Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1629/18.6T8VCT.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: CONCORRÊNCIA DE RESPONSABILIDADES
LABORAL E POR FACTO ILÍCITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

I. O figurino normativo do concurso ou concorrência entre a responsabilidade laboral/infortunística e a responsabilidade civil extracontratual (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) não prevê o desconto ou abate, por iniciativa do lesante (responsável civil), das quantias já pagas ao lesado/sinistrado em consequência do acidente laboral pela entidade patronal ou respectiva seguradora.

II. Não pode o lesante, enquanto responsável primacial pelas consequências do evento lesivo (facto ilícito), opor validamente ao lesado ter este recebido já da seguradora do responsável laboral indemnização concernente à perda da capacidade de ganho e assim (com base na indemnização paga pelo responsável laboral) desvincular-se unilateralmente da obrigação de suportar integralmente os danos causados.

III. Do referido regime normativo do concurso ou concorrência de responsabilidades (laboral e por facto ilícito) resulta que o lesado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis (laboral ou civil), podendo optar (validamente) por qualquer delas e combiná-las, ainda que de tal combinação não possa resultar uma acumulação.

IV. Considerando o referido no anterior número e o princípio do dispositivo, deve o tribunal acolher a pretensão do lesado de deduzir da indemnização exigida ao responsável civil o valor já recebido do responsável laboral – pretensão a levar em conta quando na sentença se estiver a valorizar (em vista de estabelecer o quantum respondeatur) o mesmo dano considerado no estabelecimento da responsabilidade laboral.

V. Mostra-se justa, equilibrada e ponderada a indemnização de vinte mil euros para indemnizar o dano patrimonial sofrido por lesada que exercia profissão não qualificada e que com 41 anos ao tempo do embate ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, que sendo compatível com o exercício da actividade profissional habitual lhe implica esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs, que se expande e repercute (ainda que em grau correspondente ao défice de sete pontos de que ficou afectada, mas com previsível agravamento futuro) pelas várias tarefas e actividades desempenhadas, limitando-a indelevelmente no respectivo exercício limitando-a no respectivo exercício (e reflectindo-se até na frustração do desempenho de quaisquer outras actividades de cariz económico-profissional).

VI. Mostra-se ponderado, equilibrado, justo e adequado, conforme aos padrões jurisprudenciais, o montante de vinte mil euros (20.000,00€) para valorizar o dano não patrimonial sofrido por lesada com 41 anos que, como consequência do evento lesivo, sofreu: fractura da bacia em três sítios e da perna direita, donde resultou a necessidade de submeter-se a intervenções cirúrgicas, com consequente encarceramento hospitalar, tendo a estabilização das lesões demandado quase dez meses; quantum doloris quantificado no quarto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade; dano estético valorizado no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente (com cicatrizes e tumefacção do membro inferir direito); défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete (7) pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, mas implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1)
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RELATÓRIO

Autora/apelante e apelada subordinada: (…)
Ré/apelada e apelante subordinada: (…) – Sucursal em Portugal
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(…) intentou acção destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação demandando (…) – Sucursal em Portugal, pedindo a sua condenação no pagamento de indemnização líquida no valor de 101.131,01€, acrescida de juros de mora desde a citação, e de indemnização ilíquida a fixar posteriormente, relativamente a danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos como causa adequada de acidente de viação (atropelamento) que imputa a conduta culposa de condutor de veículo seguro na ré.
Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção ou, caso assim se não entendesse, pela redução da peticionada indemnização para valores justos e equitativos.

No curso da legal tramitação foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré no pagamento da quantia de trinta e um mil setecentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos (31.775,75€) – 21.775,75€, a título de danos patrimoniais e 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais –, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação sobre o montante relativo a danos patrimoniais e desde a sentença sobre o montante relativo a danos não patrimoniais, e bem assim no montante a liquidar ulteriormente, relativamente as danos futuros.

Não se conformando com os valores arbitrados, apela a autora, pretendendo se fixe no montante de trinta e cinco mil euros (35.000,00€) a indemnização pela perda da capacidade de ganho e em trinta mil euros (30.000,00€) a compensação pelos danos não patrimoniais, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:

1. A autora/recorrente dá por integralmente reproduzidos os factos dados como provados na audiência de discussão e julgamento, no tribunal de primeira instância.

I – Danos não patrimoniais – perda da capacidade de ganho

2. Da limitação física de que a autora ficou a padecer limitação tem necessariamente de decorrer uma objectiva e concreta diminuição das capacidades profissionais da autora, concretamente da sua capacidade de ganho e de almejar a novas e mais compensadoras oportunidades profissionais.
3. As concretas limitações de que ficou a padecer a autora – incapacidade de levantar pesos superiores a 5kg, além de limitarem a vida pessoal da autora de forma muito significativa, ganha especial relevância na concreta actividade profissional daquela, na qual é frequente e mesmo constante a necessidade de uma operadora de caixa levantar pesos superiores a 5 kgs, quer no trabalho de caixa propriamente dito, manuseando produtos adquiridos pelos clientes (um mero garrafão de água pesa exactamente 5 kgs), quer pelo facto de ser constante a chamada dos operadores de caixa a fazer, simultaneamente, trabalho de reposição de stock e acomodação de mercadoria em armazém.
4. Tarefas que a autora, de ora em diante e até o fim da sua vida, está absolutamente incapacitada de desempenhar.
5. A quantia fixada afigura-se, assim, manifestamente diminuta e inapta a ressarcir convenientemente a autora a este título.
6. Devendo ser fixado a este título, atenta toda a factualidade provada e a idade da autora, quantia não inferior a 35.000,00€.

II – Danos não patrimoniais

7. O montante total fixado a este título afigura-se, ainda mais do que aquele fixado na rubrica precedente, manifestamente insuficiente a ressarcir de forma adequada e na justa medida dos danos sofridos pela Autora.
8. A Autora foi atropelada em plena passadeira, por veículo automóvel que em nada fez sinalizar a sua aproximação, de forma totalmente inopinada, tendo visto o seu corpo ser projectado vários metros para além do ponto de embate.
9. Sofreu, além do mais, tripla fractura da bacia bem como fractura da perna.
10. Esteve em internamento hospitalar durante desde 5 de Janeiro até 19 de Fevereiro (45 dias), em total repouso e sempre confinada ao leito.
11. Em tal internamento, foi operada e viu-lhe ser aplicado gesso no membro inferior, bem como material de osteossíntese.
12. Regressada à sua habitação, passou a caminhar com auxílio de duas canadianas por 6 (seis) meses, e uma canadiana por um adicional mês.
13. Foi submetida a nova intervenção cirúrgica, para extracção do material de osteossíntese.
14. Submeteu-se a 106 (cento e seis) sessões de fisioterapia.
15. Sofreu um enorme susto e receio pela própria vida, no momento do acidente e em que foi colhida violenta e bruscamente pelo veículo atropelante.
16. Sofreu ITA de 49 dias e ITP de 249 dias.
17. Sofreu um Quantum Doloris de 4/7, acima da escala.
18. Ficou a padecer de IPP de 7 pontos, nos termos já supra descritos.
19. Ficou portadora de cicatrizes e tumefacção na perna direita, traduzíveis num dano estético de 2/7.
20. Sofreu e sofre desgosto por força das sequelas de que passou a padecer.
21. Atenta a factualidade provada e vertida supra, afigura-se insuficiente a indemnização fixada em primeira instância para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos - € 10.000,00 - a qual, pela sua extensão e gravidade, conforme resulta dos factos provados, deve ser também alterada e fixada em valor não inferior a € 30.000,00.
22. Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
23. Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.

Recorreu subordinadamente a ré, pugnando pela improcedência da acção (e sua consequente absolvição) quanto à indemnização pela perda da capacidade de ganho (dano patrimonial futuro), pela redução da indemnização a título de dano biológico (em substituição da indemnização pela perda da capacidade de gano) para valor não superior a 5.000,00€ e da indemnização pelos danos patrimoniais para valor não superior a 6.500,00€, extraindo das alegações as seguintes conclusões:

1.Vem o presente recurso impugnar a decisão relativa quer à matéria de direito quer à matéria de facto.
2. A douta sentença, andou mal, no que concerne aos cálculos efectuados a título de indemnização por perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros no valor de 20.000€, e, ainda, quanto aos danos não patrimoniais (dano moral), ao qual atribuiu uma indemnização no valor de € 10.000,00 (dez mil euros).

Quanto à matéria de facto

3. O Tribunal a quo, ao dar como provado o ponto 1.77, olvidou-se de incluir neste ponto o valor que a autora recebeu a título de pensão (capital de remição) pela perda de capacidade de ganho-dano futuro, no valor de € 8.554,59.
4. A prova de pagamento, encontra-se nos autos em documento autêntico, junto que foi pelo Juízo de Trabalho de Viana do Castelo – Juiz 1, em 05/09/2018, e que foi notificado às partes em 06/09/2018 (data da certificação CITIUS) e por ninguém foi colocado em causa. E tal informação, havia sido solicitada ao Juízo de Trabalho pelo Tribunal a quo.
5. Pelo que, o ponto 1.77 dos factos provados terá de ser alterado de forma a incluir este pagamento indemnizatório pela Seguradora de acidentes de trabalho, pois, houve incorrecta valoração da prova documental junta aos autos, e supra mencionada.
6. Pelos motivos supra expostos, e tendo por base a prova documental autêntica que se encontra nos autos, o ponto 1.77 dos factos provados deveria ter sido decidido do seguinte modo: 1.77 ‘A Autora, porém, recebeu da Companhia de Seguros «…, S.A.», a título de salários não auferidos durante o período de tempo de doença com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, a quantia de 5.723,25 €: doc. nº. 28, bem como recebeu, a titulo de perda de capacidade de ganho pela incapacidade atribuída, a pensão (capital de remição) no valor de € 8.554,59: doc. A fls. … dos autos’. (a sublinhado consta a requerida alteração).

Quanto à matéria de direito:

7. Ora, o Tribunal a quo, condenou a Ré a pagar à Autora, a título de danos futuros, pela perda da capacidade de ganho, uma indemnização na quantia de € 20.000,00, o que é exagerado para a realidade dos factos, e violador das normas previstas nos artigos 564º e 566º do Código Civil,
8. E, não foi levado em linha de conta que a autora já recebeu indemnização pela perda da capacidade de ganho na acção de acidente de trabalho, pelo que estamos aqui perante um flagrante abuso de direito (art.º 334º do C.C) contra a Ré e, sobretudo, perante um caso de enriquecimento sem causa no que respeita à autora (art.º 473º do C.C.).
9. A título de perda de capacidade de ganho, atendendo a que a autora já recebeu da seguradora de trabalho e não pode cumular indemnizações, a Ré aqui apelante deve ser absolvida do pedido relativamente a este valor, absolvição, esta, que desde já se requer (Cfr. Ac. Relação de Guimarães de 26/03/2015 e de 22/09/2016 e do STJ de 11/12/2012 e de 23/02/2012, todos sob consulta em www.dgsi.pt).

Sem prescindir, e caso assim se não entenda,

10. Ainda assim, diga-se: ‘no cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade – mas fundados nas circunstâncias do caso concreto –, de proporcionalidade – em função da gravidade do dano –, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.’
11. ‘Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.’
12. Nos termos do nº 3 do art. 566º do Código Civil, a equidade deverá funcionar ‘com maior peso’ ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.” (AC. Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo: 1721/08.5TBAVR.C1, em 28-05-2013, a consultar em www.dgsi.pt.)
13. Por sua vez diz-nos a Relação de Lisboa, em Ac. proferido em 26/09/2017, no Processo: 10421/14.T2SNT-7 que: ‘O dano patrimonial futuro emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, mesmo que não implique uma perda de capacidade de ganho efectiva ou concreta, corresponde a um dano susceptível de indemnização determinável por aplicação das regras de equidade, ponderando os resultados obtidos pelo método comparativo com outras decisões judiciais de casos semelhantes, com os objectivamente decorrentes da aplicação dos critérios de cálculo resultantes da Portaria n.º 377/2008 de 26/5 e das fórmulas matemáticas normalmente referenciadas pela jurisprudência, com vista a apurar o valor mais adequado ao caso concreto.’
14. E ainda que: ‘Na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros consequentes de défice permanente da integridade físico-psíquica relevam fundamentalmente a presumível duração da vida activa do lesado, o grau de défice funcional apurado e o rendimento do sinistrado, tendo por referência mínima os critérios legais que resultam do art. 7.º b) da Portaria 377/2008 de 26/5 (70 anos de idade de reforma) e art. 6.º nº 2 e nº 3 da mesma Portaria (rendimento líquido fiscalmente comprovado, nunca inferior ao RMMG). É adequada uma indemnização de €13.000,00 de dano patrimonial numa situação em que o lesado tem 43 anos, portanto, com estimada vida activa de 27 anos, sendo afectado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 7 pontos, ponderando o rendimento mensal mínimo garantido.’
15. Os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria estão resumidos no acórdão de 5 de Julho de 2007 daquele Supremo Tribunal e seguem a uma fórmula de cálculo (discriminada supra nas alegações) que tendo em atenção a idade (41 anos), o salario da autora (€625,00) e a sua incapacidade - défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (7pontos) alcançaríamos uma indemnização de cerca de € 8.761,00.
16. Mesmo que se entenda esta indemnização como um dano biológico (não patrimonial) e não como um dano patrimonial, uma vez que o dano patrimonial foi já ressarcido na acção de trabalho, ainda assim, o valor que a autora já recebeu tem de ser levado em conta, para não ser a Ré/apelante condenada numa indemnização manifestamente abusiva e desrespeitadora da Lei, designadamente os artigos 564º e 566º do Código Civil, bem como, está, com tal decisão a configurar um verdadeiro abuso de direito (art.º 334 do C.C) contra a Ré e ainda a provocar uma situação de enriquecimento sem causa no que respeita à autora (art.º 473º do C.C.), conforme já aqui se expos.
17. É inadmissível, e até ilegal, a indemnização no valor de € 20.000,00 a título de danos futuros, por ser, também violador do princípio da igualdade das partes, previsto no art.º 4º do CPC, bem como, no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (aplicado por analogia por se tratar a Ré de uma pessoa colectiva), uma vez que está a prejudicar deliberadamente a Seguradora privilegiando e beneficiando a autora de forma injustificada.
18. Atendendo ao aqui exposto, a indemnização a atribuir à autora a título de dano biológico e não pela perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros (porque destes já foi ressarcida), deverá ser alterada para o valor máximo de € 5.000,00 (cinco mil euros), calculado em obediência estrita ao normativo previsto no art.º564º do CC, e aos cálculos utilizados pelo STJ em situações idênticas e segundo as regras da equidade e da justiça material, no total e estrito cumprimento das normas legais.

Quanto ao dano não patrimonial:

19. E no que aos danos não patrimoniais (dano moral) diz respeito, tampouco podemos concordar por ser excessivo.
20. Quanto à forma de cálculo da indemnização por danos não patrimoniais diz-nos a Relação de Coimbra que (Ac. Relação de Coimbra, 28/05/2013, Desembargador Relator José Avelino Gonçalves, in www.dgsi.pt): ‘No tocante à fixação do dano não patrimonial, são estes os princípios tidos para nós, como “sagrados”, e que lográmos aplicar em outras instâncias recursivas cujo objecto se fixava no valor indemnizatório – por ex. o Acórdão desta Relação de 6.11.2012: 1. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade – mas fundados nas circunstâncias do caso concreto –, de proporcionalidade – em função da gravidade do dano –, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.
21. ‘Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.’
22. ‘A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas – neste preciso sentido, A. Varela, Obrigações, pág. 428 -.’
23. Comparando este caso com outros que já obtiveram decisão nos Tribunais, nomeadamente nos Superiores, designadamente no Ac. STJ 28 de Janeiro de 2016 (Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 2ª secção) e no Ac. STJ 27.10.2009 – Proc. 560/09.0YFLSB, e com recurso a critérios de equidade, é de concluir que uma indemnização por danos não patrimoniais com valor máximo de € 6.500,00 será suficiente e justa.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso

Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a:

a- apreciar da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto (pois que a ré a impugna, nos termos do art. 640º, nº 1 e 662º, nº 1 do CPC),
b- apreciar, na sequência da pretendida alteração da matéria de facto, da repercussão que na indemnização a atribuir à autora tem o recebimento de indemnização por incapacidade parcial permanente para o trabalho em acção de acidente de trabalho (dada a impossibilidade do lesado cumular indemnizações destinadas a ressarcir o mesmo dano),
c- apreciar do montante indemnizatório fixado para ressarcir a autora pelo dano patrimonial concernente ao défice permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do evento lesivo - a autora ataca-o por exíguo, a ré por exagerado,
d - apreciar do montante arbitrado pelos danos não patrimoniais, criticada por ambas as partes - a autora defendendo ser insuficiente, a ré sustentando a sua redução.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

