Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2142/07.2TBFAF.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: MENORES
INCIDENTE DE IMCUMPRIMENTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JIULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: Incumbe ao progenitor que faz uso do incidente de incumprimento, previsto no art. 181º da OTM, pedir, no requerimento inicial, a condenação do progenitor remisso na indemnização a favor do menor, do requerente ou de ambos, sendo os pedidos assim formulados sujeitos ao contraditório e à instrução, pedras basilares de defesa dos direitos das partes em litígio e que, no caso, não foram salvaguardados, pelo que não pode subsistir a condenação proferida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Maria C..., veio, por apenso aos autos de Alteração de Regulação do Poder Paternal n.º 2142/07.2TBFAF-A, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Fafe, e na qualidade de mãe da menor Anabela, nascida em 4/5/1993, actualmente com 16 (dezasseis) anos de idade, deduzir incidente de Incumprimento do Exercício do Poder Paternal, contra o pai desta, Paulo C..., invocando que não foi cumprida visita acordada, da mãe à menor, tendo a própria menor informado a mãe telefonicamente que não iria aparecer na data acordada e que não mais compareceria em Tribunal, e mais alegando a requerente que “a menor está a receber uma educação desajustada aos valores socialmente dominantes”, requerendo se ordene que a menor passe a efectuar os encontros acordados com a mãe acompanhada por um agente da G.N.R. ou da P.S.P.
Devidamente notificado o requerido apresentou resposta.
Foi ordenada avaliação psicológica à menor, a qual foi realizada na Unidade de Consulta Psicológica e Desenvolvimento Humano da Universidade do Minho, com a elaboração do relatório de perícia que constitui fls.60 e sgs. dos autos.
Foi realizada conferência de pais, com a presença da menor e de seus pais, todos tendo sido ouvidos, constando da respectiva acta que a progenitora pediu a palavra e requereu que o requerido/progenitor fosse condenado em indemnização a seu favor pelo incumprimento do regime de visitas.
Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de não fornecerem os autos “suficientes elementos donde se possa subsumir que é o pai que provoca o incumprimento “ , e, não dever ser aplicada multa por no requerimento inicial nada se referir nesta matéria.
Seguidamente, foi proferida decisão que conclui nos seguintes termos: “(…) condeno o progenitor alienador a pagar à progenitora alienada uma indemnização no valor de € 5000,00, como forma de compensação pelo elevado dano moral que lhe infligiu, mercê de todo o processo de “adoutrinamento” que levou a cabo junto da menor, até alcançar como alcançou a total destruição dos vínculos afectivos entre a menor e a progenitora alienada, conforme é amplamente documentado pelo relatório pericial realizado.”
Inconformado veio o requerido interpor recurso de apelação da decisão proferida.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes conclusões:
1. A sentença exarada é nula por não especificar os fundamentos de facto de direito que a justificam, limitando-se, a decalque do vertido no relatório de perícia psicológica, expor as características da síndrome de alienação parental - violação do imperativo legal constante do art. 668° n.º 1 al. b) do C P. C.
2. A sentença exarada é, ainda, nula pelo respectivo fundamento estar em oposição com a decisão, já que o citado relatório pericial tido como fundamento da sentença, pelo seu teor, impõe decisão oposta àquela - violação do imperativo legal constante do art. 668° n.º 1 al. c) do C P. C.
3. Sem prescindir, o Tribunal “ a quo" errou na apreciação da prova produzida designadamente quanto a interpretação do teor do próprio relatório pericial, não relevando todos comportamentos adoptados pela Recorrida Maria Isaura que contribuíram para o seu afastamento da menor, não verificando a inexistência elementos suficientes donde se possa subsumir que é o pai, exclusivamente, quem provoca o incumprimento do regime de visitas.
4. Não pode ter lugar a condenação do Recorrente em indemnização na medida em que não foram sequer alegados quaisquer danos - violação do princípio dispositivo constante do art. 264º do C. P. C.
5. Não obstante, a sentença exarada condenou o Recorrente ao pagamento de indemnização em montante manifestamente exagerado na medida em que não se harmoniza com o disposto no art.s 494º e 496º do Código Civil por não levar em consideração as circunstâncias do caso concreto.

Não foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- nulidade de sentença nos termos do disposto no art.º 668º-n.º1-alínea.b) e c) do Código de Processo Civil.
- errada valoração da prova
- impossibilidade de condenação do recorrente em indemnização por falta de invocação de factos por parte da recorrida, ocorrendo violação do disposto no art.º 264º do Código de Processo Civil
- desajustado valor da indemnização fixada de acordo com os critérios de equidade consignados nos art.º 494º e 496º do Código de Processo Civil.

Fundamentação.
I. Os factos a atender na decisão do presente recurso são os constantes do relatório supra, não tendo sido fixada matéria de facto na decisão proferida.
II. Vem o recorrente invocar a nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º 668º-n.º1-alínea. b) e c) do Código de Processo Civil, alegando que não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que a justificam, limitando-se, a decalque do vertido no relatório de perícia psicológica, expor as características da síndrome de alienação parental, e, ainda, por o respectivo fundamento estar em oposição com a decisão, já que o citado relatório pericial tido como fundamento da sentença, pelo seu teor, impõe decisão oposta àquela.
Nos termos do disposto no art.º 668º-n.º1, é nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ( alínea b) ) , ou, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ( alínea c) ).
Atento o teor da decisão recorrida e os preceitos legais aplicáveis, e, ainda, com referência ao caso sub judice, atento o disposto nos art.º 158º e 659º-n.º2 do Código de Processo Civil, mostra-se procedente a invocada nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e de direito da mesma, consignada no citado art.º 668º-n.º1-alínea.b), sendo a obrigatoriedade de fundamentação da decisão imposta por lei nos termos dos preceitos legais supra indicados, dos quais decorre que na elaboração da sentença, bem como dos despachos, deve o juiz discriminar de forma especificada os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Na decisão recorrida a Mª Juiz “ a quo “ remeteu-se para uma decisão meramente conclusiva, não fixando quais os factos em que baseia a decisão, de entre os factos alegados pela requerente no requerimento inicial, ou dos que oficiosamente poderia conhecer, ou investigar, nos termos conjugados dos art.º 264º e 1409º do Código de Processo Civil, remetendo-se para uma indicação meramente parcial do teor do relatório da perícia realizada à menor, não procedendo, ainda, à fundamentação de direito da decisão, não indicado a Mª Juiz “ a quo “ as normas jurídicas em que baseia a decisão.
A decisão é assim nula, nos termos do indicado artº 668º-n.º1-alínea.b) do Código de Processo Civil.
Não ocorre, porém, a causa de nulidade prevista na alínea.c) do indicado preceito pois que a indicada e verificada apreciação e valoração parcial do texto do relatório de perícia não é causa de contradição nos termos em que a lei prevê, respeitando já tal valoração á forma de apreciação da prova.
Sendo nula a sentença não deixará este Tribunal de conhecer do objecto da apelação, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 715º do Código de Processo Civil.
No tocante à decisão proferida invoca o apelante ter ocorrido errada valoração da prova e a impossibilidade de condenação do recorrente em indemnização por falta de invocação de factos por parte da recorrida, ocorrendo violação do disposto no art.º 264º do Código de Processo Civil, mais defendendo ser desajustado valor da indemnização fixada de acordo com os critérios de equidade consignados nos art.º 494º e 496º do Código de Processo Civil.
E, cremos ter totalmente razão o recorrente, procedendo os alegados fundamentos da apelação.
Com efeito, como se constata e expressamente decorre do teor da decisão recorrida, a Mª Juiz “ a quo “ fundamentou a decisão condenatória proferida, no essencial, no teor do relatório de avaliação psicológica realizado à menor, dizendo em tal decisão : “(…) condeno o progenitor alienador a pagar à progenitora alienada uma indemnização no valor de € 5000,00, como forma de compensação pelo elevado dano moral que lhe infligiu, mercê de todo o processo de “adoutrinamento” que levou a cabo junto da menor, até alcançar como alcançou a total destruição dos vínculos afectivos entre a menor e a progenitora alienada, conforme é amplamente documentado pelo relatório pericial realizado.”
Atento o teor do indicado relatório pericial, na sua globalidade e conclusões do mesmo constantes, verifica-se, porém, ocorrer manifesto erro de valoração e interpretação do mesmo por parte da Mª Juiz julgadora, fundamentando a decisão em meras frases soltas e descontextualizadas de tal relatório, não se podendo, por forma alguma, manifestamente, retirar do mesmo as “definitivas e indubitáveis” conclusões alcançadas pelo tribunal de 1ª instância, nomeadamente, ser imputável à conduta do pai, em exclusivo ou com grande grau de responsabilidade, a causa de afastamento da menor relativamente à mãe, com manifesta ruptura dos laços de afectividade, nem se pode, igualmente, concluir, dos termos do indicado relatório de avaliação psicológica, ser a mãe isenta de qualquer culpa ou responsabilidade no processo de afastamento e ruptura que se mostra ocorrer, nem, pela mesma forma, ser-lhe tal ruptura imputável, exclusivamente.
O que resulta claro do indicado relatório é que a menor vem manifestando, ao longo dos anos, “ problemas de ansiedade – medo intenso, choro, pesadelos – face à antecipação dos contactos com a mãe, e, que o recurso a medidas estandardizadas corroborou a ausência de sintomatologia clínica na menor.
Com efeito, consta do indicado relatório : “ O presente relatório versa sobre a avaliação psicológica à menor Anabela, para fins de processo de incumprimento do Poder Paternal (…) ; a Anabela mostrou ser uma adolescente globalmente ajustada (…) mantendo um discurso coerente e lógico. A menor manifestou interesses diversificados ( piano, estudos, vida familiar ) e uma auto-imagem positiva (…) “ , concluindo o mesmo nos seguintes termos: “ A presente avaliação sugere-nos que a Anabela apresenta um desenvolvimento normativo, com um desempenho académico e social adequado à idade.
Parece-nos que a recusa da Anabela aos convívios com a mãe se deve ao facto daquela antecipar como afectivamente pobres e hostis tais contactos, sendo que, como se expôs, nem o progenitor está capaz de uma efectiva motivação da menor para os mesmos, nem a progenitora de passar de forma construtiva a sua mensagem de amor e preocupação, alicerçando a postura evitante de Anabela.
Resta acrescentar que não foram evidentes, à presente perícia, motivos que justifiquem a ausência de contactos com a progenitora e a família materna, ainda que, como se compreenderá, não possa a reconstrução de laços afectivos operar-se por meio de decisão judicial.
Como tal, caso o Tribunal decida pela promoção das visitas, somos de parecer que as mesmas sejam monitorizadas e acompanhadas por técnicos competentes, que securizem a menor e orientem a progenitora nas futuras interacções. Além disso, sugerimos que estas ocorram sem a presença de elementos do agregado paterno, dado o clima de intenso conflito que caracteriza a relação entre Isaura, Paulo e a sua esposa.”
A leitura do indicado relatório de avaliação psicológica leva-nos, necessariamente, a concluir, inexistirem suficientes elementos que permitam fundamentar as reais razões que determinaram a ruptura dos laços de afectividade entre a menor e sua mãe, sendo certo que tal ruptura existe, de forma manifesta, e perdura há já vários anos, com reflexos muito negativos na estabilidade emocional da menor, competindo ao Tribunal adoptar medidas que salvaguardem e, de forma absoluta, protejam os superiores interesses e bem-estar psicológico da menor Anabela, nomeadamente, e ao que ao caso importa, no restabelecimento dos contactos com a progenitora, em termos que se possam vir a mostrar benéficos e vantajosos para a menor.
Nestes termos se conclui não poder a decisão condenatória recorrida subsistir.
Por outro lado, a requerente não formulou no requerimento inicial dos autos de Incumprimento pedido de condenação do requerido em indemnização a seu favor, nos termos do art.º 181º-n.º1 da OTM, como se lhe impunha, nos termos do citado preceito legal, mas tão só em sede de Conferência de Pais, não se submetendo tal pedido da parte a contraditório e instrução, sendo certo, ainda, que nenhuma factualidade foi sequer invocada que tal pedido baseasse, com frontal violação dos art.º 264º do Código de Processo Civil e art.º 181º da OTM.
Com efeito, incumbindo às partes o ónus de alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir e formular os pedidos respectivos, nos termos do n.º1 do art.º 264º e 467º do Código de Processo Civil, em obediência ao princípio do dispositivo, incumbe ao progenitor que fizer uso do incidente de incumprimento previsto no art.º 181º da OTM, requerer, no requerimento inicial, a condenação do remisso em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos, sendo que, nos termos do n.º 2 e sgs. do citado artigo, segue a tramitação do incidente, sendo os pedidos assim formulados submetidos à possibilidade de contraditório pela outra parte e instrução, pedra basilar de defesa dos direitos de todas as partes em litigio… e que no caso não foram salvaguardados.
Não pode, assim, também por estas razões, subsistir a condenação proferida.
A decisão recorrida de condenação do requerido a pagar “ (…) à progenitora alienada uma indemnização no valor de € 5000,00, como forma de compensação pelo elevado dano moral que lhe infligiu (…) “, mostra-se, assim, totalmente desajustada e infundada, de facto e de direito, devendo ser revogada, desta forma procedendo a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, e pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrida.