Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PAULO REIS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO RECLAMAÇÃO REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS IMPULSO DOS INTERESSADOS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - A remessa dos interessados para os meios comuns relativamente a algumas questões atinentes à determinação dos bens que integram o património comum do casal ou ao passivo deste património não configura qualquer omissão de pronúncia pois o Tribunal recorrido limitou-se a extrair os efeitos jurídicos que resultam diretamente da previsão do artigo 1093.º, n.º 1 do CPC, ainda que tal possa representar um eventual erro de julgamento que teria de ser impugnado pela recorrente como tal. II - A verificação dos pressupostos legais para poder operar a inversão do ónus da prova, nos termos previstos no artigo 344.º, n.º 2 do CC supõe desde logo, como requisito essencial, a efetiva violação do dever de colaboração das partes para a descoberta da verdade. III - Não reclamando a ora recorrente, em tempo oportuno, de um eventual comportamento omissivo ou não colaborante do cabeça de casal na descoberta da verdade, nem suscitando qualquer diligência específica em sede probatória relativamente a determinados segmentos da reclamação que apresentou contra a relação de bens, não se impunha ao Tribunal recorrido que tomasse a iniciativa de realizar oficiosamente outras diligências destinadas a suprir a falta de impulso dos interessados sobre esta matéria, tanto mais que as questões em causa envolvem indagação que se antevê necessariamente morosa e relativamente complexa em termos factuais e probatórios. IV - Fica prejudicada a reapreciação da questão de direito se a recorrente baseia a decisão que preconiza em matéria de facto que não se encontra provada, pressupondo ainda a prévia modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente a determinados factos impugnados da matéria provada, o que não ocorreu. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório No processo de Inventário judicial, n.º 1161/22.... do Juízo de Família e Menores de ... - Juiz ... - para partilha dos bens comuns que constituem o acervo do ex-casal, após a dissolução do casamento por divórcio decretado por sentença de ../../2022 proferida no processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge de que é apenso, são interessados AA (requerente) e BB, (cabeça de casal). Em 24-11-2022, a requerente apresentou reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, nos seguintes termos: a)impugna a descrição e o montante da verba UM (Depósito bancário no Banco 1..., no valor de 1.080,50 €); b) acusa a falta de relacionação de conta bancária com o n.º ..., do Banco 1..., que tem a mesma e o cabeça de casal como titulares, mas que foi sempre movimentada pelo último, sendo que, pelo menos em 08-11-2021, o seu saldo era de 2.528,34 € e à data da separação do extinto casal, o final do mês de maio de 2021, o saldo era de valor superior ao declarado; c)acusa a falta de relacionação de conta bancária com o n.º ...28, do Banco 2..., que tem como titular o cabeça de casal, com saldo bancário, à data da separação do extinto casal, e pelo menos a 20-05-2021, de 35.009,37 €; d)alega que «tem a convicção da existência de outras contas bancárias, em Portugal da titularidade do Cabeça de Casal que não foram indicadas, com saldos positivos», pelo que acusa a falta de relacionação das mesmas; e)alega que o cabeça de casal também não indicou a existência de contas bancárias sedeadas no Brasil, nos Banco 3... e Banco 4..., local de residência do casal por vários anos, com saldo positivo e bastante elevado à data da separação, acusando a falta de relacionação das mesmas; f)não foi relacionada uma dívida do cabeça de casal à requerente «proveniente de acordo judicial em Processo de Execução n.º 4176/03.... e 3320/05...., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., em que Requerente e Cabeça de Casal foram exequentes, por ausência de pagamento de passe de EMP01..., sito na Rua ..., ... ..., da propriedade destes, cujo montante foi recebido pelo cabeça de casal e que não entregou a metade devida à reclamante», no montante de 12.000,00 €»; g)acusa a falta de relacionação de uma dívida do cabeça de casal à requerente «de valor monetário trazido do Brasil para Portugal aquando do seu regresso em 2020, no montante, em euros, de 50.000,00 €»; h)acusa a falta de relacionação de «crédito do cabeça de casal e requerente sobre o Estado Brasileiro, valor monetário a receber, em resultado de provimento de ações judiciais movidas contra o Estado Brasileiro, no montante que a requerente desconhece, mas que o cabeça de casal pode informar»; i)impugna o valor do prédio relacionado sob a verba DOIS, sustentando que o seu valor é bastante superior, pelo menos de 140.000,00 €; j)impugna o valor do prédio relacionado sob a verba TRÊS, sustentando que o seu valor é superior, pelo menos de 10.000,00 €; k)impugna a descrição e o montante das verbas DOIS, TRÊS, QUATRO E CINCO do passivo; l)acusa a falta de relacionação de uma dívida do cabeça de casal à requerente «de ½ do valor pago pela mesma, em 26.01.2021 de IMI, após separação, no montante total de 176,81€»; m) acusa a falta de relacionação de uma dívida do cabeça de casal à requerente «do valor correspondente a metade das prestações vencidas de renda para a sua habitação, que teve de suportar após divórcio por ter de abandonar a casa de morada de família juntamente com os seus filhos, e ainda as prestações vincendas até à conclusão da partilha dos presentes autos, no montante total mensal de 370,00€, que na presente data é contabilizado em 6 660,00€ (18 meses)»; n) acusa a falta de relacionação de ouro da propriedade do casal, como aliança em ouro e anel em ouro branco no montante total de 350,00 €; o) acusa a falta de relacionação de o recheio da casa de morada de família, «composta por mobiliário, quadros, espelhos, candeeiros, louças de casa de banho, torneiras em inox, pequenos e grandes eletrodomésticos de cozinha, televisões, atoalhados e lençóis, várias louças e ainda louças da marca “...” e “...”, várias peças de cristal, várias peças em vidro, talheres e várias peças de decoração, no montante global de 22 468,00€», alegando que está impossibilitada de relacionar tais bens, por se encontrarem em poder do cabeça de casal, pelo que requer que seja notificado para fornecer os elementos necessários e elaborar a respetiva inclusão na relação de bens, de acordo com o prescrito no artigo 1101.º do CPC; p) acusa a falta de relacionação de peças em prata «como por exemplo um cordão em prata grosso, e ainda várias outras no montante total de 250,00 €». Na reclamação apresentada, a reclamante arrolou quatro testemunhas, juntou quatro documentos e requereu os seguintes meios de prova: «(…) b) requer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar oficiar ao BANCO DE PORTUGAL se, à data da separação existiam outras contas bancárias, e ainda ao Banco 1... E Banco 2... para que venha informar os números das contas bancárias e saldos existentes à data da separação do casal, ou seja Maio de 2021, que, por beneficiar a Requerente de apoio judiciário, não tem condições económicas para suportar a despesa dos extractos bancários, tudo, para a descoberta da verdade nos termos legais; c) requer-se a V.ª Ex.ª se digne mandar realizar peritagem à VERBA DOIS, por perito único indicado pelo tribunal; d) requer-se a V.ª Ex.ª ordenar a notificação do Banco 1... para que venha informar o valor da dívida indicada na VERBA UM do PASSIVO do extinto casal mais próximo da data da partilha, como tem sido jurisprudência. e) requer-se a V.ª Ex.ª se digne notificar o Banco que o Cabeça de Casal indicar relativamente à VERBA UM DO PASSIVO, qual o número e que valor e periodicidade têm tais prestações, para que a Requerente possa pronunciar-se em conformidade. F) Requer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar notificar o Cabeça de Casal para fornecer os elementos necessários e elaborar a respetiva inclusão na Relação de Bens, do descrito em 24. desta peça, de acordo com o prescrito no art. 1101.º do CPC». O cabeça de casal respondeu, sustentando que os bens relacionados são os que constituem o património comum a partilhar, pelo que a relação apresentada não padece de qualquer inexatidão nem está incompleta. No âmbito de diligência designada para audição dos interessados, o cabeça de casal requereu o prazo de 15 dias para juntar documentação e, eventualmente, completar a relação de bens, o que foi deferido. Por requerimento apresentado em 13-04-2023, notificado entre mandatários nos termos previstos no artigo 221.º do CPC, veio o cabeça de casal apresentar relação de bens corrigida, aditando à relação inicial uma nova verba DOIS, com o seguinte teor: «Um cordão de prata e outras peças em prata, no valor de 250,00 €», mantendo em tudo o mais a relação de bens inicialmente apresentada, agora reordenada em função do aditamento apresentado. Em tal requerimento, o cabeça de casal requereu a junção de cinco documentos de suporte à relação, alegando ainda o seguinte: «(…) Apesar de todos os esforços apenas agora foi possível ao cabeça de casal fazê-lo, uma vez que apesar dos esforços desenvolvidos não lhe foi possível obter a documentação necessária ao efeito. Mais requer a V.ª Ex.ª se digne oficiar junto da Banco 1... e junto do Banco 2... - tal como foi já requerido pela reclamante - para virem informar aos autos quais os saldos existentes à data do divórcio do ex casal, porquanto não lhe foi dada essa informação ao balcão de ambas as entidades bancarias. Quanto ao alegado dinheiro existente em Bancos sediados no Brasil, tal dinheiro não existe, sendo que o Cabeça de casal não consegue obter documentação junto daqueles Banco 3... e Banco 4.... No que respeita aos processos de execução indicados pela reclamante, os montantes neles apurados e recuperados foram recebidos pelo ex casal ainda enquanto casados, pelo que nenhum valor deve o cabeça de casal à reclamante a esse título. No que respeita à peças de prata reclamadas, as mesas de facto existem, pelo que ora se relacionam. Mais se requer a junção de documentos de suporte à relação e bens que ora se apresenta devidamente corrigida. (…)». O Tribunal recorrido designou data para inquirição das testemunhas arroladas pelos intervenientes, tendo sido ouvidas três testemunhas em 12-10-2023, após o que ficou consignado em ata, entre o mais, o seguinte: «Não havendo lugar a mais produção de prova e nada mais tendo sido requerido, pelo Mm.º Juiz foi concedida a palavra, sucessivamente, à Ilustre Mandatária da requerente e à Ilustre Patrona do cabeça de casal para alegações orais, ficando as mesmas gravadas através do sistema integrado de gravação digital, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11h:43m:05s e o seu termo pelas 11h:56m:59s». Após, foi proferida decisão, de 14-11-2023, conhecendo da reclamação apresentada contra a relação de bens, que julgou parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva: «(…) Determinamos a exclusão das referidas verbas 3, 4 e 5 (passivo). Aditamos à relação verbas com o seguinte teor: - €35.000,00 retirados por BB da sua conta no Banco 2.... - Cordão e peças em prata … €250,00. - Recheio da casa … €22.468,00. * Remetemos os interessados para os meios comuns quanto a activos nos bancos no Brasil e quanto a crédito por passe de restaurante.Não atendemos no mais à douta reclamação. Custas por ambos em partes iguais, fixando-se em quatro uc a taxa». Inconformada com esta decisão, a Interessada/requerente, apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão recorrida, na parte que lhe é desfavorável. Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Em sede de reclamação à relação de bens, a ora recorrente requereu, além do mais, que o tribunal se dignasse ordenar oficiar os bancos em que o extinto casal teria contas bacárias, por não ter condições económicas para suportar a despesa dos extractos bancários e porque não tem legitimidade, tudo, para a descoberta da verdade nos termos legais. 2. Também o CC requereu ao tribunal a quo que fossem solicitadas aos bancos pelo tribunal, o que aqueles não fornecem ao mesmo “ao balcão”, por requerimento datado de 13.04.2023. 3. O tribunal a quo recusou, por despacho datado de 20.10.2023. 4. Com a sua reclamação à relação de bens, a interessada, ora recorrente invocou que: - sabe da existência da conta bancária com o n.º ..., do Banco 1..., - tem a convicção da existência de outras contas bancárias, em Portugal da titularidade do Cabeça de Casal - não indicou, o cabeça de casal, a existência das contas bancárias sedeadas no Brasil, nos Banco 3... e Banco 4..., - não indicou o Cabeça de Casal, dívida do mesmo à Requerente, proveniente de acordo judicial em Processo de Execução n.º 4176/03.... e 3320/05...., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., cujo montante foi recebido pelo Cabeça de Casal; - não indicou ainda a dívida do Cabeça de Casal à Requerente de valor monetário trazido do Brasil para Portugal aquando do regresso do seu regresso em 2020, no montante, em euros, de 50 000,00€; - falta relacionar o crédito do Cabeça de Casal e Requerente sobre o Estado Brasileiro, valor monetário a receber, em resultado de provimento de acções judiciais movidas contra o Estado Brasileiro. - falta relacionar dívida do Cabeça de Casal à Requerente do valor correspondente a metade das prestações vencidas de renda para a sua habitação; 5. Em sede de audição das partes, datada de 31 de Janeiro de 2023, cuja acta consta dos autos a fls..., comprometeu-se o CC a juntar a documentação em falta e completar a Relação de Bens. 6. O CC não juntou a documentação mas requereu ao tribunal a notificação dos bancos, por requerimento datado de 13.04.2023. 