1. No dia 5 de Janeiro de 2016, pelas 17,45 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Avenida …, Viana do Castelo, em frente ao viaduto de passagem de peões situado sob a linha dos Caminhos de Ferro, ali existente.
2. Nesse acidente foram intervenientes: o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca ‘Opel’, modelo ‘Astra’ de cor azul, de matrícula AN e o peão R. M., autora na presente acção.
3. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AN era propriedade de F. J. e, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era por ele próprio conduzido.
4. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas supra em 1., a autora dirigia-se, a pé, do seu local de trabalho para a sua casa de habitação, ao fim da sua jornada de trabalho.
5. Inicialmente, a autora caminhava, a pé, pelo passeio destinado ao trânsito de peões, adjacente à Rua …, situado na sua margem direita, tendo em conta o sentido Poente/Nascente.
6. Ao chegar ao local da confluência da Rua … com a Avenida …, a autora inflectiu a sua marcha para o seu lado direito.
7. E passou a caminhar sobre o passeio destinado ao trânsito de peões, adjacente à faixa de rodagem da Avenida ..., situado na sua margem esquerda (do lado Poente) – da Avenida ... –, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo.
8. A autora pretendia proceder ao atravessamento da faixa de rodagem, da Avenida ..., no sentido Poente/Nascente, transpor, posteriormente, a linha dos Caminhos de Ferro, no sentido Poente/Nascente, através do viaduto subterrâneo ali existente, na margem direita da faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo.
9. Ao chegar ao local do enfiamento para acesso ao referido viaduto, a autora imobilizou, completamente, a sua marcha, e parou totalmente sobre o passeio destinado ao trânsito de peões, situado na margem esquerda da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, em frente à passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 – ali existente sobre a faixa de rodagem da Avenida ....
10. Olhou, em primeiro lugar, para o seu lado esquerdo, ao longo da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido Norte, em direcção ao centro da cidade de Viana do Castelo, e reparou e certificou-se de que naquele preciso momento transitava pela Avenida ..., através da sua hemi-faixa de rodagem do lado direito um veículo automóvel ligeiro de passageiros.
11. Esse referido veículo automóvel ligeiro de passageiros imobilizou, completamente, a sua marcha e parou imediatamente antes da passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 - ali existente, a fim de permitir que a autora atravessasse a referida Avenida, na passadeira.
12. A autora olhou, depois, para o seu lado direito, ao longo da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido Sul, em direcção à Rotunda, existente à distância superior a cento e cinquenta (150) metros a Sul (do lado da Ponte Eiffel) do local em que a autora se encontrava (rotunda existente junto à entrada da Ponte Eiffel), e reparou e certificou-se de que, naquele preciso momento, não transitavam, pela Avenida ..., através da sua hemi-faixa de rodagem do lado direito, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, neste sentido de marcha (Sul-Norte), quaisquer veículos automóveis, motociclos, ciclomotores ou velocípedes, no espaço da via, superior a cento e cinquenta (150) metros, para si visível.
13. Então, a autora, em passo firme, ligeiro e determinado, iniciou e desenvolveu o atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido Poente-Nascente, ou seja, da esquerda para a direita, tendo em conta o sentido Sul/Norte, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, totalmente sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 –, ali existente, pintada sobre a faixa de rodagem da referida via – Avenida ....
14. A autora percorreu, assim, sem parar e sem hesitação, toda a largura – de 3,40 metros – correspondente à hemi-faixa de rodagem da referida via, situada à esquerda, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo.
15. Transpôs, depois e acto contínuo, a ‘linha contínua’ - marca M1 –, existente sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da referida via, entre as duas hemi-faixas de rodagem da Avenida ....
16. A autora percorreu, depois, sem parar e sem hesitação, quase toda a largura – de 3,40 metros – correspondente à hemi-faixa de rodagem da referida via, situada à direita, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo.
17. E encontrava-se já a uma distância de apenas 1,50 metros da linha delimitativa do passeio destinado ao trânsito de peões situado na margem direita da Avenida ... (tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo), quando foi violentamente embatida, pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AN.
18. Nas referidas circunstâncias de espaço e tempo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AN transitava pela Avenida ..., desenvolvendo a sua marcha, no sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.
19. O condutor do veículo AN conduzia de forma completamente distraída, pois não prestava qualquer atenção à actividade – condução –, que executava, nem aos peões que caminhavam pelos passeios situados nas duas margens da Avenida ... e sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 –, ali existente, no preciso local da deflagração do sinistro que deu origem à presente acção.
20. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AN, por essa razão, não se apercebeu da presença da autora, nem de que a mesma se encontrava a proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ..., totalmente sobre passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 –, ali existente, nas circunstâncias supra-referidas.
21. O condutor do veículo AN imprimia ao veículo uma velocidade superior a setenta quilómetros por hora.
22. Desse modo, o condutor do veículo AN, sem sequer travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado foi embater com o veículo contra o corpo da autora.
23. Esse embate ocorreu totalmente sobre a hemi-faixa de rodagem do lado direito da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, a uma distância de apenas 1,50 metros da linha delimitativa do passeio destinado ao trânsito de peões situado do lado direito da referida via, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo.
24. Essa colisão verificou-se entre a parte frontal esquerda frente, ao nível do canto do mesmo lado e, também, ao nível do canto esquerdo do vidro pára-brisas, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AN e o corpo da autora.
25. E essa colisão ocorreu totalmente sobre passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca M11 – ali existente.
26. A Avenida ..., no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, configura um ligeiro traçado curvilíneo, descrito para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffe/-Centro da cidade de Viana do Castelo, pois essa ligeira curva é muito ampla e disfarçada e permite uma ampla visibilidade.
27. A sua faixa de rodagem tem uma largura total de 6,80 metros, tendo cada uma das hemi-faixas de rodagem uma largura de 3,40 metros.
28. e o seu pavimento em asfalto, em bom estado de conservação.
29. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o tempo estava chuvoso, pois precipitavam-se as águas pluviais, encontrando-se o piso molhado e escorregadio.
30. A faixa de rodagem da Avenida ..., no local do acidente era dividida em duas hemi-faixas distintas, cada uma delas, destinadas a um sentido de marcha, separadas, entre si, através de uma ‘linha contínua’ – marca M1 –, pintada a cor branca, sobre o seu eixo divisório.
31. Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Avenida ... apresentava e apresenta passeios, destinados ao trânsito de peões, com uma largura de 2 metros cada.
32. A visibilidade, no local do sinistro, era boa, pois para quem se encontra lá situado, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Avenida ... e os seus passeios, destinados ao trânsito de peões, em toda a sua largura, ao longo de uma distância superior: a cento e cinquenta (150) metros, no sentido Norte, em direcção ao centro da cidade de Viana do Castelo; a cento e cinquenta (150) metros, no sentido Sul, em direcção à Ponte Eiffel, sobre o Rio Lima.
33. Para quem circula pela Avenida ..., no sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo, consegue avistar-se a sua faixa de rodagem e os seus dois referidos passeios, destinados ao trânsito de peões, em toda a sua largura, em direcção ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a cento e cinquenta (150,00) antes de lá chegar.
34. No preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, existia e existe, ainda, pintada sobre a faixa de rodagem da Avenida ..., uma zona de traços brancos pintados em posição paralela, uns em relação aos outros, e todos eles em posição paralela em relação do eixo divisório da faixa de rodagem da referida via: passadeira para o atravessamento de peões – marca M11.
35. Para quem circula no sentido de marcha Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/centro da cidade de Viana do Castelo – como de resto, sucede para quem circula em sentido inverso –, imediatamente antes dessa passadeira para o atravessamento de peões – marca M11 –, existia, ainda, como existe, um traço branco, pintado no pavimento asfáltico da Avenida ..., em posição perpendicular, em relação ao eixo divisório da referida via e em relação aos traços brancos que compõem a referida passadeira para o atravessamento de peões (marca M11): linha de paragem – marca M8.
36. Imediatamente antes dessa passadeira para o atravessamento de peões e dessa linha de paragem, existia e existe, ainda, para quem circula em qualquer dos dois sentidos de marcha, fixo em suporte vertical, o sinal vertical indicativo da presença e da existência dessa passadeira para o atravessamento de peões: sinal H7.
37. Além disso, para quem circula, pela Avenida ..., no sentido Sul/Norte, ou seja, Ponte Eiffel/Centro da cidade de Viana do Castelo, existia e existe, ainda, antes de lá chegar, sobre o tabuleiro da Ponte Eiffel, fixo em suporte vertical, a uma distância de cerca de oitocentos (800) metros, antes de chegar ao local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, um sinal, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor preta, a inscrição ‘50’: proibição de exceder a velocidade máxima de cinquenta (50,00) quilómetros por hora – sinal C13.
38. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, estava já a escurecer.
39. O local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, porém, era iluminado, pois, nas duas margens da faixa de rodagem da Avenida ..., existiam e existem, de forma contínua e ininterrupta, postes com candeeiros da iluminação pública urbana, situados a uma distância de trinta (30) metros uns dos outros. As lâmpadas dos candeeiros de todos esses postes da iluminação pública encontravam-se ligadas e acesas.
40. Como consequência directa e necessária do acidente e da queda que se lhe seguiu, resultaram para a autora lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo do membro inferior direito (fracturas em três pontos na bacia à direita e fractura na perna direita).
41. A autora foi transportada de ambulância para a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE -, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência: foram-lhe, aí, efectuados exames radiológicos às regiões do corpo atingida e prescritos medicamentos vários.
42. Dada a gravidade das lesões sofridas, a Autora foi internada no Serviço de Ortopedia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE, de Viana do Castelo, onde se manteve, internada, entre o dia 5 de Janeiro de 2016 e o dia 22 de Janeiro de 2016.
43. Durante esse período de internamento hospitalar, na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE –, de Viana do Castelo, a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica, na redução da fractura da metáfise proximal da tíbia direita, com aplicação de uma vareta endomedular, e aplicação de um aparelho gesso, que usou ao longo de um período de tempo de uma semana, e aplicação de material de osteossíntese da região sacroilíaca direita, nomeadamente, com a aplicação, nessa região do seu corpo, de um parafuso metálico.
44. Durante o período de internamento na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE –, de Viana do Castelo, a autora manteve-se, sempre, retida no leito.
45. No dia 22 de Janeiro de 2016, a autora obteve alta da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE –, de Viana do Castelo.
46. E, nessa mesma data, a autora foi transferida para Casa de Saúde ..., da cidade do Porto, por conta da Companhia de Seguros ‘…, SA’ (actualmente, denominada ‘Seguradoras …, SA’), ao abrigo de contrato de seguro de acidentes de trabalho.
47. A autora manteve, internada, na Casa de Saúde ..., da cidade do Porto, desde o dia 22 de Janeiro de 2016 até ao dia 19 de Fevereiro de 2016.
48. No dia 19 de Fevereiro de 201, a autora obteve alta da Casa de Saúde ..., da cidade do Porto, e regressou à sua casa de habitação, onde passou a caminhar, a pé, com o auxílio de um par de canadianas, como auxiliares de locomoção, as quais de viu na necessidade de usar, ininterruptamente, ao longo de um período de tempo de seis meses, até ao mês de Agosto de 2016.
49. Posteriormente, a autora viu-se, ainda, na necessidade de usar uma canadiana, como auxiliar de locomoção, ao longo de um período de um mês.
50. Após a sua alta da Casa de Saúde ..., da cidade do Porto, a autora continuou a frequentar esta Unidade de Saúde, no regime de consulta externa, na especialidade de ortopedia, aonde se deslocou por nove vezes.
51. No mês de Setembro de 2016, a autora foi novamente internada na Casa de Saúde ... da cidade do Porto, para ser submetida a uma segunda intervenção cirúrgica, consubstanciada na extracção do material de osteossíntese – vareta endomedular – que lhe havia sido aplicada na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE – ULSAM, EPE –, de Viana do Castelo.
52. A autora frequentou tratamento de fisioterapia, entre o mês de Fevereiro de 2016 e o mês de Setembro de 2016, no Hospital Particular ..., ao longo de cento e seis sessões.
53. E frequentou novo plano de tratamento de fisioterapia, após a intervenção cirúrgica a que foi submetida, no mês de Setembro de 2016, também, no Hospital Particular ....
54. Tudo no total de cento e seis sessões.
55. No dia 27 de Outubro de 2016 a autora obteve alta médica definitiva.
56. No momento do acidente e nos instantes que o precederam a autora sofreu um enorme susto.
57. E, dada a violência do embate, o carácter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente a sua incapacidade de lhe escapar, a autora receou pela própria vida.
58. A autora obteve a consolidação médico-legal das lesões no dia 27/10/2016.
59. Sofreu um défice funcional temporário total de 48 dias, nos seguintes períodos: entre 5/1/2016 e 19/2/2016 e entre 6/9/2016 e 7/9/2016.
60. Sofreu um défice funcional temporário parcial de 249 dias nos seguintes períodos: entre 20/2/2016 e 5/9/2016 e entre 8/9/2016 e 27/10/2016.
61. Sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 291 dias e um período de repercussão na actividade profissional parcial de 6 dias.
62. Sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
63. A final ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos: por limitação no movimento de flexão do joelho direito a 110º e por queixas dolorosas, com limitação ligeira de mobilidade associada, na anca direita, sequelares a factura tratada cirurgicamente.
64. Tal défice e sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5kgs.
65. No caso em apreço é de perspectivar a existência de dano futuro (agravamento das sequelas), concretamente uma evolução mais precoce para artrose no joelho direito.
66. A autora é portadora de material de osteossíntese na anca direita, não se considerando haver benefício na extracção do mesmo.
67. Em consequência das lesões sofridas e tratamentos recebidos, a autora ficou com um dano estético permanente fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta as cicatrizes e tumefacção no membro inferior direito.
68. A autora contava à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção quarenta e um anos de idade, pois nasceu no dia .. de .. de 1970.
69. Era uma mulher ágil, saudável e robusta e nunca havia sofrido qualquer acidente de trânsito, ou qualquer outro, nem de qualquer enfermidade.
70. A autora, antes da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, não sofria de qualquer aleijão, deformação física, limitação física, funcional, profissional ou de utilização do seu corpo.
71. Os factos supra descritos atinentes às sequelas de que ficou portadora causam-lhe desgosto.
72. A autora exercia à data da ocorrência do acidente dos presentes autos, como exerce, na presente data, a profissão de operadora de caixa de supermercado, por conta da sociedade ‘... – Distribuição Alimentar, SA’.
73. Desempenha essas suas funções no estabelecimento da referida sociedade comercial, sito na Rua ..., da cidade de Viana do Castelo.
74. E auferia, como rendimento médio do seu trabalho, incluindo o ordenado-base, o subsídio de alimentação e trabalho extraordinário, a quantia média de 625,00€, por mês.
75. Além disso, fora das horas de trabalho, por conta da sua referida entidade patronal, a autora desempenhava as tarefas domésticas, na sua casa de residência, cujo agregado familiar era, como é, composto por ela própria e por dois filhos, com dez e dezanove anos de idade, respectivamente.
76. A autora não recebeu, da sua referida entidade patronal, os rendimentos do seu trabalho correspondentes à sua referida profissão operadora de caixa de supermercado.
77. A autora, porém, recebeu da Companhia de Seguros ‘…, SA’, a título de salários não auferidos durante o período de tempo de doença com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, a quantia de 5.723,25€.
78. A autora efectuou as seguintes despesas:
a) taxas moderadoras: 15,00€, e
b) deslocações em transportes públicos: 100,00€, num total de 115,00€.
79. Viu danificadas e completamente inutilizadas as seguintes peças de vestuário: um par de calças, um casaco de fazenda e um par de sapatos, de montante não concretamente apurado.
80. E viu inutilizados e/ou extraviados os seguintes objectos de uso pessoal: um fio de ouro, uma medalha com a representação do anjo da guarda e um telemóvel de montante não concretamente apurado.
81. À data do acidente a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com a circulação do veículo AN encontrava-se transferida para a Ré, Companhia de Seguros ‘…, PLC – Sucursal em Portugal’, mediante contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº …, em vigor à data dos factos.
*
Fundamentação de direito

A. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Importa começar a apreciação das apelações pela suscitada impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – questão que se apresenta como precedendo lógico-juridicamente as demais (questões jurídicas, que pressupõem a estabilização da matéria de facto a valorizar).

Impugna a ré/apelante a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto argumentando que o facto provado com o número 77 não reflecte inteiramente o que se mostra documentado, com força probatória plena, nos autos, pois que nele não foi feito constar que a autora recebeu (da seguradora do trabalho) a título de perda de capacidade de ganho pela incapacidade atribuída pensão (capital de remição) no valor de 8.554,59€.

Constata-se, pois, que a ré/apelante fundamenta a pretendida alteração ou modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto em não ter a decisão recorrida respeitado a força probatória plena de documento (constarem do processo elementos que, só por si, determinam decisão diversa, atento o seu valor probatório, insusceptível de ser afectado ou perturbado por qualquer outro meio de prova).

Apesar da actual redacção do art. 662º do CPC ter deixado de prever expressamente a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer ouras provas (assim o prescrevia o art. 712º, nº 1, b) da anterior versão do CPC), tal possibilidade deve considerar-se aí prevista, porquanto a modificação se continua a justificar em tais circunstâncias (desrespeito da força plena de certo meio de prova – v. g., quando se encontrar junto ao processo documento com força probatória plena relativamente a determinado facto e este não seja considerado provado, ou quando tenha sido desrespeitada declaração confessória ou acordo das partes nos articulados), devendo a Relação, ‘limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material’, integrar na decisão o facto que a primeira instância desconsiderou, o que nem sequer depende de iniciativa da parte (aplicando-se aos acórdãos da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença – art.s 663º, nº 2 e 607º, nº 4 do CPC –, deverão considerar-se os factos admitidos por acordo e os plenamente provados por documentos ou confissão) (2).
Encontra, assim, abrigo normativo a impugnação deduzida pela ré/ apelante à decisão da primeira instância quanto ao facto elencado sob o número 77 da matéria provada.

Para lá de na situação poder/dever a Relação, oficiosamente, apreciar da questão, cabe referir ter a ré/apelante cumprido os ónus impostos no art. 640º, nº, a), b) e c) do CPC ao recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto – especifica o ponto de facto que considera incorrectamente julgados, indica o sentido que preconiza para o seu correcto julgamento e identifica os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, enunciando de forma clara os reais motivos da sua discordância.
A alegação da factualidade (que se tem por essencial, integradora de matéria exceptiva – excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral, na terminologia do douto acórdão do STJ de 11/12/2012 (3)) que pretende ver incluída no acervo factual a valorizar mostra-se feita nos autos – a autora alegou expressamente no artigo 268º da petição inicial ter recebido da seguradora da responsabilidade laboral o capital de remição da pensão, juntando documento disso comprovativo, tendo a ré alegado na contestação ter sido a autora indemnizada pela seguradora do trabalho pelos danos patrimoniais que pudessem existir (artigo 33 da contestação) e especificamente que a autora fora já indemnizada no âmbito do processo de acidente de trabalho pelos danos resultantes da IPP sofrida (artigo 46 da contestação).
Assim (mais do que pela confissão da autora, pela força probatória do documento junto aos autos a fls. 297 a 299 - informação prestada pelo juízo do trabalho de Viana do Castelo, relativa ao processo de acidente de trabalho nº 3805/16.7T8VCT no qual figurava como trabalhadora/vítima a aqui autora), está demonstrado nos autos que a autora recebeu da seguradora …, seguradora do responsável laboral, no âmbito do processo de acidente de trabalho, a quantia de 8.554,59€, sendo 8.228,24€ a título de capital de remição da pensão, 6,00€ de transportes e 320,35€ a título de juros de mora (documento nº 29 junto com a petição e informação prestada pelo juízo do trabalho de Viana do Castelo a fls. 297 a 299).
Assim, a pretensão da ré/apelante merece acolhimento de modo a que o número 77º da fundamentação de facto passe a ter a redacção que segue (considerando os termos dos documentos, que foi o que as partes pretenderam respectivamente alegar/aceitar):
77. A autora recebeu da Companhia de Seguros …, SA, a título de salários não auferidos durante o período de tempo de doença com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, a quantia de 5.723,25€ e recebeu, a título de capital de remição da pensão anual e vitalícia decorrente de Incapacidade Parcial Permanente, por acidente de trabalho, a quantia de 8.228,24€, acrescida de juros de mora.

B. Da cumulação de indemnizações (com base na responsabilidade infortunística – laboral – e na responsabilidade civil por factos ilícitos), por parte da autora, para ressarcimento do mesmo dano

Sustenta a ré a sua absolvição quanto à pretensão indemnizatória deduzida a título de perda de capacidade de ganho, pois que a autora já recebeu da seguradora do responsável laboral indemnização quanto a tal dano, não podendo cumular indemnizações – ou, defende, deve pelo menos tomar-se em conta na fixação da indemnização (descontando-o) o valor que a autora já recebeu da seguradora do trabalho.

Como vem sendo decidido de modo constante e uniforme (4), as indemnizações consequentes a evento simultaneamente qualificável como acidente de viação e como acidente de trabalho (assentes em critérios distintos e com funcionalidade própria) não são cumuláveis, antes se complementando até ao ressarcimento integral do dano/prejuízo causado, não podendo tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado acumule, no seu património, um duplo ressarcimento do mesmo dano concreto.
Também constantemente renovada a afirmação (5) de que, em tais situações em que se verificam as duas fontes da obrigação de indemnizar (civil e laboral), a responsabilidade infortunística laboral assume carácter subsidiário relativamente à responsabilidade civil extracontratual – a responsabilidade primacial e definitiva cabe ao responsável civil, seja com base na culpa, seja com fundamento no risco, podendo sempre a entidade patronal ou a respectiva seguradora repercutir naquele responsável civil o que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

Tal figurino normativo (6) do ‘concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos)’ preenche, ‘no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita’, pois que no ‘plano das relações externas o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações’ e no plano das ‘relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente’, havendo todavia que destacar algumas ‘particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria’, designadamente:

- quanto ao regime das relações externas, põe-se em evidência que ‘(ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente’, razão que leva a qualificar ‘como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito’;
- no âmbito das relações internas, o ‘quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor’ (actualmente o artigo 17º da Lei 98/2009, de 4/09, cuja redacção é inteiramente coincidente com a do art. 31º do anterior regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, aprovada pelo Lei 100/97, de 13/09), sendo ‘o direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas’: i) ‘substituindo-se ao lesado na propositura da acção indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente’ (artigo 17º, nº 4 da Lei 99/2009, de 4/09); ii) ‘intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efectivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas’ (artigo 17º, nº 5 da Lei 99/2009, de 4/09); ou iii) ‘exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral’ (artigo 17º, nº 2 da Lei 99/2009, de 4/09).

Não prevê, pois, tal regime legal o desconto ou abate, por iniciativa do lesante (responsável civil), das quantias já pagas ao lesado/sinistrado em consequência do acidente laboral pela entidade patronal ou respectiva seguradora – mesmo demonstrando o responsável civil (sua seguradora) que ocorreria duplo ressarcimento de certo dano concreto (salva a hipótese de demonstração de efectivo reembolso ao responsável pelo acidente de trabalho das quantias por este pagas a título de responsabilidade infortunística) –, pois que o interesse protegido pela ‘consagração da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não obviamente o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral’, não assistindo ao ‘lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o singelo argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado’ – o ordenamento põe na disposição do verdadeiro titular do interesse protegido através da consagração da regra fundamental da proibição de acumulação de indemnizações a iniciativa de deduzir intervenção principal na causa em que o lesado exige indemnização ao responsável civil, de exigir directamente o reembolso ao lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou de propor acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de um ano, não exerceu judicialmente o direito à indemnização a que teria direito com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (7).

Considerações que permitem concluir não poder o lesante, enquanto responsável primacial pelas consequências do evento lesivo (facto ilícito), desvincular-se unilateralmente perante o lesado da obrigação de suportar integralmente os danos causados com base na indemnização paga pelo responsável laboral – o lesante apenas poderá opor ao lesado a excepção peremptória do ‘efectivo reembolso ao responsável pelo acidente de trabalho’ das quantias por este pagas a título de responsabilidade infortunística, pois nesta situação estará ‘obviamente excluída a possibilidade de a entidade patronal vir ulteriormente pedir qualquer reembolso ao lesado’, nos termos do referido art. 17º, nº 2 da Lei 99/2009, de 4/09, redundando a desconsideração de um tal facto (extintivo do direito ao reembolso concedido à entidade patronal) num efeito manifestamente incompatível com o princípio fundamental, vigente nesta sede, da não duplicação ou acumulação material de indemnizações (8).

Não se objecte com a existência de enriquecimento sem causa – não devendo existir sobreposição entre a indemnização por acidente de viação e a indemnização por acidente de trabalho, a restituição do que eventualmente seja recebido a mais é matéria do exclusivo interesse do responsável pela indemnização laboral, não do responsável civil (art. 17º da Lei 98/09, de 4/09) (9).

Do que vem de dizer-se resulta que a ré, seguradora do lesante responsável civil, não pode opor validamente à lesada ter esta recebido já da seguradora do responsável laboral indemnização concernente à perda da capacidade de ganho.
Não pode, porém, desconsiderar-se que a autora, na sua petição, expressamente quis excluir da indemnização peticionada pelo dano futuro o valor já recebido da seguradora do trabalho a título de capital de remissão da pensão anual e vitalícia devida em função da incapacidade parcial permanente para o trabalho com que ficou afectada – no artigo 268º da petição inicial calculou tal indemnização no valor global de 65.000,00€, descontando porém o montante já recebido da seguradora do trabalho a título de capital de remissão da pensão anual e vitalícia calculado em função da incapacidade parcial permanente de que ficou afectada.
Não podendo o ‘tribunal comum, antes da opção exercida pelo lesado ou do pedido formulado pela seguradora do acidente de trabalho que pagou e se pretende sub-rogar no direito do trabalhador’, proceder ‘a qualquer desconto na indemnização que arbitra da quantia recebida pelo pagamento da indemnização infortunística’ (10), certo é que tem de atender à escolha expressa do lesado a propósito – como acima referido, do regime normativo do concurso ou concorrência de responsabilidades (laboral e por facto ilícito) resulta que o lesado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis (laboral ou civil), podendo optar (validamente) por qualquer das indemnizações e por as combinar, ainda que de tal combinação não possa resultar uma acumulação (11).

No caso dos autos a lesada alegou o recebimento da indemnização no âmbito do processo de acidente de trabalho (recebimento do capital de remição da pensão anual e vitalícia relativa à incapacidade parcial permanente), pretendendo ser ressarcida nos presentes autos, quanto à indemnização por danos futuros (dano biológico englobando a perda da capacidade aquisitiva), pelo excedente (art. 268º da petição inicial) – pretende, pois, a lesada nos presentes autos haver da ré, responsável civil, indemnização adicional à emergente do sinistro laboral na medida em que o dano sofrido não estiver já ressarcido pelo recebimento daquele capital de remição (indemnização - a do âmbito laboral - exclusivamente referente ao dano laboral da incapacidade parcial permanente), sendo certo que não exclui da sua pretensão o dano da perda da capacidade aquisitiva resultante da alegada incapacidade parcial permanente para o trabalho de 13,67%.
Considerando o princípio do dispositivo – que tem ínsito o princípio da correspondência entre a sentença e a acção (12) (congruência entre a petição e a sentença) –, deve a sentença conformar-se com tal pretensão da autora, não lhe atribuindo indemnização que desconsidere tal expressa indicação (13).
Tal desconsideração da indicação da autora só poderá afirmar-se, porém, se interpretada a sentença se puder concluir que nela se valoriza (em vista de estabelecer o quantum respondeatur) o mesmo dano.
Tal conclusão não pode retirar-se.
Na verdade, nos presentes autos valorizou-se o dano para a autora decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas que implica esforços complementares no transporte de pesos superiores a 5 kg.
Não resultando provado que ficasse a autora a padecer de qualquer incapacidade parcial permanente ou de défice funcional permanente com repercussão no exercício da actividade laboral, não se verifica, ao nível do substracto factual valorizado, qualquer identidade ou similitude entre o dano valorizado (o referido défice funcional da integridade físico-psíquica, compatível com o exercício da actividade profissional) e o dano ressarcido nos autos de acidente de trabalho com a pensão anual e vitalícia atribuída em razão da aí considerada incapacidade parcial permanente para o trabalho – como decorre do disposto no art. 8º, nº 1 da Lei 98/2009, de 4/09, o acidente de trabalho, conceptualmente, tem como pressuposto a verificação de uma lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho, nesse âmbito se ressarcindo o lesado, exclusivamente, pela incapacidade para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho (art. 19º nº 3 da Lei 98/2009, de 4/09).
Não se verifica assim que a indemnização arbitrada na sentença traduza ou importe qualquer duplicação da indemnização (e que, assim, haja contrariado a indicação da autora lesada a propósito) – a consideração do facto valorizado (o dano na sua estrita vertente fáctica) permite considerar que não é apreciada/valorizada qualquer previsível perda salarial da autora, apontando a fundamentação jurídica expendida, que se circunscreve à transcrição (quase integral) do acórdão do STJ de 25/08/2017 (14), para a valorização de tal consequência ao nível anátomo-funcional no âmbito do dano biológico e para a fixação do montante indemnizatório segundo juízos de equidade (ainda que tal não seja revelado de modo expresso).
Face ao exposto, improcede este segmento do recurso subordinado da ré.

C. O montante indemnizatório do dano patrimonial

Fixou a decisão recorrida em vinte mil euros (20.000,00€) o dano patrimonial resultante para a autora do défice permanente da integridade físico-psíquica (sete pontos) de que ficou a padecer como consequência das lesões sofridas no evento lesivo.
Do assim decidido discordam ambas as partes – a autora por entender que tal indemnização deve ser fixada em quantia não inferior a 35.000,00€; a ré por considerar que tal montante é excessivo, devendo ser reduzido ao montante de 5.000,00€.

O défice permanente da integridade física do indivíduo (uma incapacidade geral permanente) traduz uma lesão do direito à integridade física (art. 25º, nº 1 da CRP), uma das irradiações ou manifestações da tutela geral da personalidade humana (art. 70º do CC).
Perspectiva-se como dano biológico, enquanto ‘diminuição somático-psíquica e funcional do lesado’, com repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, sendo ‘sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou não patrimonial’ (15).
Repercute-se, objectivamente, na diminuição da condição física e na capacidade de realização de esforços, o que redunda numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas antes desempenhadas, em todas as vertentes do quotidiano pessoal.
Logo que se verifique, o dano biológico merece tutela, seja ao nível compensatório, seja ao nível indemnizatório, seja até a ambos – a ‘extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência, de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve’, contempla-o indemnizatoriamente, enquanto ‘a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais, também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla’ ao nível compensatório (16).
Dano biológico que é de valorizar (para lá do que signifique na diminuição da qualidade de vida do lesado – nas inibições que cria, na diminuição da possibilidade de exercer actividades lúdicas, nas manifestações negativas que possa assumir no relacionamento social, familiar e inter-pessoal do indivíduo, etc. –, a valorizar no âmbito do dano não patrimonial) no âmbito do dano patrimonial (sem que isso signifique uma repetição ou duplicação de valorização do mesmo dano) quando ele se repercuta na actividade laboral do lesado, seja directamente, implicando perda efectiva ou previsível de rendimentos, seja quando implique ao lesado maior esforço e dispêndio de energia para não sofrer diminuição de rendimentos – tal dano deve ser indemnizado na vertente patrimonial independentemente da prova do lesado sofrer ou vir a sofrer diminuição dos seus proventos futuros (isto é, diminuição da sua capacidade de ganho) se for de concluir que tal incapacidade funcional ou fisiológica, repercutindo-se nuclearmente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, irá implicar, previsivelmente, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas e assim, se for de considerar que essa incapacidade exige do lesado um esforço suplementar físico e psíquico para obter o mesmo resultado da sua actividade (17).
Porque está em causa dano que se consubstancia numa limitação ou défice funcional (apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais ou na privação duma específica capacidade profissional), ‘perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional’, deverá a indemnização a arbitrar pelo dano biológico compensar o lesado quer pela ‘restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição’, quer pela ‘acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas’, adicionalmente ou complementarmente à indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado – e assim que ao ‘avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado’ (18).
O fundamento da ressarcibilidade do dano biológico assentará, em tais casos (em que o défice funcional se repercute na exigência do maior esforço para o desempenho de actividades e tarefas), não só na referida ‘restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar’, como na ‘acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo o compensar e ultrapassar’ as deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas (19). Nestas situações em que é previsível que o rendimento auferido com o exercício de actividade laboral não sofra alteração em razão da limitação funcional resultante do evento que está na génese da obrigação de indemnizar (não se apresenta como verosímil a perda efectiva de rendimentos laborais), valoriza-se a circunstância de tal não diminuição de rendimentos ter como correspectivo um acréscimo de esforço corporal e/ou intelectual (20), na exacta medida do grau de incapacidade/limitação funcional, não compensado com qualquer acréscimo de retribuição, sendo por isso adequado atender e valorizar pecuniariamente tal maior esforço ou dispêndio de energia.
Tem, pois, o dano biológico, na vertente patrimonial, uma vasta e alargada abrangência – desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis (21).
Na situação trazida pela apelação, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos de que ficou a padecer a autora, como sequela das lesões sofridas no embate, por limitação no movimento de flexão do joelho direito a 110º e por queixas dolorosas, com limitação ligeira de mobilidade associada, na anca direita, sequelares a fractura tratada cirurgicamente, é compatível com o exercício da actividade profissional habitual, implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs.
Não sendo previsível ou verosímil (o dano futuro é apreciado segundo juízos de normalidade, previsibilidade e verosimilhança – art. 564º, nº 2 do CC) que tal limitação funcional acarrete, directamente, qualquer perda salarial futura, tem de reconhecer-se que (além do acrescido esforço que implica na execução de tarefas que antes desempenhava, mesmo no exercício da actividade laboral, sem tal acréscimo de energia) acarreta uma limitação da capacidade da autora desenvolver actividades com relevo na vertente económica ou patrimonial na sua vida – ou, doutro modo, tal défice representa uma ‘diminuição da sua capacidade económica geral com relevo em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória’ (22).
A especificidade das sequelas e o modo como o défice funcional se revela – implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs –, além do seu tendencial agravamento futuro (é perspectivável a evolução mais precoce para artrose do joelho), expande-se pelas várias tarefas e actividades desempenhadas pela autora, mormente no desempenho da actividade profissional e das tarefas domésticas (que, como provado, desempenha – facto provado com o nº 75), limitando-a no respectivo exercício (e reflectindo-se até na frustração do desempenho de quaisquer outras actividades de cariz económico-profissional).
Trata-se, pois, de dano que assume a categoria de dano patrimonial futuro, cujo montante indemnizatório deve apurar-se (por não ser possível averiguar do seu exacto valor) com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC), segundo juízos de verosimilhança e probabilidade.
A equidade (tratada como fonte de direito sem que necessariamente o seja) é, como resulta do art. 566º, nº 3 do CC, uma ‘via que serve de recurso para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, nomeadamente um crédito indemnizatório, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’ (23).
Diferentemente do que acontece relativamente ao apuramento do valor monetário para compensar o dano não patrimonial (em que a equidade funciona como único recurso), relativamente ao julgamento do dano patrimonial, designadamente do dano patrimonial futuro, a ‘equidade funciona como último recurso, para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, designadamente do direito a uma indemnização, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’ (24).
Equidade não significa arbitrariedade, convocando a ponderação do curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – a particular situação da lesada que, com 41 anos, sofreu lesão da sua integridade física que lhe demanda esforços suplementares no desenvolvimento das tarefas e actividades diárias (considere-se o que significa despender esforços suplementares sempre que é necessário transportar peso superior a 5 kgs).
O apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – a equidade é uma forma de justiça: por seu intermédio não se criam regras jurídicas nem se encontra a solução através da mediação ou intervenção de regra elaborada pelo julgador, que tão só recorre ao exame das características do caso concreto (25); a equidade é a ‘justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida’ (26).
A equidade é uma forma de justiça concreta, que intenta superar a própria ideia de justiça já cristalizada pela norma legal, pois que o ‘equitativo, sendo embora o justo, não o é em conformidade com a lei, mas antes como aperfeiçoamento do justo legal’ (27).
Norteia a decisão de acordo com a equidade a particular situação do caso concreto.
O que está em causa, no apuramento da indemnização que se vem tratando, não é repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir a autora pelo défice funcional de que padece e que se revela implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs – e que por isso se expande e repercute (ainda que em grau correspondente ao défice de sete pontos de que ficou afectada – mas com previsível agravamento futuro) pelas várias tarefas e actividades desempenhadas, limitando-a no respectivo exercício.
A jurisprudência (desde logo a do STJ) tem vindo a considerar que a indemnização pelo dano futuro, onde se compreende a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de rendimento, deve ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir (ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo), que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado ou o rendimento auferido com aquele acrescido esforço – estando em causa, fundamentalmente, o método que deve ser adoptado para o respectivo cálculo, vem sendo entendimento jurisprudencial corrente e reiterado o de que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros ‘deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos)’, pois ‘que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão’ (28).
Método que – evitando o subjectivismo que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – começa por procurar o quantum respondeatur com ‘recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado’ (designadamente a descrita no acórdão do STJ de 4/12/2007, no processo nº 07A3836, assente numa taxa de juro de 3%) (29), submetendo depois tal valor estático ‘alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» – e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório’ – ao tempero da ‘equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo’, sejam a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros) (30), e bem assim a especificidade do concreto dano a indemnizar (no caso dos autos, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade profissional, implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs).
De forma concisa – as ‘tabelas funcionam apenas como orientação para o cálculo da indemnização, não sendo, em caso algum, susceptíveis de dispensar ou substituir o juízo de equidade que cabe ao julgador nesta hipótese’ (31), pois que da aplicação das tabelas só poderá resultar quer ‘uma justiça abstracta, insensível à circunstância de o caso concreto ter especificidades juridicamente relevantes’, quer uma ‘justiça estática, insensível à circunstância de, entre as especificidades juridicamente relevantes do caso concreto, estarem variantes dinâmicas’ (32).
Método que temos por adequado a casos como o dos autos – neste juízo equitativo de último recurso, servirão os dados colhidos da aplicação dos referidos cálculos financeiros (fórmulas e/ou tabelas matemáticas) como ponto de partida referencial (uma referência primeira) do valor indemnizatório do dano decorrente do défice funcional, nessa primeira abordagem apreciado como se se tratasse, exclusiva e verdadeiramente, dum défice com direito reflexo na perda de rendimento; depois, sempre numa aproximação à ideia de justiça da situação concreta e, assim, do aperfeiçoamento do justo legal, a temperança do juízo equitativo e a valorização das características e especificidades do caso concreto.
Assim, de acordo com o critério orientador da tabela financeira do referido acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, considerando a idade da autora ao tempo do evento lesivo (41 anos), uma taxa de juro de 2% (o juízo de ponderação não pode ser perturbado pela crise económico-financeira que atravessamos – e atenderemos a tal taxa de juro, pois que o critério utilizado é meramente orientador e a indemnização a atribuir parte de um juízo de verosimilhança e previsibilidade a longo prazo, sendo certo que valorizando o espaço temporal a considerar, essa taxa, face ao passado, se apresenta como adequada), o valor de 1,5% para a inflação (basta atentar na flutuação da taxa da inflação desde o início do século para justificar a consideração de tal taxa), considerando o factor de 0,25 para progressão na carreira (a autora tinha 41 anos e desenvolvia actividade profissional não qualificada, sendo previsível uma muita reduzida possibilidade de progressão na carreira), o seu vencimento, o défice funcional permanente da integridade física de que ficou a padecer (sete pontos) e projectando o cálculo até aos oitenta anos (esperança de vida que, em Portugal, para indivíduos do sexo feminino é já superior), encontra-se montante superior a vinte e dois mil e trezentos euros (22.300,00€) (33).
Quebrando os espartilhos dos enquadramentos inflexíveis e rígidos das fórmulas matemáticas para encontrar a indemnização justa, adequada e equilibrada, terá de considerar-se a particularidade do dano a indemnizar, partindo deste ponto de partida referencial (referência primeira) – e para joeirar aquele valor, o juízo de equidade convoca a situação concreta a indemnizar, que revela a justeza, equilíbrio e ponderação da indemnização de vinte mil euros (20.000,00€) arbitrada pelo tribunal a quo: não está em causa repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir lesada com 41 anos ao tempo do embate que ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, que sendo compatível com o exercício da actividade profissional habitual lhe implica esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs, que se expande e repercute (ainda que em grau correspondente ao défice de sete pontos de que ficou afectada, mas com previsível agravamento futuro) pelas várias tarefas e actividades desempenhadas, limitando-a indelevelmente no respectivo exercício (e reflectindo-se até na frustração do desempenho de outras actividades de cariz económico-profissional); não pode também desconsiderar-se que a fórmula matemática acima usada é própria para o cálculo do dano decorrente duma incapacidade profissional, não duma incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia como é o défice funcional resultante da aplicação da Tabela Indicativa para a Avaliação do Dano em Direito Civil (aprovada, juntamente com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais pelo DL 352/2007, de 23/10).
Mostra-se, pois, o montante arbitrado na decisão recorrida fixado equilibrada e equitativamente, sendo proporcionado e adequado à reparação do dano em causa.
Resta esclarecer que o montante arbitrado valoriza o dano para a autora decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas que implica esforços complementares no transporte de pesos superiores a 5 kg, não já a perda da capacidade aquisitiva resultante de qualquer incapacidade parcial permanente para o trabalho. Por tal razão não há que deduzir ao montante encontrado o valor que a autora já percebeu da seguradora em resultado da incapacidade parcial permanente para o trabalho considerada no processo de acidente de trabalho (dedução que, considerando que alegava também nestes autos uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, por ela foi pretendida na petição, como acima referido – artigo 268º da petição inicial).

Não assiste assim razão a qualquer das partes na censura que, no segmento da fixação do dano patrimonial, dirigem à sentença recorrida.

D. O montante compensatório dos danos não patrimoniais

Ambas as partes se insurgem contra a sentença recorrida, discordando do montante fixado para compensar a autora pelos danos não patrimoniais – a decisão recorrida entendeu justo e adequado o valor de dez mil euros (10.000,00€), defendendo a autora dever ser fixada a sua compensação em trinta mil euros (30.000,00€) e pugnando a ré pela sua redução para valor não superior a seis mil e quinhentos euros (6.500,00€).

Segundo o artigo 496º nº 1 do CC, na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A indemnização por danos não patrimoniais (aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa­trimonial, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária) não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (tal dano, porque relativo a bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização) (34).
De atentar que na responsabilidade civil por factos ilícitos a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza mista: se por um lado visa compensar o lesado (função essencialmente reparatória), não lhe é alheio o propósito (acessório) de reprovar, sancionar ou castigar o lesante pela conduta causadora do dano (35).
O montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente em atenção ao grau de culpa do lesante, sua situação económica e demais circunstâncias relevantes (arts. 496º, nº 3 e 494º do CC).

Equidade (que neste âmbito funciona como único recurso) que convoca juízo que, ponderando os critérios jurisprudenciais, atenda o curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – no caso, a particular situação da lesada, mulher ágil, saudável e robusta, com 41 anos ao tempo do evento lesivo, que não tendo sofrendo então de qualquer aleijão, deformação física, limitação física, funcional, profissional ou de utilização do seu corpo:

- sofreu em consequência directa do embate traumatismo do membro inferior direito (fractura em três pontos na bacia à direita e fractura da perna direita), ficando internada no hospital de Viana do Castelo durante dezasseis (16) dias, sempre retida no leito, submetida a intervenção cirúrgica para redução da fractura da metáfise proximal da tíbia direita, com aplicação de vareta endomedular, aplicação de aparelho de gesso (que usou durante uma semana) e aplicação de material de osteossíntese da região sacroilíaca direita (com aplicação de parafuso);
- depois de tal internamento no hospital de Viana do Castelo foi transferida para Casa de Saúde, no …, onde ficou internada durante vinte e nove (29) dias, tendo então alta e recolhendo a casa, passando a caminhar com auxílio de canadianas, o que fez durante seis meses, tendo depois, e durante um mês, usado ainda uma canadiana como auxiliar de locomoção
- frequentou a consulta externa, na especialidade de ortopedia,
- frequentou tratamento de fisioterapia, entre Fevereiro de 2016 e Setembro de 2016, no Hospital Particular ..., ao longo de cento e seis sessões,
- em Setembro de 2016 foi internada em vista de ser submetida a uma segunda intervenção cirúrgica, para extracção do material de osteossíntese,
- após a extracção do material de osteossíntese, frequentou novo plano de tratamento de fisioterapia, no total de cento e seis sessões,
- obteve alta médica definitiva, com consolidação médico-legal das lesões sofridas, no dia 27/10/2016,
- sofreu um défice funcional temporário total de 48 dias (entre 5/1/2016 e 19/2/2016 e entre 6/9/2016 e 7/9/2016) e um défice funcional temporário parcial de 249 dias (entre 20/2/2016 e 5/9/2016 e entre 8/9/2016 e 27/10/2016),
- sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente,
- ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos (por limitação no movimento de flexão do joelho direito a 110º e por queixas dolorosas, com limitação ligeira de mobilidade associada, na anca direita, sequelares a factura tratada cirurgicamente), compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5kgs, perspectivando-se agravamento futuro das sequelas (concretamente uma evolução mais precoce para artrose no joelho direito),
- é portadora de material de osteossíntese na anca direita, não se considerando haver benefício na extracção do mesmo,
- em consequência das lesões sofridas e tratamentos recebidos, ficou com um dano estético permanente fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta as cicatrizes e tumefacção no membro inferior direito,
- sofreu desgosto em razão das sequelas de que ficou portadora, e
- sofreu um susto com o embate, tendo receado pela vida.

O critério legal a atender para a fixação do montante indemnizatório do dano não patrimonial é o da sua gravidade, nos termos do art. 496º, nº 1 do CC.
O valor compensatório deve, desde logo, ser adequado e suficiente para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado (para lá de proporcionado à reprovação ou castigo pela conduta causadora do dano).
O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para a justa medida do montante compensatório é encontrado nos padrões jurisprudenciais atinentes à indemnização destes danos.
Pedimos vénia para realçar as judiciosas, criteriosas e prudentes (e ainda actuais) considerações expendidas no douto Acórdão do STJ de 5/07/07 (36). Começando por enfatizar estarem os tribunais agora sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais (credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acontece com a integridade física e a saúde) e, por isso as indemnizações adequadas passarem, com cada vez maior frequência, por uma mais acentuada valorização dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, bens que hoje valem hoje mais do que ontem, salienta o douto acórdão a importância do recurso a tais padrões jurisprudenciais, mencionando não ser conveniente, dada a função cometida ao STJ (refere-se, claro está, à função cometida ao STJ de contribuir para a uniformização da jurisprudência, mas isso vale também aqui, inteiramente, atento o princípio legal da interpretação e aplicação uniforme do direito – art. 8º, nº 3 do CC), alterar de ‘forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país’, sendo ‘vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes’, pois não podem nem devem os tribunais contribuir para ‘alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial’ – a ‘justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito)’.

Refere Almeida e Costa (37), que dentro dos danos não patrimoniais resultantes de lesões podem descortinar-se as dores físicas e sofrimentos psicológicos (o ‘pretium doloris’), a perda de capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida, a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética e a perda de expectativas de duração de vida.

A tutela da personalidade humana – art. 70º do CC – protege os indivíduos contra as ofensas ilícitas ou ameaças de ofensa à sua personalidade física, organização composta não só por bens ou elementos constitutivos (v. g., a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v. g., a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.) (38).

Constata-se presentemente a tendência para alargar o círculo de danos ressarcíveis, conformando o ordenamento à compreensão abrangente do ser humano – o ‘homo faber ou homo economicus da época industrial dá lugar ao homo ludicus ou homo aestheticus da época do lazer, da cultura e da informação’, e a pessoa humana corporeamente encarnada ‘dá-se a conhecer em todas as suas concretas dimensões (v. g., trabalhador, pai de família, amigo, ser lúdico e relacional) e interioriza e vivencia como todas elas são decisivas no seu estado de equilíbrio físico-psíquico, em que a saúde se consubstancia’, erigindo-se um conceito de dano que questiona e repudia a concepção puramente economicista do ser humano, reconhecendo antes uma intrínseca dignidade e uma ‘essencialidade ontológica da pessoa que está para muito para além (antes, durante e depois) do chamado homo faber, radicando em sólidos princípios civilizacionais que os ordenamentos normativos foram erigindo à categoria de direitos fundamentais de personalidade’ (39).

Componentes relevantes do dano não patrimonial, ao lado do dano biológico – aqui visto na sua vertente de alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo o lesado fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida –, surgem (40) o dano estético – o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o ‘pretium doloris’ – as dores físicas e psíquicas (desgostos, inibições, frustração, revolta, etc.) –, o prejuízo de afirmação pessoal – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural, cívica) –, o prejuízo da saúde geral e da longevidade – o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida –, o ‘pretium juventutis’ ou prejuízo da distracção ou passatempo que põe em evidencia a especificidade da frustração do viver a vida na plenitude das funções do corpo e espírito – e a perda de qualidade de vida.
A matéria de facto apurada espelha um atendível grau de gravidade dos danos sofridos pela autora (com 41 anos a tempo do evento lesivo).
Colhida por veículo automóvel quanto procedia à travessia de via usando passadeira para peões, sofreu a autora fractura da bacia em três sítios e da perna direita, donde resultou a necessidade de submeter-se a intervenções cirúrgicas, com consequente encarceramento (internamento) hospitalar, tendo a estabilização das lesões demandado quase dez meses.
Relevante o quantum doloris padecido, quantificado no quarto grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade, sendo também atendível o dano estético, valorizado no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente (com cicatrizes e tumefacção do membro inferir direito).
Ao nível das sequelas definitivas (e portanto, no campo da irreversibilidade) surge a sequela anátomo-funcional traduzida no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete (7) pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, mas implicando esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs – o que traduz prejuízo de afirmação pessoal (nas várias vertentes, desde logo familiar, social, cultural e recreativa), prejuízo da saúde geral (défice de bem estar), prejuízo da distracção ou passatempo (a impossibilidade de viver na plenitude das funções do corpo) e a perda de qualidade de vida.
A decisão recorrida entendeu justa e adequada para compensar tais danos a quantia de dez mil euros.

