Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1487/10.9TAGMR-B.G1
Relator: ISABEL FERREIRA DE CASTRO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ARGUIDO JULGADO NA AUSÊNCIA
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A impossibilidade de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência a que alude a al. d) do n.º 1 do artigo 120º do Código Penal constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal desde o momento da realização da audiência e respetiva leitura da sentença a que aquele devia ter comparecido e faltou e, não tendo limite máximo estabelecido na lei, vigora até se concretizar a predita notificação.
2. O facto complexo que substancia tal causa de suspensão emerge, necessariamente, de um comportamento omissivo culposo do arguido que, tendo prestado termo de identidade e residência com as legais advertências, notificado para comparecer em julgamento, falta injustificadamente, legitimando a realização da audiência na sua ausência e tornando exigível a sua notificação pessoal da sentença, em conformidade com o preceituado nos artigos 333º, n.º 2, e 333º, n.º 5, ambos do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. - RELATÓRIO

1. No processo comum que, sob o n.º 1487/10...., corre termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho judicial em 08.11.2023, mediante o qual se decidiu indeferir o requerimento formulado pelo arguido, AA, no sentido de ser declarado prescrito o procedimento criminal e, ainda, condená-lo em 1 (uma) UC de taxa de justiça pelo incidente suscitado.
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, sendo a respetiva motivação rematada pelas seguintes conclusões e petitório [transcrição[1]]:
«1.ª Tendo o arguido nos autos sido acusado da prática, no dia 30 de Junho de 2012, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto pelo disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e ali punido com pena de “prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”, e sendo de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 118.º, do Código Penal, os quais começaram a correr daquela data, de 30 de Junho de 2012, nos termos do n.º 1, do artigo 119.º, do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal completar-se-ia no dia 30 de Junho de 2017.
2.ª Tendo o arguido nos autos sido declarado contumaz no dia 7 de Março de 2014, isso suspendeu e interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal, dali se contando um novo prazo de cinco anos – nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 121.º, do Código Penal –, sendo certo que o termo inicial ficou suspenso até à cessação da contumácia – nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 120.º, do Código Penal –, o que veio a ocorrer com a constituição de arguido, no dia 27 de Março de 2014, razão por que ali começou a correr um novo prazo de prescrição do procedimento criminal que terminaria, por isso, no dia 27 de Março de 2019.
3.ª Tendo o arguido nos autos sido notificado da acusação e constituído arguido no dia 27 de Março de 2014, o prazo de prescrição suspendeu-se, por três anos – nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1 e do n.º 2, ambos do artigo 120.º, do Código Penal –, até 27 de Março de 2017, após o que passou a correr um novo prazo de cinco anos – nos termos do disposto nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 121.º, do Código Penal –, que se completaram em 27 de Março de 2022.
4.ª Para que opere a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal a que se refere a alínea d), do artigo 120.º, do Código Penal, ou seja, para que opere a suspensão daquele prazo enquanto que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, deve a suspensão ser declarada no processo, por decisão judicial que, apreciando os motivos da falta da notificação da sentença ao arguido, conclua pela imputabilidade disso ao arguido, bem como pela culpa dele, por lhe ser exigível um comportamento diverso, sendo esse despacho que marcará o termo inicial dessa suspensão – conclusão adaptada do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Novembro de 2011, disponível no portal [www.dgsi.pt], com a referência Processo 372/04.8PAOVR.P1.
5.ª Essa apreciação não pode ser substituída pela indicação, feita por qualquer órgão de policia criminal incumbido de notificar a sentença ao arguido, de que não o conseguiu notificar na morada dele, com indicação do motivo, como foi nos autos, com a indicação de que teria emigrado.
6.ª Não operando, pelo que vimos de concluir, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal por falta de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência – porque nada indica que a notificação da sentença tenha sido impossível por culpa do próprio arguido, o que, de todo o modo, não bastaria, pois que para tal sempre seria necessário que por despacho proferido no processo, tendo por base uma qualquer promoção do Ministério Público ou oficiosamente, em que fosse feita a invocação de factos concretos de que resultasse a impossibilidade de notificação e a culpa do arguido, isso fosse declarado, o que não ocorreu – deve ser declarada a prescrição do procedimento criminal por referência à data de 27 de Março de 2022.
7.ª A invocação, feita pelo arguido, de que ocorreu a prescrição do procedimento criminal, para mais se for a primeira vez e fundamentada, não deve ser tributada em custas, por não constituir um incidente tipificado na lei processual penal ou nas leis das custas processuais e por não constituir também um incidente anómalo, antes a verificação da prescrição do procedimento criminal constitui um dever de oficio.
8.ª A decisão recorrida violou, pelo que vem de dizer-se, o disposto na alínea d), do artigo 120.º, do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue prescrito o procedimento criminal, com as legais consequências.»
3. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso.
4. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em idêntico sentido, concluindo que o recurso não deve obter provimento.
5. Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao predito parecer.
6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
*
II. – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso
1.1. Constitui entendimento pacífico que, em matéria de recurso, é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, nas quais sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), que se delimita o objeto do mesmo e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal ad quem[2].
1.2- Assim, no caso concreto, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, e não se vislumbrando quaisquer [outros] vícios de conhecimento oficioso, as questões a apreciar e a decidir residem em saber se:
- O procedimento criminal se encontra prescrito;
- O indeferimento do requerimento formulado pelo arguido deve ser tributado em taxa de justiça.

2. - Incidências processuais relevantes para a apreciação das enunciadas questões:
2.1- Em 17.01.2013, foi deduzida acusação contra o arguido, ora recorrente, pela prática, em 30.06.2012, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro;
2.2- Não tendo sido possível notificar o arguido da acusação e da data designada para realização da audiência de julgamento, foi declarado contumaz em 07-03-2014 (fls. 146 do referido apenso A).
2.3- Em 27-03-2014, o arguido apresentou-se em juízo, tendo sido constituído como tal, prestou termo de identidade e residência e foi notificado da acusação (fls. 156/159);
2.4- Em 01.04.2014 foi declarada a cessação da contumácia (cfr. fls. 161 do apenso);
2.5- Designada data para realização da audiência de julgamento (17-12-2014), o arguido faltou, apesar de regularmente notificado para a morada do termo de identidade e residência que indicou, pelo que se procedeu àquela na sua ausência, nos termos previstos no artigo 333º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
2.6- Na sessão da audiência de julgamento designada para 16-01-2015, para a qual o arguido foi, igualmente, devidamente notificado, foi proferida sentença, mediante a qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, correspondente 48 períodos.
2.7- Tendo sido determinada a notificação pessoal do arguido da sentença, nos termos do disposto no artigo 333º, n.º 5, do Código de Processo Penal, através de órgão de polícia criminal, veio este, em 12-04-2015 (fls. 397), certificar não ter procedido à notificação da sentença ao arguido por o mesmo, segundo informações, estar a residir em ..., sendo desconhecido o seu concreto paradeiro.
2.8- Desde aquela data, foram realizadas várias tentativas, conforme bem espelham os autos, de notificação da sentença ao arguido, designadamente através de carta rogatória dirigida às autoridades francesas, que se revelou igualmente infrutífera, já que nem estas têm conhecimento do seu paradeiro.
2.9- Por requerimento formulado em 20.10.2023, nos termos e pelos fundamentos que do mesmo constam, o arguido requereu que fosse declarado prescrito o procedimento criminal pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal.
2.10- Em 08.11.2023, após ser dada oportunidade ao Ministério Público de exercer o contraditório, foi proferido o despacho judicial alvo de recurso, que de seguida se transcreve:
«O arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, correspondente 48 períodos.
A sentença condenatória data de 30-01-2015, mas ainda não foi notificada ao arguido, que se encontra em paradeiro incerto.
Vem agora o arguido invocar a prescrição do procedimento criminal através do requerimento de fls. 593/596.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de o procedimento criminal ainda não se encontra prescrito.
Cumpre apreciar e decidir:
Conforme referido, o arguido foi acusado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, tendo a sentença condenatória sido proferida em 30-01-2015, mas ainda não foi notificada ao arguido, que se encontra em paradeiro incerto.
Os factos datam de 30-06-2012.
Porque não foi possível notificar o arguido da acusação e da data designada para realização da audiência de julgamento, foi declarado contumaz a 07-03-2014 (fls. 146, do apenso A).
Contudo, logo em 27-03-2014, o arguido apresentou-se em juízo e prestou TIR, tendo sido notificado da acusação (fls. 156/159).
Designada data para realização da audiência de julgamento (17-12-2014), a que o arguido faltou, apesar de regularmente notificado, procedeu-se à mesma, na sua ausência, tendo então sido proferida, em 16-01-2015 (fls. 346) decisão condenatória, ainda não notificada ao arguido.
Atendendo à moldura pena do crime, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 118º do Código Penal, contando-se este prazo a partir da data em que o facto ilícito se consumou, atento o disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal.
Dispõe a artigo 120º, do Código Penal
“1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”
Ora, das causas da suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a que nos interessa, para a economia da presente questão, é a prevista no nº 1, alínea d), do citado artigo.
Conforme já referido o arguido foi julgado na ausência, na medida em que, apesar deV regularmente notificado, não compareceu à audiência, impondo-se, conforme dispõe o artigo 333º, nº 5, do CPP, a notificação pessoal da sentença.
Assim, a 12-04-2015 (fls. 397), a GNR certificou não ter procedido à notificação da sentença ao arguido, por o mesmo estar a residir em .... Desde aquela data, foram realizadas várias tentativas, conforme bem espelham os autos, de notificação da sentença ao arguido, designadamente através de carta rogatória dirigida às autoridades francesas, que se revelou igualmente infrutífera, já que nem estas têm conhecimento do seu paradeiro.
Por ser assim, temos que concluir que o arguido, apesar de ter prestado TIR nos autos, sabendo da pendência deste processo, tem adoptado uma postura de evitar qualquer contacto com o tribunal, designadamente para eventual notificação da sentença, a qual ainda não ocorreu por facto que lhe é imputável.
Assim, considerando a data da prática dos factos, bem como a data da sentença condenatória e a data da certificação da impossibilidade da sua notificação ao arguido, momento a partir do qual se suspende o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do citado artigo 120º, nº 1, alínea d), do Código Penal, cuja causa de suspensão não tem prazo máximo, é manifesto que o procedimento criminal não se encontra prescrito.
Assim sendo, indefere-se o requerido.
Notifique.
Fixa-se em 1 UC a taxa de justiça a cargo do arguido, pelo incidente suscitado».

3. - Apreciação do recurso, tendo em perspetiva as supra enunciadas questões:

- O procedimento criminal encontra-se prescrito?
A questão central do presente recurso prende-se com a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de condução sem habilitação legal.
Em termos penais, a prescrição é a cessação da punibilidade do agente em função do decurso do tempo, sendo nessa perspetiva um «pressuposto negativo da punição»[3] que determina a sua impossibilidade, decorrido que se mostre certo lapso de tempo.
Sem que nos detenhamos quanto à sua justificação e teleologia, convocamos aqui as palavras de Figueiredo Dias[4]:
«A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva (…). Por um lado, a censura comunitária (…) esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer» pelo «mero decurso do tempo». Por outro lado, as exigências de prevenção especial (…) tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos (…). Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitária, já apaziguadas ou definitivamente frustradas».
«Também do ponto de vista processual (…), o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo (…) na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários».
Num Estado de Direito democrático como o nosso, o quadro constitucional assume-se como uma referência fundamental na aplicação e imposição de sanções penais. Estas são justificadas por necessidades preventivas – gerais, enquanto prevenção positiva no reforço da validade da norma penal e de efetivação da tutela dos bens jurídicos concretamente violados; e especiais, tendo em perspetiva a reintegração social do agente – decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana, pedra angular do sistema de valores ético jurídicos estruturantes de um Estado de Direito.
Como assinala Pedro Filipe Gama da Silva[5], «A intervenção penal – que usa das armas mais violentas de que o Estado é detentor sobre os cidadãos – é (e tem de ser) pautada pelo respeito por tais valores constitucionais. A manifestação mais clara desse poder ocorre na aplicação de uma pena criminal. A este nível existe um mandado constitucional claro de não aplicação de penas desnecessárias, isto significa que, a partir do momento em que uma pena, abstratamente prevista para um determinado comportamento criminal, se torne desnecessária e ineficaz, a sua aplicação atenta contra a dignidade da pessoa humana, o que vale, quanto a nós, para toda a intervenção penal».
Daí que, como reconhece o próprio legislador na Exposição de motivos da Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, «a prescrição penal corresponde a uma autolimitação do exercício do poder punitivo do Estado e encontra a sua razão de ser no não exercício, em tempo útil, do direito-dever de perseguir criminalmente o agente de um crime ou de executar uma pena sobre quem tenha sido condenado, numa ideia geral de paz jurídica constituída pelo decurso do tempo».
Mediante o instituto da prescrição procura-se, assim, a conciliação entre o interesse público na perseguição do ilícito [penal] e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição das consequências [penais] do facto praticado, de modo a que possa alcançar a paz jurídica individual.
Tal instituto compreende, assim, a prescrição do procedimento criminal e a prescrição da pena. Em ambos os casos estamos perante um pressuposto negativo de punibilidade – no primeiro caso, a ocorrência de prescrição impede, sem mais, o prosseguimento do processo; no segundo caso, a prescrição obsta à execução da pena em que o agente foi condenado.
O trânsito em julgado da decisão constitui a fronteira entre aquelas duas formas de prescrição. Na esteira de Jeschek, diz, a este respeito, Figueiredo Dias[6]: «Pode (…) afirmar-se, com inteira justiça, que as duas espécies de prescrição se justapõem, no sentido de que (por estranho que tal à primeira vista possa parecer) uma delas começa no preciso momento em que a outra termina, isto é, com o trânsito em julgado da decisão».

No caso vertente, não ainda tendo ocorrido o trânsito em julgado da sentença – que nem sequer foi notificada ao arguido –, estamos no domínio da prescrição do procedimento criminal.
Está imputada ao arguido a prática, em 30.06.2012, de um crime de emissão de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Ao procedimento criminal por tal crime corresponde o prazo prescricional de 5 anos, a contar desde a data da consumação do respetivo facto, ou seja, 30.06.2012, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.º 1, al. c), e n.º 4, e 119º, n.º 1, do Código Penal, que assim dispõem:

Artigo 118º - Prazos de prescrição
1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
(…)
c) 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos;
(…)
4 - Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeito do disposto neste artigo.
Artigo 119º - Início do prazo
1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
(…)»

Todavia, há que ter em atenção as causas de suspensão e de interrupção dos prazos de prescrição do procedimento criminal especificamente previstas nos artigos 120º e 121º do Código Penal.
No que respeita à suspensão da prescrição do procedimento, estatuía o artigo 120º do Código Penal, na redação aplicável ao caso [dada pela Lei n.º 65/98, de 15 de março], atenta a temporalidade dos factos [cfr. artigo 2.º, n.º 1]:
“1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”

Relativamente à interrupção da prescrição, estabelece o artigo 121º do Código Penal:
“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia.
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.”

A interrupção da prescrição tem como efeito a inutilização do prazo que se iniciou com a prática da infração, começando a correr um novo prazo de prescrição no dia em que se produz o ato interruptivo; já a suspensão da prescrição não inutiliza o prazo que estava em curso até à ocorrência de uma causa de suspensão – neste caso, o prazo deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a correr a partir daí[7].
Da conjugação das transcritas disposições legais resulta que, em face da concreta duração temporal de uma, ou várias, das sobreditas causas de suspensão que ocorra, ou ocorram, relativamente à contagem daquele prazo e sem que a sua ocorrência inutilize o prazo até então decorrido, há sempre que atentar que, descontando os períodos de suspensão – com os limites temporais definidos na lei quanto a alguns deles –, a duração temporal máxima de um procedimento criminal nunca poderá perfazer o tempo correspondente ao seu prazo prescricional acrescido de metade do mesmo – independentemente da existência de qualquer interrupção – e, por isso, se tal suceder, torna-se inútil aferir da existência, ou não, de causas interruptivas com a inerente contagem sempre desde o início.
No caso vertente, verificam-se causas de suspensão e de interrupção da prescrição.
O prazo máximo de prescrição do procedimento criminal, em conformidade com o estabelecido no artigo 121º, n.º 3, do Código Penal, é, in casu, de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses [5 anos + 2 anos e 6 meses].
Porém, que há que descontar os períodos de suspensão da contagem desse prazo, correspondentes ao tempo de vigência da contumácia [al. c) do n.º 1 do artigo 120º] e ao tempo durante o qual se vem tentando a notificação da sentença ao arguido julgado na ausência, que se encontra em curso porquanto ainda não se logrou alcançar tal desiderato [al. d) do n.º 1 do artigo 120º].
Note-se que, ao contrário do que sucede com a contumácia – cuja suspensão não pode, atualmente, ultrapassar o prazo normal de prescrição [cfr. n.º 3 do artigo 120º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21.02], ou seja, in casu, 5 anos –, a suspensão pelo tempo em que não foi possível notificar a sentença ao arguido não tinha [na transcrita redação], nem tem [na atual redação], qualquer limite temporal, vigorando enquanto persistir tal circunstancialismo.
E é precisamente quanto a esta última causa de suspensão que o arguido/recorrente diverge do despacho recorrido, não propriamente quanto à questão da (i)limitação do prazo, mas, antes, quanto à questão da (des)necessidade de declaração judicial de verificação efetiva de tal causa e início da mesma.
Em síntese, sustenta o recorrente: para que opere a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal a que se refere a alínea d), do artigo 120.º, do Código Penal, ou seja, enquanto a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, deve a suspensão ser declarada no processo, por decisão judicial que, apreciando os motivos da falta da notificação da sentença ao arguido, conclua pela imputabilidade disso ao arguido, bem como pela culpa dele, por lhe ser exigível um comportamento diverso, sendo esse despacho que marcará o termo inicial dessa suspensão; essa apreciação não pode ser substituída pela indicação, feita por qualquer órgão de polícia criminal incumbido de notificar a sentença ao arguido, de que não o conseguiu notificar na morada dele, com indicação do motivo, como foi nos autos, com a indicação de que teria emigrado; não operando, assim, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal por falta de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência – porque nada indica que a notificação da sentença tenha sido impossível por culpa do próprio arguido, o que, de todo o modo, não bastaria, pois que para tal sempre seria necessário que por despacho proferido no processo, tendo por base uma qualquer promoção do Ministério Público ou oficiosamente, em que fosse feita a invocação de factos concretos de que resultasse a impossibilidade de notificação e a culpa do arguido, isso fosse declarado, o que não ocorreu – deve ser declarada a prescrição do procedimento criminal por referência à data de 27 de março de 2022.
Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, a expressão normativa é clara e inequívoca – a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência –, não resultando da mesma a exigência de qualquer declaração judicial no processo que, apreciando os motivos, conclua que é imputável àquele, definindo o marco inicial dessa causa suspensiva da prescrição.
Na verdade, tal causa de suspensão não tem limite máximo estabelecido na lei, vigorando enquanto não cessa o facto suspensivo, pelo que o procedimento criminal em causa também não prescreve enquanto não for possível a notificação da sentença ao arguido julgado na ausência, o que é determinado, em essência, precisamente, pela circunstância de aquele obstar culposamente à consecução de tal ato processual essencial.
Os termos em que opera a sobredita causa de suspensão estão intimamente relacionados com a caraterização do próprio facto suspensivo, sendo a impossibilidade de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência devida a facto a este imputável, pois, em apertada síntese, apenas pode ser julgado na ausência se prestou termo de identidade e residência, com as legais advertências, e foi devidamente notificado da data de realização da audiência de julgamento, a que faltou injustificadamente.
Assim, o facto complexo que substancia a causa de suspensão em análise emerge, necessariamente, de um comportamento omissivo do arguido que, notificado para comparecer em julgamento, falta injustificadamente, legitimando a realização da audiência na sua ausência e, consequentemente, com esse seu comportamento, inviabiliza a prossecução do procedimento criminal frustrando a vontade do Estado de conduzir o processo até à prolação de decisão e trânsito em julgado da mesma, que pressupõe a sua notificação pessoal.
Para melhor compreensão do que está na génese desta causa de suspensão e os concretos contornos da mesma, atentemos no seguinte:
Na redação dada pelo DL n.º 48/95, de 15 de março, apenas a causa de suspensão prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 120º tinha um limite temporal [de 3 anos].
Através da Lei n.º 19/2013, de 21.02, o legislador acrescentou uma nova causa de suspensão da prescrição – a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado –, que passou a figurar sob a al. f) do n.º 1, do artigo 120º, e introduziu, sob os n.ºs 3, 4 e 5, do sobredito artigo, limitações ao período de tempo em que as causas de suspensão previstas nas alíneas c) e e) do n.º 1 do mesmo preceito, consignando a elevação de prazos para o dobro quando houver recursos para o Tribunal Constitucional, permanecendo, assim, sem limite temporal apenas as circunstâncias previstas nas als. a), d) e f) do referido n.º 1.
Naturalmente, mediante tais alterações legislativas, o legislador ponderou os interesses em equação e introduziu a solução que entendeu mais adequada, sendo evidente que não quis favorecer os arguidos que, tendo sido julgados na sua ausência, se colocam em situação que inviabiliza que lhes seja notificada pessoalmente a sentença, em conformidade com o exigido pelo artigo 333º, n.º 5, do Código de Processo Penal, o que bem se compreende à luz dos critérios que presidem às decisões de política criminal que foram sendo sucessivamente adotados visando eliminar causas crónicas de entropia e promover a agilização processual.
Assim, com a Lei n.º 59/98, de 25.08, e, sobretudo, com o DL n.º 320-C/2000, de 15.12, o legislador procedeu a uma reforma profunda do julgamento na ausência do arguido, mantendo o princípio da obrigatoriedade da sua presença em audiência, mas conferindo a essa presença mais o caráter de direito do que de obrigação, podendo, portanto, o tribunal realizar o julgamento na sua ausência, desde que considere que a presença dele não é absolutamente indispensável  e, naturalmente, que o mesmo esteja regularmente notificado para o efeito.
Na verdade, logo que constituído como tal, o arguido presta termo de identidade e residência, ficando notificado de que poderá ser julgado na sua ausência [artigos 196º, n.º 3, d), e 333º do Código de Processo Penal], devendo, ademais, aquele e o respetivo defensor serem notificados do despacho que designa dia para a audiência de julgamento com determinada antecedência [artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, este último na redação do Decreto-lei n.º 320-C/2000].
Esta notificação do arguido é feita mediante via postal simples quando tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que o ouvir no inquérito ou na instrução e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta registada [artigo 313.º, n.º 3, do CPP, na redação do Decreto-lei n.º 320-C/2000]. Quando o arguido é sujeito a termo de identidade e residência indica a sua residência, local de trabalho ou outro local à escolha para efeito de ser notificado mediante via postal simples, e fica, desde então, obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova morada ou o lugar onde possa ser encontrado [artigo 196.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea b), do CPP, na redação do Decreto-lei n.º 320-C/2000]. O arguido é, ainda, avisado nesse ato de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada por ele indicada, exceto se ele vier a comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termo (artigo 196.º, n.º 3, c), do CPP, na redação do Decreto-lei n.º 320-C/2000). E sempre que a notificação do arguido é efetuada por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviado e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação [artigo 113.º, n.º 3, do CPP, na redação do Decreto-lei n.º 320-C/2000].
Por conseguinte, foi estabelecido um quadro legal muito claro quanto ao circunstancialismo em que poderia ocorrer o julgamento na ausência do arguido, que pressupõe um comportamento omissivo deste, apesar de devidamente informado a esse respeito.
Ora, a imposição legal de um período máximo para o Estado exercer o ius puniendi tem como contraponto a inexigibilidade punitiva nas situações de inércia ou ineficiência do sistema judicial, não encontrando justificação nos casos em que, por causa imputável ao arguido, aquele fica impossibilitado de assegurar a tutela dos bens jurídicos violados e a estabilização das expectativas comunitárias, atribuições que sobre si impendem. Como se afirma na exposição de motivos da proposta de lei n.º 75/XII, «O decurso do tempo, que constitui a essência do instituto da prescrição não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado e as exigências de punição são confirmadas através de certos atos de perseguição criminal», de que são exemplo, acrescentamos nós, o julgamento do arguido, regularmente notificado, na sua ausência e as subsequentes tentativas de notificação pessoal da sentença proferida ao mesmo.
A esta luz bem se compreende que à suspensão da prescrição prevista na alínea d) – enquanto a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência – não tenha sido imposto qualquer limite temporal, mantendo-se enquanto o arguido não for localizado e concretizada a sua notificação pessoal.
Assim o entende Paulo Pinto de Albuquerque[8] quando afirma que «nos casos das alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 120.º, não há prazo máximo para a suspensão de prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, em face do artigo 2.º da CRP, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido».
Na realidade, o Tribunal Constitucional pronunciou-se a respeito da constitucionalidade do sentido normativo do artigo 120º, n.º 1, al. d), do Código Penal nos acórdãos.º 366/2018 e n.º 492/2021[9], tendo decidido de forma idêntica em ambos os casos, transcrevendo-se excerto decisório do primeiro – «não julgar inconstitucional a norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, interpretada no sentido de que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, por causa que lhe possa ser imputável, sem limite temporal máximo para essa suspensão».
E como deflui da fundamentação de tais acórdãos, a impossibilidade de notificação da sentença ao arguido julgado na ausência constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal desde o momento da realização da audiência e respetiva leitura da sentença a que aquele devia ter comparecido e faltou.
Com efeito, foi aí que se iniciou o comportamento omissivo do arguido determinante da necessidade de notificação pessoal da sentença, independentemente das sucessivas diligências encetadas, dos meios empregues e das entidades envolvidas para o efeito.
Como tal, a impossibilidade de notificação do arguido decorre, necessariamente, da circunstância de este, apesar de devidamente notificado e legalmente advertido das consequências, faltar injustificadamente à audiência e de se colocar numa situação que inviabiliza a sua notificação pessoal apesar das diversas tentativas para o efeito encetadas pelo tribunal.
Ipso facto, a causa de suspensão prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 120º do Código Penal emerge de facto processual complexo, que se encontra documentado, revestindo natureza objetiva, não carecendo, por isso, de qualquer declaração judicial com o conteúdo propugnado pelo recorrente, nomeadamente com vista a determinar o início do respetivo prazo.
Volvendo ao caso em apreço, resulta dos autos que, apesar de ter prestado termo de identidade e residência em 27.03.2014 e de ter sido regularmente notificado – para a morada que ali indicou – da data que foi designada para a realização da audiência de julgamento – 17.12.2014 –, o arguido não compareceu e não comunicou nem justificou a falta, razão pela qual foi julgado na ausência, nos termos previstos no artigo 333º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. Por não ter estado presente na sessão em que ocorreu a leitura da sentença – que mais não é do que a continuação daquela em que se iniciou a audiência de julgamento, que é una e contínua, sem prejuízo das interrupções que se imponham [cfr. artigo 328º do Código de Processo Penal], e para a qual estava, igualmente, devidamente notificado e a que faltou injustificadamente –, impunha-se a sua notificação pessoal nos termos do artigo 333º, n.º 5, do Código de Processo Penal. Todavia, o arguido inviabilizou a consecução de tal notificação, uma vez que, violando as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, se ausentou da morada que aí indicou, não indicando nova morada, obrigando o tribunal à realização de sucessivas diligências com vista a determinar o seu paradeiro e subsequente notificação – incluindo a expedição, para o efeito, de carta rogatória, meio consabidamente moroso –, que se revelaram infrutíferas.
Afigura-se-nos, pois, que, in casu, a impossibilidade de notificação da sentença, por motivos imputáveis exclusivamente ao arguido, iniciou-se na data em que não compareceu na sessão da audiência de julgamento em que se procedeu à leitura daquela.
Ante o exposto, o período de suspensão correspondente ao da vigência da contumácia circunscreve-se a, apenas, 25 dias e o período de suspensão decorrente da impossibilidade de notificação da sentença iniciou-se na data da sessão da audiência de julgamento em que ocorreu a leitura da mesma – 16.01.2015 –, estando ainda em curso, sem qualquer limite temporal, persistindo enquanto não se lograr concretizar a predita notificação.
É, pois, evidente que o procedimento criminal não está prescrito, improcedendo esta questão recursiva.

- O indeferimento do requerimento do arguido deve ser tributado em taxa de justiça?
O recorrente discorda também da condenação em taxa de justiça, alegando, em suma, que a invocação efetuada por requerimento, de que ocorreu a prescrição do procedimento criminal, para mais sendo a primeira vez e fundamentada, não deve ser tributada em custas, por não constituir um incidente tipificado na lei processual penal ou nas leis das custas processuais e por não constituir também um incidente anómalo, antes constituindo um dever de oficio a verificação da prescrição do procedimento criminal.
O recorrente não especifica qual a norma jurídica violada, mas o despacho de que recorre também indica o preceito legal em que ancora a decisão de tributação do que considerou um incidente, limitando-se a determinar «Fixa-se em 1 UC a taxa de justiça a cargo do arguido, pelo incidente suscitado».
Vejamos.
Com absoluta pertinência para a questão que ora nos ocupa, escreve  o Conselheiro Salvador da Costa[10]:
«Tem vindo a ser discutido se nos incidentes em processo penal há ou não sujeição a taxa de justiça em termos similares aos suscitados no processo civil latu sensu.
Já foi decidido, por um lado, que a atividade processual anómala não é abrangida pela tributação própria do processo penal e que se enquadra no artigo 10.º do RCP [nota de rodapé 8: Ac. da RE, de 20.01.2015].
E por outroque o disposto nos artigos 524º do CPP e 8.º, n.º 7, se aplica no processo penal, e que os incidentes e procedimentos anómalos são tributados autonomamente nos parâmetros quantitativos da tabela II [nota de rodapé 9: Ac. da RC, de 16.11.2016 (204/14.9JAGRD.C1)].
É uma questão de solução difícil e duvidosa, além do mais, porque o RCP não contém preceito igual ou similar ao do artigo 84.º do CCJ, reportado à taxa de justiça devida em incidentes, questões legalmente configuradas como incidentes ou ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo tributáveis segundo os princípios relativos à condenação no pagamento de custas. Com efeito, neste âmbito, este Regulamento, na tabela III, só fixa a taxa de justiça devida nas reclamações e nos pedidos de retificação.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1º, o incidente é considerado processo autónomo, para efeitos deste Regulamento, desde que possa dar origem a tributação própria.
Além disso, como já dito, o artigo 524.º do CPP estabelece que o Regulamento, face ao CPP, é subsidiariamente aplicável. Isso significa a aplicabilidade do RCP, no que concerne aos incidentes em processo penal, do disposto no seu artigo 7º, n.º 4.
Acresce que a sujeição a taxa de justiça dos incidentes suscitados no âmbito da ação penal e a sujeição a taxa sancionatória quando o ato processual, incluindo o incidente, seja manifestamente improcedente, e o sujeito processual ou o interveniente não tenha agido com a prudência ou diligência devida ou exigível, não são realidades normativas incompatíveis, pela simples razão de que são diversos os respetivos pressupostos fáctico-jurídicos.
Perante este quadro, propendemos a considerar que os incidentes suscitados em processo penal estão sujeitos a tributação, pelo menos em taxa de justiça, e se regem pelas normas dos artigos 1.º, n.º 2, 7.º, n.º 4, do RCP e 524.º do CPP.»
No sentido propugnado pelo citado Conselheiro decidiu-se, também, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.03.2019, proferido no processo 171/16.4GASEI-A.C1, e deste Tribunal da Relação de Guimarães de 14.11.2023, proferido no processo 54/20.3IDVCT.G1, este último com o seguinte sumário:
«I. Incidente anómalo, capaz de justificar uma tributação autónoma, é aquele que é suscetível de consubstanciar uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, determinante de perturbação assinalável do normal andamento do processo, um desvio acentuado e injustificado à sua regular e adequada tramitação.
(…)
III. O indeferimento de um requerimento, por si só, não constitui circunstância suscetível de o catalogar como incidente anómalo, capaz de fazer desencadear a tributação decorrente do artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa».
Em sentido divergente – de que não pode ocorrer condenação do arguido em custas de incidente em processo penal ao abrigo do artigo 7º do RCP, mas tão somente em taxa sancionatória excecional se se mostrarem verificados os respetivos requisitos, nos termos dos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, artigo 531.º do CPC, e 10.º do RCP. –, decidiu-se nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.06.2023, proferido no proc. n.º 688/18.6IDPRT-A.P1, e de 03.04.2024, proferido no proc. n.º 266/05.0IDPRT-J.P1, este último com o seguinte sumário:
«I – Na vigência da redacção originária do artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido era responsável pelo pagamento de taxa de justiça, além do mais, quando ficasse vencido em incidente que requeresse ou a que fizesse oposição.
II – Porém, após a alteração de redacção introduzida a esse preceito pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, pelo qual foi aprovado o Regulamento das Custas Processuais (RCP), o arguido só é responsável por custas / taxa de justiça “quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.”
III – Além do teor literal inequívoco desta norma do CPP, a responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça por parte do arguido encontra-se regulamentada no artigo 8.º, n.º 9, do RCP, não sendo aplicável o disposto no artigo 8.º do mesmo Regulamento, o qual somente se reporta às acções de natureza cível e respectivos incidentes, não tendo o mesmo aplicação a “incidentes” ou “procedimentos” no âmbito do processo penal.
IV – Com a alteração da redacção daquela norma processual, o legislador reduziu substancialmente as situações em que o arguido é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, com o que pretendeu certamente não impedir ou limitar, através da aplicação de custas, o exercício dos direitos de defesa e ao recurso por parte do mesmo, bem como o pleno exercício do contraditório, todos com consagração constitucional (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa).
V – Desde então, deixou de haver fundamento legal para a condenação do arguido em custas de incidente que tenha requerido ou a que tenha feito oposição, não sendo, por isso, permitida tal penalização tributária.
VI – De igual modo, não é admitida a condenação como litigante de má-fé, pois que se trata de um instituto de natureza exclusivamente civilística, conforme previsto no artigo 542.º do Código de Processo Civil (CPC), sem aplicação subsidiária ao processo penal.
VII – Resta, assim, a possibilidade de condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 521.º, n.º 1, do CPP, com remissão para o artigo 531.º do CPC, a fixar pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, como previsto no artigo 10.º do RCP.
VIII - Contudo, tal sancionamento reveste natureza excepcional e pressupõe um despacho fundamentado do juiz, somente devendo ser aplicado quando a conduta do sujeito processual revelar, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras da prudência ou diligência que lhe eram exigíveis, contrariando ostensiva e injustificadamente a legalidade da marcha do processo, não sendo o mero exercício dos direitos de defesa, incluindo o recurso, por parte do arguido que podem motivar tal condenação, mesmo que os argumentos apresentados não colham minimamente».
Atentemos mais detalhadamente no quadro normativo em que se integra a questão.
A responsabilidade dos sujeitos processuais por custas encontra-se expressamente prevista nos artigos 513.º a 524.º do Código de Processo Penal, sendo aplicável o Código de Processo Civil, no que concerne à condenação no pagamento de taxa de justiça excecional e às custas relativas ao pedido de indemnização civil, conforme preveem os artigos 521º, n.º 1, e 523º, respetivamente, e, ainda, subsidiariamente, o Regulamento das Custas Processuais, por remissão do artigo 524.º.

