Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FERNANDO BARROSO CABANELAS | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. O PEAP é um processo judicial especial que se rege, em primeiro lugar, pelas respetivas disposições (artºs 222º-A a 222º-J), de seguida pelas regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, com as devidas adaptações (artº 222º-A, nº3), e, por último, pelas disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil, também com as necessárias adaptações (artº 17º, nº1, do CIRE, combinado com o artº 549º, nº1, do CPC). 2. Nos termos do artigo 222-D, n.º 3, do CIRE, o prazo de impugnação da lista provisória de créditos é de 5 dias úteis, razão pela qual, não tendo sido impugnada tempestivamente, converteu-se em definitiva, nos termos do nº 4 do mesmo preceito. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: Em 18 de julho de 2023, referência citius 186051243foi prolatada sentença de homologação do plano de pagamentos, nos seguintes termos: AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 222º-C do CIRE intentar o presente processo especial para acordo de pagamento. Concluídas as negociações, procedeu-se à votação do plano, tendo sido aprovado por quórum deliberativo, em sentido favorável. Vieram os credores BB e Banco 1..., SA solicitar a não homologação do acordo de pagamento dos autos. Como refere Menezes Cordeiro, in “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, Ano XII, n.º 22/23, 2012, como linha inovadora da citada reforma surge “a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo … a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente.” É no âmbito dos poderes de conformação do acordo de pagamento por parte da maioria dos credores do devedor em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade, a título de exemplo, de perdoar ou reduzir do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionar o reembolso de créditos; modificar os prazos de vencimento e taxas de juros; constituir garantias e efetuar cessão de bens aos credores. Neste sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, que defendem que “sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção. Adrede, está ainda a salvaguarda do princípio da igualdade.”. E mais à frente referem: “Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afetação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos”. Continuando, “Naturalmente, a exigência da dispensa do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência.”. Daqui resulta que os credores, ou maioria dos credores, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando entre a não aprovação de um Acordo de Pagamento ou a sua aprovação, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, princípio este que não tem carácter absoluto. Como refere Jorge Reis Novais in “Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, “a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.” Dispõe o artigo 216º, nº1, al a) do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação se anteriormente à aprovação algum credor demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência do plano. Consideramos que tal não ocorre no caso. Alem disso, verifica-se que não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação- artigo 215º CIRE ex vi artigo 222º-F do CIRE. Assim sendo, homologo por sentença o plano de pagamentos - artigo 222º-F CIRE. Custa pela devedora. Registe, notifique e publicite- artigos 37º e 38º do CIRE. Após trânsito, notifique o AJP e a devedora para se pronunciarem sobre a remuneração daquela- artigos 17º-I, nº2 e 32º a 34º CIRE. Inconformado com a decisão, o credor BB apelou, tendo sido prolatado acórdão nesta Relação com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, revogando a sentença recorrida, que se delibera julgar nula por omissão de pronúncia, determinando-se que o tribunal recorrido aprecie fundamentadamente todas as questões que lhe foram colocadas, apreciando e valorando a prova oferecida e prolatando nova sentença. Custas pela recorrida – artº 527º, nº1, e 2, do CPC. Guimarães, 1 de fevereiro de 2023.” Os autos baixaram à 1ª instância, onde foram prolatados despachos e sentença, em 21 de junho de 2024, com o seguinte teor: “O Tribunal da Relação de Guimarães julgou procedente o recurso interposto pelo credor BB, revogando a sentença recorrida, que julgou nula por omissão de pronúncia, determinando que o tribunal recorrido aprecie fundamentadamente todas as questões que lhe foram colocadas, apreciando e valorando a prova oferecida e prolatando nova sentença. O tribunal antes de admitir o recurso em causa já havia proferido decisão sobre a nulidade invocada. O recorrente insurge-se depois contra os alegados créditos dos filhos da requerente, que reputa de falsos, e que nunca poderiam ter sido reconhecidos como créditos, matéria que o tribunal deveria ter conhecido pela simples análise da prova documental constante dos autos, designadamente pelo confronto entre o documento de suporte a essas reclamações de créditos e a certidão judicial do inventário para partilha dos bens comuns. Aliás, o agora recorrente levantara já esta questão nos autos, em 5 de julho de 2023, referência citius 46059082. * Refª ...12, de 01-08-2023: Veio o credor BB juntar a certidão judicial que protestou juntar aos autos no requerimento apresentado em 05-07-2023, com a refª ...82.Refere o referido credor que a questão da falsidade e consequente inexistência legal dos créditos que invocou nesse seu requerimento, que importa alteração significativa no resultado da votação da proposta de pagamento apresentado pela devedora, não foi apreciada antes de ter sido homologada essa proposta, o que implica a verificação de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, cujo conhecimento e pronúncia constitui um poder-dever de conhecimento oficioso do Tribunal, nos termos do artº 215º do CIRE, inquinando de nulidade a douta sentença proferida, por omissão de pronúncia. Vejamos. Antes de apreciar a nulidade invocada deverá ficar assente que decorre dos autos a seguinte factualidade: 1. Nos presentes autos de processo especial para acordo de pagamento relativos a AA foi junta e publicada a lista provisória de credores a que alude o artigo 222.º D, n.º 3 do CIRE, em 22-03-2023 (refª ...08). 2. O credor BB veio, a 30.3.2023, apresentar a impugnação onde peticionava que os créditos reclamados por CC, DD e EE fossem havidos por não reconhecidos e excluídos da lista provisória de créditos, com as demais consequências legais. 3. Por despacho proferido em 04-04-2023, transitado em julgado, foi considerado que a impugnação apresentada a 30-3-2023 pelo credor BB era extemporânea, pelo que não foi atendida. 4. O credor BB veio apresentar requerimento, em 05-07-2023, com a refª ...82, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde volta a alegar que os fundamentos dos créditos reclamados e reconhecidos a CC, DD e EE, filhos da devedora, são absolutamente falsos, dizendo que os filhos da devedora litigam com manifesta e censurável má-fé, por via do que devem todos e cada um deles ser exemplarmente sancionados, mais pedindo que os factos ali invocados fossem dados a conhecer ao Ministério Público, para efeitos de instauração do competente procedimento criminal. 5. Em 18-07-2023 foi proferido despacho que determinou fosse cumprido o contraditório quanto ao requerimento referido em 4 e homologou o plano de pagamentos. * Vejamos, dir-se-á em primeiro lugar que o pedido efectuado no requerimento apresentado em 05-07-2023, com a refª ...82, refere-se à condenação dos filhos da devedora como litigantes de má-fé, mais sendo peticionado que os factos ali invocados fossem dados a conhecer ao Ministério Público, para efeitos de instauração do competente procedimento criminal.Na verdade, naquele requerimento não é solicitada a declaração da falsidade e consequente inexistência legal dos créditos, pois tal invocação já havia ficado vedada ao credor com a inadmissibilidade, por extemporânea, da impugnação por si apresentada, nada justificando que viesse agora introduzir novamente tal temática, ainda que, convenientemente, nada ali seja requerido quanto a tais créditos. Não se perca de vista que o processo especial para acordo de pagamento é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. É, pois, um processo negocial, tendente à obtenção de um acordo de pagamento. E decorre, essencialmente, entre o devedor e os seus credores, com intervenção de um administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal. Prevê o art. 222.º-D, n.º 3 que “a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”. Da redacção do preceito afigura-se-nos ser resultado pretendido pelo legislador e visado com esta singela tramitação, que as impugnações sejam decididas pelo Juiz em acto seguido à apresentação das impugnações, com a concentração do contraditório, sem tentativa de conciliação, sem selecção de factos assentes e base instrutória, sem julgamento, sem produção de prova que não a documental junta com a reclamação e com a impugnação da lista apresentada, afastando, em princípio (e no mais), a aplicação subsidiária prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para a verificação e graduação de créditos no âmbito de um processo de insolvência. Arrancam estas considerações do facto de o PEAP ser, na sua vertente ordinária, um processo negocial entre um devedor e os seus credores, tendente à obtenção de um acordo de pagamento. Ora, nesse processo não há lugar a qualquer “verificação”, “graduação” ou “posterior decisão de reconhecimento” dos créditos reclamados sobre o devedor, como se de um processo de insolvência se tratasse (a lista definitiva de créditos reclamados aliás, tem apenas efeito no que respeita ao quórum deliberativo e à maioria necessária para homologação do acordo – art. 222.º-F, n.º 3 – e à dispensa de reclamação por parte de quem já o haja feito, caso a final do PEAP venha a ser decretada a insolvência – art. 222.º-G, n.º 7). Não havendo impugnações, a lista torna-se definitiva – 222º-D, n.º 4. Caso o acordo seja homologado prescreve o nº 6 do art. 222º-F, que a decisão do juiz (de homologação) vincula os credores, mesmo que não hajam participado na negociação e, leia-se, não tenham reclamado créditos. Assim sendo, a relevância da lista definitiva inculca apenas que os acordos devem ser autónomos em relação à reclamação e impugnação de créditos no processo, e regular-se quanto a todos os credores. A lista serve também, e principalmente, de base para o cálculo do quórum deliberativo, mas com a previsão da possibilidade de as impugnações não estarem ainda decididas – n.º 3 do mesmo artigo. Assim, de forma muito clara, o que releva para este efeito é, para além da verificação do crédito, propriamente dita, se o crédito tem natureza subordinada ou não – sendo que, não tendo natureza subordinada, irreleva se é comum, privilegiado ou garantido para os efeitos previstos no art. 212.º, n.º 1 e, logo, para os efeitos previstos no art. 222º-F, n.º 3. Note-se que os créditos em causa foram reconhecidos pelo AJP como subordinados.- Isto posto, dir-se-á que os autos não indiciam a existência de má fé dos credores CC, DD e EE. Acresce que atenta a natureza dos autos e não decorrendo dos mesmos a ocorrência de infracção criminal, indefere-se a comunicação requerida, cabendo ao requerente, caso assim pretenda, denunciar os alegados factos junto das autoridades competentes. Finalmente, não se vislumbra qualquer nulidade nem motivos para não homologar o plano. Notifique. ** AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 222º-C do CIRE intentar o presente processo especial para acordo de pagamento.Concluídas as negociações, procedeu-se à votação do plano, tendo sido aprovado por quórum deliberativo, em sentido favorável. Vieram os credores BB e Banco 1..., SA solicitar a não homologação do acordo de pagamento dos autos. Como refere Menezes Cordeiro, in “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, Ano XII, n.º 22/23, 2012, como linha inovadora da citada reforma surge “a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo … a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente.” É no âmbito dos poderes de conformação do acordo de pagamento por parte da maioria dos credores do devedor em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade, a título de exemplo, de perdoar ou reduzir do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionar o reembolso de créditos; modificar os prazos de vencimento e taxas de juros; constituir garantias e efetuar cessão de bens aos credores. Neste sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, que defendem que “sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção. Adrede, está ainda a salvaguarda do princípio da igualdade.”. E mais à frente referem: “Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afetação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos”. Continuando, “Naturalmente, a exigência da dispensa do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência.”. Daqui resulta que os credores, ou maioria dos credores, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando entre a não aprovação de um Acordo de Pagamento ou a sua aprovação, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, princípio este que não tem carácter absoluto. Como refere Jorge Reis Novais in “Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, “a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.” Dispõe o artigo 216º, nº1, al a) do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação se anteriormente à aprovação algum credor demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência do plano. Consideramos que tal não ocorre no caso. Alem disso, verifica-se que não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação- artigo 215º CIRE ex vi artigo 222º-F do CIRE. Assim sendo, homologo por sentença o plano de pagamentos - artigo 222º-F CIRE. Custa pela devedora. Registe, notifique e publicite- artigos 37º e 38º do CIRE. Após trânsito, notifique o AJP e a devedora para se pronunciarem sobre a remuneração daquela- artigos 17º-I, nº2 e 32º a 34º CIRE.” Inconformado com a decisão, o credor BB apelou, formulando as seguintes conclusões: 1ª. O douto Acórdão desta Relação, proferido nestes autos, determinou que o tribunal recorrido apreciasse fundamentadamente a questão dos falsos créditos dos filhos da devedora, que nunca deveriam ter sido reconhecidos, como decorre da simples análise da prova documental dos autos, isto é, do confronto entre o documento de suporte a essas reclamações de créditos e a certidão judicial do inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido casal da devedora, bem como que apreciasse e valorasse fundamentadamente todas as questões que lhe foram colocadas e a prova oferecida, designadamente, o conhecimento das questões relativas ao erro de qualificação de créditos subordinados qualificados como comuns e respetivas consequências na aprovação do plano e que proferisse nova sentença. 2ª. Porém, a sentença recorrida não apreciou as questões superiormente determinadas, mantendo a decisão de homologação do acordo de credores e plano de pagamentos, com fundamentos de natureza exclusivamente formal ou de tramitação processual e sem conhecimento do mérito do conteúdo dos argumentos invocados a respeito de cada uma das questões suscitadas, o que constitui ofensa ao caso julgado constituído. 3ª. A natureza híbrida, a componente negocial e a tramitação processual simplificada, inerente ao tipo de processo destes autos, não dispensam a necessidade de homologação judicial da aprovação de um plano de pagamentos, acto esse que implica um escrutínio judicial que não se resuma a uma mera apreciação formal da tramitação, cabendo ainda ao Juiz o dever de verificar se o acordo respeita os requisitos legais do seu conteúdo, conhecer da validade jurídica substantiva e da existência legal de cada um dos créditos, bem como dos vícios substanciais relevantes que impeçam legalmente a homologação judicial desse acordo. 4ª. É a esse dever oficioso de verificação da violação não negligenciável das normas legais substantivas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, que se refere o artº. 215º do CIRE, aplicável ao PEAP. 5ª. Como referido no douto Acórdão proferido nestes autos, deveria a Exma. Sra. Juiz a quo ter proferido juízo de mérito sobre a questão relacionada com «os alegados créditos dos filhos da requerente, que (o recorrente) reputa de falsos, e que nunca poderiam ter sido reconhecidos como créditos, matéria que o tribunal deveria ter conhecido pela simples análise da prova documental constante dos autos, designadamente pelo confronto entre o documento de suporte a essas reclamações de créditos e a certidão judicial do inventário para partilha dos bens comuns.», o que, mais uma vez, não foi feito pela sentença recorrida. 6ª. A alegação da falsidade e inexistência dos pretensos créditos dos filhos da devedora foi documentada nos autos através de certidão judicial extraída dos autos de Inventário judicial para partilha dos bens comuns do dissolvido casal da devedora, da qual resulta terem sido todos os bens aí relacionados adjudicados à aqui devedora, cabendo tornas ao seu ex-marido, este sim, delas credor, mas que declarou expressamente, perante Magistrado Judicial, que nessa data recebera em mão as tornas apuradas a seu favor. 7ª. Por esse motivo nunca a devedora poderia ter cedido aos seus filhos nenhum crédito de tornas na partilha dos bens comuns do seu dissolvido casal, pois que delas não era credora (nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet), o que determina que o documento que justificou as reclamações de créditos dos seus três filhos nestes autos, é um documento falso, dolosamente forjado pela devedora e seus filhos, escassos 3 meses depois da sentença homologatória daquela partilha e da declaração feita perante Juiz, pelo credor das tornas, de as ter recebido em mão. 8ª. Como bem mencionado no douto Acórdão proferido nestes autos, o recorrente levantara já nos autos a questão da falsidade desses créditos, em 5 de julho de 2023, no requerimento sob a referência Citius 46059082 e, sobre essa questão, a sentença ora recorrida, mais uma vez, nada apreciou e nada referiu. 9ª. Perante esses falsos créditos dos filhos da devedora, suscetíveis de influenciar decisivamente a votação do plano, deveria ter sido feita uma análise minimamente aprofundada, face à alegação dessa falsidade e à prova documental junta, pois que os votos dos créditos subordinados dos filhos da devedora serviram para, juntamente com os votos dos créditos comuns, formar a percentagem de 52,72% no sentido da aprovação do plano, perante a qual a Exma. Sra. Juiz a quo homologou esse plano, tutelando judicialmente uma construção de créditos fraudulenta e congeminados de forma dolosa e de má-fé, em violação dos mais elementares deveres a que está subordinada a realização da justiça material. 10ª. A devedora e os demais participantes processuais estão vinculados à observância dos deveres de boa-fé e de cooperação com a verdade, tendentes à justa composição dos interesses em confronto, não invocando factos consabidamente falsos para justificar uma realidade de débitos/créditos que é falsa, sob pena de se verificar uma utilização abusiva deste processo e dos meios processuais para alcançar um propósito que é injusto e ilícito, nisso se consubstanciando a litigância de má-fé da devedora e de seus filhos, que não pode merecer a tutela do Direito e não pode passar incólume na apreciação judicial de mérito da homologação do plano de pagamentos, sob a égide de argumentos meramente formais. 11ª. O passivo falso de € 216.611,52, correspondente aos créditos dos três filhos da devedora, tem manifesta influência no desfecho do mérito da causa, bem sabendo a apresentante e os três filhos não existir tornas em dívida por via do referido Inventário judicial e por isso não existir esse passivo, que foi indevidamente reconhecido nestes autos, por efeito de uma manifesta litigância de má-fé da devedora e desses três pretensos credores, que deve ser conhecida e é, aliás, de conhecimento oficioso. 12ª. É imperioso que esta grave e censurável mentira seja apreciada e sancionada judicialmente, de forma severa e exemplar, sob pena deste processo, sob a chancela da homologação judicial, tutelar uma ficção fraudulenta de créditos de € 216.611,52! 13ª. Também quanto ao crédito reclamado pela “EMP01... - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL”, de € 180.000,00, alegadamente de honorários pela prestação de serviços jurídicos à “EMP02..., S.A.”, sociedade anónima com o NIPC ...81, reconhecido como crédito comum quando deveria ser um crédito subordinado, ocorre uma errada qualificação da natureza desse crédito, sindicável pela simples leitura da lista de credores, apresentada pela própria devedora, que aí o refere ter origem em aval por si prestado, o mesmo resultando do teor da reclamação de créditos apresentada pela dita sociedade de advogados. 14ª. Foi alegado na reclamação de créditos dessa sociedade de advogados que a aqui devedora, mãe do acionista de referência e administrador único da indicada sociedade, assumiu solidariamente a responsabilidade pelo pagamento dos respectivos honorários, conforme declaração que aí alegou juntar como documento nº 2, mas que, na reclamação disponibilizada publicamente pelo Sr. Administrador Judicial, pura e simplesmente não consta. 15ª. A assunção pela aqui devedora desse passivo constitui um contrato de prestação de garantia do pagamento de dívida de terceiro, ou seja, de fiança, pelo qual a devedora afectou o seu património a responder por dívida alheia, de uma sociedade que, no dizer da credora reclamante, tem como accionista de referência e administrador único um filho da aqui devedora. 16ª. Essa garantia, a existir – o que se desconhece, por não ter sido demonstrada documentalmente, como é devido -, terá sido prestada pela devedora a favor de terceiro, sem que para si tivesse advindo qualquer contrapartida para a autora da garantia, ou seja, terá sido prestada a título gratuito, pelo que este crédito, a existir, não poderia nunca ser qualificado como crédito comum, mas sim e só como crédito subordinado, nos termos previstos nos artºs 48º, als. a) e d) e 49º, nº 1, al. b) e nº 2, als. c) e d), ambos do CIRE. 17ª. Esse erro manifesto na qualificação do crédito dessa sociedade de advogados, resulta do próprio texto do articulado da reclamação de créditos apresentada e também da lista de credores apresentada pela devedora como doc. 7 do seu requerimento inicial (onde relacionou essa sociedade como credora - mas curiosamente, repare-se, com o crédito de € 0,00 - e o seu fundamento como se tratando de um aval), o que tudo permitia e impunha, por si só, o dever de sindicância pelo Tribunal, que foi omitido. 18ª. A errada qualificação deste crédito tem manifesta influência no apuramento da percentagem dos créditos não subordinados, que foi determinante da aprovação do plano de pagamentos proposto pela devedora (sem o que nunca teria sido aprovado, por inexistência da necessária maioria legal para o efeito), pelo que o invocado erro vicia e inquina fatalmente a votação do plano de pagamentos aqui posto em causa, que deve ser conhecido e corrigido oficiosamente, na medida em que esse erro é manifesto, certo, claro, notório, patente e evidente para qualquer pessoa, face aos elementos constantes dos autos, não carecendo de outras diligências, averiguações, produção de prova adicional ou elaboradas considerações jurídicas, antes resulta do teor da própria reclamação de créditos. 19ª. Quer no caso dos créditos reclamados e reconhecidos aos filhos da devedora, quer no caso do crédito da sociedade de advogados, qualificado como crédito comum quando se trata de um crédito subordinado, ocorre em cada um deles erro manifesto, passível de ser conhecido e sindicado pelo tribunal de recurso e de serem corrigidos tais erros relativos à admissão e à qualificação desses créditos. 20ª. Apesar da especificidade da tramitação do PEAP, essa correcção deve operar-se não com base no estatuído nos artºs 613º, nºs 1 e 3, e 614º, nº 1, do CPC (que prevê o erro material), mas em sede de recurso, de acordo com os poderes conferidos pelo nº 1, do artº 662º, do mesmo diploma legal (alteração com fundamento em documentação reveladora de erro manifesto de que padece a lista de créditos apresentada pelo Sr. Administrador Judicial), o que implicará a não homologação do plano de pagamentos. 21ª. De contrário, subsistindo esses erros manifestos e não se procedendo à devida rejeição dos créditos reclamados pelos filhos da devedora nem à correcção da qualificação do crédito da sociedade de advogados, mais não será do que tutelar-se judicialmente a manipulação astuciosa, fraudulenta e censurável destes autos pela devedora e por alguns credores, para alcançar um objectivo manifestamente ilegal e injusto, num abuso manifesto do recurso a este meio processual e numa clara e inaceitável fraude à lei. 22ª. Existe também um rol de outros créditos constantes da relação elaborada pela devedora e pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, aí qualificados como créditos comuns, cujos titulares, curiosamente, não apresentaram reclamação dos seus créditos, mas que, face à lista de credores, apresentada pela própria devedora no seu requerimento inicial como doc. 7, deveriam ter sido qualificados como créditos subordinados e se impõe que, relativamente a cada um deles, se proceda oficiosamente à correcção da sua qualificação, pelos mesmos fundamentos supra invocados, isto é, por se tratarem de garantias prestadas pela devedora a terceiros a título gratuito. 23ª. São eles os créditos da “EMP03..., Lda.”, com sede na Rua ..., ... ..., NIF ...60; da “Empresa EMP04..., S.A.”, com sede na Rua ..., ... ..., NIF ...78; da “EMP05..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., ... ..., NIF ...53; de “FF”, com sede na Travessa ..., ... ..., NIF ...84; e de “EMP06..., Lda.”, com sede na Rua ..., ... ..., NIF ...88..., todos e cada um deles que a própria devedora alegou terem fundamento em avales por si prestados e que todos foram erradamente qualificados como créditos comuns, em face do fundamento de cada um desses créditos expressamente invocado pela própria apresentante. 24ª. Sendo o aval um meio de prestação de garantia de cumprimento de dívidas de terceiros, sem que para o avalista decorra qualquer contrapartida ou ganho, como resulta do regime previsto nos artºs 30º e segs. da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, tal implica que todos estes créditos têm por fundamento uma prestação da apresentante a título gratuito, pelo que deverão ser qualificados oficiosamente e pelos mesmos fundamentos supra invocados como créditos subordinados, nos termos previstos nos artºs 48º, als. a) e d) e 49º, nº 1, al. b) e nº 2, als. c) e d), ambos do CIRE, face à manifesta influência no apuramento da percentagem dos créditos não subordinados que foi determinante da aprovação do plano de pagamentos proposto pela devedora. 25ª. Acresce que, mesmo que se admitisse a contabilização dos votos relativos aos créditos falsos e aos créditos que deviam ser qualificados como subordinados e não o foram, nem dessa forma a votação alcançada permite a homologação da votação do plano de pagamento, uma vez que a decisão da sua homologação foi proferida sem que tivesse sido verificado o vício substancial no apuramento da maioria necessária à aprovação do plano, cujo dever de conhecimento oficioso é imposto pelo artº 215º do CIRE, face à violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. 26ª. No caso concreto, o quadro resumo da votação contido no requerimento junto aos autos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório em 14/07/2023, revela que o resultado da votação alcançado não permite, por aplicação de qualquer dos critérios legais invocados, considerar aprovado o plano, tendo em conta que, apesar de ter sido votado por credores cujos créditos representam mais de um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, nem os votos favoráveis são mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, pois os votos favoráveis, incluindo dos créditos subordinados, atingem apenas 52,72% dos votos emitidos, nem a votação favorável é superior a 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, o que neste caso atinge apenas 36,69% - art. 222º-F, n.º 3, al. a), i) e ii) do CIRE. 27ª. Assim é, igualmente, por aplicação da alínea b) da mesma norma, pois apesar de recolher o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto - 52,72%, o que inclui os créditos subordinados - já não recolhe “o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto”, o que, como se vê, alcança apenas 36,69% dos votos. 28ª. Ou seja, apenas contabilizando créditos subordinados no cômputo das operações de votação - que o legislador pretendeu de forma expressa excluir da votação - é possível formar uma maioria dos votos favoráveis que, de outro modo, não seria alcançada, pois os votos desfavoráveis representam 47,28% dos créditos não subordinados e os votos favoráveis apenas 36,69% dos créditos não subordinados, correspondendo os créditos subordinados a 16,03% dos créditos relacionados, num universo de créditos que ascende ao valor global € 1.351.327,84. 29ª. Neste sentido, não foi respeitada a expressa exclusão, contida no texto legal, dos créditos subordinados para o cômputo da maioria superior a 50% dos votos emitidos, o que, se considerada fosse, conduziria inevitavelmente à não aprovação do plano, o que consubstancia violação não negligenciável do supra invocado normativo legal. 30ª. Os fundamentos supra invocados são determinantes da violação dos artºs 215º e 222º-A a 222º-F, todos do CIRE, bem como os princípios gerais do Cód. Proc. Civil supra enunciados, aplicáveis aos autos por via do artº 17º do CIRE, impondo-se a revogação da sentença recorrida, sob pena deste processo ter subjacente a ele uma manifesta fraude à lei, com propósitos dolosos e altamente censuráveis, com a colaboração da devedora e dos seus familiares directos, desvirtuando claramente a verdadeira génese e objectivo do processo e ofendendo de forma grave o fim último da realização da Justiça. Nestes termos, nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., deve o presente recurso merecer provimento, em consequência do que deve ser revogada a sentença recorrida e, face à não observância do anteriormente determinado pelo douto Acórdão desta Relação, ao abrigo do disposto no artº 665º, nº1 e 2 do CPC e por os autos conterem os elementos para tanto necessários, deve ser conhecido o objecto da apelação e proferida douta decisão pela qual seja rejeitado e não homologado o plano de pagamentos apresentado pela devedora, com as demais consequências legais, assim se fazendo Justiça. A credora EMP07... - STC, S.A, também apelou, aderindo às alegações e conclusões do recorrente BB. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido. Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos. ********** II – Questões a decidir:Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso. As questões a decidir são, assim, apurar da eventual nulidade da sentença por omissão de pronúncia e alegada violação de caso julgado, da correção da qualificação dos créditos e respetivos reflexos em sede de votação do plano de pagamentos e da violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. ********* III – Fundamentação:A. Fundamentos de facto: Os factos provados com relevância para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório. ********* B. Fundamentos de direito. Importa começar por reconhecer legitimidade ativa aos recorrentes para a interposição dos presentes recursos, nos termos do artº 631º do CPC. O processo especial para acordo de pagamento (doravante PEAP) foi introduzido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pelo DL nº 79/2017, de 30 de junho. Seguindo os ensinamentos de Catarina Serra, os requisitos da apresentação a PEAP são sete[1]: o requerimento de abertura do processo (cfr. artº 222º-C, nº3, proémio), uma declaração escrita e assinada pelo devedor atestando que cumpre o pressuposto do processo (cfr. artº 222º-A, nº2), uma declaração escrita em que o devedor e pelo menos um dos seus credores manifestam a vontade de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamentos, assinada por todos os declarantes e contendo a data da assinatura [(cfr. artº 222º-C, nºs 1 e 2, e artº 222º-C, nº 3, alínea a)], uma lista de todas as ações de cobrança de dívida pendentes contra o devedor, um comprovativo da declaração de rendimentos do devedor, um comprovativo da sua situação profissional ou, se aplicável, situação de desemprego e, por último, uma cópia de cada um dos documentos elencados nas alíneas a), d), e e), do nº1 do artº 24º [cfr. art. 222º-C, nº3, alínea b)]. Por outro lado, e como refere Maria do Rosário Epifânio[2], o PEAP é um processo judicial especial, pré insolvencial, concursal, urgente, híbrido. Trata-se de um processo judicial especial, pois rege-se, em primeiro lugar, pelas respetivas disposições (artºs 222º-A a 222º-J), de seguida as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, com as devidas adaptações (artº 222º-A, nº3), e, por último, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil, também com as necessárias adaptações (artº 17º, nº1, do CIRE, combinado com o artº 549º, nº1, do CPC). O PEAP é um processo pré-insolvencial pois é aplicável a devedores que já se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente (pela positiva) e que não estejam ainda numa situação de insolvência atual (pela negativa) (artº 222º-A, nº1). O PEAP é também um processo concursal, pois não só todos os credores interessados podem nele participar, como também a sentença homologatória do plano aprovado em sede de PEAP vincula todos os credores, mesmo aqueles que não tenham reclamado os seus créditos ou participado nas negociações (artº 222º-F, nº8). É um processo urgente por força do artº 222º-A, nº3, o que terá relevância, nomeadamente, para efeitos de contagem de prazos (artº 138º, nº1, do CPC ex vi do artº 17º, nº1, do CIRE). Todavia, a lei é omissa quanto à precedência do PEAP sobre o serviço ordinário do tribunal (contrariamente ao artº 9º, nº1, que estatui a precedência do processo de insolvência – seus incidentes, apensos e recursos – sobre o serviço ordinário do tribunal). Por último, o PEAP é um processo híbrido, composto por uma forte componente extrajudicial, compensada com a intervenção do juiz em momentos chave, conditio sine qua non do caráter concursal do mesmo – tudo apud op. cit.. Balizados que estão os contornos legais do instituto do acordo de pagamentos, importa analisar a bondade das alegações do recorrente. Alegou o recorrente que a sentença recorrida não apreciou as questões determinadas por esta Relação, mantendo a decisão de homologação do acordo de credores e plano de pagamentos, com fundamentos de natureza exclusivamente formal ou de tramitação processual e sem conhecimento do mérito do conteúdo dos argumentos invocados a respeito das questões suscitadas, o que constitui ofensa ao caso julgado constituído. Relembremos o que decidiu o tribunal recorrido a este respeito: “O recorrente insurge-se depois contra os alegados créditos dos filhos da requerente, que reputa de falsos, e que nunca poderiam ter sido reconhecidos como créditos, matéria que o tribunal deveria ter conhecido pela simples análise da prova documental constante dos autos, designadamente pelo confronto entre o documento de suporte a essas reclamações de créditos e a certidão judicial do inventário para partilha dos bens comuns. Aliás, o agora recorrente levantara já esta questão nos autos, em 5 de julho de 2023, referência citius 46059082. * Refª ...12, de 01-08-2023: Veio o credor BB juntar a certidão judicial que protestou juntar aos autos no requerimento apresentado em 05-07-2023, com a refª ...82.Refere o referido credor que a questão da falsidade e consequente inexistência legal dos créditos que invocou nesse seu requerimento, que importa alteração significativa no resultado da votação da proposta de pagamento apresentado pela devedora, não foi apreciada antes de ter sido homologada essa proposta, o que implica a verificação de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, cujo conhecimento e pronúncia constitui um poder-dever de conhecimento oficioso do Tribunal, nos termos do artº 215º do CIRE, inquinando de nulidade a douta sentença proferida, por omissão de pronúncia. Vejamos. Antes de apreciar a nulidade invocada deverá ficar assente que decorre dos autos a seguinte factualidade: 1. Nos presentes autos de processo especial para acordo de pagamento relativos a AA foi junta e publicada a lista provisória de credores a que alude o artigo 222.º D, n.º 3 do CIRE, em 22-03-2023 (refª ...08). 2. O credor BB veio, a 30.3.2023, apresentar a impugnação onde peticionava que os créditos reclamados por CC, DD e EE fossem havidos por não reconhecidos e excluídos da lista provisória de créditos, com as demais consequências legais. 3. Por despacho proferido em 04-04-2023, transitado em julgado, foi considerado que a impugnação apresentada a 30-3-2023 pelo credor BB era extemporânea, pelo que não foi atendida. 4. O credor BB veio apresentar requerimento, em 05-07-2023, com a refª ...82, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde volta a alegar que os fundamentos dos créditos reclamados e reconhecidos a CC, DD e EE, filhos da devedora, são absolutamente falsos, dizendo que os filhos da devedora litigam com manifesta e censurável má-fé, por via do que devem todos e cada um deles ser exemplarmente sancionados, mais pedindo que os factos ali invocados fossem dados a conhecer ao Ministério Público, para efeitos de instauração do competente procedimento criminal. 5. Em 18-07-2023 foi proferido despacho que determinou fosse cumprido o contraditório quanto ao requerimento referido em 4 e homologou o plano de pagamentos. Vejamos, dir-se-á em primeiro lugar que o pedido efectuado no requerimento apresentado em 05-07-2023, com a refª ...82, refere-se à condenação dos filhos da devedora como litigantes de má-fé, mais sendo peticionado que os factos ali invocados fossem dados a conhecer ao Ministério Público, para efeitos de instauração do competente procedimento criminal. Na verdade, naquele requerimento não é solicitada a declaração da falsidade e consequente inexistência legal dos créditos, pois tal invocação já havia ficado vedada ao credor com a inadmissibilidade, por extemporânea, da impugnação por si apresentada, nada justificando que viesse agora introduzir novamente tal temática, ainda que, convenientemente, nada ali seja requerido quanto a tais créditos.” Duas conclusões se retiram da sobredita fundamentação: a de que por despacho proferido em 04-04-2023, transitado em julgado, foi considerado que a impugnação apresentada a 30-3-2023 pelo credor BB era extemporânea, pelo que não foi atendida, e a segunda conclusão é a de que no pedido efetuado no requerimento apresentado em 05-07-2023, com a refª ...82, não foi solicitada a declaração da falsidade e consequente inexistência legal dos créditos, pois tal invocação já havia ficado vedada ao credor com a inadmissibilidade, por extemporânea, da impugnação por si apresentada. Significa isto que o tribunal recorrido explicou agora devidamente a razão pela qual considerou precludida a possibilidade de apreciação da impugnação atinente à alegada falsidade dos créditos, e a razão pela qual não considerou o requerimento efetuado pelo credor em 5 de julho de 2023, sobre o qual indevidamente não se havia pronunciado na decisão que veio a ser anulada, e sobre o qual agora se pronunciou expressamente. Compulsados os autos, verifica-se que em 4 de abril de 2023 havia sido prolatado despacho, referência citius 184379023, com o seguinte teor: A lista provisória de créditos foi afixada no portal Citius a 22.3.2023. Nos termos do artigo 222-D, n.º 3, do CIRE, o prazo de impugnação é de 5 dias úteis, pelo que o prazo terminou a 29.3.2023. Como defendido no Ac. TRC de 7.9.2021, proc. 744/20.0T8FND-A.C1 [a]s reclamações de créditos e correspondentes impugnações não beneficiam da faculdade da prática do acto num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa. Assim, a impugnação apresentada a 30.3.2023 pelo credor BB é extemporânea, pelo que não será atendida. Notifique. Ora, refere o tribunal recorrido no despacho de 21 de junho de 2024 que no requerimento de 5 de julho de 2023 não foi solicitada a declaração da falsidade e consequente inexistência dos créditos, pois tal invocação já havia ficado vedada em momento anterior, por extemporaneidade. Ora, a solução era simples: todos os requerimentos feitos ao processo devem ser objeto de análise, nem que seja para os indeferir ou mandar desentranhar, tributando-se o incidente em conformidade. Não é processualmente possível é passar por cima dos mesmos, como se não existissem. Mostra-se assim cumprido o ordenado no acórdão anulatório, não havendo qualquer omissão de pronúncia, muito menos a invocada violação do caso julgado. Improcede, assim, esta alegação dos recorrentes. Alegaram depois os recorrentes que se impõe ao juiz o dever oficioso de verificação da violação não negligenciável das normas substantivas aplicáveis ao seu conteúdo. Sobre esta questão já nos havíamos pronunciado no acórdão anulatório, e agora repetiremos tais considerações. Como refere Luís M. Martins[3], por normas procedimentais entendem-se os atos e procedimentos necessários à tramitação do processo (incluindo o seu conteúdo e forma) até à aprovação pela assembleia. Por violação não negligenciável no que respeita ao conteúdo do plano, entende-se tal vício, cujo conceito a lei não concretiza, como a violação de todas as normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, não existindo violação quando se esteja no âmbito da derrogação de normas legais pelo plano de insolvência (cfr. artºs 1º e 192º). Como supra se referiu, o presente processo rege-se, em primeiro lugar, pelas respetivas disposições (artºs 222º-A a 222º-J), e só depois as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, com as devidas adaptações (artº 222º-A, nº3). O artº 222º-F, nº5, do CIRE, manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º. No que tange ao plano de pagamentos, e como escreve o mesmo Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[4], verificando-se a aprovação unânime de um plano de pagamentos em que intervenham todos os credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao juiz, para homologação ou recusa da mesma, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado. Uma vez homologado o acordo, o mesmo produz de imediato os seus efeitos (artº 222º-F, nº1). Já no caso de não ser obtida a concordância de todos os credores, mas o acordo tiver sido aprovado, o administrador judicial provisório deve remeter o plano de recuperação aprovado para o tribunal, sendo publicado anúncio no Citius, advertindo dessa junção, correndo desde essa data o prazo de votação de 10 dias no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação, nos termos e para os efeitos dos artºs 215º e 216º, aplicáveis com as necessárias adaptações (artº 222º-F, nº2). Ainda relativamente à homologação, e como refere José Gonçalves Ferreira[5], que cita um acórdão da Relação de Évora, de 7/06/2018, “No controlo da legalidade do acordo de pagamento aprovado pelos credores deve o juiz recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do artº 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Por regras procedimentais deve entender-se aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo assim as regras que regulam a aprovação e votação do plano e ainda as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado.”. Luís Menezes Leitão[6] refere ainda que “A não homologação oficiosa deve ocorrer no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (artº 215º). À semelhança do que referimos para o PER, também parece ser fundamento da recusa de homologação o facto de não se encontrarem preenchidos os seus pressupostos legais, designadamente por o devedor já se encontrar em situação de insolvência”. Não vislumbramos aqui, quanto a esta matéria alegada, qualquer violação não negligenciável das normas aplicáveis. Com efeito, a despeito da junção aos autos da certidão judicial alegadamente comprovativa da inexistência dos alegados créditos, face ao despacho de 4 de abril de 2023, referência citius 184379023, transitado em julgado e que havia já julgado extemporânea tal impugnação, ficou tal questão coberta pelos efeitos do caso julgado formal. Um princípio basilar do processo civil é o da autorresponsabilização das partes. As partes é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam alguma. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e atividade do juiz. Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso, os atos que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos – sobre esta temática cfr. AcRL de 10/05/2021, processo nº 2393/12.8TBPDL-H.L1, relatado pelo aqui relator. Daí que, a par da improcedência desta alegação, haja de ser considerada insubsistente qualquer apreciação do alegado comportamento dos recorridos à luz do instituto da litigância de má-fé. Improcede, assim, também esta alegação dos recorrentes. Os recorrentes insurgem-se depois contra a qualificação do crédito reclamado pela “EMP01...- Sociedade de Advogados, RL, como crédito comum, quando deveria ser um crédito subordinado. Alegaram que a garantia alegadamente prestada, a existir, terá sido prestada a título gratuito, razão pela qual o crédito terá de ser qualificado como subordinado, nos termos previstos nos artºs 48º, als. a) e d) e 49º, nº 1, alínea b) e nº 2, als. c) e d) do CIRE. Como assinala o despacho de 21 de junho de 2024, prévio à sentença recorrida, os créditos em causa foram reconhecidos pelo senhor administrador judicial provisório como subordinados, sendo certo que não foram tempestivamente impugnados, nos termos que já supra expusemos quanto à (in)existência dos créditos, e que motivaram o despacho do tribunal recorrido de 4 de abril de 2023, devidamente transitado em julgado. Daí que não haja que extrair consequências da alegada errada qualificação do crédito e respetivos reflexos em sede de aprovação do plano de pagamentos. Igual raciocínio vale para os restantes créditos (conclusões 22 a 24) elencados pelos recorrentes, e sobre os quais, por isso, não fazemos considerações adicionais. Improcede, assim, também esta alegação dos recorrentes, não havendo, nos termos que supra expusemos, qualquer violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. Tudo ponderado, tem assim de se considerar totalmente improcedente o recurso interposto. ********** V – Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes os recursos interpostos, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes – artº 527º, nº1, e 2, do CPC. Guimarães, 23 de janeiro de 2025. Relator: Fernando Barroso Cabanelas. 1ª Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias. 2ª Adjunta: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade. [1] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pág. 586. [2] Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7ª edição, pág. 490. [3] Processo de Insolvência, Almedina, 4ª edição, pág. 509. [4] Direito da Insolvência, Almedina, 8ª edição, pág. 359. [5] Novo Processo Especial para Acordo de Pagamento, in “Seminário de Direito da Insolvência”, Almedina, 2019, pág. 116. [6] A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2019, pág. 79. |