Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
182/22.0YRGMR
Relator: FERNANDO BARROSO CABANELAS
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Decisão: ACÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Em sede de processo de anulação de sentença arbitral não pode o Tribunal da Relação conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas.
2. A discordância com a valoração da prova feita pelo Tribunal Arbitral, nomeadamente decorrente da alegada desconsideração de documentos juntos nos autos, em tese, poderia configurar erro de julgamento, mas não uma violação dos princípios da igualdade e do contraditório.
3. Por ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, nos termos e para os efeitos do artº 46º, nº3, alínea b), ii), da Lei da Arbitragem Voluntária, terá de entender-se uma decisão que consubstancie uma violação manifesta do sentimento jurídico dominante e dos valores éticos estruturantes de uma sociedade, como tal interiorizados pelo comum dos cidadãos.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

O Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ..., interpôs ação de anulação de decisão arbitral contra AA, residente na Avenida ..., ..., ..., ..., pedindo que seja anulada a decisão arbitral e remetido o processo a outro tribunal arbitral para prolação de nova sentença, nos termos e para os efeitos do nº 9, do artº 46º, da LAV.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que o requerido interpôs contra si uma ação no Tribunal Arbitral de Consumo de ..., que correu termos sob o nº 4074/2021, no âmbito da qual foi proferida decisão em 23/06/2021, tendo o aqui requerente sido condenado a restituir ao ali requerido a quantia de €2.494,62.
Alegou ainda que no referido processo foram violados os princípios da igualdade e do contraditório, tendo ainda a decisão arbitral condenado em quantidade superior ou objeto diverso do pedido formulado pelo reclamante.
Pede que a decisão arbitral seja anulada com base nos fundamentos subjacentes ao artigo 46º, nº3, alínea a), subalínea ii) e subalínea v) e nº3, alínea b, subalínea ii) da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro da Lei da Arbitragem Voluntária.
O requerido alegou na referida ação que o aqui agora requerente, sem o seu conhecimento ou autorização, e sem o envio de qualquer aviso prévio, alterou o IBAN da sua conta. Em sede de contestação, o ora requerente alegou que sucedeu na posição contratual do extinto Banco 2..., S.A., até então a instituição bancária do ora requerido. Em resultado da incorporação do Banco 2..., S.A., no ora requerente, concluída em 27/12/2017, este último remeteu ao referido AA uma carta, na qual transmitia que a conta do requerido passaria a ser “Conta ... 1/2/3”, mais informando que o mesmo deveria proceder à atualização do seu NIB/IBAN nas entidades que efetuam transferências para a sua conta ou que estão autorizadas a debitá-las. Alegou ainda que nessa sequência foi o ora requerido também notificado de que com a alteração da conta os dados relativos ao seu NIB e IBAN passavam a ser os que ali indicava. Mais alegou que teve o cuidado de reforçar esse alerta ao citado AA, com nova informação no extrato consolidado da conta à ordem, extrato esse datado de 31/12/2020, onde se fez expressa referência à descontinuidade de IBANs do ex-Banco 2..., S.A. e respetivo impacto em cobranças e transferências.
Mais se defendeu o aqui requerente alegando na ação que os valores em causa nunca chegaram a ser creditados em conta do cliente no banco ali requerido (quer no Banco 2..., S.A., quer no aqui requerente.
Alegou ainda que juntou documentos com a sua contestação, os quais não foram impugnados, tal como o recebimento dos mesmos. Alegou ter havido violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, dado que o tribunal arbitral não alertou para o facto de ir dar como não provados os referidos factos, impedindo assim a produção de prova suplementar.
Finalmente, alegou que os pedidos formulados na ação arbitral seguiam uma ordem lógica, existindo como que uma relação de subsidiariedade entre os mesmos. A decisão arbitral ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, a não ser retificado o erro de julgamento, tal redundará numa violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Devidamente citado, o requerido não deduziu oposição.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e está isento de nulidades principais.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Inexistem quaisquer exceções prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
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Inexiste prova a produzir, relevando para a apreciação do mérito da presente ação os factos emergentes do processo arbitral apenso e os documentos juntos pelo requerente com o seu requerimento.
Nos termos do artº 46º, nº2, alíneas d) e e), da Lei nº 63/2011, de 14/12, seguir-se-ão os termos do recurso de apelação, com as necessárias adaptações.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:

As questões a decidir são, assim, apurar se existe fundamento para que a decisão arbitral seja anulada com base no artigo 46º, nº3, alínea a), subalínea ii) e subalínea v) e nº3, alínea b, subalínea ii) da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro da Lei da Arbitragem Voluntária, nomeadamente apurando se no processo arbitral houve violação dos princípios da igualdade, do contraditório, e se houve ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:
Os factos provados com relevância para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório antecedente e os dados como provados na sentença arbitral, a saber:

A) O requerente (AA) foi cliente do Banco 2..., S.A., sendo titular do IBAN: ...22 4.
B) Desde 2017, a sua reforma paga pelo Estado francês é transferida para a conta que detém no Banco 2..., S.A. com o IBAN: ...22 4.
C) O requerente (AA) não recebeu a sua reforma referente aos meses de janeiro a junho de 2021, inclusive, num total de €2.494,62.
D) Os valores em causa foram transferidos pelas entidades francesas para a conta referida 1.2 ( ...22 4).
E) Por escritura pública de fusão referida em E), a conta bancária do requerente (AA) e respetivos dados foram alterados.
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O tribunal arbitral considerou ainda não provada toda a demais factualidade que foi alegada.
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B. Fundamentos de direito.

Importa começar por enfatizar que nos termos do artº 49º, nº9, da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro (doravante LAV), “O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.”
Balizado o âmbito de intervenção deste tribunal, importa então apreciar a pretensão deduzida.
Sobre o pedido de anulação rege o artº 46º da LAV, nos seguintes termos:

CAPÍTULO VII
Da impugnação da sentença arbitral
Artigo 46.º
Pedido de anulação
1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.
2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:
a) A prova é oferecida com o requerimento;
b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;
c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;
d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;
e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;
f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.
3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável.
6 - O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento no termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.
7 - Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.
8 - Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação.
9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.
10 - Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objecto do litígio.

O requerente funda a sua pretensão numa alegada violação do disposto no nº3, alínea a), subalínea ii), e subalínea v), e nº3, alínea b), subalínea ii), da LAV.

Vejamos se é assim.

Da alegada violação de princípios fundamentais referidos no artº 30º, nº1, com influência decisiva na resolução do litígio:
Dispõe o artº 30º, nº1, alínea b), da LAV, que “As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final.”
Alegou o requerente que juntou documentos comprovativos de que notificou o requerido da mudança de IBAN e de NIB, não tendo o requerido impugnado nem o recebimento nem o teor dos mesmos, pelo que deveria ter sido considerado provada a receção dos mesmos.
Sem embargo de o teor dos documentos estar em contradição com a alegação do aqui requerido considerada no seu conjunto (artº 574º, nº2, do CPC, o que infirma a conclusão do aqui requerente), e que em sede de audiência arbitral (fls. 72 do processo apenso) continuou a negar ter recebido os mesmos, não divisamos aqui qualquer violação do princípio da igualdade e/ou do contraditório. A desconsideração de um hipotético efeito cominatório decorrente da alegada falta de impugnação dos documentos, em tese, poderia configurar erro de julgamento, mas nunca uma violação dos apontados princípios. E, repetimos, tal extravasa o âmbito desta ação, na qual não nos podemos pronunciar sobre o mérito da questão, nem sobre a forma como o Tribunal Arbitral entendeu valorar a prova ali produzida, como começamos por referir.
Menezes Cordeiro, in Tratado de Arbitragem, 2016, em anotação ao artº 30º, refere que “O princípio da igualdade é estruturante de toda a arbitragem. Dele derivam os princípios da citação, da audição efetiva e do contraditório. Como qualquer princípio, deve ser tomado em termos materiais e não formais. Além disso, decorrem da igualdade: prazos e condições iguais para o pagamento de preparos, intervenção de ambas as partes na indicação do colégio pericial, condições de trabalho idênticas e facilidades para intervir no processo.
Compulsado o processo arbitral não divisamos qualquer violação destes princípios. O aqui requerente, ali requerido, foi citado para deduzir oposição, o que fez (fls. 44 a 50 do processo apenso), juntando e requerendo os meios de prova que entendeu. Entre estes, juntou a carta alegadamente enviada em 20 de julho de 2018 (fls. 16 e 17 do processo apenso). Não houve qualquer diligência de prova, qualquer ato requerido, que tenha sido negado ao aqui requerente, que foi devidamente notificado de e para todos os atos processuais.
Por outro lado, a alegação do aqui requerente de que o senhor juiz árbitro apreciou a prova com dois pesos e duas medidas, e que o aqui requerido teve, naquele processo, um tratamento privilegiado, não traduz o que se observa da análise do processo. O senhor juiz árbitro motivou os fundamentos da sua convicção. E, mais uma vez não fazendo juízos de mérito, a discordância do aqui requerente sobre a matéria de facto que foi considerada provada encontraria a sede de acolhimento, em tese, num hipotético erro de julgamento, já não como consubstanciando uma violação do princípio da igualdade.
O requerente insurge-se, também, contra uma alegada violação do princípio do contraditório.
Nos termos do artº 30º, nº1, alínea c), da LAV, “Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as exceções previstas na presente lei.”
O princípio do contraditório está plasmado no artº 3º, do CPC, pressupondo que ambas as partes têm o direito de se pronunciar sobre as questões de facto e de direito que hajam sido levantadas.
Alega o requerente que não foi alertado para o facto de que o Tribunal Arbitral não iria dar como provados os factos que com os referidos documentos se visava provar, mesmo sem terem sido impugnados, podendo nesse caso o requerente reforçar a prova que já havia junto nos autos.
Bom, dir-se-á que não deu nem tinha que dar. Inexiste qualquer disposição legal que o imponha. Com a sua oposição no processo arbitral, o aqui requerente juntou e requereu os meios de prova que entendeu. Aliás, aceitar a tese do aqui requerente transformaria os autos numa espiral probatória sem fim à vista: cada uma das partes reforçava a sua prova, a contraparte respondia de igual forma, na justa medida das suas motivações subjetivas sobre uma hipotética insuficiência probatória.
Não se configura aqui, assim, qualquer violação do princípio do contraditório.
O requerente invocou, também, uma alegada violação do disposto no artº 46º, nº3, alínea v), da LAV, defendendo que o tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Relembremos os pedidos formulados na ação arbitral:
Pedido: Pretende em primeiro lugar saber para onde foi transferido o valor de €2.494,62;
Que a requerida solicite à “LÀssegurance ...” uma cópia do modelo ... da transferência dos valores, com a respetiva data, valor, montantes, moeda, referência e código SWIFT do banco emissor, assim como o rastreio da transferência/ordem de pagamento emitida para verificar o estado e instituição onde a mesma se encontra.
Pretende que a requerida reponha o valor de €2.494,62.
Que a requerida o indemnize em valor não inferior a €300,00 pelos transtornos causados.
Alegou o banco requerente que os pedidos foram formulados por uma ordem sequencial, lógica, existindo como que uma relação de subsidiariedade entre eles.
Não é assim.
Dispõe o artº 554º, do CPC, que se diz subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
O pedido subsidiário é o que se apresenta ao tribunal para ser tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior (alternativa aparente).
Quando propõe a ação, o autor tem em vista um determinado propósito, que exara na petição, mas pode suceder que tenha dúvidas objetivas quanto à viabilidade de determinada pretensão formulada ou não esteja inteiramente convencido da possibilidade de conseguir provar em tribunal os factos de que depende o reconhecimento do direito que pretende ver prioritariamente atendido. Neste caso, em vez de correr o risco da improcedência e da necessidade de instaurar nova ação em que deduza outra pretensão, pode logo deduzir na petição inicial os dois ou mais pedidos (sem embargo da eventual dedução do pedido subsidiário na pendência da causa, embora com as limitações que decorrem dos artºs 264º e 265º). Mas porque tem preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, sendo esse pedido que o tribunal vai analisar e decidir prioritariamente, só se debruçando sobre o pedido subsidiário se concluir pela improcedência do primeiro ou, se por qualquer outro motivo, houver desistência do pedido principal, ou absolvição da instância nessa parte. – cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, in CPC anotado, vol. 1º, 2018, pág. 554º.
Manifestamente, não é aqui o caso. O aqui requerido alegou que o dinheiro não entrou na sua conta, imputa tal facto ao requerente, e os pedidos formulados consubstanciam o enquadramento lógico sequencial da sua pretensão, sem que com isso estejamos perante pedidos subsidiários. Cada um dos pedidos não exclui os que lhe sucedem.
E a condenação em indemnização não depende necessariamente da circunstância de o dinheiro ter entrado na conta do banco aqui requerente, não se fazendo aqui outras considerações de mérito por delas estarmos legalmente impedidos.
Não houve, assim, qualquer condenação em objeto diverso do pedido, improcedendo também este fundamento de anulação da decisão arbitral.
Por último, o aqui requerente invoca o vício constante do artº 46º, nº 3, alínea b), ii), da LAV, alegando que a decisão recorrida enferma de grave e grosseiro erro de julgamento e ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, pois tal erro de julgamento a não ser retificado traduzir-se-á numa violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva do autor. Entende que a alegada violação do direito positivo somado à circunstância de insusceptibilidade de recurso nos presentes autos se traduzem numa desconformidade jurídica que ofende a justiça no seu todo, e consequentemente a ordem pública do Estado Português.
Mais uma vez, para fundar alegadas causas de anulabilidade, o requerente alega factos que são, antes, relativos ao mérito da questão. Como é de meridiana clareza, não sendo admissível recurso, não pode o autor dar uma veste formal alegadamente subsumível à anulabilidade para contornar a referida limitação.
O direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva consubstancia-se no direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência na apreciação das diversas perspetivas perante as quais o tribunal é colocado.
Não vislumbramos, conforme já referimos, nenhuma violação dos princípios de imparcialidade e independência, consubstanciados num hipotético tratamento desigual das partes.
E o que se deve entender por ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, nos termos e para os efeitos do artº 46º, nº3, alínea b), ii), da LAV?
Manuel Pereira Barrocas, in “A Ordem Pública na Arbitragem”, disponível online in Portal.oa.pt, págs. 35 e ss. refere que “Uma primeira clarificação do conceito impõe que se diga que a ordem pública relevante em arbitragem constitui um corpo indefinido, embora definível, de princípios fundamentais da ordem jurídica de um determinado estado que integra os valores essenciais de ordem ética, económica e social próprios desse estado. (…) Tentando evitar o caráter redutor que uma definição pode representar, arriscamos a dizer que a ordem pública constitui um complexo normativo de conteúdo ético-sócio-económico formado por certas normas de direito positivo e por princípios e valores fundamentais de uma comunidade juridicamente organizada, aplicável no espaço respetivo com prevalência sobre outras normas, princípios ou valores de uma ordem jurídica estrangeira estranhos ou conflituantes com ela.
O que é que a sentença arbitral prolatada tem a ver com o antecedentemente exposto e com a hipotética violação da ordem pública internacional? Com nada, dir-se-á.
Mas, continuando a seguir o mesmo autor, este faz uma clarificação: “Esta distinção (entre ordem pública internacional e ordem pública interna) requer, igualmente, uma clarificação prévia, muito importante: ambos os conceitos de ordem pública, apesar da inclusão do adjetivo internacional num deles, pertencem à ordem pública nacional de um determinado estado. Por isso, se pode dizer que esse elemento adjetivo é enganador. Trata-se, na realidade, de dois ângulos de análise de uma e única realidade: a ordem pública de uma determinada comunidade jurídica organizada. (…) É de ordem pública nesta aceção o que é de interesse e ordem pública e, portanto, o que é na sua aplicação imperativamente imposto por lei.”.
Esta mesma questão mostra-se tratada no AcSTJ de 26/09/2017, Revista nº 1008/14.4YRLSB.L1.S1, objeto de anotação por Afonso Patrão, nos Cadernos de Direito Privado, nº62, abril e junho de 2018, pág. 412 e ss.
Refere-se no citado acórdão: “A ordem pública internacional tem como características: (i) a imprecisão; (ii) o cariz nacional das suas exigências (que variam de Estado para Estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles); (iii) a excecionalidade (por ser um limite ao reconhecimento de uma decisão arbitral putativamente estribada no princípio da autonomia privada); (iv) a flutuação e a atualidade (intervém em função das conceções dominantes no tempo do julgamento, no país onde a questão se põe); e (v) a relatividade (intervém em função das circunstâncias do caso concreto e, particularmente, da intensidade dos laços entre a relação jurídica em causa e o Estado português).
Trata-se, assim, de um conceito indeterminado que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto; porém, na sua atuação positiva sobre o resultado obtido pela decisão arbitral não comporta qualquer juízo sobre a adequação da aplicação nela feita do direito tido por aplicável; a ação preclusiva da ordem pública internacional incide unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da decisão.
O controlo que o juiz tem de fazer para aquilatar da ofensa da ordem pública internacional do Estado não se confunde com revisão: o juiz não julga novamente o litígio decidido pelo tribunal arbitral para verificar se chegaria ao mesmo resultado a que este chegou, apenas deve verificar se a sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica do foro; ainda assim, quando o controlo se destina a verificar se o resultado da decisão é manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado, poderá não bastar a análise do dispositivo da sentença por este ser, em geral, neutro, se desligado da vistoria ao raciocínio até ele percorrido pelo tribunal.
Mesmo que não seja possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional, é latamente consensual a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que, pela sua relevância, integram a Constituição em sentido material, pois são as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, que não só enformam como também conformam a ordem pública internacional do Estado, o mesmo sucedendo com os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e ainda com os princípios fundamentais nos quais se incluem os da boa fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e osa princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária, quanto de fonte nacional.
Considerando, porém, que os aludidos princípios possuem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral terá de ser sujeita a acentuadas restrições e daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português, a que alude o artº 46º, nº1, e nº3, alínea b), ii), da LAV, pressuponha que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesse de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.
Balizado o âmbito de aplicação da alínea invocada pelo requerente, não vislumbramos minimamente o seu preenchimento. A divergência do banco requerente relativamente à valoração da prova feita pelo tribunal arbitral não consubstancia fundamento de anulação da decisão arbitral. A sentença prolatada não se reconduz a uma decisão manifestamente incompatível com princípios fundamentais da ordem pública internacional ou interna do Estado português. O tribunal arbitral considerou não provado que a alteração do IBAN e do NIB haja sido comunicada ao aqui requerido, não considerou suficientes para o efeito os documentos apresentados pelo requerente, considerou, por isso, haver um nexo de causalidade entre o não recebimento das quantias pelo requerido e a referida omissão, e considerou o banco incurso em responsabilidade civil.
Manifestamente, não incorreu a sentença arbitral em nenhuma decisão suscetível de configurar uma das hipóteses legais de anulação, nos sobreditos termos, improcedendo integralmente, por tal facto, a presente ação.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a ação e absolver o requerido do pedido de anulação da sentença arbitral.
Custas pelo requerente (artº 527º, nº1, e 2, do CPC), nos termos da Tabela I-C anexa ao RCP.
Notifique.
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Após trânsito em julgado deste acórdão, devolva-se o apenso ao Tribunal Arbitral.
Guimarães, 30 de novembro de 2022.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas;
1.ª Adjunta: Maria Eugénia Pedro;
2.º Adjunto: Pedro Maurício.