7. Veio o tribunal a quo a decidir sobre a reclamação à relação de bens sendo que, de relevante, não se comprovou: (...) Existência de outras contas no país (PT) além das do Banco 1... e Banco 2.... Os quantitativos nos bancos do Brasil. O montante recebido pelo cc na sequência de passe de restaurante. O transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020 A existência de activos nos dois bancos no Brasil é reconhecida pelos interessados em Abril de 2022. Interpelado quanto à omissão, o cc nenhuma explicação deu para a exclusão da relação. Expectativa de receber da RF do Brasil foi confirmado por ambos aquando da convolação. Quanto a activos em bancos brasileiros a A limita-se a referir saldo positivo e bastante elevado. Aceita-se a dificuldade da A aceder às contas no Brasil e constata-se a ausência de qualquer esforço do cc a respeito. Ficou por esclarecer recebimento pelo restaurante e do estado brasileiro. Os ditos créditos foram confirmados em Abril de 2022 por ambos e o cc, nem interpelado pela reclamação trouxe qualquer explicação. Os interessados serão remetidos para os meios comuns.(...) 8. Resulta também do texto de que se recorre: II Factos d) Ao final de Maio de 2021 o cc tinha na conta no Banco 1... o saldo de €1.080,50. e) A 8/11/2021 em conta de que AA era 1ª titular existia saldo de €2.528,34. f) A 20 de Maio de 2021 o cc retirou €35.000,00 da sua conta à ordem no Banco 2.... g) Em Março de 2022 BB tinha activos nos Banco 3... e Banco 4..., no Brasil. h) A e cc tiveram restaurante e crédito pelo respectivo passe. i) A e cc tiveram litigio com o estado brasileiro. 9. Das declarações prestadas pelo próprio CC, no dia 31.01.2023, o extinto casal tem uma conta aberta no Banco 3... do banco do Brasil e nos bancos Banco 2... e ..., e comprometeu-se a entregar os extractos bancários em 15 dias. 10. Ao abrigo dos princípios de gestão processual e da cooperação, depois de decorrido o prazo concedido e reflectido na acta de audição de 31.01.2023, o tribunal deveria ter ordenado notificar o CC para vir informar os autos sobre os temas enunciados, nomeadamente os saldos bancários, valores transportados, recebidos e a receber, com a cominação prevista no art. 417.º do CPC. 11. Como bem refere a douta decisão, existem declarações de ambos os interessados sobre a existência dos ditos bens, encontrando-se por fazer chegar aos autos os elementos concretos como os valores. 12. A informação a prestar pelo CC era essencial para a prova da existência de saldo positivo e bastante elevado em bancos no Brasil, a que a interessada não tem acesso por se encontrarem apenas na titularidade do CC., os montantes a receber do Estado Brasileiro que também desconhece e não tem acesso por ser tratado pelo CC, e ainda o transporte que o CC efectuou dos 50 000,00€ para Portugal e que não lhe entregou, recebidos pelo passe do restaurante, tudo da propriedade comum do extinto casal e a que a interessada não tem acesso. 13. Sem a interpelação do tribunal, permitiu este que o CC impedisse e onerasse deliberadamente ou de forma negligente e grosseira a prova, impossibilitando a aqui recorrente de provar uma vez que tal meio de prova era de especial relevância para demonstrar a veracidade dos factos alegados permanecendo sem alternativa de prova. 14. O tribunal não notificou e violou o nº2 do art. 344º do Código Civil e o nº2 do art, 417º do CPC. 15. O nº2 do art. 344º do Código Civil, para que remete o nº2 do art, 417º do CPC prescreve que «há... inversão do ónus de prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especificamente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.»; 16. Não devia o tribunal remeter os interessados para os meios comuns por necessidade de apurar os valores dos bens, uma vez que não constitui questão prejudicial ao inventário mas, muito pelo contrário, faz parte dele. 17. Violou, o tribunal a quo, o artigo 1093º CPC. 18. Segundo o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar o que aconteceu no caso dos autos. 19. O tribunal a quo não decidiu o que lhe competia e remeteu as questões para os meios comuns. 20. Violou o tribunal a quo, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 7.º, 410.º, 411.º, 1345.º e 1353.º do CPC, bem como violou por não ter aplicado o prescrito pelos arts. 487.º, n.º 2 e 3, do CPC e 20.º da CRP. 21. O tribunal a quo entende não se ter comprovado (...) ao transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020(...), porém, em sede de produção de prova da reclamação à relação de bens o filho do extinto casal, CC, declarou conhecer, ter visto o dinheiro e o pedido de conselho do CC sobre o destino a dar à quantia. 22. Deveria o tribunal ter aditado a verba à relação de bens, em conformidade com o indicado pela interessada: Dívida do Cabeça de Casal à Requerente de valor monetário trazido do Brasil para Portugal aquando do regresso do seu regresso em 2020, no montante, em euros, de 50 000,00€. 23. Relativamente ao valor que a interessada reclama a título da renda que tem de suportar por ter de deixar de residir na casa de morada de família, onde ficou o CC, o tribunal a quo redigiu: (...)E os depoimentos de DD, CC e BB, todos filhos e com proximidade à vida dos interessados. Recordam que o cc continuou a ocupar a morada e que nesta permaneceu o recheio, (...) ...)Pagamento de rendas é desconhecido. Arrendatários são os filhos e nada foi junto para esclarecer quem paga a renda. 24. Com a reclamação à relação de bens, foi junto o contrato de arrendamento celebrado com os filhos do extinto casal no montante de renda de 370,00€ mensais, que asseguraram que a interessada foi com os mesmos residir e que é esta quem paga, em declarações nos autos. 25. E o documento não foi impugnado 26. Deveria o tribunal ter aditado à Relação de Bens, a verba, conforme a reclamação apresentada na sequência da produção de prova: (...)dívida do Cabeça de Casal à Requerente do valor correspondente a metade das prestações vencidas de renda para a sua habitação, que teve de suportar após divórcio por ter de abandonar a casa de morada de família juntamente com os seus filhos, e ainda as prestações vincendas até à conclusão da partilha dos presentes autos, no montante total mensal de 370,00€, que na presente data é contabilizado em 6 660,00€ (18 meses). 27. Ao decidir o tribunal a quo como decidiu conduziru a um erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto. 28. Pelo que, deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se o despacho proferido pelo tribunal a quo, ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!». Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações. Após reclamação, o recurso interposto pela reclamante foi admitido por este Tribunal da Relação para subir imediatamente, em separado dos autos principais e com efeito meramente devolutivo. II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) se a decisão recorrida padece da nulidade que lhe é imputada pela recorrente; B) se estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso respeitante à decisão da matéria de facto; em caso afirmativo, se deve ser alterada a matéria de facto; C) aferir se, depois de decorrido o prazo concedido ao cabeça de casal na diligência de 31-01-2023, o tribunal devia ter ordenado a notificação do cabeça de casal para vir informar os autos sobre os temas enunciados, nomeadamente os saldos bancários, valores transportados, recebidos e a receber, com a cominação prevista no artigo 417.º do CPC, ao abrigo dos princípios de gestão processual e da cooperação; D) Reapreciação do mérito da decisão recorrida em função da pretendida modificação da matéria de facto; saber se o Tribunal devia ter aditado à relação de bens: i) dívida do Cabeça de Casal à Requerente de valor monetário trazido do Brasil para Portugal aquando do regresso do seu regresso em 2020, no montante, em euros, de 50.000,00 €; ii) dívida do Cabeça de Casal à Requerente do valor correspondente a metade das prestações vencidas de renda para a sua habitação, que teve de suportar após divórcio por ter de abandonar a casa de morada de família juntamente com os seus filhos, e ainda as prestações vincendas até à conclusão da partilha dos presentes autos, no montante total mensal de 370,00€, que na presente data é contabilizado em 6.660,00€ (18 meses). Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, sendo os seguintes os factos considerados provados pela 1.ª Instância na decisão recorrida: a) BB (24 anos) casou com AA (20 anos) em 14 de junho de 1975, sem convenção. b) Em ../../2022, AA iniciou processo de divórcio contra BB. c) Em ../../2022, após convolação, foi decretado o divórcio. d) Ao final de Maio de 2021 o CC tinha na conta no Banco 1... o saldo de €1.080,50. e) A 8/11/2021 em conta de que AA era 1ª titular existia saldo de €2.528,34. f) A 20 de Maio de 2021 o CC retirou €35.000,00 da sua conta à ordem no Banco 2.... g) Em Março de 2022 BB tinha ativos nos Banco 3... e Banco 4..., no Brasil. h) A e CC tiveram restaurante e crédito pelo respetivo passe. i) A e CC tiveram litígio com o estado brasileiro. j) AA pagou IMI em 2021 (€176,81). k) Aquando da saída de AA, o recheio da casa de morada ficou nesta, com BB. 1.2. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a matéria de factos não provada, nos seguintes termos: «Quanto a v-3 a v-5 do passivo a existência de crédito do cc sobre o dissolvido ou sobre a interessada. Não há o mínimo indício de um segundo seguro (v-5) em EMP02... (além do relativo ao empréstimo habitação da v.2) e nem sequer referência a data e finalidade. A v-4 refere pagamento de condomínio, admissível face ao teor da v.1 (fracção autónoma) todavia relativo a período temporal bastante anterior ao início da acção de divórcio (6/2021 a 10/2021). A v-3 refere pagamento de IMI (da v.1 e de vários prédios sitos em EE e extravagantes à relação) e junta documento que é esclarecedor, o imposto é relativo a 2020 e pagável até Maio de 2021, anterior à acção. Existência de outras contas no país (PT) além das do Banco 1... e Banco 2.... Os quantitativos nos bancos do Brasil. O montante recebido pelo cc na sequência de passe de restaurante. O transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020. A A tenha tomado casa de arrendamento. O casal tenha ouro para partilhar (aliança, anel)». 2. Apreciação sobre o objeto do recurso 2.1. Nulidade da decisão recorrida A recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício de omissão de pronúncia. Alega que o Tribunal recorrido não decidiu o que lhe competia e remeteu as questões para os meios comuns. Face às alegações apresentadas, cumpre verificar se a sentença sob censura incorreu em vício formal gerador de nulidade, à luz do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, que dispõe: «É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)» A nulidade prevista na alínea d), primeira parte, do citado preceito deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, onde se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras. A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[1]: «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)». A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[2], sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui[3]. Em idêntico sentido, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3-10-2017[4], com o seguinte sumário: «(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia». Revertendo ao caso em apreciação, facilmente se verifica que a decisão recorrida apreciou as questões que foram apresentadas à consideração do Tribunal recorrido e que constituem o objeto do litígio, tal como resulta da fundamentação constante da mesma. Sucede que a decisão impugnada considerou verificada a estatuição prevista no artigo 1093.º, n.º 1 do CPC[5], ao remeter as partes para os meios comuns quanto à reclamação atinente à falta de relacionação de contas bancárias sedeadas no Brasil, nos Banco 3... e Banco 4... e da reclamada dívida do cabeça de casal à requerente «proveniente de acordo judicial em Processo de Execução n.º 4176/03.... e 3320/05...., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., em que Requerente e Cabeça de Casal foram exequentes, por ausência de pagamento de passe de EMP01..., sito na Rua ..., ... ..., da propriedade destes, cujo montante foi recebido pelo cabeça de casal e que não entregou a metade devida à reclamante», no montante de 12.000,00 €». Analisando os traços essenciais da tramitação do processo de inventário no regime atual, referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[6]: «[o]s arts. 1092.º e 1093.º contêm regras verdadeiramente nucleares do regime do inventário, pois que é do disposto neles que depende o que pode ser decidido e o que, apesar de ser relevante para a realização da partilha, não vai ser decidido no processo de inventário. A diferença entre o art. 1092.º e o art. 1093.º é a seguinte: - o art. 1092.º refere-se às questões prejudiciais essenciais, que são aquelas que respeitam à admissibilidade do inventário e à definição dos direitos dos interessados na partilha (cf. art. 1092.º, n.º 1, al. b)); - o art. 1093.º respeita às questões prejudiciais não essenciais, isto é, àquelas que se referem à determinação do activo e do passivo do património a partilhar (cf. art. 1093.º, n.º1)», esclarecendo depois, em anotação ao artigo 1093.º do CPC: «sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo hereditário ou o passivo que onera este acervo, a regra é a de que o juiz - como decorrência do principio segundo qual o Tribunal competente para a ação é também competente para conhecer os incidentes que nela se levantam (art. 91.º, n.º 1) - deve dirimir todas as questões suscitadas e convertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, ou seja, uma partilha equitativa da comunhão hereditária. No entanto, a apreciação incidental, no âmbito do processo de inventário, das questões atinentes à determinação dos bens que integram o património hereditário ou ao passivo deste património nem sempre será possível ou conveniente: a) O n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matérias de facto subjacente à questão tornar inconveniente, na óptica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificadas e às limitações probatórias (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos - arts. 1105.º, n.º 3, e 1110.º, n.º 1, al. a). Apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efetiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflete-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória». Por conseguinte, a remessa dos interessados para os meios comuns, quanto às questões em referência, não configura qualquer omissão de pronúncia, para efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, limitando-se o Tribunal recorrido a extrair os efeitos jurídicos que resultam diretamente da previsão do citado artigo 1093.º, n.º 1 do CPC, ainda que tal possa representar um eventual erro de julgamento que teria de ser impugnado pela recorrente como tal. Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece da nulidade invocada pela recorrente, o que leva necessariamente a que improceda, nesta parte, a apelação. 2.2. A apelante manifesta a sua discordância relativamente à matéria de facto vertida na decisão recorrida, alegando que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto. Para o efeito, alega o seguinte: i) «O tribunal a quo entende não se ter comprovado (...)ao transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020(...), porém, em sede de produção de prova da reclamação à relação de bens o filho do extinto casal, CC, declarou conhecer, ter visto o dinheiro e o pedido de conselho do CC sobre o destino a dar à quantia. (…) Deveria o tribunal ter aditado a verba à relação de bens, em conformidade com o indicado pela interessada: Dívida do Cabeça de Casal à Requerente de valor monetário trazido do Brasil para Portugal aquando do regresso do seu regresso em 2020, no montante, em euros, de 50 000,00€»; ii) «Relativamente ao valor que a interessada reclama a título da renda que tem de suportar por ter de deixar de residir na casa de morada de família, onde ficou o CC, o tribunal a quo redigiu: (...)E os depoimentos de DD, CC e BB, todos filhos e com proximidade à vida dos interessados. Recordam que o cc continuou a ocupar a morada e que nesta permaneceu o recheio, (...). (...)Pagamento de rendas é desconhecido. Arrendatários são os filhos e nada foi junto para esclarecer quem paga a renda. (…) Com a reclamação à relação de bens, foi junto o contrato de arrendamento celebrado com os filhos do extinto casal no montante de renda de 370,00€ mensais, que asseguraram que a interessada foi com os mesmos residir e que é esta quem paga, em declarações nos autos. (…) E o documento não foi impugnado. Deveria o tribunal ter aditado à Relação de Bens, a verba, conforme a reclamação apresentada na sequência da produção de prova: (...) dívida do Cabeça de Casal à Requerente do valor correspondente a metade das prestações vencidas de renda para a sua habitação, que teve de suportar após divórcio por ter de abandonar a casa de morada de família juntamente com os seus filhos, e ainda as prestações vincendas até à conclusão da partilha dos presentes autos, no montante total mensal de 370,00€, que na presente data é contabilizado em 6 660,00€ (18 meses)». A impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objeto do recurso na vertente de facto e à respetiva fundamentação[7]. Deste modo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que a questão do cumprimento dos ónus impostos aos recorrentes deve ser apreciada em momento prévio à reapreciação da decisão de facto proferida. Neste domínio, o artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes[8]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente». Deste modo, «[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação»[9]. Revertendo ao caso em apreciação, observa-se que a apelante não especifica de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto impugnada, limitando-se a preconizar o aditamento à relação de bens das verbas enunciadas na reclamação oportunamente apresentada. Porém, a recorrente discorda da resposta negativa dada ao segmento relativo ao «transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020», bem como da matéria atinente às rendas alegadamente suportadas pela reclamante no âmbito do contrato de arrendamento junto aos autos, depreendendo-se por isso que pretende a alteração para positiva da resposta negativa sobre tal matéria. Por outro lado, a recorrente enuncia de forma percetível os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, com indicação das passagens da gravação em que funda o recurso, quanto ao meio de prova gravado. Deste modo, consideram-se preenchidos os pressupostos de ordem formal atinentes à impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Cumpre então apreciar se os concretos meios probatórios indicados pela recorrente são idóneos e suficientes para considerar assente os pontos da matéria de facto em referência. O meio de prova gravado que a apelante apresenta para justificar a alteração da decisão sobre a matéria de facto relativa aos concretos segmentos impugnados dos factos não provados consiste no depoimento da testemunha CC, filho dos Interessados no presente inventário, porém, face ao teor do mesmo e, designadamente, dos concretos excertos invocados nas alegações de recurso, resulta que os pontos da matéria de facto em causa terão de se manter, tal como foi decidido pela 1.ª Instância, pois os mesmos foi devidamente valorado. Com efeito, as referências feitas pela referida testemunha são efetivamente exíguas quanto à explicitação de ocorrências ou eventos materiais e concretos aptos a confirmar de forma credível, plausível e convincente, a genérica confirmação da base de facto relativa ao «transporte pelo cc de 50 mil euros do Brasil para Portugal em 2020», bem como da matéria atinente às rendas alegadamente suportadas pela reclamante no âmbito do contrato de arrendamento junto aos autos, em conjugação também com critérios de normalidade e razoabilidade. A propósito, cumpre salientar a total ausência de meios de prova documentais que permitam a prova direta dos pagamentos alegados pela reclamante relativamente ao valor que esta interessada reclama a título de rendas atinentes à habitação onde está a residir atualmente com os filhos, CC e BB, designadamente através da junção de recibo(s) e/ou de meios de pagamento/movimentos bancários refletidos nas contas bancárias de qualquer dos intervenientes, não obstante vir alegado que os valores entregues no âmbito de tal contrato de arrendamento são consideráveis e resultar do contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, junto com a reclamação, que o pagamento da renda mensal fixada deve ser efetuado pelo segundo outorgante (inquilino/arrendatário), BB, por transferência bancária para a conta ali referenciada. Neste enquadramento, a questão do pagamento das rendas em causa não pode dissociar-se do meio de prova documental em questão (contrato celebrado em ../../2020), enquanto documento particular assinado e não impugnado nos autos, sendo que o mesmo prova plenamente que o contrato de arrendamento foi celebrado com BB, na qualidade de inquilino/arrendatário, e não com a reclamante (artigo 376.º, n.ºs 1 e 2 do CC), o que não permite sustentar a concreta materialidade aqui impugnada, como aliás enfatizou o Tribunal a quo na motivação da decisão recorrida. De resto, também não foi dada qualquer explicação plausível e aceitável para a necessidade de o cabeça de casal trazer do Brasil consideráveis quantidades de dinheiro colado ao corpo, quando a mesma testemunha aludiu genericamente à existência de contas bancárias da titularidade do cabeça de casal, em Portugal e no Brasil, o que torna inverosímil aquela necessidade. Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pela apelante como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo, a qual se afigura rigorosa, acertada e absolutamente adequada à prova produzida. Em consequência, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelos apelantes, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. e 1.2. supra. 2.3. Sustenta a recorrente que o Tribunal recorrido devia ter determinado a notificação do Cabeça de Casal para vir informar os autos sobre os temas enunciados, nomeadamente os saldos bancários, valores transportados, recebidos e a receber, com a cominação prevista no artigo 417.º do CPC, pois essa informação era essencial para a prova da existência de saldo positivo e bastante elevado em bancos no Brasil, a que a interessada não tem acesso por se encontrarem apenas na titularidade do CC., os montantes a receber do Estado Brasileiro que também desconhece e não tem acesso por ser tratado pelo CC, e ainda o transporte que o CC efetuou dos 50 000,00€ para Portugal e que não lhe entregou, recebidos pelo passe do restaurante, tudo da propriedade comum do extinto casal e a que a interessada não tem acesso. Segundo alega, ao omitir tal notificação do cabeça de casal, o Tribunal recorrido violou o n.º 2 do artigo 344.º do CC, para que remete o n.º 2 do artigo 417.º do CPC, o qual prescreve que «há... inversão do ónus de prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especificamente aplicar à desobediência ou às falsas declarações», bem como o disposto nos artigos 7.º, 410.º e 411.º do CPC e 20.º da Constituição da República Portuguesa. Sendo o objeto do recurso delimitado em função das conclusões da alegação (artigo 639.º do CPC) e vindo alegado que o Tribunal recorrido omitiu a prática de um ato que a lei prescreve, proferindo a decisão recorrida sem antes notificar o recorrido/cabeça de casal para vir informar os autos sobre os temas enunciados, nomeadamente os saldos bancários, valores transportados, recebidos e a receber, com a cominação prevista no artigo 417.º do CPC, parece estar em causa uma nulidade processual reportada ao artigo 195.º, n.º 1 do CPC[10], ainda que não expressamente invocada. Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[11], em anotação ao artigo 615.º do CPC, «[i]mporta que se estabeleça uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos. Ademais, no que respeita às nulidades decisórias, as mesmas apenas podem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão nos casos em que esta não admita recurso, já que na situação inversa deverão ser inseridas nas alegações do recurso de apelação». Neste enquadramento, a eventual preterição ou omissão de uma formalidade legalmente prevista sempre estaria dependente da respetiva invocação perante o Tribunal que omitiu o ato e no prazo geral previsto para o efeito[12]. É certo que à luz do regime processual vigente a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que nas situações em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão, a omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou sem que tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório[13], ocorre uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, podendo a nulidade ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que revela a omissão de ato prescrito pela lei, sendo o recurso da sentença o meio adequado à impugnação[14]. Sucede que a ora apelante não suscitou no presente recurso a nulidade da decisão com esse fundamento, mais se constatando que também nada suscitou na sequência do requerimento apresentado pelo Cabeça de Casal em 13-04-2023, no qual o cabeça de casal veio apresentar relação de bens corrigida, aditando à relação inicial uma nova verba DOIS, com o seguinte teor: «Um cordão de prata e outras peças em prata, no valor de 250,00 €», mais declarando que mantinha, em tudo o mais, a relação de bens inicialmente apresentada, agora reordenada em função do aditamento apresentado. Note-se que em tal requerimento o cabeça de casal declarou o seguinte: «Apesar de todos os esforços apenas agora foi possível ao cabeça de casal fazê-lo, uma vez que apesar dos esforços desenvolvidos não lhe foi possível obter a documentação necessária ao efeito. Mais requer a V.ª Ex.ª se digne oficiar junto da Banco 1... e junto do Banco 2... - tal como foi já requerido pela reclamante - para virem informar aos autos quais os saldos existentes à data do divórcio do ex casal, porquanto não lhe foi dada essa informação ao balcão de ambas as entidades bancarias. Quanto ao alegado dinheiro existente em Bancos sediados no Brasil, tal dinheiro não existe, sendo que o Cabeça de casal não consegue obter documentação junto daqueles Banco 3... e Banco 4.... No que respeita aos processos de execução indicados pela reclamante, os montantes neles apurados e recuperados foram recebidos pelo ex casal ainda enquanto casados, pelo que nenhum valor deve o cabeça de casal à reclamante a esse título. No que respeita à peças de prata reclamadas, as mesas de facto existem, pelo que ora se relacionam. Mais se requer a junção de documentos de suporte à relação e bens que ora se apresenta devidamente corrigida. (…)». Acresce que, em data posterior à junção de tal requerimento, o Tribunal recorrido designou data para inquirição das testemunhas arroladas pelos intervenientes, tendo sido ouvidas três testemunhas em 12-10-2023, após o que ficou consignado em ata, entre o mais, o seguinte: «Não havendo lugar a mais produção de prova e nada mais tendo sido requerido, pelo Mm.º Juiz foi concedida a palavra, sucessivamente, à Ilustre Mandatária da requerente e à Ilustre Patrona do cabeça de casal para alegações orais, ficando as mesmas gravadas através do sistema integrado de gravação digital, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11h:43m:05s e o seu termo pelas 11h:56m:59s». De todo o modo, sempre se dirá que a análise das concretas incidências processuais antes enunciadas não pode determinar as consequências pretendidas pela recorrente em face da conduta assumida pelo cabeça de casal. Nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 1 do CPC, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados, esclarecendo o n.º 2 do citado preceito que aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do CC. Como se observa, o n.º 2 do citado artigo 417.º do CPC prevê diversas sanções para aqueles que recusem a colaboração devida para a descoberta da verdade, as quais, para além da condenação em multa, e sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis, podem implicar consequências de ordem probatória para o recusante que for parte, concretamente, a livre apreciação pelo tribunal do valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do CC. Tal como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, a propósito dos efeitos mais gravosos que o incumprimento do dever de cooperação advindo da própria parte pode importar: «[a] conduta da parte pode ativar um indício endoprocessual probatório desde que: a parte tenha conhecimento de determinado facto; esse facto apresente relevo processual segundo as várias soluções plausíveis de direito; a prova desse facto seja desfavorável à parte em causa; no intuito de evitar esse resultado desfavorável, a parte proceda (por ação ou omissão) no sentido de frustrar (total ou parcialmente) a prova desse facto ou de desviar a atenção sobre o mesmo (…).O campo de eventual atuação desse indício corresponde às situações intermédias entre a conduta inócua e a conduta culposa da parte (dolo ou negligência) que impossibilita a prova do facto ao onerado, situação sancionada com a inversão do ónus da prova (art. 344º, nº 2, do CC)»[15]. Efetivamente, o artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil sanciona com a inversão do ónus da prova a atuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer a prova do facto[16], ao estipular o seguinte: «Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações». Deste modo, a pretendida inversão do ónus da prova está dependente da verificação de dois pressupostos: «i) que a prova de determinada factualidade, por ação da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer ou, pelo menos, se tenha tornado particularmente difícil de fazer; ii) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título de culpa, não bastando a mera negligência»[17]. Perante este enquadramento, a verificação dos pressupostos legais para poder operar a inversão do ónus da prova, nos termos previstos no artigo 344.º, n.º 2 do CC supõe desde logo, como requisito essencial, a efetiva violação do dever de colaboração das partes para a descoberta da verdade. Assim, «[a] inversão do ónus da prova surge, assim, como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no art. 417º, nº1 do CPC, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte podia e devia agir de outro modo (art. 344º, n.º 2 do CC e art. 417º, n.º 2 do CPC)», ainda que atender à dita recusa signifique tão só que passou a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto, não estando, por isso, as instâncias dispensadas de valorar essa recusa para efeitos da formação da sua convicção com vista a dar, como provado, ou não, o facto em causa[18]. No âmbito da tramitação dos presentes autos, o cabeça de casal requereu o prazo de 15 dias para juntar documentação e eventualmente completar a relação de bens, o que foi deferido. Mais resulta dos autos que o cabeça de casal veio efetivamente apresentar relação de bens corrigida, aditando à relação inicial uma nova verba DOIS, com o seguinte teor: «Um cordão de prata e outras peças em prata, no valor de 250,00 €», mantendo em tudo o mais a relação de bens inicialmente apresentada, agora reordenada em função do aditamento apresentado (requerimento apresentado em 13-04-2023, notificado entre mandatários). Acresce que, no mesmo requerimento, o cabeça de casal procedeu à junção de cinco documentos, justificou que não lhe foi possível obter outra documentação, com os fundamentos enunciados no requerimento apresentado e requereu a realização de diligência junto da Banco 1... e junto do Banco 2... para virem informar aos autos quais os saldos existentes à data do divórcio do ex-casal, alegando que não lhe foi dada essa informação ao balcão de ambas as entidades bancárias. Daí que a conduta processual assumida pelo cabeça de casal não tenha merecido por parte do Tribunal recorrido qualquer advertência ou apreciação negativa no domínio da sua adequação com o princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material. Como já vimos, a própria recorrente foi notificada do correspondente requerimento apresentado pelo cabeça de casal em 13-04-2023 e nada reclamou ou suscitou a propósito de um eventual comportamento omissivo ou não colaborante do cabeça de casal, remetendo-se ao silêncio. Aliás, a reclamante nada requereu na sequência da diligência de inquirição das testemunhas realizada em 12-10-2023, pelo que foi concedida a palavra, sucessivamente, à Ilustre Mandatária da requerente e à Ilustre Patrona do cabeça de casal para alegações orais. Daí que não se justificasse nova notificação do cabeça de casal para facultar meios de prova documentais e/ou informações com o objeto indicado e com a cominação prevista no artigo 417.º, n.º 2 do CPC. Como tal, também não se verificam os pressupostos para atribuir qualquer consequência de índole probatória ao comportamento processual assumido pelo cabeça de casal. Refere ainda a recorrente que se existe a mera hipótese de os bens trazidos aos autos não serem os únicos, como sublinham os interessados, alegando a dificuldade na sua obtenção, tal deveria ser indagado e esclarecido através de meios de prova ao alcance do tribunal. Sobre esta matéria, cumpre salientar que o direito à prova constitui pressuposto necessário e privilegiado para concretizar e garantir o direito de ação e defesa, tal como consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ao prever que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». De acordo com o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Trata-se de um princípio que coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, funcionando de um modo geral o princípio do dispositivo no que concerne à alegação de factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir da veracidade desses factos, «utilizando um critério objetivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade»[19]. Deste modo, relevam ainda outros princípios ou regras, designadamente o princípio da relevância da prova, estreitamente ligado ao poder/dever de gestão processual que compete ao juiz, tal como consagrado no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, o qual estatui que «cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável». Por outro lado, nos termos previstos no artigo 7.º, n.º 2 do CPC, o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. Neste domínio, importa ainda aludir à figura da preclusão que, «no que tange aos meios de defesa, decorre do princípio da concentração da defesa na contestação consagrado no art. 573º do NCPC, ao impor que toda a defesa deve ser deduzida na contestação ( nº 1), salvo os casos de defesa superveniente ( nº 2)»[20]. Assim, a preclusão reconduz-se, no direito processual, à perda de um determinado direito de intervenção no processo, por essa intervenção não ter sido objetivada oportunamente, no prazo conferido pela lei[21]. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016[22], «[o] princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil e o facto de não constar expressamente de nenhum preceito processual civil decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento no instituto da litispendência e do caso julgado - art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil - e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito - art. 552º, nº1, d) - e das excepções, quanto à defesa - art. 573º, nº1 do Código de Processo Civil». Neste domínio, revela-se consensual na jurisprudência dos tribunais superiores que «[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual, não se podem sobrepor, neste caso, ao principio da auto responsabilização das partes o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas»[23] . Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, «a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável (…). Como é evidente, o princípio do inquisitório não é pretexto para as partes delegarem ou confiarem, sem mais, no tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora de inércia (…)»[24]. Relativamente ao processo de inventário, os artigos 1104.º e 1105.º do CPC regulam a contestação dos interessados diretos e do Ministério Público ao requerimento inicial do cabeça de casal (previsto no artigo 1097.º do CPC) ou do requerente (artigo 1099.º do CPC) ou ao articulado complementar do cabeça de casal (artigo 1102.º do CPC), prescrevendo o artigo 1104.º, n.º 1, que os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança. Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que as faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo. Analisando os traços essenciais da tramitação do processo de inventário no regime atual, antes enunciado, referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[25], em anotação ao artigo 1104.º do CPC: «cabe aos interessados diretos deduzir no articulado de oposição qualquer reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo requerente ou pelo cabeça de casal (n.º 1, al. d), sustentando nomeadamente, a insuficiência dos bens, o excesso dos bens relacionados, a inexactidão na sua descrição ou impugnando o valor que lhes foi atribuído. Este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça de casal a relação de bens (…)». Neste domínio, o artigo 1105.º do CPC prevê a tramitação subsequente da oposição, impugnação ou reclamação, dispondo que, se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada (n.º 1), sendo as provas indicadas com os requerimentos e respostas (n.º 2) e a questão decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º (n.º 3). Como se viu, a ora recorrente não reclamou em tempo oportuno de um eventual comportamento omissivo ou não colaborante do cabeça de casal na descoberta da verdade nem suscitou qualquer diligência específica em sede probatória relativamente aos segmentos e), f), g) e h) da reclamação supra enunciada. Por conseguinte, também não se impunha ao Tribunal recorrido que tomasse a iniciativa de realizar oficiosamente outras diligências destinadas a suprir a falta de impulso dos interessados sobre esta matéria, tanto mais que as questões em causa envolvem indagação que se antevê necessariamente morosa e relativamente complexa em termos factuais e probatórios. Termos em que improcedem, nesta parte, os fundamentos da apelação. 2.4. Da reapreciação do mérito da decisão de direito O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica da causa é exatamente o mesmo que serviu de base à decisão recorrida. Em face do quadro fáctico apurado nos autos, entendemos que não se revela possível extrair diferente conclusão no que respeita ao enquadramento efetuado pelo Tribunal a quo a propósito dos fundamentos da reclamação apresentada, sendo por isso de manter a decisão alcançada na 1.ª instância. De resto, a solução que a recorrente defende para o litígio assenta integralmente em matéria de facto não provada, pressupondo a prévia modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente aos factos impugnados da matéria não provada, o que não ocorreu. Assim sendo, ficou necessariamente prejudicada a apreciação da solução jurídica preconizada pela apelante, porque dependente, na sua totalidade, da prévia modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente aos factos que permanecem assentes e do apuramento dos pontos da matéria de facto não provada que foram impugnados, o que não sucedeu - cf. os artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2 do CPC. Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar integralmente a decisão recorrida. Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, conforme esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. No caso, a apelação foi julgada integralmente improcedente, pelo que as custas da apelação são da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento. IV. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a decisão recorrida. Custas pela apelante. Guimarães, 20 de junho de 2024 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator) Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto) Joaquim Boavida (Juiz Desembargador - 2.º adjunto) [1] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 737. [2] Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1– 6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [3] Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt. [4] Relator: Alexandre Reis, revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf. [5] Nos termos do qual, se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns. [6] O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, (Reimpressão), 2020, Almedina, Coimbra, p. 44. [7] Cf., por todos, o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt. [8] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 - 5.ª edição -, pgs. 165-166. [9] Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - pgs. 168-169 - nota 5. [10] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos: 1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. 3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo. [11] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 736. [12] Tratando-se de nulidade para a qual a lei não prevê um regime específico de arguição, é aplicável o regime previsto no artigo 199.º, n.º1 do CPC, que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. [13] Também o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC. [14] Neste sentido, cf. entre muitos outros, o Ac. TRL de 08-02-2018 (relatora: Cristina Neves), p. 3054-17.7T8LSB-A. L1-6, disponível em www.dgsi.pt. [15] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada, p. 490. [16] Cf., José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 427. [17] Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2018, relatora Maria Rosa Oliveira Tching, proferido na Revista n.º 744/12.4TVPRT.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [18] Cf. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2018. [19] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 484. [20] Cf. o Ac. do STJ de 07-03-2019 (relator: Rosa Tching), p. 749/17.9T8GRD.C1. S1. [21] Cf. o Ac. do STA de 11-09-2019 (relator: Casimiro Gonçalves), p. 0571/15.7BEMDL 01005/17, disponível em www.dgsi.pt. [22] Relator Fonseca Ramos, p. 1129/09.5TBVRL-H. G1. S2, disponível em www.dgsi.pt. [23] Cf. o Ac. do STJ de 11-07-2013 (relatora: Ana Paula Boularot), p. 6961/08.4TBALM-B. L1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [24] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 508. [25] O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, (Reimpressão), 2020, Almedina, Coimbra, p. 82. |