Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
220/24.2T8P.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: NÃO HOMOLOGAÇÃO DA TRANSACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Os pressupostos processuais constituem os requisitos mínimos fixados pela lei adjetiva para que o julgador possa entrar no conhecimento de mérito da causa, cuja falta consubstancia exceção dilatória, impedindo que aquele possa entrar na fase da instrução da causa, realize audiência final e profira sentença de mérito, dando lugar, em regra, à absolvição do réu da instância.
2- A transação configura um contrato típico e nominado, em que, fazendo uso da liberdade contratual, dentro dos limites da lei e independentemente da solução jurídica que decorreria da aplicação do direito adjetivo e substantivo aplicável ao concreto litígio que as contrapõe, os sujeitos, por contrato, decidem resolver esse litígio, evitando a propositura de ação judicial (transação extrajudicial), ou solucionado, total ou parcialmente, um litígio já afeto ao tribunal mediante a propositura da competente ação e para a qual o réu já tenha sido citado (transação judicial).
3- Embora a sentença homologatória de transação judicial configure uma decisão de mérito, não é o juiz que decide o litígio que contrapõe as partes, mas são antes estas que, por acordo (contrato), decidem o modo como esse litígio judicial é entre elas, total ou parcialmente, solucionado, limitando-se o julgador, em sede homologatória, a exercer uma função de puro controlo da legalidade da transação celebrada quanto à qualidade das partes nela intervenientes e ao seu objeto e, no caso de se certificar da sua validade, a homologá-la, conferindo-lhe força executiva e de incontestabilidade intra e extraprocessualmente.
4- Daí que, com a ressalva das exceções dilatórias de incompetência absoluta do tribunal e de caso julgado, a fim de proferir a sentença homologatória de transação judicial celebrada entre as partes, não possa o juiz indagar se estão (ou não) preenchidos os restantes pressupostos processuais, conhecendo, nomeadamente, da exceção dilatória de falta de interesse dos autores em agir, e julgar procedente essa exceção, absolvendo o réu da instância, recusando homologar a transação celebrada por via da procedência dessa exceção dilatória.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., Lugar ..., ... ..., ..., instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e mulher, DD, residentes na Rua ..., ... ..., ..., e EE e mulher, FF, residentes na Rua ..., ... ..., ..., pedindo que se:  
a) Declare que do prédio originário, descrito no artigo 1º da petição, se destacou um prédio rústico, com a área de 3.660 m2, a confrontar do norte com CC e EE (Réus), do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, identificado no levantamento topográfico junto como doc. n.º 6 à petição inicial com a letra ..., onde surge delimitado por traço verde, o qual adquiriu autonomia jurídica, económica e fiscal;
b) Declare que o prédio referido na alínea precedente pertence em propriedade plena aos Autores;
c) Condene os Réus a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre essa parcela de terreno;
d) Ordene o cancelamento da descrição n.º ...09, da freguesia ..., junto da Conservatória do Registo Predial ... e da respetiva inscrição matricial junto dos Serviços de Finanças ..., a fim de se proceder a novo registo e a nova inscrição ou à retificação de tudo o existente, por forma a fazê-lo coincidir com o declarado na procedência dos pedidos formulados em a) e b) deste petitório.
Para tanto alegaram, em síntese, que: se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09, freguesia ..., um prédio rústico, composto por pinhal, a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH e outro, inscrito na matriz sob o art. ...2º, cuja propriedade se encontra inscrita em nome dos Autores na proporção de 51/100, 12/100 em nome dos 1ºs Réus e 37/100 em nome dos 2ºs Réus; em ../../1986, II e mulher, JJ, pais do Autor-marido, então proprietários daquele prédio, doaram verbalmente ao último uma parcela de terreno, com 3.600 m2 de área, a confrontar do norte com os doadores, do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, a qual se encontra identificada na planta junta em anexo à petição inicial como documento n.º 6, onde surge demarcada a tracejado verde; a dita parcela de terreno foi demarcada da restante parte do prédio original e, desde ../../1986, é o Autor marido que tem estado, de modo contínuo, efetivo e exclusivo na posse material daquela; desde há mais de 40 anos, é o Autor marido que, por si e antepossuidores, detém materialmente, de modo exclusivo e contínuo a dita parcela de terreno, roçando silvas e mato, plantando e cortando árvores, colhendo frutos e nela colocando os mais variados objetos, retirando dela todas as utilidades que  é suscetível de proporcionar, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, mormente dos Réus, e antes com aceitação destes, ininterruptamente e com animus de exercer um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade, e na convicção de que não ofende o direito de outrem; por erro de cálculo ou de mediação da totalidade do prédio original foi considerado que a dita parcela de terreno correspondia a 63/100 da totalidade da área do prédio de onde foi autonomizada; feita a medição correta da totalidade do prédio original o mesmo tem uma área de 7.107,00 m2, representando aquela parcela de terreno dele destacada sensivelmente a 51/100 do mesmo.
Os Réus foram regularmente citados para os termos da presente ação.

No decurso do prazo de contestação, em 02/05/2024, Autores e Réus juntaram ao presente processo a seguinte transação (procede-se à sua transcrição ipsis verbis):
“Os AA.
AA e mulher BB,
e os Réus
CC e mulher DD e EE e mulher FF,
vêm dizer que chegaram a acordo quanto ao objeto do litígio que os opunha nos presentes autos, nos termos exarados nas seguintes cláusulas:
Primeira
Os AA. e os RR. reconhecem que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 – freguesia ... – um prédio rústico composto por pinhal, a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH e outro, inscrito à matriz predial sob o artigo ...2º, e registado 51/100 partes a favor do A. AA, casado com BB, no regime da comunhão de adquiridos, 12/100 partes a favor do Réu CC, casado com DD, no regime da comunhão de adquiridos, e 37/100 partes a favor do Réu EE e mulher FF, no regime da comunhão geral de bens.
Segunda
Os RR. reconhecem que em dezembro de 1986, se destacou do prédio referido na cláusula precedente uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2, a confrontar do norte com CC e EE, do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, identificada na planta junta com a petição inicial como documento n.º 6, onde surge demarcada a tracejado verde e que, desde essa data o A. AA tem estado exclusivamente na posse pública, pacífica, contínua e de boa fé dessa parcela de terreno, que detém materialmente, roçando silvas e mato, plantando o cortando árvores, colhendo os frutos suscetíveis de produzir, nela colocando os mais variados objetos, dela retirando todas as utilidades suscetíveis de proporcionar, praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, mormente deles RR., e antes com aceitação destes, ininterruptamente e com o animus de exercer um direito próprio correspondente ao direito de propriedade e de não ofender o de outrem, a adquiriu por usucapião.
Terceira
Na sequência, os RR. reconhecem que a parcela de terreno descrita na cláusula precedente encontra-se autonomizada, demarcada e fisicamente separada da parte restante do prédio descrito na cláusula primeira e que a mesma pertence, em propriedade ao A. AA.
Quarta
Os RR. aceitam que os AA. procedam à retificação da descrição n.º ...09, da freguesia ..., concelho ..., junto da Conservatória do Registo Predial ... e a nova inscrição matricial junto do Serviço de Finanças ..., por forma a fazer coincidir a indicada parcela de terreno com o declarado nas cláusulas segunda e terceira desta transação, designadamente à sua desanexação e criação de um novo artigo matricial.
Quinta
Os AA. declaram que a parcela de terreno destacada do prédio descrito na cláusula primeira, corresponde sensivelmente à parte que se encontra registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial ... e que lhes foi adjudicada nos autos de inventário que correram seus termos pelo ... Juízo do então Tribunal Judicial de Esposende por óbito de II, falecido no dia ../../2005.
Sexta
Os AA. declaram que com a autonomização da descrita parcela de terreno e do reconhecimento de que a mesma lhes pertence, nada mais possuem no prédio descrito na cláusula primeira, cuja parte restante pertence exclusivamente 12/100 ao Réu CC, casado com DD, no regime da comunhão de adquiridos, e 37/100 partes a favor do Réu EE, casado com FF, no regime da comunhão geral de bens.
Sétima
Os AA. declaram ainda que a parcela de terreno, muito embora identificada como parte indivisa nos autos de inventário referido na cláusula quinta, é tudo quanto o A. tinha a receber no prédio original, pelo que, com o reconhecimento da sua autonomização, não requererão qualquer retificação ou emenda à partilha, por desnecessário.
Oitavo
As custas serão suportadas pelos AA.”.

Por despacho de 13/05/2024, ordenou-se a notificação de Autores e Réus para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual falta de interesse dos primeiros em agir, “considerando a inexistência de litígio entre as partes que a este Tribunal cumpra dirimir”.
Na sequência, Autores e Réus pronunciaram-se no sentido de que o litígio que os opunha foi dirimido através do acordo alcançado no dia 02/05/2024, de que deram conhecimento ao tribunal e que com a homologação daquela transação a instância extingue-se, nos termos do art. 277º, al. d) do CPC.
Requereram que se homologasse a transação celebrada e se condenasse Autores e Réus nos seus precisos termos e se declarasse extinta a instância, nos termos do art. 277º, al. d) do CPC.
Em 23/05/2024, proferiu-se sentença em que se recusou a homologação da transação celebrada, por via da procedência da exceção dilatória de falta de interesse em agir dos Autores e, em consequência, absolveu-se os Réus da instância, constando essa sentença do seguinte teor (procede-se à transcrição ipsis verbis do julgamento da matéria de direito e da parte dispositiva da sentença recorrida):
“Cumpre analisar e ponderar do interesse em agir das partes.
Analisada a PI, da mesma emerge, de forma clara, que não existe qualquer litígio entre as partes quanto ao direito de cada uma sobre o prédio em causa, já que não é invocado qualquer facto de onde decorra a existência de um litígio que cumpra ao Tribunal dirimir.
Pelo contrário, pretendem as partes que o Tribunal declare a existência de “destaque” de uma parcela e a sua aquisição, por usucapião, pondo fim à compropriedade jurídica existente sobre o referido prédio, pretendendo obter por via da homologação de uma transação a tutela jurídica, obliterando as necessárias licenças administrativas ao destaque de prédios rústicos.
Não existe, por isso, um litígio entre as partes: os direitos de cada uma das partes não se mostra em conflito; não há sequer divergências na matéria de facto.
Ora, quando assim é, considera-se, salvo o devido respeito, inadmissível o recurso a Juízo, existindo uma manifesta e patente falta de interesse em agir.
Sem prejuízo de outros instrumentos jurídicos, deverão as partes antes lançar mão do mecanismo previsto no artigo 116º do Código do Registo Predial.
Com efeito, o Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de outubro que procedeu à reforma do Código de Registo Predial esclarecia no respetivo preâmbulo que: “O presente diploma opera a transferência de competências em processos de caráter eminentemente registral dos tribunais judiciais para os próprios conservadores de registo, inserindo-se numa estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio (…)”.
Assim, o artigo 116º do Código do Registo Predial estatui no nº 1 que “O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.”
O nº 2, aplicável à situação dos autos, estatui, por sua vez, que “Caso exista inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, a falta de intervenção do respetivo titular, exigida pela regra do n.º 2 do artigo 34.º, pode ser suprida mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.”
Emerge dos normativos citados, e não o pretendemos pôr em causa, que os interessados podem continuar recorrer diretamente aos meios comuns para obterem o reconhecimento do seu direito de propriedade.
O recurso a juízo pressupõe, no entanto, litigiosidade ou, no mínimo, um estado de incerteza que imponha uma decisão judicial para acautelar o direito.
O que não acontece no caso concreto.
Salvo o devido respeito, não há sequer qualquer estado de incerteza que cumpra dirimir.
O estado de incerteza sempre teria de emergir da matéria de facto alegada e não é invocado qualquer facto de onde esse estado resulte, pelo contrário, da matéria de facto alegada resulta que não há qualquer estado de incerteza, uma vez que as partes estão de acordo quanto aos direitos de cada uma sobre os prédios em causa, daí, de resto, a invocação da posse e consequente propriedade exclusiva de cada uma sobre o prédio.
Considerando-se, por isso, inexistir interesse em agir.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-1999, “interesse em agir consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, representando o interesse em utilizar a ação judicial e em recorrer ao processo respetivo, para se ver satisfeito o interesse substancial lesado pelo comportamento da parte contrária”, proferido no processo nº 99S137 e consultado em www.dgsi.pt.
Enquanto pressuposto processual, o interesse em agir “consiste na necessidade de se usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação”, nas palavras de Antunes Varela, in Manual do Processo Civil, 2ª edição, pág. 179.
Situação diferente seria se houvesse litigiosidade entre as partes, mas não há: o reconhecimento recíproco da propriedade não se mostra controvertido, inexistindo, por isso, fundamento de recurso a juízo.
Neste sentido, de entre outros, veja-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-11-2004, proferido no processo nº 04B3644; de 11-07-2013, proferido no processo nº 2688/05.7TBCLD.L1.S1, embora se saliente que as decisões referidas do Supremo Tribunal de Justiça enquadram a questão no âmbito da incompetência em razão da matéria; do Tribunal da Relação de Évora, de 28-02-2008, proferido no processo nº 218/08-3, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-10-2010, proferido no processo nº 24/08.0TBSEI.C1; veja-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-04-2005, proferido no processo nº 469/2005-8; de 19-01-2017, proferido no processo nº 3583/16.0T8SNT.L1-2; e de 05-01-2021, proferido no processo nº 10486/18.1T8LRS.L1-7, do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2022, proferido no processo nº 129/21.1T8VGS.P1.
Veja-se ainda sobre concretas decisões deste Tribunal, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22-09-2022, proferido no processo nº 65/21.1T8EPS.G1 e de 16-05-2024, proferido no processo nº 878/23.0T8EPS.G1, em situações em tudo idênticas à dos presentes autos, todos consultados em www.dgsi.pt.
A falta de interesse em agir constitui uma exceção dilatória, insuprível, de conhecimento oficioso e que conduz à absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278º, nº 1, al. d) e 576º, nº 2, e 578º todos do CPC.
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Decisão:

Pelo exposto, decido não homologar a transação apresentada nos autos e declaro a existência de exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolvo os réus da instância.
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Custas pelos autores, que deram causa à ação, artigo 527º, nº1 e 2, do CPC.”.

Inconformados com o decidido os Autores interpuseram recurso, em que formularam as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem por objeto a douta sentença de 23.05.2024 (refª ...26), que absolveu os RR. da instância por faltar o pressuposto do interesse processual em agir.
II. Tal como flui dos factos articulados na petição e dos pedidos nela formulados, foi no interesse (e necessidade) de verem reconhecida a autonomia da parcela de terreno que lhes pertence que os Recorrentes justificaram a instauração da ação.
III. Ao contrário do que dimana da douta sentença a quo, para existir interesse em agir não tem necessariamente de haver conflito entre as partes.
IV. Pode não haver conflito, mas, inexistindo meio alternativo para a resolução da questão submetida a juízo, o interesse em agir tem-se por verificado.
V. Do facto de as partes terem logrado pôr termo à ação através de um acordo não se pode inferir, de per si, que não exista, ou nunca tenha existido, conflito prévio entre elas, determinante da falta de interesse processual em agir.
VI. Se não houvesse conflito prévio à instauração da ação (é disso do que se trata), os recorrentes já teriam resolvido a sua situação de forma extrajudicial, caso em que teriam poupado nas despesas normalmente associadas a um processo judicial, o que não conseguiram concretizar.
VII. O interesse em agir tem-se por verificado quando o autor não dispõe de quaisquer outros (extrajudiciais) de realizar aquela pretensão.
VIII. Nas ações de simples apreciação, como a que está aqui em causa, o que se pretende não é propriamente dirimir um litígio, mas, essencialmente, prevenir um litígio.
IX. Os Recorrentes não podiam ver efetivado o seu direito através do mecanismo das justificações para obtenção do título para registo, dadas as restrições práticas que existem no processo de inscrição na matriz de parcelas integradas em matrizes no regime da compropriedade.
X. O recurso à escritura de justificação notarial estava vedado face às restrições consagradas nos artigos 92º, nº1 do Código de Notariado (CN), que remete para o artigo 98º, n.º 1, do mesmo diploma, e 117º-A n.º 1 do Código do Registo Predial, assentes na obrigatoriedade de inscrição na matriz da parcela em causa (em regime formal de compropriedade), o que carece de autorização administrativa, que os recorrentes não possuem.
XI. Ainda assim, para haver interesse em agir, basta que o meio jurisdicional a que os AA. lançaram mão seja apto para a satisfação dos seus interesses.
XII. A usucapião pode fundamentar a divisão de prédio em regime de compropriedade.
XIII. A usucapião pode ser declarada ou reconhecida através de sentença.
XIV. Os Recorrentes lançaram mão de meio processual idóneo para ver declarados os pedidos que formularam na ação.
XV. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, o disposto nos artigos 277.º, al. d), 283º, n.º 2, 284º, 289.º, n.º 1 a contrario e 290.º, n.º 1 e 3 do CPC.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se, na sequência, a douta sentença recorrida, que deve ser substituída por outra, que homologue a transação extrajudicial que as partes submeteram nos autos em 2.05.2024 (refª ...58), condenando e absolvendo as partes, AA. e RR., nos termos ali exarados, com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Ordenou-se a baixa dos autos à 1ª Instância para que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 306º, n.º 3 do CPC, fixando-se valor à causa.
Por despacho de 07/11/2024, foi fixado o valor da causa em 5.001,00 euros.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar se a decisão constante da sentença recorrida (que recusou homologar a transação celebrada entre os recorrentes – Autores – e os Réus, em virtude de ter julgado procedente a exceção dilatória de falta dos primeiros de interesse em agir que os legitimasse a recorrer à presente ação judicial e, em consequência, absolveu os Réus da instância) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e homologar a dita transação.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para conhecer do objeto do presente recurso são os que constam do «I-RELATÓRIO» supra exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A 1ª Instância recusou homologar a transação celebrada entre os recorrentes (Autores no âmbito da presente ação declarativa, de condenação) e os Réus com fundamento de que os primeiros não dispõem de interesse em agir, na medida em que entre eles e os últimos não existe qualquer conflito que reclamasse o recurso à via judicial, a fim de dirimirem o conflito que delinearam na petição inicial, quando da facticidade nela alegada não se extrai a existência de nenhum conflito que se imponha ser dirimido, e, em consequência, julgou procedente a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir e absolveu os Réus da instância.
Os recorrentes imputam ao assim decidido erro de direito, afirmando que, contrariamente ao decidido, os mesmos têm necessidade de recorrer à presente ação judicial, pelo que dispõem de interesse em agir.
Acontece que a questão decidenda no âmbito do presente recurso, salvo melhor opinião, não passa pela análise da questão de saber se, em função da relação jurídica material controvertida delineada pelos recorrentes na petição inicial os mesmos dispõem (ou não) de interesse em agir, dada a existência de um conflito de direitos ou de interesses entre os mesmos e os Réus que tornasse necessário o recurso por aqueles à via judiciária, mas sim se, perante a transação celebrada entre os recorrentes e os Réus na presente ação judicial o tribunal a quo podia conhecer da mencionada exceção dilatória (ou de uma outra qualquer) e, em consequência, de a ter julgado procedente, ter absolvido os Réus da instância, recusando a homologação da transação celebrada.
A resolução da questão que se acaba de enunciar passa pela análise do que sejam os denominados pressupostos processuais e pela qualificação jurídica do instituto da transação judicial.

A- Pressupostos processuais
No dizer de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, os pressupostos processuais são “os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa. Não se verificando algum desses requisitos, como o da legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito. A falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas de proferir a sentença sobre o mérito da ação, mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que interesse à decisão de fundo, sustando nomeadamente a produção de prova sobre os fundamentos do pedido. Os pressupostos processais, que se referem a todo o processo”, condicionam “todo o poder-dever de apreciação do mérito da ação”, importando distinguir entre os pressupostos processuais positivos e negativos. “Dizem-se positivos os requisitos cuja existência é essencial para que o juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da ação; dizem-se negativos os factos cuja verificação impede o juiz de entrar na apreciação do mérito do pedido. Entre os pressupostos positivos contam-se a personalidade judiciária, a capacidade judiciária, a legitimidade, o interesse processual, a competência do tribunal e, em certos termos, o patrocínio judiciário. Entre os pressupostos negativos destacam-se a litispendência e o compromisso arbitral”[2].    
No mesmo sentido expende Domingues de Andrade que, enquanto as condições da ação são os “requisitos indispensáveis para ser julgada procedente a ação: para ser concedida, portanto, a providência judiciária solicitada pelo demandante (condenação, execução, simples apreciação)”, os pressupostos processuais são os “requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante. Na falta deles o juiz só pode e deve declarar isso mesmo abstendo-se de estatuir sobre o mérito”[3].
Decorre do que se vem dizendo que os pressupostos processuais se consubstanciam nos requisitos mínimos a que a lei adjetiva condiciona a possibilidade de o juiz poder entrar na apreciação do fundo/mérito da causa que o autor, requerente, demandante ou exequente submete à sua apreciação e decisão e cuja falta determina que fique impedido de entrar nesse conhecimento, dando lugar, em regra, à absolvição do réu, demandado, requerido ou executado da instância.
A falta de um dos pressupostos processuais impede, portanto, que, no âmbito da ação declarativa, finda a fase dos articulados, o juiz possa entrar na fase da instrução do processo, apreciando os requerimentos de prova que foram apresentados pelas partes para prova e/ou contraprova dos factos essenciais que permaneçam controvertidos e que se encontrem submetidos ao princípio geral da livre apreciação da prova, integrativos da causa de pedir que foram alegados pelo autor na petição inicial, ou dos que integram as exceções invocadas pelo réu na contestação e que foram alegados pelo último nesse articulado, ou das contra exceções invocadas pelo autor na réplica, não sendo esta processualmente admissível, no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, e que foram por ele então alegados, assim como impede o julgador de realizar a audiência final e de, finda esta, proferir sentença, realizando o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, decidindo o litígio que contrapõe as partes.
 Por conseguinte, instaurada uma determinada ação, o que se processa com a entrada da petição inicial na secretaria, na qual o autor tem de delimitar, em termos subjetivos (quanto às partes) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir), o thema decidendum a que o tribunal vê a sua atividade instrutória e decisória delimitada, o qual é apenas complementado pelas exceções que venham a ser invocadas pelo réu na contestação e pelas contra exceções que o autor venha a opor a essas exceções (nos termos acabados de referir), para que o juiz possa entrar no conhecimento no fundo/mérito da causa, decidindo o litígio que contrapõe as partes, é necessário que se encontrem preenchidos determinados requisitos mínimos fixados, de modo não taxativo, no Código de Processo Civil, sem os quais se considera não estarem recolhidas as condições indispensáveis para que possa proferir uma decisão quanto ao mérito da causa, impondo-se que, nessas situações, o tribunal o declare, julgando procedente a exceção dilatória em causa e, por norma, absolva o réu da instância.
São essas condições mínimas de que depende a possibilidade do juiz de entrar no conhecimento do mérito da causa a que se reconduzem os pressupostos processuais.
Atenta a natureza dos pressupostos processuais e dos objetivos que prosseguem – impedir que o juiz entre na apreciação do mérito da causa, por não estarem reunidas as condições processuais mínimas necessárias a esse conhecimento – naturalmente que, por um lado, a verificação dos pressupostos processuais deve ser realizada de acordo com a relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial, ou seja, é exclusivamente pelo modo como o autor, naquele articulado base da ação, delineia em termos de sujeitos, pedido e causa de pedir, o conflito que submete à apreciação e decisão do tribunal que se há-de verificar se os pressupostos processuais estão ou não preenchidos. Por outro lado, visando os pressupostos processuais impedir que o julgador entre no conhecimento do mérito da causa, salvo situações excecionais (v.g. incompetência absoluta do tribunal, por infração das regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional, ou por preterição de tribunal arbitral necessário, ou a infração de caso julgado, as quais podem ser conhecidas a todo o tempo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado sobre o fundo da causa – arts. 96º, 97º, 578º e 629º, n.º 2, al. a) do CPC, a que se reportam todas as disposições legais que se passam a citar sem menção em contrário), a ausência de um pressuposto processual deve ser conhecida pelo tribunal, o mais tardar, no despacho saneador.
Os pressupostos processuais reconduzem-se, portanto, àquilo a que a lei processual civil denomina, no art. 576º, n.ºs 1 e 2, de exceções dilatórias e que elenca, de modo não taxativo, nos arts. 278º, n.º 1 e 577º.
Em suma, os pressupostos processuais são os requisitos que a lei processual civil estabelece para que o juiz possa entrar no conhecimento do mérito da causa, sem o que lhe está vedado esse conhecimento e a atividade instrutória necessária ao mesmo.

B- Contrato de transação judicial ou extrajudicial
Nos termos do art. 259º a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial (n.º 1), mas o ato de propositura da ação não produz efeitos em relação ao réu senão a partir da citação, salvo disposição legal em contrário (n.º 2).
É, portanto, com a entrada da petição inicial, do requerimento inicial ou do requerimento executivo, em que o autor, demandante ou exequente tem de delimitar, em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir), a relação jurídica material que submete à apreciação e decisão do tribunal que se inicia a instância, a qual, contudo, apenas produz efeitos quanto ao réu a partir do seu chamamento para a ação, providência ou execução que contra ele foi instaurada (o que se processa através da citação), a fim de que tome conhecimento de que contra ele foi proposta uma ação, requerida uma providência ou instaurada uma execução e para, querendo, apresentar a sua defesa.
Noutra perspetiva, versando a lei substantiva e adjetiva civil nacional sobre direitos de natureza privada e podendo os seus titulares, no exercício da sua autonomia privada e liberdade contratual (princípios nucleares ou angulares de um ordenamento jurídico de raiz liberal, como é o nosso) dispor e exercer livremente daqueles em função dos seus interesses e conveniências, salvo as exceções previstas na lei (em que, tendo em consideração outros relevantíssimos interesses, de ordem pública, que se imponha acautelar, se exija a restrição dessa liberdade, de modo a operar-se a concordância prática entre todos os direitos em conflito), compreende-se, por um lado, não ser consentido ao Estado, através dos tribunais, intrometer-se por sua iniciativa nos conflitos em matéria de direitos privados, sem que tal lhe seja solicitado, não podendo, por isso, os tribunais resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (art. 3º, n.º 1). Por outro lado, atenta a natureza privada daqueles direitos compreende-se que, dentro de determinados requisitos legais, assista às partes o direito de, a todo o tempo, poderem dirimir livremente os conflitos que as contrapõem, antes ou depois de uma delas solicitar essa resolução ao tribunal e, neste último caso, antes ou depois do réu, demandado, requerido ou executado ter sido citado para essa ação, providência ou execução, até ao trânsito em julgado da decisão (sobre a relação processual ou o fundo/mérito) que o tribunal venha a proferir quanto ao mesmo[4].
Neste sentido, estabelece o art. 1248º do CC que: “Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” (n.º 1), podendo essas concessões “envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos dos controvertidos” (n.º 2).
Por sua vez, estatui o art. 283º, n.º 2 ser “lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa”, acrescentando o art. 284º que a transação “modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue”, e o art. 289º, não ser “permitida a transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis”.
Deste modo, o art. 1248º do CC define transação como um contrato e adianta que, mediante a sua celebração as partes previnem (transação extrajudicial) ou terminam (transação judicial) um litígio mediante recíprocas concessões, as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
O contrato de transação pode, assim, assumir a modalidade de transação extrajudicial ou transação judicial.
A transação extrajudicial é a que é celebrada entre as partes antes da propositura da ação e tem por escopo prevenir a instauração de ação judicial com vista a dirimir o conflito que as contrapõe (sem prejuízo de se considerar que assume a natureza de transação judicial aquela que seja celebrada entre autor e réu em ação já intentada para o qual o último ainda não foi citado[5], e também se considera estar-se na presença de uma transação judicial quando autor e réu em ação pendente, para a qual o último já tenha sido citado, transijam  em documento público ou particular, que depois juntam ao processo[6]).
Assume a modalidade de transação judicial, a que se destina a compor um litígio já explanado em ação já pendente, para a qual o réu já se encontre citado e que seja celebrada por termo – n.º 1 do art. 290º -, ou em ata – n.º 4 do art. 290º).
Em ambas as modalidades (extrajudicial ou judicial), a transação configura um contrato típico e nominado, em que as partes, fazendo uso da liberdade contratual (art. 405º do CC), dentro dos limites da lei e independentemente da solução jurídica que decorreria da aplicação do direito processual e substantivo para o concreto litígio que as contrapõe decidem pôr termo, total ou parcialmente, a esse conflito de direitos ou de interesses, mediante mútuas concessões, isto é, constituindo, regulando, modificando ou extinguindo relações jurídicas entre elas em função dos seus interesses e conveniências.
Enquanto contrato típico e nominado, a transação judicial encontra-se submetida aos requisitos gerais estabelecidos pela lei substantiva para a válida celebração dos negócios jurídicos, designadamente quanto aos sujeitos, à vontade, à sua exteriorização, ao objeto negocial e às regras interpretativas[7].
E enquanto contrato processual, a transação encontra-se  submetida a determinados requisitos fixados na lei adjetiva, como é o caso, do objeto do processo, analisando se este se encontra na disponibilidade das partes (art. 289º), os sujeitos que transigem disporem de capacidade e legitimidade para o fazer (art. 287º, entre outros) e da pertinência do objeto da transação celebrada para o processo, isto é, da sua coincidência com o pedido deduzido no processo, sem que se exija, contudo, uma absoluta coincidência  entre o objeto da transação e o pedido[8].
Com efeito, para que a transação judicial adquira força executiva e força vinculativa intra e extraprocessualmente a mesma carece de ser homologada pelo juiz por sentença, e que esta transite em julgado, sem que esse ato judicial retire à transação celebrada entre as partes a sua natureza de negócio jurídico, isto é, de contrato típico e nominado, e sem que, por isso, afaste a aplicação ao mesmo do regime jurídico aplicável à validade dos negócios jurídicos em geral (arts. 280º a 284º e 294º do CC), as normas gerais relativas à conclusão dos negócios jurídicos (arts. 224º a 235º do CC), as relativas à falta e vícios da vontade (arts. 240º a 257º do CC) e/ou as relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos (arts. 236º a 238º do CC)[9].
O papel que se encontra reservado ao juiz em sede de homologação (ou não) da transação judicial é uma função de puro controlo de apreciação da legalidade da transação celebrada, atento o seu objeto e a qualidade das pessoas nela intervenientes (n.º 3 do art. 290º) e de lhe atribuir força executiva, sem que tome posição acerca do fundo/mérito do contrato de transação celebrado, de cujo alcance e sentido fica de fora e de que não lhe cabe indagar.
Dito por outras palavras, quando homologa uma transação o juiz não procede a qualquer apreciação do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes à sua apreciação e decisão, nem toma posição a propósito do mérito (ou demérito) da transação celebrada, limitando-se, em sede de apreciação da legalidade a verificar se a transação celebrada entre as partes se mostra (ou não) conforme às regras gerais aplicáveis aos negócios jurídicos em termos de partes (capacidade e legitimidade), de objeto e, bem assim se estão (ou não) verificados os requisitos processuais impostos pela lei adjetiva para que a possa homologar.
Não é, pois, o juiz quem, dentro dos cânones fixados pela lei processual, uma vez realizado o julgamento da matéria de facto e convocadas as normas substantivas que considera serem aplicáveis, interpretando-as e aplicando-as à facticidade que julgou provada e não provada, que emana o dictat autoritário quanto ao modo como o litígio deve ser solucionado, mas são as próprias partes que, no uso da sua liberdade contratual, dentro dos limites da lei, de acordo com as suas conveniências e interesses, dirimem o concreto litígio que as contrapõe, indiferentes ao resultado que resultaria para essa resolução da aplicação ao mesmo das normas processuais e substantivas.
O juiz limita-se a exercer uma função de puro controlo da legalidade da transação celebrada quanto à qualidade das pessoas nela intervenientes e ao seu objeto e atribuir-lhe força executiva e de incontestabilidade intra e extraprocessualmente.
Acresce precisar que, embora a sentença homologatória da transação judicial seja uma decisão de mérito[10], não se trata de uma sentença de mérito igual àquela que é proferida pelo juiz, na medida em que não é ele que, após ter procedido ao julgamento da matéria de facto e ao julgamento da matéria de direito (convocando as normas jurídicas, interpretando-as e aplicando-as aos factos que julgou provados e não provados), decide o modo como o litígio entre as partes deve ser/é solucionado.
Daí que, com a ressalva dos pressupostos processuais de incompetência absoluta do tribunal (exceção que, caso se verifique, obsta a que o tribunal possa homologar uma transação celebrada entre os litigantes para cujo conhecimento seja incompetente em razão da matéria, da hierarquia, das regras de competência internacional e/ou por via de ter sido preterido tribunal arbitral obrigatório) ou de caso julgado (impedindo-o de poder homologar uma transação celebrada cujo objeto postergue o decidido em sentença de mérito antes proferida e que tenha transitado em julgado), aquele não tem, nem pode indagar se se encontram (ou não) preenchidos os demais pressupostos processais que lhe permitam entrar no conhecimento do mérito da causa, na medida em que, ao homologar o contrato de transação não conhece do mérito da causa, não havendo, por isso, fundamento legal para que conheça daqueles outros pressupostos processuais (exceções dilatórias) e com base na sua verificação recusar homologar o contrato de transação celebrado entre as partes[11].
Em suma, apesar da sentença homologatória da transação ser uma sentença de mérito, como tal condenando e absolvendo autor e réu nos precisos termos que nela foram acordados entre as partes, não se está perante uma decisão de mérito com as características próprias de uma sentença judicial, em que é o juiz quem efetivamente dirime a relação jurídica material controvertida delineada em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo autor na petição inicial e complementada pelas exceções que venham a ser alegadas pelas partes, mediante a observância das normas processuais que delimitam o seu campo de cognição, de instrução e de decisão (o denominado tema decidendum), e aplicando o direito substantivo à facticidade que nessa sequência venha a julgar como provada e não provada.
São antes as próprias partes que, em função dos seus interesses e conveniências, no exercício da sua autonomia privada e liberdade contratual, dirimem o concreto litígio que as contrapõem, independentemente da solução jurídica que para ele decorreria da aplicação ao mesmo do direito processual e substantivo que lhe fosse aplicável.
Por isso é que, ao proferir a sentença homologatória de transação judicial, não conhecendo o juiz do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes a julgamento, não faça sentido invocar-se quanto a essa sentença o instituto do caso julgado em qualquer uma das suas dimensões positiva ou negativa, mas antes em exceção inominada de transação homologada por sentença transitada em julgado[12], nem faça sentido que, com a ressalva das exceções dilatórias de incompetência absoluta do tribunal e/ou de caso julgado, o juiz controle o preenchimento dos restantes pressupostos processais e recuse a homologação da transação celebrada com fundamento no não preenchimento dos mesmos, como é o caso da verificação da exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir.
É que, destinando-se os pressupostos processuais a impedir que o julgador entre no conhecimento do mérito da causa sem que esses requisitos mínimos necessários para o efeito se encontrem preenchidos, ao homologar a transação celebrada, não conhecendo o julgador de mérito, com a ressalva das exceções dilatórias de incompetência absoluta do tribunal e do caso julgado, não lhe cabe indagar se os mesmos se encontram ou não preenchidos.
Neste sentido, expende Alberto dos Reis que: “O artigo 395º (art. 290º, n.º 3 do atual vigente CPC) define o papel do magistrado no julgamento da confissão, da desistência e da transação; e define-o nestes termos: examinar se o ato é válido, quer em atenção ao seu objeto, quer em atenção à qualidade das pessoas. A isto circunscreve-se, em princípio, o poder de apreciação do tribunal. O juiz não vai indagar, no caso de confissão, se a pretensão do autor é juridicamente fundada, como não tem de verificar, no caso de desistência do pedido, se a defesa alegada pelo réu tem consistência jurídica, e, no caso de transação, se as concessões recíprocas têm ou não apoio na ordem jurídica constituída. Limita-se a apurar se o ato de vontade é válido; desde que se certifique da validade, tem de proferir sentença de absolvição ou de condenação nos precisos termos da declaração de vontade da parte ou das partes. Não tem de preocupar-se, pois, com a relevância ou irrelevância lógica dos factos alegados pelas partes, nem como a relevância ou irrelevância jurídica desses factos; não tem de investigar se no autor concorre o requisito apontado por Chiovenda e Betti (interesse em agir); quanto aos outros requisitos a que alude Betti (poder de agir e legitimação para agir), só tem de os tomar em conta, na medida em que pode enquadrar-se na fórmula do artigo 305º - «pela qualidade das pessoas que nela intervieram». Estamos de acordo em que deve julgar nula a confissão, a desistência ou a transação quando reconhecer que por meio de qualquer destes atos se pretende atingir um fim proibido por lei, ou quando adquirir a convicção de que as partes se serviram da confissão, da desistência ou da transação para praticar um ato simulado. É que em tais casos estamos ainda dentro da disciplina do artigo 395º - o ato é nulo pelo seu objeto” (destacado nosso)[13].
Resulta das considerações que se acabam de enunciar que, instaurada uma determinada ação judicial, antes ou depois do réu ter sido citado[14], enquanto não ocorrer o trânsito em julgado da decisão final a  proferir pelo tribunal quanto ao litígio que o autor submeteu à sua apreciação e decisão e complementado pelas exceções que tenham sido invocadas pelas partes, as mesmas são totalmente livres de transigir quanto ao objeto dessa ação, exceto quanto tal importe a afirmação de vontade relativamente a direitos indisponíveis.
Para proferir a sentença homologatória da transação, porque o juiz não conhece do mérito da causa que lhe foi submetida a julgamento, com a ressalva das exceções dilatórias de incompetência absoluta do tribunal e de caso julgado,  aquele não deve, nem pode conhecer dos restantes pressupostos processuais, não podendo, por isso, recusar homologar a transação celebrada com fundamento na não verificação de um pressuposto processual, que não a incompetência absoluta do tribunal ou de caso julgado, nomeadamente, da exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir dos autores para proporem a ação que intentaram e onde aquela transação acabou por ser celebrada pelas respetivas partes.

C- Do caso concreto
Assentes nas premissas acabadas de enunciar, revertendo ao caso dos autos, os recorrentes instauraram a presente ação contra os Réus CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF, em cujo nome se encontra inscrita a compropriedade do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09, freguesia ... (sendo 51/100 a favor dos Autores, 12/100 a favor dos 1ºs Réus e 37/100 a favor dos 2ºs Réus), pedindo, além do mais, que se declarasse que, desde ../../1986, desse prédio se encontra destacada uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2, identificada no levantamento topográfico junto com a petição inicial como documento n.º 6, e nele representada a tracejado verde, a qual é propriedade dos mesmos por a terem adquirido, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.
Fundaram essa sua pretensão no facto de, em ../../1986, II e mulher JJ, pais do Autor-marido e então proprietários daquele prédio rústico, terem destacado do mesmo uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2,  e a terem doado verbalmente ao Autor-marido, o qual, desde ../../1986, tem estado, de modo contínuo, efetivo e exclusivo na posse material dessa parcela, roçando nela as silvas e mato, plantando e cortando árvores, colhendo frutos e nela colocando os mais variados objetos, retirando todas as utilidades que a mesma é suscetível de proporcionar, o que tudo fez, e faz, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, designadamente dos Réus, e antes com a aceitação destes, ininterruptamente e com animus (intenção) de exercer um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
Sucede que, uma vez citados os Réus para os termos da presente ação, Autores (recorrentes) e estes, por documento particular junto aos autos em 02/05/2024, e por eles assinado, transigiram quanto ao objeto da presente ação, em que, além do mais, reconheceram a facticidade que foi alegada pelos primeiros na petição inicial, mais concretamente que, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09, inscrito na matriz sob o art. ...2º, inscrito no registo, 51/100 partes indivisas a favor do Autor-marido, 12/100 partes indivisas a favor do Réu CC, e 37/100 partes indivisas a favor dos Réus EE e mulher FF, foi destacada, em dezembro de 1986, uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2, a confrontar do norte com CC e EE, do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, identificada na planta junta com a petição inicial como documento n.º 6, onde surge demarcada a tracejado verde. Que, desde essa data o Autor AA tem estado exclusivamente na posse pública, pacífica, contínua e de boa fé dessa parcela de terreno, detendo-a materialmente, roçando nela silvas e mato, plantando e cortando árvores, colhendo os frutos suscetíveis de produzir, nela colocando os mais variados objetos, dela retirando todas as utilidades suscetíveis de proporcionar, praticando todos esses atos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, mormente deles RR., e antes com aceitação destes, ininterruptamente e com o animus de exercer um direito próprio correspondente ao direito de propriedade e de não ofender o de outrem, com o que adquiriu o direito de propriedade sobre essa parcela de terreno por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.
Dado que, ao homologar a dita transação, apesar da sentença homologatória consubstanciar um decisão de mérito, não é o juiz que conhece de mérito, na medida em que não é  ele quem decide o pretenso conflito que opõe os recorrentes aos Réus e que os primeiros pretensamente delinearam na petição inicial, mas são antes as próprias partes que, no exercício da sua autonomia privada e liberdade contratual, definem o modo como esse concreto conflito de direitos e interesses é dirimido, de acordo com os seus interesses e conveniências, indiferentes à solução que para ele decorreria da aplicação do direito adjetivo e subjetivo que lhe seria aplicável, com ressalva das exceções dilatórias (pressupostos processuais) de incompetência absoluta do tribunal para conhecer da relação jurídica material controvertida desenhada pelos recorrentes na petição inicial e, bem assim, do caso julgado, não pode o juiz apreciar se os restantes pressupostos processuais necessários para que possa entrar no conhecimento da causa estão ou não preenchidos, e com base no seu não preenchimento recusar a homologação da transação celebrada.
Com efeito, o papel do juiz, em sede de homologação da transação celebrada entre as partes, encontra-se limitado pelo n.º 3 do art. 290º, reconduzindo-se em examinar se a transação é válida, quer em atenção ao seu objeto, quer em atenção à qualidade das pessoas nela intervenientes, face aos requisitos gerais fixados pela lei substantiva para os negócios jurídicos e os fixados nas normas adjetivas, não lhe incumbindo, por isso, com a ressalva das exceções dilatórias de incompetência absoluta e de caso julgado, indagar se se encontram (ou não) preenchidos os restantes pressupostos processuais que lhe consentem entrar no conhecimento do mérito da causa, nomeadamente, da exceção dilatória de incompetência relativa do tribunal, de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade de alguma das partes, de falta de interesse em agir dos autores, etc., e, com fundamento na verificação destes, recusar a homologação da transação celebrada e absolver os réus da instância.
Reafirma-se, em sede de homologação da transação, ao juiz apenas assiste a faculdade de exercer uma função de puro controlo sobre a legalidade da transação celebrada, no âmbito do qual, ao nível do direito substantivo, lhe incumbe indagar se se encontram preenchidos os requisitos gerais previstos para a válida celebração dos negócios jurídicos quanto às partes (se estas detêm personalidade e capacidade jurídicas) e quanto ao objeto (se o objeto da transação celebrada é física ou legalmente impossível, contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes – art. 280º do CC) e, em sede de direito adjetivo, analisar da natureza disponível ou indisponível do objeto da transação celebrada, se as partes nela intervenientes dispõem de poderes para a celebrarem e da pertinência do seu objeto para o objeto do processo espelhado na ação.
Ora, ao ter conhecido da exceção dilatória de falta de interesse em agir dos recorrentes para instaurarem a presente ação e, com fundamento na procedência dessa exceção dilatória inominada, ao ter absolvido os réus da instância, recusando a homologação da transação celebrada, quando nenhuma decisão de mérito iria proferir, salvo melhor entendimento, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, impondo-se, em consequência, revogar a sentença recorrida em que assim se decidiu.

D- Da verificação dos requisitos legais de homologação da transação celebrada
Conforme acima se deixou dito, mediante a instauração da presente ação os recorrentes (Autores) pretendem, além do mais, que se declare que do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09, freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...2º (em relação ao qual figuram inscritos no registo como comproprietários de 51/100 partes indivisas os próprios Autores, de 12/100 partes indivisas os 1ºs Réus e de 37/100 partes indivisas os 2ºs Réus), se encontra destacada, desde ../../1986, uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2, a confrontar do norte com CC e EE (Réus), do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, identificada no levantamento topográfico junto como documento n.º 6, em anexo à petição inicial com a letra ..., onde surge delimitada por traço verde, cujo direito de propriedade adquiriram na sua esfera jurídico-patrimonial por via originária, isto é, ex novo, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.
Na transação que celebraram, Autores e Réus reconheceram, além do mais, os pedidos formulados pelos primeiros e, bem assim, os atos possessórios que foram alegados pelos primeiros na petição inicial e que eram aptos, à luz da lei substantiva, nos termos do art. 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1287º e 1296º do CC, a adquirir o direito de propriedade pelo recorrente-marido sobre aquela parcela de terreno, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.
Com efeito, a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251º do CC), e é caracterizada, face à conceção subjetivista de posse adotada pelo ordenamento jurídico nacional, por dois elementos: um elemento material, traduzido no corpus possessório, que se traduz no poder de facto manifestado pela atividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, atividade essa que não carece de ser sempre efetiva, pois uma vez adquirida a posse, o corpus permanece como que espiritualizado, enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer (art. 1257º, n.º 1 do CC),  e um elemento subjetivo, o animus possidendi, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito correspondente àquele domínio de facto[15].
Por sua vez, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama a usucapião (art. 1287º do CC).
A usucapião é o instituto jurídico que fundado na posse pública e pacífica e no decurso do tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa e nas restantes características da posse (boa ou má fé, titulada, etc.), permite ao possuidor adquirir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo (com ressalva das servidões não aparentes e dos direitos de uso e de habitação - art. 1293º do CC) correspondente aos atos possessórios que exerce sobre a coisa na sua esfera jurídico-patrimonial, por via originária, isto é, ex novo.
Destarte, tendo na transação celebrada recorrentes (autores) e réus reconhecido, designadamente, que “se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 – freguesia ... – um prédio rústico composto por pinhal, a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH e outro, inscrito à matriz predial sob o artigo ...2º e registado 51/100 partes a favor do A. AA, casado com BB, no regime da comunhão de adquiridos, 12/100 partes a favor do Réu CC, casado com DD, no regime da comunhão de adquiridos, e 37/100 partes a favor do Réu EE e mulher FF, no regime da comunhão geral de bens”, e, bem assim, que “os RR. reconhecem que, em dezembro de 1986, se destacou do prédio referido na cláusula precedente uma parcela de terreno, com a área de 3.660 m2, a confrontar do norte com CC e EE, do sul com caminho, do nascente com GG e do poente com HH, identificada na planta junta com a petição inicial como documento n.º 6, onde surge demarcada a tracejado verde e que, desde essa data o A. AA tem estado exclusivamente na posse pública, pacífica, contínua e de boa fé dessa parcela de terreno, que detém materialmente, roçando silvas e mato, plantando e cortando árvores, colhendo os frutos suscetíveis de produzir, nela colocando os mais variados objetos, dela retirando todas as utilidades suscetíveis de proporcionar (o que se reconduz ao corpus possessório), praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, mormente deles RR. e antes com aceitação destes, ininterruptamente e com o animus de exercer um direito próprio correspondente ao direito de propriedade (o que se traduz no animus possessório) e de não ofender o de outrem, a adquiriu por usucapião” e que, “na sequência, os RR. reconhecem que a parcela de terreno descrita na cláusula precedente encontra-se autonomizada, demarcada e fisicamente separada da parte restante do prédio descrito na cláusula primeira e que a mesma pertence, em propriedade ao A. AA”, os atos possessórios assim reconhecidos pelos Réus ao recorrente-marido são idóneos, do ponto de vista do direito substantivo, nos termos do arts. 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1287º e 1296º do CC, à aquisição do direito de propriedade pelo recorrente marido do direito de propriedade sobre a dita parcela de terreno, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, para o que lhe bastou o exercício daqueles atos possessórios, de forma ininterrupta, exclusiva, publicamente e sem violência, como fez, sobre a dita parcela de terreno durante um período de tempo de quinze anos, a contar de dezembro de 1986.
A referida transação encontra-se assinada por Autores e Réus, em relação aos quais não se suscita qualquer questão de falta de personalidade jurídica ou judiciária.
O prédio rústico originário em relação ao qual aquela parcela de terreno foi destacada em dezembro de 1986, vindo, desde então, a ser possuída pelo recorrente marido, nos termos reconhecidos por autores e réus na dita transação, de molde que, decorridos quinze anos em que o primeiro exerceu os mencionados atos possessórios sobre essa parcela de terreno se constituiu, com efeitos retroativos à data do início da posse, em dezembro de 1986 (art. 1288º do CC), um novo prédio rústico formado pela mencionada parcela de terreno dele desanexada, cuja propriedade se constituiu, por via originária, ex novo, na esfera jurídico-patrimonial do recorrente marido, encontra-se inscrito no registo, em regime de compropriedade, a favor de Autores e Réus.
Por isso, a identificada transação foi celebrada por quem, nos termos do art. 1305º do CC, dispunha de poderes de disposição sobre esse prédio rústico originário e, por conseguinte, dispõe de legitimidade substantiva para reconhecer que esse prédio rústico originário foi alvo, em dezembro de 1986, do referido fracionamento material, e que, por via dos atos possessórios que sobre a dita parcela de terreno foram (e são) exercidos pelo recorrente-marido, esse prédio rústico originário deu lugar, desde dezembro de 1986, a dois prédios rústicos juridicamente autónomos e distintos entre si e que são eles também propriedade de proprietários distintos: o formado pela parcela de terreno destacada do prédio rústico originário, com a área de 3.660 m2, a qual é propriedade do recorrente marido, desde dezembro de 1986, por ter adquirido esse direito de propriedade, por via originária, ex novo, na sua esfera jurídico-patrimonial, decorrente do fracionamento ilegal daquele prédio rústico originário e dos atos possessórios que sobre ela exerceu, de modo público e pacífico, ao longo de quinze anos interruptos, mediante o funcionamento do instituto da usucapião; e o prédio rústico formado pela restante área de terreno (área de terreno dele não desanexada), que é compropriedade, desde dezembro de 1986, dos 1ºs e 2ºs Réus.
Note-se que, independentemente dos arts. 116º do Cód. Reg. Predial  e 89º a 101º do Cód. do Notariado preverem a escritura de justificação notarial como um instrumento ágil e simplificado de documentação de um facto aquisitivo de um direito real sobre um determinado prédio por parte do justificante, a fim de que possa superar a falta do título “normal” (escritura de compra e venda, doação, etc.), para efeitos de o poder registar no registo predial, e independentemente de estarem ou não preenchidos os pressupostos legais previstos naquelas disposições legais que permitiam aos recorrentes (autores) socorrer-se desse instrumento jurídico (a escritura de justificação), com vista a inscreverem o direito de propriedade do recorrente-marido sobre aquele prédio rústico com a área de 3.660 m2, a existência desse mecanismo excecional e simplificado que permitia a este obter a documentação necessária para inscrever no registo predial o direito de propriedade sobre aquela parcela de terreno (prédio rústico), adquirido, por via originária, mediante a usucapião, como é reconhecido na própria sentença recorrida, não inviabiliza o direito daquele de recorrer aos meios processuais comuns para obter o reconhecimento desse seu direito de propriedade sobre aquele prédio (constituído pela dita parcela de terreno), alegando e provando a facticidade necessária à aquisição desse seu direito de propriedade, por via originária, na sua esfera jurídico-patrimonial, ou, como acontece no caso dos autos, em que autores e réus reconheçam, por transação, essa mesma materialidade fáctica conducente à aquisição originária desse direito de propriedade.
Destarte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não colhe a alegação do julgador a quo segundo a qual, mediante a transação que celebraram autores e réus pretendem que “o tribunal declare a existência de um destaque de uma parcela de terreno e a sua aquisição, por usucapião, pondo fim à compropriedade jurídica existente sobre o referido prédio, pretendendo obter por via da homologação de uma transação a tutela jurídica, obliterando as necessárias licenças administrativas”.
Sendo a usucapião uma forma originária de aquisição do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, que depende apenas da verificação de dois elementos - a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que, conforme antedito, varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os carateres da posse -, que, quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288º do CC), adquirindo o possuidor ex novo, por via originária, de forma absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios (de natureza formal ou substancial) que possam afetar o ato ou negócio jurídico gerador da posse, o direito real correspondente aos atos possessórios que exerce sobre a coisa, desde o momento em que iniciou esses atos possessórios, ou seja, no caso dos autos, desde dezembro de 1986, mediante a celebração da transação sobre que versam os autos, recorrentes (autores) e réus não pretenderam fracionar (nomeadamente, por destaque ou loteamento) o prédio rústico originário, nem procederam ao seu fracionamento, mas antes se limitaram a reconhecer a existência de uma situação de facto e os respetivos efeitos jurídicos.
Essa situação de facto reconduz-se no reconhecimento que, em dezembro de 1986, aquele prédio rústico originário foi ilegalmente fracionado, tendo dele sido autonomizada uma parcela de terreno de 3.660 m2, que se encontra representada no levantamento topográfico junta em anexo à petição inicial, e que, desde então, o recorrente marido vem exercendo, de modo exclusivo, ininterrupto, pública e pacificamente os atos possessórios descritos na transação celebrada, e a extrair dessa situação de facto as consequências jurídicas previstas na lei substantiva para a mesma, quais sejam: decorridos quinze anos, em que o recorrente marido, desde dezembro de 1986, exerceu, de modo ininterrupto, público e sem violência os mencionados atos possessórios sobre a dita parcela de terreno autonomizada do prédio rústico originário, constituiu-se juridicamente (ainda que sem correspondência formal) um novo prédio rústico, integrado pela parcela de terreno desanexada, cujo direito de propriedade se constituiu, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, na esfera jurídica do recorrente marido, e cujos efeitos jurídicos se retroagem a dezembro de 1986.
Daí que, mediante a celebração da dita transação, em relação à qual nada se apurou nos autos que permita concluir que os factos nela reconhecidos por autores e réus não correspondam à realidade material ou ontológica efetivamente acontecida, de modo a recusar-se a homologação dessa transação com fundamento no regime do art. 612º, salvo melhor entendimento, nos presentes autos não se trata de fracionar um prédio rústico (o prédio rústico originário), mas antes de se reconhecer que esse prédio rústico foi alvo de um fracionamento ilegal no longínquo ano de 1986, e que fruto dele e dos atos possessórios que sobre a parcela de terreno desanexada foram exercidos pelo recorrente marido desde dezembro de 1986, de  forma ininterrrupta, pública e pacífica, decorridos quinze anos, esse prédio rústico originário deixou de constituir um único prédio, compropriedade de autores e réus, mas antes passou a constituir, desde dezembro de 1986, dois prédios rústicos, juridicamente autónomos e distintos entre si. Um: constituído pela parcela de terreno que dele foi desanexada e cujo direito de propriedade se constituiu de modo originário, ex novo, por via da usucapião, na esfera jurídica do recorrente marido; e o outro, constituído pelo restante terreno daquele prédio rústico originário, o qual pertence, em regime de compropriedade, aos réus.
Note-se que nenhum dos diversos diplomas legais sobre a matéria de fracionamento de prédios que se encontravam em vigor, em dezembro de 1986, e nas datas subsequentes afastaram o regime jurídico dos arts. 1287º e ss. do CC, que preveem a usucapião como modo legal de constituição e de aquisição de direitos reais sobre parcelas de terreno resultantes do fracionamento ilegal de prédios.
Neste sentido, lê-se no acórdão do STJ., de 06/04/2017, que:
“A usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos de gozo (arts. 1287º e 1316º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os carateres da mesma posse. Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse (art. 1317º, al. c), do CC). A usucapião serve, além do mais, para legalizar situações de facto ilegais, mantidas durante longos períodos de tempo, inclusive até à apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa. A eventual nulidade decorrente de ilegal fracionamento de um prédio não constitui, por si só, fundamento para recusar a usucapião, porquanto nenhum dos diversos e sucessivos diplomas legais sobre a matéria de loteamento urbano, veio impedir a possibilidade de invocação da usucapião sobre os lotes de terreno resultante do loteamento ilegal. Os negócios celebrados contra disposição legal de caráter imperativo são, em regra, nulos (art. 294º do CC), podendo a nulidade ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e até ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CC); porém, a não fixação de um prazo para a sua arguição não afeta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião. Entender que a posse, baseada num ato ou facto proibido por normas imperativas do loteamento urbano (ou do destaque), é insuscetível de conduzir à aquisição da propriedade por usucapião, seria abstrair da realidade económica e social do nosso país, onde especialmente no interior norte e centro, uma boa parte das partilhas entre maiores, nomeadamente de imóveis, constitutivas dos acervos das heranças, ainda é ou era feita de boca e posteriormente legalizada com suporte na usucapião”[16].
No mesmo sentido, debruçando-se sobre o fracionamento de prédios rústicos e quanto à aplicação do regime do art. 1379º, n.º 1 do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 111/2015, de 27/08, que comina com o vício da nulidade os atos de fracionamento ou troca de prédios rústicos contrários ao disposto nos arts. 1376º e 1378º, entendeu-se no acórdão desta Relação (em que o relator interveio como 1º adjunto), o que aqui se reitera, que:
“A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, que surgem ex novo na titularidade do sujeito unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo por isso absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios (de natureza formal ou substancial) que afetam o ato ou negócio gerador da posse. Tendo a usucapião efeitos retroativos à data do início da posse, adquirindo-se o direito no momento em que aquela se iniciou, será pela lei então em vigor que se apreciam as condições de validade aplicáveis ao objeto do direito que se pretende usucapir (nomeadamente, as relativas ao fracionamento de prédio rústico apto para cultivo). Na interpretação da lei, não se deve atender apenas à letra, intervindo ainda elementos lógicos, nomeadamente de ordem sistemática (impondo a consideração da unidade do sistema jurídico), de ordem racional/teleológica (impondo a consideração da razão de ser da lei, sustentada na respetiva justificação e no objetivo pretendido com a sua criação), de ordem histórica (impondo o reconhecimento e consideração dos acontecimentos que a determinaram, nomeadamente o seu aparecimento), e de ordem atualista (impondo a consideração das condições específicas do tempo em que é aplicada). Até à alteração da redação do art. 1379º, n.º 1 do CC, operada pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto (que passou a cominar como nulos, e já não meramente como anuláveis, os atos de fracionamento de prédios rústicos contrários ao disposto no art. 1376º do CC), a interpretação mais correta daquele preceito coincide com a que admite a aquisição originária, por usucapião, de parcela de terreno de prédio rústico apto para cultura, ainda que com área inferior à unidade de cultura legal, desde que se verifique os pressuposto próprios”[17].
Decorre do excurso antecedente que, atenta a qualidade das pessoas intervenientes na transação junta aos presentes autos em 02/05/2024, a natureza disponível do seu objeto e a licitude deste, nos termos do disposto no art. 290º, n.º 3, aquela é juridicamente válida, impondo-se a sua homologação, condenando-se e absolvendo-se Autores e Réus nos precisos termos nela acordados e, em consequência, ao abrigo do disposto no art. 277º, al. d), julgar extinta a presente ação, sendo as custas da ação a cargo dos Autores, conforme o acordado.
Resulta do exposto que, na procedência integral do presente recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida, que julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu os Réus da instância e recusou homologar a transação celebrada entre Autores e Réus, junta aos presentes autos em 02/05/2024 e, em sua substituição, impõe-se homologar a dita transação, condenando e absolvendo Autores e Réus nos precisos termos nela acordados.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar o presente recurso procedente e, em consequência:

a- Revogam a sentença recorrida, que julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu os Réus da instância, e recusou homologar a transação celebrada entre Autores e Réus, junta aos autos em 02/05/2024;
b- Atenta a qualidade das pessoas intervenientes na transação junta aos autos em 02/05/2024, a natureza disponível do seu objeto e a licitude do mesmo, nos termos do disposto no art. 290º, n.º 3 do CPC, julgam a transação celebrada juridicamente válida e, em consequência, homologam-na por sentença, condenando e absolvendo Autores e Réus nos precisos termos nela acordados e, ao abrigo do disposto no art. 277º, al. d) do mesmo Código, julgam extinta a presente ação.
Custas da ação a cargo dos Autores, conforme o acordado.
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Custas do recurso pelos recorrentes atento o critério do proveito, dado que no presente recurso não houve contra-alegações e o tribunal a quo recusou homologar a transação celebrada e julgou procedente a exceção dilatória da falta de interesse em agir por sua iniciativa, pelo que no presente recurso não existe “vencido”, sendo aqueles que retiram proveito da procedência do presente recurso (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 09 de dezembro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Rosália Cunha – 2ª Adjunta 


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Cimbra Editora, págs. 104 a 106.
[3] Manuel Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 74 e 75.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, em que em anotação ao art. 283º do CPC escrevem: “A desistência do pedido, envolvendo a extinção total ou parcial do direito, pode ser declarada em qualquer momento, até ao trânsito em julgado da decisão, o mesmo se diga da transação, não fazendo sentido que, para negar a sua homologação, se invoque a extinção do poder jurisdicional com a mera prolação da sentença. Ademais, constituindo a transação uma forma de composição consensualizada do litígio, nenhum interesse se observa na atribuição de prevalência ao resultado declarado em sentença judicial sobre o que ressalta da transação”.
Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra 1946, pág. 496: “O artigo 298º (atual art. 283º, n.º 2 do CPC) admite a transação em qualquer estado da instância. Pode, por isso, transigir-se logo em seguida à citação do réu e antes de oferecida a contestação, assim como já depois de julgada a causa na 1ª ou na 2ª instância, contanto que a decisão não haja transitada em julgado”.
[5] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 195, em que enuncia: “Apesar de a ação se considerar proposta logo que seja recebida a respetiva petição inicial na secretaria, os efeitos em relação ao réu só se produzem, em regra, a partir da citação, pelo que só após esse ato o réu pode confessar o pedido. Quanto à participação do demandado numa transação, a solução é distinta: dada a categoria substantiva desse negócio (art. 1248º, n.º 1, CC), o réu pode intervir em qualquer transação, que, se for realizada antes da sua citação, é ainda uma transação extrajudicial”.
[6] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 489, onde refere que: “O que caracteriza a transação judicial é o objeto, e não a forma. A transação reveste este aspeto pelo facto de dizer respeito a um litígio já afeto ao tribunal, e não por ser feita em juízo. (…). Quando a transação se celebra por escritura pública ou por documento autêntico, faz-se fora de juízo: o documento junta-se depois ao processo, mas não deixa de ser extrajudicial. Todavia a transação considera-se judicial em atenção ao seu objeto e fim: visa compor um litígio pendente em juízo”.
[7] Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198.
[8] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 586 e 587.
[9] Neste sentido Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198, em que pondera: “A desistência, a confissão e a transação devem ser apreciadas atendendo à sua qualidade como negócios processuais e como atos jurídicos. Como negócios processuais, elas deveriam exigir os normais pressupostos dos atos processuais (como a capacidade e a representação judiciárias, o patrocínio judiciário e o interesse processual). Mas, como se pode concluir especialmente da invalidade (substantiva) prevista nos arts. 300º, n.º 5 e 301º, n.ºs 1 e 3 (atuais arts. 290º, n.º 3 e 291º, n.ºs 1 e 2 do CPC vigente), esses pressupostos só têm autonomia quando não sejam consumidos pelos requisitos gerais dos atos jurídicos. Isto é, esses negócios processuais, quando não são tipificados como negócios materiais – como sucede com a transação (art. 1248º, n.º 1 do CC) -, são tratados, no seu regime, como os correspondentes negócios substantivos, produtores de idênticos efeitos (ou seja, como, por exemplo, o negócio unilateral de reconhecimento de uma dívida, art. 458º, n.º 1 do CC). Os negócios processuais que conformam a decisão da causa exigem os requisitos gerais de qualquer negócio jurídico, nomeadamente quanto aos sujeitos, à vontade e ais exteriorização. É por isso que, por exemplo, é nula a desistência, confissão ou transação cujo objeto seja contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (art. 280º, n.º 2 do CC”; Acs. STJ., de 07/12/2016, Proc. 187/13.2TBPRD.P1.S1; RG., de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha citar sem menção em contrário.
[10] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 587.
[11] Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 204, a propósito do que escreve: “Nada se refere na lei quanto ao controlo, nessa sentença homologatória dos pressupostos processuais. Parece haver que distinguir duas situações. Alguns desses pressupostos valem agora como pressupostos dos próprios negócios processuais e são consumidos pelos pressupostos desses negócios como atos jurídicos (pense-se, por exemplo, na capacidade judiciária da parte). Mas outros pressupostos processuais mantêm a sua autonomia e podem constituir um obstáculo ao proferimento da sentença homologatória (que, exceto quando referida à desistência da instância, é uma decisão sobre o mérito: é esse o caso, por exemplo da incompetência absoluta do tribunal”.
[12] Acs. STJ. de 07/12/2016, já anteriormente identificado; RG., de 26/03/2015, Proc. 2454/14.9TBBR.G1; de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1; RL., de 29/10/2019, Proc. 672/17.7T8PDL.L1-1; de 11/01/2008, Proc. 8008/16.8T8SNT-B.L1-2; RE., de 12/04/2018, Proc. 1017/17.8FAR.E1.
Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 495 a 497: “A transação pressupõe uma autocomposição (…). As partes ao celebrarem a transação, não se preocupam com a declaração da relação jurídica duvidosa, não realizam um ato semelhante ao do juiz; põem termo à lide segundo o seu interesse ou a sua conveniência, sem quererem saber se o resultado a que chegam é conforme ao direito constituído, isto é, se o litígio viria a ter solução idêntica, caso fosse decidido pelo juiz. Suponhamos que, realizada uma transação, judicial ou extrajudicial, uma das partes propõe contra a outra uma ação cujo objeto versa precisamente sobre a relação abrangida pela transação. O que deve fazer o réu? Atento o disposto nos artigos (…) poderia parecer que a defesa a opor, por parte do réu, é a exceção do caso julgado; mas não é assim. A exceção referida pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se propõe posteriormente a mesma causa. Esse pressuposto não se verifica no caso sujeito. A lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. É certo que sobre a transação judicial há-de incidir sentença do tribunal, sem o que o ato de vontade das partes não produz efeito; mas a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substantiva, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o ato de vontade das partes e não a sentença do juiz. Portanto, desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a exceção de caso julgado. As partes estão perante uma situação que tem o mesmo valor e a mesma eficácia que o caso julgado; mas não estão, de verdade, perante um caso julgado. Em vez de opor a exceção de caso julgado, o que o réu deve opor é a exceção de transação”.
[13] Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 536 e 537.
[14] Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 195, onde refere, quanto ao momento ad quem em que é possível ser celebrada transação, que, “quanto à participação do demandado numa transação, a solução é distinta” (da confissão do pedido): “dada a categoria substantiva desse negócio (art. 1248º, n.º 1), o réu pode intervir em qualquer transação, que, se for realizada antes da sua citação, é ainda uma transação extrajudicial”. 
[15] Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, 1966, págs. 66 e 67.
[16] Ac. STJ., de 06/04/2017, Proc. 1587/11.9TBVNG.P1.S1.
[17] Ac. R.G., de 21/05/2020, Proc. 1050/1.6T8PTL.G1.