Concretamente, no que tange à responsabilidade do arguido por custas e por encargos, regem os artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, respetivamente, dispondo o primeiro que ora releva:
“1 - Só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
2 - O arguido é condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo.
3 - A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
4 - A dispensa da pena não liberta o arguido da obrigação de pagar custas”.
A redação transcrita foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, pois na versão originária o citado preceito era do seguinte teor:
“1 - É devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1.ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição.
2 - O arguido é condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo.
3 - A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado dentro dos limites estabelecidos para o processo correspondente ao crime mais grave pelo qual o arguido for condenado.”
Como sobressai do cotejo de ambas as redações, foram suprimidos do n.º 1 os segmentos “decair (…) parcialmente” e “ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição”.
Como decorrência da nova expressão normativa do artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal deixou, assim, de estar expressamente previsto o sancionamento do arguido em taxa de justiça por decair parcialmente em recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição, circunscrevendo-se a condenação em taxa de justiça às situações em que ocorre condenação em 1.ª instância e em que decai totalmente em sede de recurso.
Afigura-se de meridiana clareza que, com tal alteração, o legislador pretendeu reduzir substancialmente as situações em que o arguido é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, visando, dessa forma, não impedir ou limitar o exercício do específico direito de recorrer e dos gerais direitos de defesa, bem como o pleno exercício do contraditório, todos com consagração constitucional (artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP), em razão da tributação mais ampla a que antes estava exposto.
Por seu turno, o Regulamento das Custas Processuais estabelece as regras referentes à taxa de justiça em processo penal e contraordenacional no artigo 8º nas situações aí especificadas, relativamente, quer, à constituição como assistente (n.º 1), quer, à abertura da instrução por parte deste (n.º 2), sendo que nos demais casos, incluindo a que seja da responsabilidade do arguido, “a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” (n.º 9), nada referindo quanto a incidentes.
Neste diploma encontramos a alusão a incidentes no artigo 1º, n.º 2 – que estabelece: “Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria” –, e no artigo 7º, n.ºs 4 e 8, que assim dispõem: “4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, (…)”; 8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas».
Segundo o entendimento perfilhado nos citados acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, o artigo 7.º, com a epígrafe “Regras especiais”, tal como o artigo 6.º, com a epígrafe “Regras gerais”, reportam-se exclusivamente aos processos de natureza cível, sendo inaplicáveis ao processo penal. Por conseguinte, o único preceito do Regulamento das Custas Processuais que se refere à taxa de justiça em processo penal é o artigo 8.º, não resultando do mesmo a previsão de responsabilidade do arguido por custas e taxa de justiça relativamente a incidentes, nem tão pouco se encontra enunciado qualquer ato processual dessa natureza na Tabela III, a que se reportam os seus n.ºs 7 e 9.
Por seu turno, a aplicação das normas do Código de Processo Civil está prevista para a responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil, enxertado no processo penal por força do princípio da adesão obrigatória, conforme estabelecido no artigo 523º do Código de Processo Penal, e para a condenação [de sujeitos processuais] no pagamento de taxa sancionatória especial, em consonância com o preceituado no artigo 521º, n.º 1, deste último diploma, que determina que “À pratica de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”.
A este respeito dispõe o artigo 531.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Taxa sancionatória excecional”: “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”, a fixar entre 2 e 15 UC, de acordo com o estatuído no artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais.
Já na redação anterior do Código de Processo Civil, o artigo 447.º-B – aditado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26 de fevereiro – previa aquela sanção excecional, nos seguintes termos:
“Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excepcionais, pode ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes:
a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou
b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte.”
A respeito desta figura sancionatória excecional, consta do preâmbulo do citado D.L. 34/2008 que se criou “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, podendo nestes casos o juiz do processo “fixar uma taxa sancionatória especial, com caráter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.
Do confronto de ambos os preceitos conclui-se que, conquanto a redação primitiva fosse mais detalhada do que a atual, que se mostra muito ampla e, até, algo ambígua, mantém-se a essência dos princípios subjacentes – trata-se de uma forma de sancionamento absolutamente excecional e pressupõe uma decisão fundamentada. Sendo a fundamentação das decisões judiciais um imperativo constitucional [artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa], acolhido no processo penal no artigo 97º do Código de Processo Penal e no processo civil no artigo 154º do Código de Processo Civil, a alusão expressa à mesma compreende-se à luz da excecionalidade e da gravidade pressupostas, sendo o dever de fundamentação mais ou menos intenso quanto a geometria variável das repercussões da decisão.
Com efeito, como se acentua no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2019[11],  «III - Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual censurável ou reprovável. “(…) V - Tipicamente cabe nessa previsão a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização claramente abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados (…)».
Na verdade, a amplitude da expressão normativa atual suscita dificuldades na delimitação do seu campo de aplicação, o que implica que o julgador proceda a uma avaliação casuística rigorosa e criteriosa quando perspetiva a aplicação da taxa sancionatória excecional, de modo a não coartar o direito dos sujeitos processuais à defesa dos seus interesses, sobretudo no processo penal, atentos os específicos contornos deste e as potencialmente mais gravosas consequências do mesmo.
A taxa sancionatória excecional não tem como finalidade sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas, visando, antes, reagir contra uma atuação processual claramente abusiva[12], sancionando o sujeito que intencionalmente cria entropias de variada etiologia, que subvertem os mais elementares princípios da conduta processual, nomeadamente da cooperação e da boa fé [cfr. artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil, aplicáveis ao Código de Processo Penal ex vi do preceituado no artigo 4º deste último diploma].
Nessa confluência, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido convergente, no sentido de que deve ser parcimonioso o recurso a tal faculdade, convocando-se aqui o expressivo sumário do acórdão de 10.03.2022, proferido no processo n.º 317/21.0GAFLG.P1.S1:
«(…)
II – A lei fornece um critério lato e flexível para a caracterização dos actos susceptíveis da aplicação da taxa sancionatória excepcional: a manifesta improcedência do acto, e cumulativamente, a falta de prudência e/ou de diligência devidas. A epígrafe e o texto do art. 531.º do CPC acentuam o carácter excepcional desta sanção, e o seu uso deve ser objecto de um especial rigor, sobretudo no âmbito do processo penal, de forma a não colocar em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa e/ou de patrocínio dos seus interesses processuais, não se devendo confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante dos mesmos.
III –Daí que esta taxa só deva ser aplicada em situações excepcionais, ou seja, quando o sujeito processual tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, ou a eficácia da decisão, praticando um acto processual manifestamente improcedente e infundado, revelando nessa prática uma falta de prudência e/ou de diligência a que estava obrigado, e devendo tal acto assumir um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.
(…)
VI – (…) a jurisprudência corrente deste STJ aconselha o uso parcimonioso desta taxa sancionatória, que só deve ser utilizada em situações muito próximas da intolerabilidade, isto é, em situações de todo em todo insustentáveis do ponto de vista da fundamentação jurídica, e incompatíveis com o respeito pelos princípios da boa-fé e da cooperação processuais e da diligência e prudência minimamente exigíveis.
(…)».
Retornando ao caso dos autos, independentemente do entendimento que se perfilhe quanto aos moldes em que são tributados/sancionados os incidentes em processo penal, afigura-se-nos que no caso vertente o requerimento formulado pelo arguido/recorrente não merece tributação/sancionamento.
Com efeito, o arguido, volvidos mais de onze anos sobre os factos, invocou perante o tribunal a quo, mediante requerimento fundamentado, em termos fácticos e jurídicos, a prescrição do procedimento criminal. Ainda que a interpretação que faz do disposto no artigo 120º, n.º 1, al. d), do Código Penal não tenha acolhimento, pelas razões que antes explicitámos, a sua pretensão e o expediente em que a corporizou não se mostram inapropriados ou inoportunos e, pese embora representem um desvio à regular tramitação processual, estão compreendidos no direito do arguido de suscitar questões, desde que devidamente fundamentadas, que obstem à punibilidade da sua conduta, como é o caso da prescrição, considerando o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos. Neste contexto processual, a pretensão formulada pelo arguido não se mostra descabida ou dilatória, nem foi suscitada de forma imprudente, leviana ou censurável.
Ante o exposto, a pretensão do arguido não pode ser vista como um incidente anómalo tributável ao abrigo do disposto no artigo 7º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais ex vi do artigo 524º do Código de Processo Penal ou sancionável com taxa de justiça sancionatória excecional, ao abrigo do preceituado no artigo 531º do Código Penal e 10º do Regulamento das Custas Processuais ex vi do artigo 521º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sendo certo que a decisão recorrida não contém a fundamentação exigida para esta última faculdade.
Impõe-se, pois, a revogação do despacho recorrido na parte em que determinou a condenação do arguido no pagamento de taxa de justiça.
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III. – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decide-se:
a) – Confirmar o despacho recorrido no que tange ao indeferimento do requerimento de declaração de prescrição do procedimento criminal formulado pelo arguido, ainda que com fundamento algo distinto do ali vertido;
b) – Revogar o despacho recorrido no que concerne à condenação em taxa de justiça pelo incidente.

Não é devida tributação [artigos 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal].

Notifique [artigo 425º, n.º 2, do Código de Processo Penal].
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(Elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias, sendo assinado eletronicamente, conforme certificação constante do canto superior esquerdo da 1.ª página – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 18 de junho de 2024

Isabel Gaio Ferreira de Castro [relatora]
Fernando Chaves [1.º adjunto]
Paulo de Almeida Cunha [2.º adjunto]


[1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correção de erros ou lapsos de escrita manifestos e, nalguns casos, a alteração da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
[2] Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2007 e de 11/07/2019, disponíveis em www.dgsi.pt
[3] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed. atualizada, 2010, UCP, páginas 374 e 383
[4] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 699 e 700, mas podendo ver-se, entre outros, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pág. 161 e seguintes; enquanto autor do Anteprojeto que deu origem ao Código Penal de 1982, in Atas da Comissão revisora do Código Penal, Parte geral II Vol. AAFDL (separata do BMJ) pág. 229 e seguintes; Pedro Gama da Silva, A prescrição no Direito Penal Português, Almedina, 2018, pág. 24 e seguintes; e, na jurisprudência, com notável excurso sobre a natureza da prescrição, o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 14.11.2011, proferido no Proc. n.º 712/00.9JFLSB-Q.L1-3 e, ainda,  o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.06.2013, proferido no Proc. n.º 1037/08.7PBGMR-A.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.03.2018, proferido no Proc. n.º 607/16.4T8VFR.P1, todos acessíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt.
[5] In A prescrição como causa de extinção da responsabilidade criminal, Coimbra, 2015, p. 77, acessível a partir do link https://core.ac.uk/download/pdf/43584579.pdf
[6] Ob. e loc. citados
[7] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.02.2018, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[8] In ‘Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem’, edição de 2015, pág. 544
[9] Acessível no sítio da internet http://wwwtribunalconstitucional.pt
[10] In As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7.ª Edição, Almedina, págs. 89 e 90
[11] Proferido no Proc. nº 566/12.2PCCBR.C2.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.12.2018, proferido no proc. 6/16.5GDIDN.C1, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt