Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8080/22.1T8VNF.G1
Relator: FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ARRENDAMENTO HABITACIONAL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) No contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data;
2) O que releva para a determinação da antecedência mínima para comunicar a oposição à renovação por parte do senhorio é, não o tempo de duração do contrato, mas, antes, o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio intentar ação com processo comum contra BB e ..., casados entre si, onde conclui pedindo que a ação seja declarada procedente e provada e, consequentemente, ser a referida comunicação com data de 29 de setembro de 2022 declarada nula ou anulada ou ineficaz relativamente à autora.
Para tanto alega a autora que celebrou com os réus, para sua habitação, um contrato de arrendamento urbano, em 16 de abril de 2013, pelo prazo de 5 anos renovável automaticamente por períodos sucessíveis de 1 ano, tendo, até ao presente, a duração de 9 anos já concluídos.
Em 29 de setembro de 2022, os réus enviaram à autora uma carta de oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, que a autora recebeu posteriormente, onde informam a autora que esta deverá entregar o imóvel em 15-05-2023.
Nos termos do artigo 1097º, nº 1, al. a) do Código Civil, e face à duração do contrato, o prazo da comunicação da oposição à renovação é de 240 dias – pelo que tendo a comunicação sido realizada por carta de 29 de setembro de 2022, e que a autora recebeu posteriormente, pedindo a entrega do imóvel em 15-05-2023, a oposição à renovação do referido contrato é extemporânea, porquanto não respeita aquele prazo de 240 dias.
Tendo o contrato sido elaborado em 16 de abril de 2013, como referido no 1º parágrafo da carta de comunicação, (carta com data de 29 de setembro de 2022, e que a autora recebeu posteriormente), a próxima renovação ocorre em 16 de abril de 2023 e não em 15 de maio de 2023, como referido no último parágrafo da sua comunicação.
Assim sendo, existe uma incerteza quanto à comunicação efetuada pela carta com data de 29 de setembro de 2022, e recebida pela autora posteriormente, pelo que a mesma deve ser declarada nula ou ineficaz em relação à autora.
*
Os réus BB e esposa ... apresentaram contestação onde concluem entendendo que a ação deve ser julgada totalmente improcedente e não provada, sendo os réus absolvidos do pedido.
Alegam para tanto que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado por um período inicial de 5 anos, com renovações de 1 ano, pelo que a antecedência mínima de oposição à renovação era de 120 dias e não de 240 dias, como pretende a autora, nos termos da al. a) do nº 1 do artigo 1097º do C.C.
Por outro lado, ao contrário do referido na petição, a próxima renovação ocorreria em 16/05/2023 e não em 16/04/2023, não havendo qualquer incerteza quanto a tal data.
Mais alegam que a pretensão da autora de declarar nula, ou anulada, ou ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento de 29/09/2022 não tem qualquer fundamento legal, permitindo o estado do processo conhecimento imediato do mérito da causa, com apreciação total do pedido deduzido, decisão a ter lugar, no despacho saneador, nos termos do artigo 595º do C.P.C.
*
B) Foi proferido despacho saneador-sentença onde se decidiu julgar improcedente a ação e, em consequência, absolver os réus do pedido.
*
C) Inconformada com a decisão, veio a autora AA interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (fls. 26).
*
Nas alegações de recurso da autora AA, são formuladas as seguintes conclusões:
A) A autora e ora recorrente celebrou com os réus e ora recorridos o contrato de arrendamento urbano, para sua habitação, com data de 16 de abril de 2013 e em 29 de setembro de 2022, os réus e ora recorridos enviaram à autora e ora recorrente uma carta de oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, que a autora e ora recorrente recebeu posteriormente, comunicando-lhe que deverá entregar o imóvel em 15-05-2023.
B) Dispõe a clausula primeira do contrato sub judice que: “O prazo de duração do arrendamento é de 5 anos, com início em 16-05-2023 e com termo em 16-06-2018, e renova-se automaticamente por períodos sucessivos de 1 ano se não for denunciado por qualquer das partes, nos termos da Lei”. Pelo que é inválida ou nula e extemporânea a comunicação que o senhorio realizou à inquilina para entregar o arrendado em 15-05-2023, já que o termo do contrato, conforme expressamente consta na sua clausula primeira, apenas ocorre em 16-06-2023.
C) Foi violado o disposto no artigo 250º, nº 2 do Código Civil. Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que a transmissão da declaração à inquilina contém a exigência da entrega do arrendado, destinada à habitação da ora recorrente, para uma data anterior àquela em que contratualmente deveria ocorrer.
Termina pedindo a procedência do presente recurso declarando-se a comunicação efetuada pelo senhorio à inquilina ineficaz ou nula.
*
Não foi apresentada resposta.
*
C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir na apelação é a de saber se deve a decisão constante do saneador-sentença ser revogada e declarada a comunicação efetuada pelo senhorio à inquilina ineficaz ou nula.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na 1ª instância foi apurada a seguinte matéria de facto:

I. FACTOS PROVADOS

1. Em 16 de abril de 2013, a autora celebrou com os réus, para sua habitação, um contrato pelo qual estes declararam arrendamento àquela o imóvel composto por um apartamento ..., com a fração autónoma identificada pela letra ..., sito na Rua ....
2. O indicado contrato tem um prazo de duração de 5 anos, com início em 16.05.2013, renovável automaticamente por períodos sucessíveis de 1 ano, tendo até ao presente a duração de 9 anos já concluídos.
3. Em 29 de setembro de 2022, os réus enviaram à autora uma carta, que a autora recebeu posteriormente, de oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, que a autora recebeu posteriormente.
4. Nesta referida carta os réus informam a autora que esta deverá entregar o imóvel em 15.05.2023.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) A apelação visa unicamente a reapreciação da matéria de direito.
Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, foi celebrado entre a autora e os réus um contrato de arrendamento para habitação daquela em 16 de abril de 2013, do imóvel (apartamento) acima identificado, pelo prazo de 5 anos, com início em 16.05.2013, renovável automaticamente por períodos sucessivos de 1 ano, tendo até ao presente a duração de 9 anos já concluídos.
Por outro lado, em 29 de setembro de 2022, os réus enviaram à autora uma carta, que esta recebeu posteriormente, de oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, em que os réus informam a autora que esta deverá entregar o imóvel em 15.05.2023.
Estabelece-se no artigo 1096º nº 1 do Código Civil que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, que se refere a contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados (artigo 1096º nº 2 e 1095º nº 3 Código Civil).

Especificamente quanto à oposição à renovação deduzida pelo senhorio, este pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses (artigo 1097º nº 1 Código Civil).

Importa notar que a antecedência a que atrás se refere, se reporta ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2023, no processo 1278/22.4YLPRT.L1-7, relatado pelo Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, disponível em www.dgsi.pt, “A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao artigo 1097º, nos termos do qual:
«3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»
Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil.
De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil.
 Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do artigo 1096º.
Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático.
Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360:
«O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).
Conjugando o disposto no nº 1 do artigo 1096º com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que:
«Ora, já se viu que o nº 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.»
Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.”
Refere a apelante que é inválida ou ilícita e extemporânea a comunicação que o senhorio realizou à inquilina para entregar o arrendado em 15-05-2023, já que o termo do contrato, conforme expressamente consta na sua clausula primeira, apenas ocorre em 16-06-2023.
Mas não é assim.
Antes de mais, importa notar que o que releva para a determinação da antecedência mínima para comunicar a oposição à renovação por parte do senhorio é, não o tempo de duração do contrato, mas, antes, o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação (cfr. as diversas alíneas do nº 1 do artigo 1097º Código Civil).
Assim sendo, tendo em consideração que o contrato de arrendamento em questão foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 16.05.2013, renovável automaticamente por períodos sucessíveis de 1 ano, portanto, há mais de 9 anos, isto significa que os réus podiam opor-se à renovação do contrato desde que o fizessem com a antecedência mínima de 120 dias, como fizeram, uma vez que o arrendamento se iniciou em 16/05/2013 e a oposição à renovação foi comunicada à autora por carta de 29/09/2022, que a autora recebeu onde lhe era solicitada a entrega do imóvel em 15/05/2023, sendo o prazo de comunicação superior aos referidos 120 dias, facto que não se mostra devidamente impugnado, motivo pelo qual a comunicação é válida, pelo que não padece de qualquer invalidade, nomeadamente de qualquer nulidade ou ineficácia.
Pelo exposto, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 250º nº 2 do Código Civil, devendo a apelação ser julgada improcedente e a douta decisão recorrida ser confirmada.
Face ao decaimento total do recurso, as custas terão de ser suportadas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
*
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
*
Guimarães, 16/11/2023

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Alcides Rodrigues
2ª Adjunta: Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira