Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ALUGUER CONTRATOS DE ADESÃO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS INTERPRETAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I. À interpretação de uma cláusula que figura nas condições gerais, sem que tenha resultado de negociação individualizada, aplicam-se as normas definidas pelo Código Civil para a interpretação dos negócios jurídicos em geral (artigo 236.º e segs) e as normas sobre interpretação de cláusulas contratuais gerais, constantes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro (LCCG). II – A LCCG dispõe no artigo 7.º que as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes. III. O artigo 10.º da LCCG obriga a interpretar tais cláusulas no contexto do contrato concreto em que se incluam. IV. Sendo ambíguo o seu sentido, prevalece o que for favorável ao aderente (artigo 11.º). V. A regra contida no artigo 11º da LCCG é uma regra especial, privativa dos contratos regidos por este diploma, e que corresponde ao chamado princípio in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem que, assim, faz “recair o risco da ambiguidade da cláusula sobre o respetivo predisponente, nos casos em que aquela não seja suscetível de fixação de um sentido unívoco por um aderente de comum diligência, o mesmo é dizer que faz impender sobre aquele um ónus de clareza”. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO EMP01..., Lda., propôs a presente ação declarativa contra AA, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de €31.696,63 (trinta e um mil, seiscentos e noventa e seis euros e sessenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. Para tanto alega, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de aluguer de veículos sem condutor e que, no exercício dessa atividade e mediante requisição da EMP02... - Companhia de Seguros S.A., celebrou com o Réu, em 30 de Dezembro de 2021, um contrato de aluguer de veículo sem condutor, ao qual foi atribuído o n.º ...66, para utilização do veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com matrícula ..-..-VM. Alega ainda que o veículo alugado se encontrava em perfeito estado de conservação e manutenção, tendo, à data do aluguer, percorrido, apenas, a distância de 25.403 quilómetros. Sustenta, por outro lado, que a 31.12.2021, durante o período do aluguer, a viatura alugada interveio num sinistro rodoviário, pelas 23h15, na Rua ..., ..., a qual foi removida da via pública mediante o recurso a um reboque, na medida em que, em face da extensão dos danos sofridos, o veículo ficou imobilizado no local. Mais sustenta que na consequência do sinistro, o veículo ficou a padecer de danos em todo o eixo frontal e lateral direito, os quais impossibilitaram, em absoluto, a viatura de circular, sendo que a reparação dos danos orçou na quantia de 28.200,35€, quantia da qual pretende ser ressarcido pelo réu, a que acresce a quantia de €3.416,28 relativa à privação do uso do veículo pelo período estimado de reparação e ainda a quantia de €80, devida a título despesa com a aquisição do auto de participação do sinistro em causa. * Regularmente citado, o réu contestou.Excecionou, em primeiro lugar, a sua ilegitimidade passiva, sustentando que o aluguer em causa nos autos foi solicitado à Autora pela “EMP02..., Companhia de Seguros, S.A”, tendo sido ainda esta referida que negociou e contratou o aluguer em discussão nestes autos, defendendo que o réu não teve qualquer intervenção nessa contratação. Prossegue excecionando a inexistência de contrato de aluguer de viatura sem condutor, por preterição de formalidades legais, defendendo que o negócio em causa corresponde a um contrato de adesão, portanto, um contrato cujas clausulas e condições não foram negociadas com/pelo Réu. Identifica, de forma concretizada as formalidades que não foram cumpridas, a saber: - sustenta que o contrato de aluguer que veio a subscrever apenas lhe foi apresentado por ocasião do levantamento da viatura, em instalações comerciais de entidade terceira, não tendo sido respeitado o prazo a que alude o n.º 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10; - não lhe foram integralmente comunicadas e explicadas todas as cláusulas contratuais inscritas naquele contrato e, bem assim, o seu sentido e alcance, havendo violação do disposto nos art.ºs 5 e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10. Defende, assim, que uma vez que nenhuma das cláusulas contratuais foi precedida do devido e legal dever de comunicação e informação, todas elas se consideram excluídas do contrato, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 8 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, o que expressamente invoca. No mais, impugna a alegação da autora quanto à responsabilidade do réu pelo sinistro e as circunstâncias posteriores ao mesmo. Aceita que, por requisição da companhia de seguros “EMP02...”, no dia 30 de Dezembro de 2022, procedeu ao levantamento da viatura identificada, com a matrícula ..-..-VM, nas instalações da sociedade comercial “EMP03... Lda.”. Mais aceita que no dia 31 de Dezembro, o veículo em causa foi interveniente num sinistro, alegando que era ele próprio o condutor da viatura. Descreve o modo como o sinistro ocorreu e as circunstâncias posteriores ao mesmo. No mais, defende que os danos ocorridos na viatura devem ser assumidos pela entidade que solicitou, negociou e efetivamente contratou o aluguer da viatura, a referida EMP02.... Sem prejuízo, impugna os danos alegados pelo autor e o valor necessário à reparação dos mesmos, assim como o período necessário à reparação do veículo. Termina excecionando ainda, subsidiariamente, para o caso de se vir a declarar ser o Réu parte no contrato em causa nos autos, que do teor do contrato se verifica a inclusão de uma clausula que limita a responsabilidade do ali “Cliente” em caso de danos na viatura, que sejam da sua responsabilidade, ao limite de €2.800,00, defendendo, em consequência, que, se algum valor pudesse ser reclamado ao Réu na sequência do contrato de aluguer e por efeito do sinistro aqui identificado, o mesmo nunca poderia ultrapassar o valor da franquia referida. Deduziu ainda incidente de intervenção principal provada da seguradora EMP02.... * A autora respondeu à matéria de exceção.Quanto à ilegitimidade, sustentou, de forma concretizada, que o contrato em crise teve origem numa requisição da EMP02... Assistência - Companhia de Seguros, S.A, a qual se limitou a solicitar a disponibilização de uma viatura para vir a ser utilizada pelo aqui réu, e que, em bom rigor, motivou a celebração do contrato de aluguer entre as partes (autora e réu). Defende, por isso, o contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor foi celebrado entre a autora e o réu. Por outro lado, pugnou pelo indeferimento do incidente de intervenção, sustentando que a autora é alheia à relação contratual entre o réu e a sua seguradora. Finalmente, quanto à violação dos deveres de comunicação e informação, defende ser falso que a autora, por intermédio dos seus agentes, não tenha dado cumprimento ao dever de informação e comunicação previsto no regime geral das cláusulas contratuais gerais. Sem prejuízo, defende que os deveres de comunicação e de informação que impendem sobre o proponente de um contrato com cláusulas contratuais gerais são mais ou menos exigentes consoante a importância do contrato e a complexidade das cláusulas e têm como objetivo proteger o aderente, na qualidade de parte mais fraca no contrato. Não obstante, prossegue, tal não afasta o ónus que que o destinatário de tais cláusulas tem de observar, nomeadamente o dever de agir com diligência na procura de tomar conhecimento do conteúdo das cláusulas, devendo, no caso de estas não serem muito complexas, considerar-se suficiente a entrega da minuta ao aderente no momento em que este vai assinar o contrato, possibilitando-lhe a oportunidade de a ler e de colocar as questões que entenda necessárias. No mais, defendeu a litigância de má-fé do réu. * Seguiu-se prolação de despacho saneador, onde se conheceu do pedido de intervenção deduzido, tendo o mesmo sido julgado improcedente; conheceu-se ainda da exceção de ilegitimidade deduzida, tendo a mesma sido igualmente julgada improcedente.Relegou-se o conhecimento das demais exceções para a decisão final, por depender de prova a produzir. Fixou-se o objeto do litígio e dos temas de prova. * Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu AA a pagar à autora EMP01..., Lda. a quantia de €2.800 (dois mil e oitocentos euros) acrescida dos juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento.Mais absolveu o réu do pedido de condenação como litigante de má-fé. * Inconformada com a sentença veio a autora interpor recurso terminando com as seguintes conclusões:i. A sentença é nula por excesso de pronúncia, na medida em que a Mma. Juiz a quo pronunciou-se sobre uma excepção que não foi sequer alegada pelo Recorrente, extravasando assim os seus poderes cognitivos, nulidade esta que se encontra prevista e punida pelo artigo 615.º, n.º1 al. d)do CPC, e que, para os devidos efeitos, expressamente se invoca. ii. Sem prescindir, entende a Recorrente que a matéria de facto provada e não provada está incompleta, omitindo factos instrumentais relevantes para a boa decisão da causa, desde já se invocando a aludida desconformidade. iii. Ao contrário dos factos principais, que carecem de alegação, os factos instrumentais, por definição, não necessitam de ser alegados, sendo oficiosamente considerados na decisão de facto, nos termos dos artigos 5º, nº. 2, al. a) e 574º, nº. 2, 2ª parte, ambos do CPC, desde que resultem da instrução da causa. iv. Com efeito, atenta a matéria exposta no corpo das alegações, deverá ser aditada à matéria de facto dada por provada que o Réu é, actualmente, reformado, tendo feito parte do corpo da Guarda Nacional Republicana, nomeadamente da Brigada de Trânsito de .... v. Deverá, ainda, proceder-se a novo aditamento à matéria de facto dada por provada, passando a constar do aludido segmento que o Réu estava perfeitamente inteirado das exclusões que os seguros com danos próprios, incluindo o seu, comportam, nomeadamente quando o segurado se ausenta do local do sinistro ou quando conduz sob o efeito de álcool. vi. Noutra ordem de considerações, considera a Recorrente que estamos perante uma contradição entre a matéria de facto provada e a respectiva motivação, na medida em que, a Mma. Juiz a quo deveria ter incluído no ponto 3 da matéria de facto dada por provada a clausula 6.3 do contrato de aluguer junto aos autos, a qual estipula que: [e]m caso de acidente devido a excesso de velocidade, dolo, negligência grosseira, condução sob influência de álcool, produtos estupefacientes ou consumo de qualquer produto que diminua a capacidade de condução, será o locatário responsável pela totalidade das despesas da reparação e indemnização correspondente ao tempo de paralisação do veículo acidentado, mesmo que haja sido contratado um serviço de redução de franquia. vii. Em face do exposto, se a Recorrente logrou demonstrar que comunicou e explicou o teor do clausulado contratual e a própria Mma. Juiz a quo o afirma categórica e peremptoriamente ao longo do texto da sentença ora colocada em crise, não se vislumbra motivo válido para a não inclusão da aludida cláusula no ponto 3 da matéria de facto dada por provada. viii. Assim, deverão ser aditados à matéria de facto dada por provada os seguintes factos instrumentais: a) O Réu é actualmente reformado, tendo feito parte do corpo da Guarda Nacional Republicana, nomeadamente da brigada de trânsito de ...; b) O Réu bem que o contrato de aluguer celebrado entre as partes teria as mesmas condições e exclusões do seu contrato de seguro automóvel e ainda, bem sabia que os contratos de seguro com danos próprios, incluindo o seu, comportam exclusões, nomeadamente quando o segurado se ausenta do local do sinistro ou quando conduz sob o efeito de álcool. c) Nos termos da cláusula 6.3 do contrato de aluguer de veículo sem condutor, em caso de acidente devido a excesso de velocidade, dolo, negligência grosseira, condução sob influência de álcool, produtos estupefacientes ou consumo de qualquer produto que diminua a capacidade de condução, será o locatário responsável pela totalidade das despesas da reparação e indemnização correspondente ao tempo de paralisação do veículo acidentado, mesmo que haja sido contratado um serviço de redução de franquia. ix. Ainda sem prescindir, entende a Recorrente que estamos perante uma errada aplicação do direito, na medida em que, do arrazoado contratual, não resulta qualquer ambiguidade, violando, assim, a sentença o preceituado nos artigos 10.º e 11.º do RJCCG, conjugado com o preceituado nos artigos 236.º e ss. do CC. x. Com efeito, dando-se por provado que a Recorrente comunicou e explicou ao Recorrido todas as cláusulas do contrato de aluguer de veículo sem condutor, em caso algum se poderá afirmar que o Recorrido não sabia quais os deveres que sobre si impendiam em caso de sinistro rodoviário. xi. Se, por um lado, as cláusulas supra mencionadas lhe foram comunicadas e explicitadas, por outro, atenta a profissão exercida pelo Recorrido, conjugada com o conhecimento por si declarado sobre a dinâmica e funcionamento dos contratos de seguro e respecitvos procedimentos e exclusões. xii. Por tal motivo, espanta-nos que se possa afirmar que o Recorrido desconhecia que, em caso de sinistro rodoviário, o mesmo se poderia ausentar do local, subtraindo-se, dessa forma, ao controlo de álcool e estupefacientes. xiii. Aliás, a este respeito, consigna-se que o Recorrido não logrou provar a verificação de um motivo de força maior para ter abandonado o local. Bem pelo contrário. xiv. Assim, reitere-se, atenta a profissão exercida pelo Recorrente, militar da Guarda Nacional Republicana, nomeadamente da divisão de trânsito de ..., estando, por conseguinte, absolutamente ciente dos procedimentos que deverão ser adoptados em caso de acidente de viação, facto instrumental que deverá ser dado como provado, deverá, sem margem para dúvidas, afastar-se o alegado vício da ambiguidade. xv. Em bom rigor, não se poderá olvidar que, em sede de depoimento de parte, o Recorrido referiu, categórica e inequivocamente, que estaria absolutamente ciente de que o contrato de aluguer teria as mesmas coberturas que o seu contrato de seguro automóvel (danos próprios), o qual comporta as aludidas exclusões. xvi. Isto é, que o contrato de aluguer contemplava uma limitação de responsabilidade em caso de danos com culpa sua, desde que observado o procedimento a adoptar em caso de sinistro rodoviário, o qual era, em tudo, semelhante ao do seu seguro de responsabilidade civil automóvel com danos próprios. xvii. Com efeito, perguntado se Recorrido estaria ciente das exclusões relativas ao aludido contrato de seguro, incluindo o seu, este foi peremptório ao afirmar que sim– facto a aditar. xviii. Mais tendo concretizado que sabia, estava bem ciente, que os termos e condições do contrato de aluguer eram exactamente idênticas à do seu contrato se seguro automóvel. xix. O que encontra suporte, ainda, no facto de o contrato de aluguer em causa nos presentes autos ter advindo de uma requisição da companhia de seguros do Recorrido – cfr. factos provados n.º 30 a 34. xx. A testemunha BB foi lapidar ao asseverar que, aquando da explicitação do conteúdo contratual ao Recorrido, terá referido que a aplicação da franquia em caso de sinistro rodoviário estava dependente do cumprimento do procedimento a adoptar em caso de sinistro rodoviário, procedimento este que lhe foi igualmente comunicado – cfr. motivação da sentença xxi. Reitera-se que, considerando a profissão já exercida pelo Recorrido (facto instrumental a aditar à matéria de facto), conjugado com o seu conhecimento sobre as regras relativas às exclusões da limitação de responsabilidade dos contratos de seguro com danos próprios, e com as informações prestadas pela testemunha BB aquando da celebração do contrato, entendemos que mal andou o tribunal ao decidir da forma que o fez. xxii. Contrariamente ao plasmado na sentença recorrida, apenascom muitas reservas se poderá afirmar que um: “qualquer contraente analisado o contrato, fica convicto de que o limite da sua responsabilidade é de 2.800,00€.”. Ora, bem pelo contrário. xxiii. Tendo em consideração que os termos do contrato lhe foram comunicados e explicados (facto provado 52), atenta a profissão do Réu, Militar da Brigada de Trânsito de ..., conjugada com o seu conhecimento sobre o funcionamento das exclusões dos contratos de seguro com danos próprios, nomeadamente do seu seguro com danos próprios, em caso algum se poderá afirmar que o Recorrido estava convicto que a franquia contratada não previa restrições à sua aplicação. xxiv. Analisando a conduta adoptada pelo Recorrido no momento imediatamente a seguir ao acidente, ao colocar-se em fuga do local do sinistro, com o devido respeito por opinião contrária, cremos que esta evidencia, por si só, é mais do suficientemente reveladora da intencionalidade do Recorrido – subtrair-se ao controlo policial – cfr. motivação da matéria de facto, página 17: “Conjugada a prova produzida, em primeiro lugar, é objetivo que aquando da chegada da GNR ao local do embate o réu já não se encontrava no local, tendo as autoridades policiais considerado que o réu se pôs em fuga, é o que emerge do auto de participação de acidente de viação e que foi corroborado pelo militar da GNR CC – julga-se, m consequência provada a matéria dos artigos 10) a 13) da matéria de facto provada.”(destacado nosso) xxv. Como o próprio Recorrido a dada altura refere: “tinha de sair dali” – cfr. página 17 da sentença ora colocada em crise. xxvi. E reitere-se, não foi, com certeza, por causa de uma eventual ataque de pânico – cfr. motivação da matéria de facto página 18: “Por outro lado, as testemunhas DD e EE foram claras em atestar que o réu estava ansioso e nervoso, triste, mas não descreveram qualquer sinal de o réu estar a ter um ataque de pânico ou ansiedade ou sequer um pico de nervosismo: veja-se o réu soube explicar deforma clara a DD que ia embora, porque ia tomar uma medicação, e foi a pé para casa; telefonou à esposa, dando-lhe conta do sinistro e do local do mesmo; no caminho encontrou EE e explicou-lhe de forma coerente o que havia acontecido e onde ia. Ora, salvo o devido respeito, tais comportamentos não são compatíveis com quem está a ter um ataque de pânico ou ansiedade ou nervosismo. xxvii. Significa isto que, ao contrário do que lhe era exigido, o Recorrido não logrou provar que, por motivo de força maior, tivera que se ausentar do local– cfr. motivação sobre a matéria de facto. xxviii. Nem, tão pouco, bem pelo contrário, logrou provar que não estava sob o efeito de álcool ou de qualquer outra substância psicotrópica – cfr. motivação sobre a matéria de facto, página 18: “Por outro lado, não foi produzida prova suficiente que lograsse convencer o Tribunal de que o réu não consumido álcool ou drogas, considerando-se que o meio de prova apto a demonstrar a factualidade em causa seriam os testes de álcool e drogas.” xxix. Aqui chegados, considerando que a Mma. Juiz a quo deu como provado que a Recorrente comunicou e informou o Recorrido sobre todas as cláusulas constantes do contrato aqui em apreço, o que abarca, naturalmente, os procedimento a adoptar em caso de sinistro rodoviário e as exclusões à aplicação da franquia contratual, mais tendo em consideração o depoimento da testemunha BB, o qual se revelou absolutamente isento e credível, sempre deveria ter levado na devida consideração que o Recorrido bem sabia que não se poderia ausentar do local e que apenas o fez por forma a tentar eximir-se à sua responsabilidade. xxx. Salvo melhor opinião, conforme já aduzido, este circunstancialismo ganha um especial relevo quando o Recorrido não logra provar que, por motivo de força maior, tivesse que se ter ausentado do local do acidente. xxxi. Em face do exposto, questiona-se em que medida poderemos estar perante uma ambiguidade, concedendo-se tutela jurisdicional a uma acção absolutamente contrária ao princípio da boa fé, nas suas diversas vertentes, acção esta que, no limite, configurará um abuso de direito. xxxii. Os deveres de comunicação e informação são dois deveres complementares, pois que o objetivo do consentimento esclarecido por parte do aderente só se alcança se as cláusulas lhe tiverem sido adequadamente comunicadas e acompanhados das informações exigidas pelas circunstâncias, consideramos que uma cláusula é ambígua quando, por não ser inteiramente clara, possibilita interpretações diversas. xxxiii. In casu, o clausulado do contrato de aluguer é lapidar ao atestar de forma clara e inequívoca que o aderente não poderá abandonar o local do sinistro sob pena de lhe ser imputada a totalidade dos danos. xxxiv. Isto independentemente de ter sido, ou não, contratada uma franquia, ou os serviços relativos às protecções adicionais de seguro (..., ..., etc.) xxxv. O clausulado onde se prevê a exclusão da cobertura da franquia quando o condutor abandone o local do sinistro antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade, pressupõe que o condutor envolvido no acidente tenha tido conhecimento ou suspeite do eventual chamamento das autoridades policiais ao local do sinistro (por sua iniciativa ou de terceiro) e, nessas circunstâncias, decida então abandoná-lo, evitando assim o contacto com as autoridades que sabia estarem na iminência de o abordar. xxxvi. Com o devido respeito, cremos que foi, tal e qual, o que o Recorrido pretendeu. Isto é, subtrair-se ao controlo policial após o aparatoso acidente em que se viu envolvido. xxxvii. Atenta a matéria de facto provada, resulta cristalino que o propósito do condutor foi obstaculizar, pela sua premeditada ausência, a que fosse submetido ao teste de alcoolemia e de outras substâncias. xxxviii. Atentas as condições sociais e pessoais do Recorrido, e conforme admitido pelo próprio, este bem sabia que as limitações de responsabilidade estão sujeitas a exclusões; xxxix. Ademais, tais exclusões foram explicitadas ao Recorrido – cfr. facto provado n.º 52! xl. Posto que, absolver o Recorrido nos termos plasmados na sentença configura, no limite, um abuso de direito com o qual o ordenamento jurídico não se poderá conformar, nem, tão pouco, compadecer. Muito menos conferir tutela jurisdicional! xli. Por tudo o quanto foi aduzido, estamos em crer que mal andou a Mma. Juiz a quo ao considerar que o clausulado do contrato é ambíguo, motivo pelo qual deverá a sentença ora colocada em crise ser revogada, condenando-se o Recorrido conforme peticionado na petição inicia oferecida em juízo. xlii. Dos factos dados como provados - nomeadamente do facto n.º 52 da matéria dada por provada - resulta que o Recorrido teve conhecimento e foi informado sobre o teor das cláusulas do contrato, devendo, pelo exposto, considerar-se plena e perfeitamente inteirado do seu conteúdo. xliii. Por outro lado, não se pode ignorar o teor das cláusulas em apreço. xliv. Atente-se, neste segmento, ao teor das cláusulas 2.7, 6.2, al. b), primeira parte e 6.5. xlv. A questão relativa à proibição de abandono do local do sinistro antes das chegadas das autoridades e a sua responsabilização pela totalidade dos danos caso tal se verifique, mostra-se descrito de forma simples, objectiva e clara. xlvi. Qualquer cidadão medianamente instruído ficará ciente das suas obrigações em caso de sinistro rodoviário. xlvii. Na verdade, ainda que em abstracto, e para os casos em que estamos perante um seguro com danos próprios, a imputação da responsabilidade pelo pagamento da totalidade dos danos verificados no caso de um sinistro como o que se discute nos presentes autos é facilmente compreensível e aceitável por uma pessoa de diligência média. xlviii. Uma cláusula é ambígua quando, por não ser inteiramente clara, possibilita interpretações diversas. xlix. O art.º 10º do DL 446/85 declara que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas de harmonia com as regras relativas à interpretação dos negócios jurídicos, isto é, as regras constantes do art.º 236º do CC. l. Por sua vez, o nº 1 do art.º 11º do aludido regime refere que as cláusulas contratuais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. li. Como ensina GALVÃO TELLES, não se formula neste nº 1 um critério específico para as cláusulas ambíguas ou duvidosas, antes se faz apelo ao critério geral do artigo 236º, nº 1, do CC.- In: Manual dos Contratos em Geral, 4ª edição, p. 323. lii. Se, mesmo assim, a dúvida persistir, prevalecerá o sentido mais favorável ao aderente, conforme determina o nº 2 do citado artigo 11º. liii. Ora, as cláusulas 2.7, 6.2, al. b), primeira parte e 6.5 dos termos e condições do contrato de aluguer estão redigidas de forma clara o que afasta desde logo o vicio de ambiguidade. liv. Qualquer destinatário dessas declarações negociais, colocado na posição de real declaratário, apreende que, em caso de sinistro rodoviário, salvo motivo de força maior, nunca se poderá ausentar do local sob pena de lhe serem imputados a totalidade dos danos (Ac. TRC, de 26.10.2021, proc. 673/19.4T8LRA.C1, relator Mário Rodrigues da Silva, in: www.dgsi.pt) lv. Pelo exposto, estamos em crer que mal andou a Mma. Juiz a quo ao considerar que o clausulado do contrato é ambíguo, pelo que se deverá revogar a sentença ora colocada em crise, condenando-se o Recorrido em conformidade com o peticionado na petição inicial. lvi. Nestes termos, a sentença ora colocada em crise viola as normas consagras nos artigos 615.º, n.º 1 al. d) do CPC e nos artigos 236.º e ss. do CC, conjugado com o preceituado nos artigos 10.º e 11.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua redacção actual. Pugna a Recorrente pela revogação da sentença substituindo-se por outra que condene o Recorrido nos precisos termos formulados na petição inicial. * Foram apresentadas contra-alegações, pugnando o Recorrido pela improcedência da apelação e manutenção do decidido.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOAs questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes: - nulidade da sentença; - impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - mérito da decisão. * III - FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos 3.2.1. Factos Provados Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de aluguer de veículos sem condutor. 2) Por contrato escrito, celebrado a ../../2021, denominado “contrato de locação financeira mobiliária”, celebrado entre a Autora e Banco 1... S.A., a segunda proporcionou à autora, pelo período de 48 meses, o gozo e fruição do veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com matrícula ..-..-VM, mediante o pagamento de uma renda mensal, com a possibilidade de, findo o contrato, adquirir o automóvel, mediante o pagamento de um valor residual, conforme documento junto aos autos a fls. 17v. a 24, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 3) No exercício da atividade referida em 1) por documento escrito, datado de 30/12/2021, denominado “Contrato n.º ...66” e “Contrato de Aluguer”, acordaram autora e réu que: “Dados do requisitante: O aluguer foi requisitado por EMP02... - Companhia De Seguros S.A., NIPC ...80,… Dados do Condutor: O contrato é celebrado com o condutor aqui identificado, também tido como Cliente. A viatura apenas poderá ser conduzida por AA … Dados da viatura: A viatura em aluguer é uma ..., modelo ..., com matrícula ..-..-VM ... Dados do Aluguer: O aluguer teve como nossa reserva nº R21....66 e vossa reserva nº ...51. Tem início em ... … em 30/12/2021, às 15:25 Finaliza em ... … em 8/01/2022, às 11 horas. (…) Observações O condutor é responsável por qualquer dano na viatura de sua culpa até ao valor da FRANQUIA DE €2.800 eur. Não deixa qualquer tipo de caução… Termos e Condições 1) Objeto: EMP01... Lda., adiante designada por locadora, aluga o veículo automóvel, melhor identificado nas condições particulares do contrato (…), ao cliente e ao condutor identificados no início do mesmo, designados solidaria e unicamente por locatários nos seguintes termos e condições gerais. 2) Entrega e Devolução do veículo: 2.1) O locatário declara que recebeu o veículo nas condições de utilização e limpeza, com os respetivos acessórios e documentos…, comprometendo-se a devolvê-lo nas mesmas condições em que o recebeu, no local e data designados no contrato. 2.2) Caso o veículo seja utilizado em violação do contrato, a locadora pode resolver o contrato, sendo obrigatória a devolução do veículo pela locatária no local indicado, sob pena de o veículo lhe ser retirado, nos termos da lei, a expensas deste. 2.3) … 2.4) Não sendo o veículo devolvido na data acordada, o locatário obriga-se a pagar à locadora para além da tarifa diária em vigor para o veículo alugado, uma indemnização (…) 2.7) O locatário é responsável por todas as perdas ou danos, incluindo o furto ou o roubo do veículo, caso o mesmo não seja devolvido a um funcionário da locadora, na data do termo do aluguer. 3- Utilização do veículo 3.1) O locatário deve cuidar e fazer uma prudente utilização do veículo automóvel, assegurando-se que o mesmo fica devidamente fechado à chave e em local seguro quando não esteja a ser utilizado, colocar o combustível adequado, bem como ligar e utilizar com diligência qualquer dispositivo de segurança instalado no veículo, caso haja. 3.2) Sem prejuízo da responsabilidade civil, o locatário, sob pena de exclusão da cobertura de seguro, não permitirá o uso do veículo nas seguintes situações: … por pessoas que não sejam condutoras autorizadas, isto é, não estejam identificadas no contrato ou no documento anexo ao mesmo… 6- Seguros 6.1) O locatário e /ou o condutor autorizado do veículo, participam como segurados de uma apólice e seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com cobertura limitada ao montante máximo de €50.000.000,00, em conformidade com a legislação em vigor. 6.2) O locatário protegerá os interesses da locadora e da sua Companhia de Seguros: a) Participando, imediatamente, às autoridades policiais qualquer acidente, furto, roubo e/ou incêndio, mesmo que seja parcial; obrigando-se igualmente a participar tais situações à locadora, no prazo máximo de 24 horas; b) Não abandonar o local do acidente, furto, roubo e/ou incêndio antes da chegada das autoridades policiais, sob pena de lhe serem imputados a totalidade dos danos; em caso de incumprimento desta cláusula, ficam, imediatamente, sem efeito as coberturas dos serviços eventualmente contratados constantes da cláusula 6.3 deste artigo. c) Mencionando na participação as circunstâncias efetivas em que ocorreu o acidente, a data, a hora, o local, nome e morada das testemunhas, o nome e morada do proprietário e do condutor do veículo terceiro envolvido … 6.3. O locatário pode contratar os seguintes serviços, que deverão estar mencionados nas cláusulas particulares do contrato de aluguer: i. ...: esta cobertura cobre parcialmente os danos provocados por acidente, colisão, capotamento … em que o locatário será responsável pelo valor dos danos até ao máximo da franquia, variável conforme segmento da viatura. ii. ... …: estas coberturas reduzem a responsabilidade sobre a franquia, variável conforme segmento da viatura. (…) 8 – Informações, esclarecimentos e disposições finais: … 8.2) O locatário reconhece que todas as cláusulas constantes do presente contrato lhe foram atempada e expressamente comunicadas e explicadas e que ficou ciente das mesmas, pelo que assina o presente contrato.”, conforme documento junto aos autos a fls. 13v. a 15, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 4) À data 30/12/2021, o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com matrícula ..-..-VM encontrava-se em perfeito estado de conservação e manutenção, tendo percorrido a distância de 25.403 (vinte e cinco mil, quatrocentos e três) quilómetros. 5) No 31.12.2021, pelas 23h15, na Rua ..., ..., a viatura referida em 3) e 4) teve um embate … 6) …e foi removida da via pública mediante o recurso a um reboque, 7) … na medida em que, em face da extensão dos danos sofridos, ficou imobilizado no local. 8) … Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), o pavimento encontrava-se seco e limpo. 9) … E não existiam obstáculos na via. 10) Aquando da chegada das autoridades policiais ao local referido em 5), o Réu havia deixado o respetivo local. 11) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), as autoridades policiais não lograram identificar o condutor do veículo ..-..-VM, tendo considerado que este se colocou em fuga do local do sinistro. 12) Por tal motivo, não foi possível submeter o condutor do veículo ..-..-VM ao teste de álcool ou de substâncias psicotrópicas, … 13) … nem aferir se o veículo estava a ser conduzido pelo aqui Réu ou, porventura, por um terceiro. 14) O Réu comunicou à Autora o facto referido em 5) a 3 de Janeiro de 2022. 15) Em consequência do embate referido em 5), o veículo ficou a padecer de danos em todo o eixo frontal e lateral direito,… 16) … os quais impossibilitaram a viatura de circular. 17) A Autora necessitou de proceder à substituição de faróis, reservatório de esguicho, cobertura de cava roda, grelha lateral, motor de esguicho, pneu e demais componentes, incluindo discos de travão, guarda lamas, dobradiça portas, tubo de travão, apoio de caixa para choques frontal, sensor pressão de pneus, porta, caixa de velocidade, jante, para-brisas, valvulina, charriot, transmissão, rolamentos, bateria, kit caixa, airbag e respetivos módulos, braço de suspensão, barra de direção, entre outros. 18) O Réu não assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos na viatura ..-..-VM. 19) A Autora procedeu à reparação dos danos referidos em 17) … 20) Tendo despendido a quantia de 28.200,35€ (vinte e oito mil e duzentos euros e trinta e cinco cêntimos). 21) A viatura esteve imobilizada durante o período compreendido entre o dia 1 de Janeiro de 2022 e o dia 15 de Novembro de 2022 para reparação. 22) O tempo estimado de reparação ascende a, pelo menos, 10 dias úteis. 23) Contudo, fruto da escassez de peças nos mercados, a oficina reparadora apenas logrou terminar os trabalhos em Novembro de 2022. 24) A Autora, sendo uma sociedade comercial que tem por objeto social aluguer de automóveis sem condutor, utilizava o veículo, entre outros, nos dias úteis e não úteis, com eles assegurando os alugueres solicitados pelos seus clientes. 25) Em consequência dos danos que a viatura apresentava e sua paralisação para reparação, a Autora ficou privada do uso do veículo ..-..-VM. 26) A paralisação da viatura automóvel, limitou a Autora nos seus movimentos comerciais, vendo-se privada de alugar aquela viatura. 27) A tarifa diária (de aluguer) para a viatura em referência é de 81,34€ (oitenta e um euro e trinta e quatro cêntimos). 28) Para instrução da presente ação, a Autora solicitou o auto de notícia à GNR, tendo suportado o respetivo custo de €80,00 (oitenta euros). 29) Através da apólice nº ...86, o réu e a companhia de seguros “EMP02...” outorgaram um contrato de seguro automóvel para a viatura ..-UF-.. que, previa, além do mais, “cobertura de Veículo de Substituição”, conforme documento junto aos autos a fls. 57, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 30) Em data prévia a 30/12/2021, a viatura ..-UF-.. teve um sinistro e, por necessitar de reparações, ficou impedido de circular. 31) Nessa sequência e do acordo referido em 29), a EMP02... solicitou à Autora o aluguer referido em 3). 32) O aluguer referido em 3) foi requisitado e pago pela companhia de seguros “EMP02...”. 33) As cláusulas e condições do acordo referido em 3) não foram individualmente negociadas com o réu. 34) O acordo referido em 3) foi integralmente redigido pela Autora, 35) … sendo que o Réu apôs a respetiva assinatura, assim aderindo ou aceitando as condições ali inscritas. 36) O acordo referido em 3) foi apresentado ao réu por ocasião do levantamento da viatura ..-..-VM … 37) … nas instalações da sociedade comercial “EMP03... LDA.”, sitas na União das Freguesias ..., ... e ..., do concelho .... 38) No dia 31 de Dezembro de 2021, entre as 23H00 e as 23H15, enquanto se dirigia para a sua residência, ao volante da dita viatura de substituição, na Rua ..., em ... (sentido Poente/Nascente), surgiu no painel eletrónico da viatura uma mensagem informativa. 39) O réu, não estando habituado a conduzir aquele veículo e desconhecendo assim o seu pleno funcionamento, desviou momentaneamente o olhar para tentar ler a mensagem que surgiu no ecrã. 40) E o veículo que tripulava fugiu do seu controlo, 41) Entrando em despiste,… 42) … ultrapassou o limite exterior da hemi-faixa em que circulava, adentrou na valeta e embateu posteriormente com a roda frontal direita no vértice do passeio (rampa de acesso à residência – n.º 125). 43) Por efeito do embate, a viatura foi projetada novamente para a faixa de rodagem, 44) … findando imobilizado na hemi-faixa em que circulava (sentido Poente/Nascente). 45) Na sequência do embate, pararam no local alguns automobilistas/transeuntes que ali circulavam, para verificar o que ocorreu, 46) Entre aqueles encontrava-se o DD, conhecido do Réu. 47) O Réu padece de um quadro clínico neurológico, que o obriga à toma habitual de medicamentos ansiolíticos, devidamente prescritos pelo profissional médico assistente. 48) Quando conseguiu recuperar do embate, o Réu encontrava-se num estado de nervosismo. 49) Uma vez que se encontrava relativamente perto da sua habitação, não se verificou a existência de feridos, … 50) Deslocou-se à sua habitação para tomar a medicação que habitualmente toma, de modo a reduzir o quadro de ansiedade. 51) No dia 1 de Janeiro de 2023, o Réu deslocou-se ao posto territorial de ... da Guarda Nacional Republicana, ali se identificando e assumindo ser o detentor e condutor da viatura sinistrada. 52) As cláusulas do acordo referido em 3) foram comunicadas e explicadas ao Réu. * 3.1.2. Factos Não ProvadosInversamente, foram dados como não provadas os seguintes factos: a) O Réu não desejou ou solicitou o acordo referido em 3). b) O acordo referido em 3) não foi efetivamente celebrado entre a Autora e o Réu. c) O réu não teve qualquer intervenção na celebração do acordo referido em 3). d) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), aproveitando a presença de conhecidos próximos – o referido ... – o réu solicitou a sua colaboração, de modo a que este se mantivesse no local até ao seu retorno ou, no limite e caso viesse a ocorrer antes, até à chegada do reboque e consequente retirada do veículo da via pública. e) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), o Réu padecia de um quadro de ansiedade agravada, próxima de um pico de nervosismo. f) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), o réu não se encontrava sob o efeito de álcool ou de estupefacientes. g) Nas circunstâncias referidas 5), o sinistro não afetou terceiros que circulassem na via. h) O Réu desconhecia se a Autora tinha algum serviço de apoio permanente, porquanto por ocasião do levantamento da viatura nada lhe foi comunicado. * 3.2. O Direito3.2.1. Da nulidade Invoca a Recorrente a nulidade da sentença por excesso de pronuncia por ter conhecido de questão que não poderia conhecer, na medida em que em momento algum, se defendeu por exceção, alegando, para esse efeito, a ambiguidade do clausulado contratual. Quanto ao vicio de excesso de pronúncia, prescreve o art. 615.°, nº1, al. d) do CPC, que «é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». O vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608.º, nº2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. Todavia, importa ter presente que o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.5.º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”[1]. No caso, o réu na sua contestação aduz matéria de exceção, defendendo expressamente a existência de uma cláusula de limitação da responsabilidade, sustentando, alicerçado nela, que a sua responsabilidade nunca poderia ir além do montante da franquia (artigos 87º e seguintes). Donde, ressalvado o devido respeito, haver-se-á de entender que foi suscitada a questão de que o tribunal veio a conhecer, não estando o tribunal adstrito à alegação das partes no tocante à matéria de direito. pelo que inexiste excesso de pronuncia. * 3.2.2 Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de factoNos termos do art. 662º, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Em sede de impugnação da matéria de facto, consigna o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.» Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que: a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A Recorrente considera que a matéria de facto provada e não provada está incompleta, omitindo factos instrumentais relevantes para a boa decisão da causa, assim como deveria ser incluído no ponto 3 da matéria de facto dada por provada a clausula 6.3 do contrato de aluguer junto aos autos. Em seu entender, porque resultou demonstrado da prova produzida, deveriam ser aditados, porque relevantes, os seguintes factos instrumentais: a) O Réu é actualmente reformado, tendo feito parte do corpo da Guarda Nacional Republicana, nomeadamente da brigada de trânsito de ...; b) O Réu bem sabia que o contrato de aluguer celebrado entre as partes teria as mesmas condições e exclusões do seu contrato de seguro automóvel e ainda, bem sabia que os contratos de seguro com danos próprios, incluindo o seu, comportam exclusões, nomeadamente quando o segurado se ausenta do local do sinistro ou quando conduz sob o efeito de álcool. c) Nos termos da cláusula 6.3 do contrato de aluguer de veículo sem condutor, em caso de acidente devido a excesso de velocidade, dolo, negligência grosseira, condução sob influência de álcool, produtos estupefacientes ou consumo de qualquer produto que diminua a capacidade de condução, será o locatário responsável pela totalidade das despesas da reparação e indemnização correspondente ao tempo de paralisação do veículo acidentado, mesmo que haja sido contratado um serviço de redução de franquia. Podemos desde já adiantar que, por irrelevante, não deverá ser aditada a matéria de facto que se propõe. É que foi considerado pelo tribunal a quo que a autora comunicou e explicou ao réu as cláusulas que compunham o teor do contrato. A questão apreciada pelo tribunal, assente na ambiguidade da cláusula do contrato, não tem que ver com o conhecimento do clausulado contratual por banda do réu, outrossim, prende-se com a interpretação de determinado conteúdo contratual, e o sentido que, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, deve prevalecer. Também, porque a questão é distinta, não ocorre a invocada contradição entre a matéria de facto provada e a respetiva motivação. Como é unanimemente entendido, a modificabilidade da decisão de facto só alcança justificação válida se, por essa via, se obtiver um efeito juridicamente útil ou relevante. Tal não ocorre. Assim, deverá improceder a impugnação da decisão de facto. * 3.2.3. Do mérito da sentençaA questão única a decidir prende-se com a interpretação das cláusulas insertas no contrato de aluguer, mais concretamente, com a questão de saber se a responsabilidade do condutor se mostra limitada ao valor da franquia contratada ou se a aplicação da franquia está dependente do cumprimento do procedimento a adotar em caso de sinistro rodoviário. As cláusulas em confronto são as seguintes: i) no segmento contratual denominado de observações, consta que o condutor é responsável por qualquer dano na viatura da sua culpa até ao valor da franquia de 2.800,00€ (dois mil e oitocentos euros); ii) no segmento sob a epígrafe “Seguros”, consta na cláusula 6.2, al. b), que diz que o locatário não poderá abandonar o local do sinistro antes da chegada das autoridades ao local, sob pena de lhe serem imputados a totalidade dos danos. A resposta à questão convoca a operação jurídica de apreensão do conteúdo do contrato, o mesmo é dizer, a sua interpretação. A finalidade da interpretação do contrato é apreender o sentido pretendido pelas partes, no momento da formação do consenso, com a estipulação de uma ou mais cláusulas. É através da determinação do sentido de cada cláusula que, por sua vez, se conseguirá apreender o sentido que as partes pretenderam atribuir ao contrato ou operação negocial.[2] Em sede de interpretação, os artigos 236.º a 238.º do Código Civil constituem o que se pode considerar o regime comum da interpretação do negócio jurídico. Assim, vale a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual “a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se não puder razoavelmente contar com ele”, contudo, tratando-se de um negócio formal, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Releva ainda distinguir, para efeitos de interpretação, os contratos precedidos de uma negociação individualizada significativa dos contratos standard ou rígidos. No direito português, a interpretação de cláusulas contratuais gerais e de cláusulas incluídas em contratos standard é regulada, em termos particulares, nos artigos 10.º a 11.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (“RJCCG”). Significa isto que a interpretação do contrato observará um regime distinto, consoante estejam em causa contratos precedidos de uma negociação individualizada e contratos não submetidos a uma negociação individualizada. Em causa está um contrato de aluguer de veículos de passageiros sem condutor, regulado pelo DL nº 181/2012, de 6 de Agosto. Nos termos do art. 9.º do referido diploma trata-se de um contrato formal. Por outro lado, o contrato de aluguer em causa é um contrato de adesão, composto por cláusulas que não foram individualmente negociadas com o réu, portanto, cláusulas contratuais gerais. Estamos, pois, perante um regime especifico: o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), aprovado pelo Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro. Este regime jurídico começa por dispor no seu art. 7.º que as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes. Sobre a matéria da interpretação dispõe concretamente o art. 10º que “as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”. Prevê, para o caso de ambiguidade, o art. 11º, nº 1 que “as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.”, acrescentando o nº 2 que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”. O quadro interpretativo que daqui emerge, pode ser assim sintetizado: (i) nos contratos de adesão, a interpretação de uma cláusula contratual geral é feita de acordo com o regime geral civilístico de interpretação da declaração negocial, prescrito no art.º 236º, do Cód. Civil, ex vi do art.º 10º, do DL nº. 446/85, de 25/10; (ii) por força da norma especial contida naquele art.º 10º, do DL nº. 446/85, de 25/10, a interpretação deve ser realizada na ponderação do concreto contrato em que se insira a cláusula contratual geral, ou seja, na ponderação e avaliação de todos os elementos e circunstâncias caracterizadores daquele e da sua concreta celebração; (iii) as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes; (iv) na interpretação das cláusulas, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso; (v) as cláusulas ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real; (vi) na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente. No caso concreto, está em equação a interpretação do sentido resultante da conjugação do estipulado no segmento das Observações inserido antes dos termos e condições, onde vem expresso que o condutor é responsável por qualquer dano na viatura da sua culpa até ao valor da franquia de 2.800,00€ (dois mil e oitocentos euros) e o constante da cláusula 6.2, al. b), onde se diz que o locatário não poderá abandonar o local do sinistro antes da chegada das autoridades ao local, sob pena de lhe serem imputados a totalidade dos danos. Defende a autora recorrente que a cláusula 6.2, al. b), prevê a exclusão da cobertura da franquia quando o condutor abandone o local do sinistro antes da chegada da autoridade policial. Entendimento diverso tem o recorrido que sustenta que tal cláusula só é aplicável se houver um contrato de seguro entre as partes que no caso não foi celebrado. A sentença sufragando de certo modo este entendimento, considerou que inexistindo contrato de seguro (o que foi aceite pela autora) é, no mínimo, ambígua a aplicabilidade da cláusula em causa, que se mostra sob a epígrafe “Seguros” e em que se prevê um comportamento específico do locatário com vista a proteger “os interesses da locadora e da sua Companhia de Seguros”. Fez, assim, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, que é a interpretação segundo a qual tal cláusula só é aplicável nas situações em que haja um contrato de seguro válido, e, consequentemente, fez valer o que as partes estipularam especificadamente e sem restrições, a responsabilidade do condutor por qualquer dano na viatura de sua culpa até ao valor da franquia. Cremos que se decidiu bem. Como resulta da posição das partes e da abordagem do próprio tribunal, parece ser descortinável, no caso, dois sentidos diferenciados quanto à interpretação da cláusula 6.2, b), mormente, quando conjugada com o que as partes especificamente estipularam em sede de «observações» e tendo por base a inexistência de um contrato de seguro de danos próprios (entre autora e réu). Sendo controvertido esse sentido – como se vê com a divergência entre as partes e o teor da decisão relativamente a este concreto contrato –, haverá de se ter o enunciado por ambíguo. Estamos, pois, em face de uma cláusula ambígua, entendida como aquela que, por não ser inteiramente clara, possibilita interpretações diversas. Operando a interpretação aplicável quando em face da ambiguidade de uma cláusula, segundo os ditames dos enunciados artigos 10º, e 11º, do DL nº. 446/85 e nº. 1, perspetivando a impressão percecionada por um declaratário enquanto locatário (aderente) de um contrato de aluguer de veículo, apreciando de forma atenta o teor do redigido, cremos que a perceção obtida seria no sentido da sua responsabilidade se restringir ao valor da franquia contratada, não sendo aplicável as disposições relativas a «Seguros», por não contratado. Importa relevar que a cláusula constante das “observações” é uma cláusula específica para o contrato outorgado com o réu, que se mostra inserta antes dos ”termos e condições” do contrato. Ora, as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes. Por outro lado, tal cláusula não prevê qualquer restrição na sua aplicação, sendo que qualquer contraente analisando o contrato, fica convencido de que o limite da sua responsabilidade é o ali expressamente estipulado. Ademais, ainda que se configure a enunciada cláusula 6ª como dúbia ou ambígua relativamente ao entendimento apreendido pelo destinatário/aderente, sempre deve prevalecer o sentido mais favorável ao mesmo aderente/locatário, por se consubstanciar a mesma como excludente da cobertura contratada conforme estatuído no nº. 2, do art.º 11º, do mesmo DL nº. 446/85. Este tem sido o entendimento da nossa jurisprudência, referenciando-se o acórdão do STJ de 15/12/2022 – Processo nº. 14456/18.1T8PRT.P3.S1, Relator: Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt – acerca da interpretação das cláusulas excludentes da responsabilidade, onde se consigna que as cláusulas de exclusão da responsabilidade devem ser formuladas em termos claros e precisos, permitindo ao segurado conhecer plenamente a extensão exata da garantia do seguro, e mais devem contribuir para o discernimento do risco, não para o eliminar, sendo que, de todo o modo, na dúvida deve prevalecer o sentido que mais favorece o segurado (cf. art.º 11.º n.º 2 do D.-L. n.º 446/85). No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 31 de Março de 2022, proferido no processo nº 898/19.9T8PTL.G1.S1, relatora Maria Prazeres Beleza, publicado in www.dgsi.pt, em que se sumariou que «III. À interpretação de uma cláusula de exclusão que figura nas condições gerais, sem haver prova de que tenha sido resultado de negociação individualizada, aplicam-se as normas definidas pelo Código Civil para a interpretação dos negócios jurídicos em geral (artigo 236.º e segs) e as normas sobre interpretação de cláusulas contratuais gerais, constantes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro. IV. O artigo 10.º da LCCG obriga a interpretar tais cláusulas no contexto do contrato concreto em que se incluam; sendo ambíguo o seu sentido, prevalece o que for favorável ao aderente (artigo 11.º).» Por fim, o Acórdão do STJ de 18/03/2021 – Processo nº. 1542/19.0T8LRA.C1.S1, Relatora: Maria do Rosário Morgado, que na fixação do sentido normativo a extrair de uma da declaração negocial (cf. art. 236º, nº 1, do CC), evidencia que se deve ter em conta, como instrumentos interpretativos, a natureza e o objeto do seguro, o teor das suas cláusulas contratuais, o seu contexto, a sua finalidade e o seu efeito útil, bem como o princípio geral consagrado no art. 11º, da LCCG, segundo o qual, existindo dúvidas quanto ao entendimento do destinatário, prevalece o sentido mais favorável ao aderente/segurado, e que se funda na autorresponsabilidade do declarante e na proteção do destinatário, uma e outra assentes na boa-fé, em sentido objetivo. A regra contida no art. 11º da LCCG é uma regra especial, privativa dos contratos regidos por este diploma, e que corresponde ao chamado princípio in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem que mais não faz que “recair o risco da ambiguidade da cláusula sobre o respetivo predisponente, nos casos em que aquela não seja suscetível de fixação de um sentido unívoco por um aderente de comum diligência, o mesmo é dizer que faz impender sobre aquele um ónus de clareza”[3]. Nestes termos, bem andou o tribunal ao considerar que sendo ambígua a aplicação da cláusula, prevalece o sentido mais favorável ao aderente, que é a interpretação segundo a qual tal cláusula é aplicável nas situações em que haja um contrato de seguro válido – o que, como se referiu já, defendeu a autora não existir. Considera-se, aliás, ser esta a interpretação que melhor se coaduna com o sentido objetivo do texto, uma vez que estipularam as partes, especificadamente, que “O condutor é responsável por qualquer dano na viatura de sua culpa até ao valor da FRANQUIA DE €2.800 eur.”, sem qualquer restrição.”. Pelo exposto, terá o recurso de improceder. * Sumário:I. À interpretação de uma cláusula que figura nas condições gerais, sem que tenha resultado de negociação individualizada, aplicam-se as normas definidas pelo Código Civil para a interpretação dos negócios jurídicos em geral (artigo 236.º e segs) e as normas sobre interpretação de cláusulas contratuais gerais, constantes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro (LCCG). II – A LCCG dispõe no artigo 7.º que as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes. III. O artigo 10.º da LCCG obriga a interpretar tais cláusulas no contexto do contrato concreto em que se incluam. IV. Sendo ambíguo o seu sentido, prevalece o que for favorável ao aderente (artigo 11.º). V. A regra contida no artigo 11º da LCCG é uma regra especial, privativa dos contratos regidos por este diploma, e que corresponde ao chamado princípio in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem que, assim, faz “recair o risco da ambiguidade da cláusula sobre o respetivo predisponente, nos casos em que aquela não seja suscetível de fixação de um sentido unívoco por um aderente de comum diligência, o mesmo é dizer que faz impender sobre aquele um ónus de clareza”. * IV - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Guimarães, 19 de Setembro de 2024 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Sandra Melo 2º Adj. - Des. Maria Amália Santos [1] In CPC Anotado, Vol. V, p. 143. [2] Ana Filipa Morais Antunes, in A interpretação do contrato, Revista de Direito Comercial, pag. 104. [3]Cf. Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 303. |