada unicamente a si mesmo, em virtude da sua falta de previsão ou de mera negligência acerca do rumo que se encontrava a trilhar para a sua vida. Deste modo, o devedor deverá renegociar as suas dívidas, com os respetivos credores, através de um plano de pagamentos, alcançar pela via judicial ou extrajudicial». [20] Neste sentido (de um referencial de merecimento), na doutrina: . Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, Almedina, 2016, pág. 321 - onde se lê expressivamente que que poderão beneficiar da exoneração do passivo restante os «devedores pessoas singulares (…) que se tenham “portado bem”» (bold apócrifo). . Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 619 - onde se lê que, «tratando-se de um mecanismo de exceção, o benefício da exoneração do passivo restante só pode ser concedido desde que o devedor demonstre que é, efetivamente, digno e merecedor dessa “segunda oportunidade”, em face, nomeadamente, do honeste vivere por si adotado no período que antecedeu a declaração da sua insolvência». Na jurisprudência (expressivamente): . Ac. da RC, de 02.03.2010, Gonçalves Ferreira, Processo n.º 331/09.4 TABAND-F.C1 - onde se lê que o «prosseguimento do pedido de exoneração do passivo restante pressupõe, além do mais, a rectidão do comportamento anterior do insolvente no que respeita à sua situação económica». . Ac. da RL, de 29.09.2011, Teresa Prazeres Pais, Processo n.º 12140/10.3T2SNT-E.L1-8 - onde se lê que a «exoneração do passivo é uma medida extremamente gravosa para os credores e, como tal, deve ser analisada cuidadosamente, nomeadamente atentando-se no comportamento do devedor, na transparência e boa fé que demonstrou desde o vencimento dos débitos». . Ac. do STJ, de 24.01.2012, Fonseca Ramos, Processo n.º 152/10.1TBBRG-E.G1.S1 - onde se lê que, sendo a exoneração «“uma segunda oportunidade” (fresh start), só deve ser concedida a quem a merecer; a lei exige uma actuação anterior pautada por boa conduta do insolvente, visando evitar que o prejuízo, que já resulta da insolvência, não seja incrementado por actuação culposa do devedor que, sabendo-se insolvente, permanece impassível, avolumando as suas dívidas em prejuízo dos seus credores e, não obstante, pretende exonerar-se do passivo residual requerendo a exoneração». . Ac. da RC, de 06.03.2012, Arlindo Oliveira, Processo n.º 2461/10.0TBPBL-G.C1 - onde se lê que a «figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra. Como um benefício que só se pode basar num comportamento do devedor que se viu incorrer numa situação de insolvência, não obstante ter pautado a sua conduta por regras de rectidão, honestidade, transparência e boa fé». . Ac. da RC, de 03.07.2012, Fonte Ramos, Processo n.º 1779/11.0T2AVR-C.C1 - onde se lê que só é merecedor da exoneração do passivo restante o devedor que demonstre ter adoptado um comportamento «honesto, lícito, transparente e de boa fé». . Ac. da RC, de 07.03.2017, Jorge Manuel Loureiro, Processo n.º 2891/16.4T8VIS.G1 - onde se lê que a «exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de excepção, pois que por via do mesmo se concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores»; e a «excepcionalidade deste instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adoptado, à ponderação e protecção dos interesses dos credores, e ao cumprimento dos deveres para ele emergentes do regime jurídico da insolvência, em contrapartida do que se lhe concede aquele benefício excepcional». . Ac. da RG, de 08.02.2018, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 896/16.4T8VRL-H.G1 - onde se lê que os «requisitos impostos pelo artigo 238.º destinam-se a decidir liminarmente sobre se o devedor não merece aquela segunda oportunidade, praticando actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé». . Ac. da RG, de 16.02.2023, Maria Gorete Morais, Processo n.º 60/17.5T8ALJ.G1 - onde se lê que a «exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de exceção, através do qual se concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de, por essa via, se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores». Logo, a «excecionalidade desse instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adotado, à ponderação e proteção dos interesses dos credores e ao cumprimento pontual das injunções impostas no despacho inicial a que alude o artigo 239º do Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas». . Ac. da RG, de 16.10.2023, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 172/22.3T8MDL.G1 - onde se lê que a «exoneração do passivo restante, enquanto específico modo de extinção das obrigações além do cumprimento, de natureza legal e concretização judicial, cujo âmbito subjetivo se limita ao devedor singular declarado insolvente, tendo em vista a sua reabilitação financeira (o denominado “fresh start”), constitui um instituto jurídico de exceção». Assim, «o recurso a tal instituto apenas pode ser reconhecido ao insolvente que tenha pautado a sua conduta pelo cumprimento rigoroso dos deveres de informação, apresentação e colaboração», «transversais a todas as fases do processo de insolvência, incluindo a dos articulados». [21] Precisa-se que, em qualquer deles, o juiz tem de fazer a avaliação do preenchimento, quer de requisitos processuais, quer de requisitos substantivos (Ac. da RP, de 09.05.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 2873/15.3T8VNG.P1). [22] No despacho inicial (de admissão ou indeferimento liminar do incidente) o insolvente tem de declarar que preenche determinados requisitos, grosso modo, o não ter prejudicado os credores com a sua pretérita actuação (nomeadamente, não ter falseado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência as informações pertinentes à sua situação económica por forma a obter crédito, ter-se apresentado prontamente à insolvência, não ter culposamente criado ou agravado a sua situação de insolvência, e não ter violado, com dolo ou culpa grave, os deveres de informação, apresentação e colaboração que o CIRE lhe impunha no decurso do respectivo processo de insolvência). Precisa-se, porém, que, no «pedido de exoneração do passivo restante, a genérica declaração imposta pelo nº 3 do art. 236º do CIRE, não assume, substancialmente, cariz determinante para se aferir da (in)existência dos legais requisitos e condições, o que, em última análise, compete ao juiz averiguar e decidir» (Ac. da RC, de 17.05.2011, Carlos Moreira, Processo n.º 479/10.2TBMGL-A.C1). [23] Durante o período de cessão o insolvente fica sujeito ao cumprimento de várias obrigações fundamentais, discriminadas no art.º 239.º do CIRE (nomeadamente, de exercer uma profissão remunerada, de entregar ao fiduciário a parte dos rendimentos que receba que seja objecto da cessão, de não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, informando prontamente sobre os mesmos ou sobre o seu património, e de não fazer quaisquer pagamentos ou a não criar quaisquer vantagens especiais em benefício de qualquer dos credores da insolvência) e cujo incumprimento (comportamentos dolosos ou gravemente negligentes do devedor relacionados com a insolvência ou com a desprotecção e violação dos direitos dos credores, com efectivo prejuízo para estes) poderá conduzir à cessação antecipada do incidente. Das mesmas resulta que, para além dos específicos deveres de apresentação, informação e colaboração, o devedor insolvente está ainda obrigado aos deveres gerais de cooperação e de actuação com boa-fé processual. [24] Na decisão final (de concessão ou recusa), tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impediam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. [25] Compreende-se, por isso, que se afirme que, rigorosamente, «a exoneração qualifica-se como uma (nova) causa de extinção das obrigações - extraordinária ou avulsa relativamente ao catálogo de causas tipificado no Código Civil (cfr. arts. 837.º a 874.º)»; e, «ao contrário do que sucede no Direito Civil, no Direito da Insolvência a exoneração aparece - deliberadamente - como uma faculdade natural do devedor» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 613). [26] Precisa-se que estão apenas aqui em causa «os credores da insolvência, ou seja, os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (art. 47º, nº 1). (…) Já os novos credores, cujos créditos se tenham constituído após a declaração da insolvência, não são abrangidos pelo art. 242º, podendo em consequência executar livremente os bens do devedor. Essa faculdade de execução apresenta-se, no entanto, como destituída de efeito prático, uma vez que o devedor não terá em princípio bens penhoráveis, dado que todo o seu activo patrimonial é cedido ao fiduciário, que o afecta à satisfação dos credores da insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 332, com bold apócrifo) [27] Neste sentido: . Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, pág. 591 - onde se lê que a «razão de ser das exclusões reside na fonte dos créditos em causa, pois estamos a flar de situações em que os titulares dos créditos não puderam optar por não estar nessa posição». . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, págs. 627 e 628, onde se lê que os «créditos que têm fonte legal são excluídos da exoneração; os que derivam de contrato ou são de origem negocial ficam, em contrapartida, sujeitos a ela. Por trás da regra estará, assim, a convicção de que, ao realizar um negócio jurídico, os credores assumem uma parte do risco da insolvência do devedor e, quando este risco se concretiza, devem participar nos sacrifícios que a situação impõe. Inversamente, os credores que, em virtude de o seu crédito ter origem legal, não tiveram oportunidade de “avaliar” o devedor são “credores involuntários” e não devem fiar sujeitos aos efeitos da exoneração - por outras palavras: o ordenamento não pode impor-lhes os custos de uma insolvência com que eles não podiam legitimamente contar, por não terem consentido na constituição da relação creditícia». [28] Neste sentido: . Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 871- onde se lê que alguma «dúvida nos suscita a al. b), que afasta da extinção os créditos relativos a indemnizações por factos ilícitos do devedor. É certo que essa norma só lhes concede esta tutela quando sejam dolosos e tenham sido reclamados no processo de insolvência com essa qualidade. Todavia, a formulação ampla da lei compreende tanto os ilícitos contratuais como extracontratuais e aí reside a causa do nosso reparo. Temos por excessivo atribuir ao crédito de indemnização por ilícito contratual, mesmo doloso, um tratamento mais favorável do que ao crédito emergente de um negócio jurídico - como seja o preço devido, numa compra e venda». . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 627 - onde se lê que «é excessivo tratar mais favoravelmente os créditos de indemnização por ilícito contratual do que os créditos emergentes de negócios jurídicos - tratar mais favoravelmente os créditos de indemnização por incumprimento dos negócios jurídicos do que os créditos resultantes dos próprios negócios jurídicos. Por essa razão, tem sido defendido que a norma seja interpretada restritivamente de forma a aplicar-se apenas aos ilícitos extracontratuais. A responsabilidade extracontratual pressupõe, além do mais, uma lesão mais grave, respeitando, a maioria das vezes, a bens jurídicos como a pessoa ou o património e isso justifica seguramente uma tutela diferenciada, que privilegie os créditos derivados deste tipo de responsabilidade relativamente aos derivados de responsabilidade contratual». [29] Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 871; e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, pág. 626. [30] Neste sentido: . Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 871- onde se lê que «a não extinção de tais créditos, em particular dos relativos a multas, coimas e outras sanções por crimes ou contravenções, retira significado relevante à exoneração do passivo restante». . Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 336 - onde se lê que se consagraram «exclusões muito amplas, especialmente a que abrange os créditos tributários, o que poderá diminuir consideravelmente o interesse da exoneração do passivo restante». . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, págs. 625-626 - onde se lê que «há créditos que a lei poupa aos efeitos da exoneração», com justificações «variadas - e porventura discutíveis - mas o certo é que a medida pode prejudicar, a final, o objectivo do fresh start», reduzindo «consideravelmente o alcance da exoneração como instrumento e extinção da generalidade das dívidas do devedor». [31] Neste sentido, Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 111, onde se lê que, se «num período inicial da vigência do CIRE, o recurso a esta medida foi muito reduzido, por desconhecimento ou por temor quanto à sua efetividade, após os anos 2008/2009, com o aumento dos processos de insolvência de pessoas singulares, a tendência foi invertida. Atualmente raro é o processo deste tipo de devedor que não contém um pedido de exoneração do passivo restante formulado (restringindo-se as exceções aos casos de insolvências requeridas por terceiros em que, por qualquer motivo, o requerido não teve apoio judiciário)». [32] No mesmo sentido: . Assunção Cristas, «Exoneração do devedor pelo passivo restante», Themis, Edição Especial - Novo Direito da Insolvência, 2005, págs. 170-172 - onde se lê que, para o insolvente, o despacho inicial ainda «não é a oportunidade de iniciar a vida de novo, liberado de dívidas, mas a oportunidade de se submeter a um período probatório que, no final, pode resultar num desfecho que lhe seja favorável». . Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 853 - onde se lê que o benefício final pretendido pelo insolvente (isto é, a concessão efectiva da exoneração do seu passivo restante) depende ainda do preenchimento inicial de determinados requisitos, e fica subordinado ao cumprimento de determinadas obrigações, pelo que o despacho inicial «só promete conceder a exoneração efectiva», e não a garante. . Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, Almedina, 2016, pág. 324 - onde se lê que o despacho inicial determina a abertura «do período de cessão, ou seja, o período dentro do qual, por forma a revelar-se merecedor da concessão da exoneração do passivo restante, o devedor é posto à prova, através da cessão do rendimento disponível, e da imposição e um conjunto de obrigações». . Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 119 - onde se lê que no despacho inicial «apenas se irá aferir o preenchimento de requisitos substantivos que se destinam a apurar se o devedor merecerá ou não uma segunda oportunidade». [33] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 854) arrumam estes requisitos de cuja verificação, embora pela negativa, depende a concessão da exoneração em três grupos: comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram (als. b), d) e e)); situações ligadas ao passado do insolvente (als. c) e f)); e condutas adotadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência (al. g)). [34] Precisa-se que, as mais das vezes, não se estará perante situações de indeferimento liminar, já que será necessário produzir prova sobre os factos em causa. Neste sentido: Assunção Cristas, «Exoneração do devedor pelo passivo restante», Themis, Edição Especial - Novo Direito da Insolvência, 2005, pág. 169; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015-8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 253; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, pág. 591; e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2021, págs. 616. Na jurisprudência, Ac. da RC, de 27.09.2011, Teles Pereira, Processo n.º 575/10.6TBSRT-E.C1. [35] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 854. [36] Neste sentido, na doutrina: José Gonçalves Ferreira, A Exoneração do Passivo Restante, Coimbra Editora, 2013, pás. 51-52; e Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, págs. 629 e 630. Na jurisprudência: Ac. da RC, de 12.06.2012, Artur Dias, Processo n.º 1034/11.5T2AVR-C.C1; Ac. da RL, de 30.01.2014, Maria de Deus Correia, Processo n.º 180/13.5TBCDV-C.L1-6; Ac. da RG, de 03.11.2017, Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 2057/17.6T8VNF-B.G1; Ac. da RG, de 03.12.2020, José Flores, Processo n.º 1851/20.5T8VNF.G1; Ac. da RG, de 04.03.2021, Ramos Lopes, Processo n.º 3872/19.9T8STS.G1; Ac. da RP, de 12.04.2021, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 519/20.7T8STS-D.P1; Ac. da RL, de 11.05.2021, Fernando Barroso Cabanelas, Processo n.º 2050/20.1T8BRR.L1-1; ou Ac. da RG, de 23.11.2023, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3833/22.4T8VCT-H.G1. [37] Neste sentido, na doutrina: Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2013, pág. 98; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 855; Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, págs. 621-622. Parecendo conformar-se com este entendimento, mas propondo a alteração da redacção do art.º 238.º, do CIRE (por forma a que os requisitos de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante passassem a ser formulados pela positiva), Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, págs. 133-138. Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 21.10.2010, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1; Ac. do STJ, de 06.07.2011, Fernandes do Vale, Processo n.º 7295/08.0TBBRG.G1.S1; Ac. da RP, de 27.09.2011, Maria do Carmo Domingues, Processo n.º 3713/10.5TBVLG-E.P1; Ac. da RC, de 25.10.2011, Isaías Pádua, Processo n.º 96/11.0T2AVR-D.C1; Ac. da RL, de 17.11.2011, Isoleta Almeida Costa, Processo n.º 921/11.5TJLSB-E.L1-8; Ac. da RL, de 15.12.2011, Jerónimo Freitas, Processo n.º 23553/10.0T2SNT-B.L1-6; Ac. da RP, de 20.12.2011, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 740/10.6TBPVZ-D.P1; Ac. da RC, de 17.01.2012, Carlos Querido, Processo n.º 165/11.6TBACN-G.C1; Ac. da RL, de 19.04.2012, Esagüy Martins, Processo n.º 1005/10.9TBBRR-F.L1-2; Ac. do STJ, de 19.04.2012, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 434/11.5TJCBR-D.C1.S1; Ac. da RL, de 24.04.2012, Maria João Areias, Processo n.º 14725/11.1T2SNT-C.L1-7; Ac. da RC, de 12.06.2012, Artur Dias, Processo n.º 1034/11.5T2AVR-C.C1; Ac. da RE, de 12.07.2012, José Lúcio, Processo n.º 9/12.1TBENT-C.E1; Ac. da RE, de 12.07.2012, António Manuel Ribeiro Cardoso, Processo n.º 5241/11.2TBSTB-D.E1; Ac. da RP, de 19.12.2012, Maria João Areias, Processo n.º 3087/11.7TBVCD.P1; Ac. da RC, de 19.02.2013, Virgílio Mateus, Processo n.º 618/12.9TBTNV.C1; Ac. da RL, de 21.02.2013, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 542/10.0TBLNH.L1-6; Ac. do STJ, de 14.02.2013, Hélder Roque, Processo n.º 3327/10.0TBSTS-D.P1.S1; Ac. da RC, de 26.02.2013, Jacinto Meca, Processo n.º 423/12.2TBVIS.C1; Ac. da RC, de 16.04.2013, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 2488/11.5TBFIG-J.C1; Ac. da RL, de 28.11.2013, Ferreira de Almeida, Processo n.º 9507/12.6TBCSC-C.L1-8; Ac. da RL, de 12.12.2013, Maria Manuela Gomes, Processo n.º 1367/13.6TJLSB-C.L1-6; Ac. da RG, de 16.01.2014, Manuela Fialho, Processo n.º 1409/12.2TBVVD-B.G1; Ac. da RL, de 20.02.2014, Jorge Leal, Processo n.º 4233/12.9TJLSB-C.L1-2; Ac. do STJ, de 17.06.2014, Fernandes do Vale, Processo n.º 985/12.4T2AVR.C1.S1; Ac. da RL, de 05.03.2015, Jorge Leal, Processo n.º 247/13.0TJLSB-C.L1-2; Ac. da RG, de 15.09.2016, António Beça Pereira, Processo n.º 273/14.1TBCBT.G1; Ac. da RC, de 07.03.2017, Jorge Manuel Loureiro, Processo n.º 2891/16.4T8VIS.C1; Ac. da RG, de 08.06.2017, Maria de Fátima Almeida Andrade, Processo n.º 3481/16.7T8VNF-C.G1; Ac. da RG, de 23.11.2017, Alcides Rodrigues, Processo n.º 7111/15.6T8VNF-G.G1; Ac. da RG, de 19.11.2020, Lígia Venade, Processo n.º 3755/19.5T8GMR-D.G1; Ac. da RG, de 03.12.2020, José Flores, Processo n.º 1851/20.5T8VNF.G1; Ac. da RP, de 12.04.2021, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 519/20.7T8STS-D.P1; Ac. da RL, de 08.07.2021, Paula Cardoso, Processo n.º 2475/20.2T8VFX-B.L1-1; Ac. da RG, de 17.02.2022, Rosália Cunha, Processo n.º 2628/19.6T8VNG-D.G1; ou Ac. da RG, de 23.11.2023, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3833/22.4T8VCT-H.G1. [38] Neste sentido (da consideração do princípio do inquisitório no incidente de exoneração do passivo restante), na doutrina: Adelaide Menezes Leitão, «Pré-condições para a exoneração do passivo restante (Anotação ao acórdão do TRP de 28/09/2010, Proc. 995/09)», CDP, n.º 35, Julho/Setembro (2011), pág. 57; ou Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra 2013, pág. 39. Na jurisprudência: Ac. da RP, de 19.12.2012, Maria João Areias, Processo n.º 3087/11.7TBVCD.P1 ;Ac. da RC, de 16.04.2013, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 2488/11.5TBFIG-J.C1; Ac. da RP, de 06.06.2013, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 193/12.4TYVNG-C.P1; Ac. da RP, de 18.11.2013, José Eusébio de Almeida, Processo n.º 2510/13.0TBVFR-C.P1; ou Ac. da RG, de 12.10.2023, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 172/22.3T8MDL.G1. Contudo, em sentido contrário, Ac. da RE, de 12.04.2018, Sílvio Sousa, Processo n.º 569/16.8T8OLH.E1. [39] Está em causa o Ac. da RL, de 11.05.2021, Fernando Barroso Cabanelas, Processo n.º 2050/20.1T8BRR.L1-1, onde nomeadamente se lê que, a «despeito de serem os únicos credores a Autoridade Tributária e o Instituto da Segurança Social, e de tais dívidas não serem disponíveis, pelo que nunca poderiam ser exoneradas, nos termos do disposto nos artºs 30º, nº2, e 3, da LGT e 245º, nº2, d), do CIRE, ainda assim, existe o pressuposto processual do interesse em agir, razão pela qual, não se verificando qualquer uma das causas previstas no artº 238º, do CIRE, não deverá ser indeferido liminarmente o incidente de exoneração do passivo». Ponderou-se que, na «vertente do interesse em agir, a devedora, apesar da natureza dos dois únicos créditos reclamados, tem um interesse subjetivo e legalmente atendível na salvaguarda decorrente da para si expectável concessão de exoneração do passivo restante, perante hipotéticos outros créditos, ainda que não reclamados e verificados, em ordem à obtenção do pretendido fresh start». [40] As questões antecedentes foram expressamente colocadas e superiormente decididas no Ac. da RP, de 20.06.2024, Isabel Silva, Processo n.º 2139/18.7T8OAZ.P1, prolatado com prévio apoio em reenvio prejudicial ao TJUE. [41] Esta concreta questão surge referida no Ac. do STJ, de 25.06.2024, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 776/19.1T8OAZ-H.P1.S1, embora não tenha sido conhecida e decidida no mesmo, por se ter entendido consubstanciar questão nova (não objecto de apreciação prévia nas instâncias antecedentes). [42] A conformação referida exige o respeito pelo princípio da lealdade comunitária e pelo princípio do primado do direito comunitário, dos quais resulta para todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais, a obrigação de não criar direito nacional - interno - contrário ao direito comunitário e, ainda, de não interpretar o direito nacional - interno - em desconformidade com aquele. [43] O despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante deve conter o elenco dos factos considerados provados para o efeito, sob pena de nulidade. Neste sentido, Ac. da RG, de 26.01.2012, Conceição Bucho, Processo n.º 4147/11.0TBBRG-D.G1, onde se lê que o «deferimento liminar previsto no artigo 238º do CIRE pressupõe a avaliação conjunta e em concreto dos requisitos aí referidos, devendo a decisão proferida fundamentar de facto e de direito a razão do deferimento ou indeferimento». |