Temos de considerar que o tribunal recorrido foi parcimonioso, distanciando-se notoriamente da sensibilidade que se extrai dos padrões jurisprudenciais a atender, ponderando as seguintes decisões (em que os danos ficam algo aquém dos que agora se impõe valorizar):

- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 23088/15.5T8PRT.P1 (41) foi arbitrada compensação de dez mil euros (10.000,00€) por danos não patrimoniais a jovem adolescente de 15 anos que sofreu fracturas dos ramos ilío e isqui-púbicos à direita e fractura por impacção do sacro contralateral, estando parcialmente incapacitada, após internamento de oito dias, durante cerca de cinco meses, apresentando, por força das lesões sofridas, limitações na sua vida desportiva, tendo dificuldade em realizar determinados exercícios físicos (na corrida e em exercícios de ginástica) e em caminhar por períodos prolongados, sentindo-se inferiorizada em relação aos colegas com quem participava nas actividades desportivas escolares, sentindo dores (também futuras) agravadas na marcha prolongada e na permanência em pé, apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos e um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 1;
- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 26376/15.7T8PRT.P1 (42) foi fixada a indemnização de doze mil euros (12.000,00€) a lesada sexagenária que sofreu traumatismos variados, entre os quais distensão do ombro direito com rotura longa porção do bicípite e contusão do joelho, submetendo-se diariamente a tratamentos clínicos de reabilitação durante três meses e efectuando 40 sessões de fisioterapia, ficando a padecer de dores no ombro e membro superior direitos, provocando-lhe dificuldades de locomoção e perda de mobilidade e força no membro superior direito, sofrendo défice funcional temporário com repercussão na actividade profissional temporário de 174 dias e ficando a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de três pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares;
- no acórdão da Relação de Guimarães no processo nº 2051/17.7T8GMR.G1 (43) foi fixada a compensação de doze mil e quinhentos euros (12.500,00€) pelos danos não patrimoniais a lesada que sofreu período de repercussão temporária da actividade profissional total de 164 dias, dos quais 55 dias de défice funcional temporário total e 109 dias de défice funcional temporário parcial e que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, embora implicando esforços suplementares, sendo o quantum doloris quantificado no quarto grau da escala crescente de sete graus de gravidade, tendo ficado totalmente imobilizada durante quase dois meses, limitada a um quarto durante quase três meses e não podendo deslocar-se à casa de banho durante o tempo em que esteve acamada e por isso constrangida a usar fraldas;
- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 171/14.9TVPRT.P1 (44) foi arbitrada indemnização de quinze mil euros (15.000,00€) pelos danos não patrimoniais a lesada (atropelada em passadeira destinada a peões) com setenta e oito anos de idade que sofreu fractura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita e foi submetida a intervenção cirúrgica, esteve acamada na residência durante pelo menos um mês, necessitando então de ajuda de terceira pessoa para os cuidados de higiene, foi submetida a dolorosos tratamentos de fisioterapia durante cera de três meses, fazendo três ciclos de vinte sessões de fisioterapia, andou engessada durante um mês, chegando a deslocar-se de canadianas, ficando com cicatrizes várias na perna (duas de tipo cirúrgico), sofrendo em consequência do acidente: défice funcional temporário total de 15 dias, défice funcional temporário parcial entre de 157 dias, quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, défice funcional permanente da integridade física-psíquica (em resultado do joelho doloroso e de talalgia) fixado em quatro pontos e dano estético permanente fixado no grau 1, numa escala crescente de sete graus de gravidade; e
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 559/10.4TBVCT (45) foi mantida a indemnização de quinze mil euros (15.000,00€) para lesada com 31 anos que sofreu em consequência do evento lesivo (acidente de viação) traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos, ascendendo o quantum doloris ao grau quatro, tendo défice funcional temporário total de 5 dias, défice funcional temporário parcial de 106 dias e ficando a padecer de défice funcional permanente da integridade físico psíquica de dois2 pontos.
As apontadas decisões judiciais reportam-se a situações em que as lesões e sequelas se quedaram aquém das que a matéria de facto revela no caso concreto a valorizar nestes autos – um período de internamento superior a mês e meio, quase dez meses para consolidação das lesões, o quantum doloris de grau quatro, o défice funcional permanente da integridade física de sete pontos e também o dano estético fixado no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente (com cicatrizes e tumefacção do membro inferir direito).
Ponderando os padrões jurisprudenciais a atender, tem de admitir-se a avareza da decisão recorrida (e, mais ainda, da ré, que pretende no recurso a redução do referido montante indemnizatório), mas por contraponto tem de reconhecer-se ser excessivo o montante proposto pela autora, tendo-se por ponderado, equilibrado, justo e adequado o valor de vinte mil euros (20.000,00€) – considerando-se o valor da moeda à data da prolação da sentença da primeira instância.
Assim que, quanto ao dano não patrimonial, procede parcialmente a pretensão recursória da autora.
*
DECISÃO
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar totalmente improcedente o recurso subordinado da ré e em julgar parcialmente procedente o recurso independente da autora e, em consequência, em fixar no valor de vinte mil euros (20.000,00€) a compensação a atribuir-lhe a título de danos não patrimoniais, mantendo no mais a sentença recorrida.
Custas da apelação subordinada pela ré.
As custas da apelação principal, tal qual as da acção, serão suportadas por ambas as partes na proporção do decaimento.*
Guimarães, 12/09/2019
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico)

Relator: Ramos Lopes
Adjuntos: Jorge Teixeira
José Amaral


1. Apelação nº 1629/18.6T8VCT.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: Jorge Teixeira; José Fernando Cardoso Amaral
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 288 e 289.
3. No processo nº 40/08.1TBMMV.C1.S1 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt.
4. Cfr., p. ex., reportando-nos exclusivamente a jurisprudência do STJ, para lá do já citado acórdão de 11/12/2012 (Lopes do Rego), os acórdãos de 14/03/2019 (Rosa Tching), de 6/07/2017 (António Joaquim Piçarra), de 14/12/2016 (Pinto Hespanhol), de 2/06/2015 (Ana Paula Boularot), de 24/04/2012 (Garcia Calejo), de 11/05/2011 (Pereira Rodrigues) e de 29/04/2010 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), no sítio www.dgsi.pt.
5. Cfr., p. ex., os citados acórdãos do STJ de 14/03/2019, de 6/07/2017, de 14/12/2016, de 11/12/2012 e de 29/04/2010.
6. Segue-se, citando-o (os itálicos são da origem), o já mencionado acórdão do STJ de 11/12/2012 (Lopes do Rego).
7. Cfr., ainda, o citado acórdão do STJ de 11/12/2012 (Lopes do Rego).
8. Cfr., mais uma vez, o citado acórdão do STJ de 11/12/2012 (Lopes do Rego).
9. Cfr., p. ex., o acórdão do STJ de 9/02/2012 (Abrantes Geraldes), no sítio www.dgsi.pt.
10. Cfr. acórdão do STJ de 6/7/11, proferido no processo nº 286/1998.L1.S1, apud citado acórdão do STJ de 11/12/2012.
11. Ademais, com tal indicação expressa do lesado, ficará aberta à entidade patronal ou respectiva seguradora a possibilidade de exigir judicialmente do responsável civil o reembolso das quantias que haja pago – perante tal escolha do lesado, afirmada na petição, terá de concluir-se estar preenchida a hipótese em que a entidade patronal ou respectiva seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente laboral pode sub-rogar-se no direito daquele (lesado) contra os responsáveis civis (artigo 17º, nº 4 da Lei 99/2009, de 4/09), assim se respeitando, integralmente o figurino normativo do concurso de responsabilidades (nessa parte em que o lesado expressamente exclui da sua pretensão indemnizatória o que já recebeu do responsável laboral, tudo se passa como se não tivesse instaurado acção).
12. J. A. dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, reimpressão, 1984, p. 52 – deve haver correspondência entre os actos pelos quais a faculdade de obter do Estado a declaração do que é o direito nos casos concretos e o acto pelo qual se satisfaz tal obrigação do Estado prestar a tutela jurisdicional; daí ‘o princípio geral: a sentença deve corresponder à acção’.
13. Neste sentido o já citado acórdão do STJ do STJ de 11/12/2012.
14. No processo nº 2028/12.9TBVCT (Maria da Graça Trigo), no sítio www.dgsi.pt.
15. Acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
16. Acórdão do STJ de 26/01/2012 (João Bernardo), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
17. Acórdãos do STJ de 17/01/2008 (Pereira da Silva) e de 19/05/2009 (Fonseca Ramos); no mesmo sentido, cfr., por mais recentes, os acórdãos do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes), de 28/03/2019 (Tomé Gomes) e de 11/04/2019 (Bernardo Domingos), todos no sítio www.dgsi.pt/jstj.
18. Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego).
19. Citados acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011.
20. Esforços acrescidos relativamente àqueles que o normal desempenho das actividades laborais já acarretaria, independentemente daquela limitação.
21. Citado acórdão do STJ de 28/03/2019.
22. Citado acórdão do STJ de 28/03/2019.
23. Acórdão do STJ de 19/04/2018 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt.
24. Acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira), no sítio www.dgsi.pt.
25. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, p. 219, apud acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira).
26. Acórdão do STJ de 10/02/98, na Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 65.
27. Castanheira Neves, Questão de Facto - Questão de Direito, 1967, p. 317, citando Aristóteles.
28. Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt/jstj. Cfr., ainda, nos mesmos termos, o citado acórdão do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes).
29. Tabela que constitui simplificação das fórmulas matemáticas utilizadas pelo acórdão do STJ de 5/05/1994, publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ, Ano II, Tomo II, pp. 86 e ss, ou pelo acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo II, p. 26 (esta, uma evolução daquela, introduzindo os factores da inflação e da progressão na carreira).
30. Citado acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego).
31. Acórdão do STJ de 8/01/2019 (Catarina Serra), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
32. Acórdão do STJ de 21/03/2019 (Nuno Pinto Oliveira), louvando-se (quanto às expressões utilizadas) nos acórdãos do STJ de 10/11/2016 (acima citado) e de 25/05/2017 (Lopes do Rego), todos no sítio www.dgsi.pt/jstj.
33. Mais exactamente (desprezando nos cálculos todos os algarismos que, para lá da dúzia, compõem os números a operar) o valor de 22.372,04€ - ponderando o rendimento mensal de 625€, doze vezes por ano e ainda dois subsídios (férias e Natal) de cerca de 550,00€ cada.
34. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 601.
35. Cfr., p. ex., acentuando este carácter repressivo e sancionatório, A. Varela, obra citada, p. 608 e Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481, que dá nota do carácter punitivo da indemnização (o seu papel retributivo e carácter preventivo).
36. Relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
37. Direito das Obrigações, 5ª edição, p. 478, em nota.
38. Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, p. 200.
39. João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e aspectos resarcitórios, Almedida, 2001, pp. 13 e 14 e 100.
40. Cfr. o citado acórdão do STJ de 5/07/2007 (também os acórdãos do STJ de 18/06/2009 – Raúl Borges – e de 14/09/2010 – Sousa Leite –, ambos no sítio www.dgsi.pt) .
41. De 7/12/2018 (Anabela Dias da Silva), no sítio www.dgsi.pt.
42. De 5/11/2018 (Manuel Domingos Fernandes), no sítio www.dgsi.pt..
43. De 16/05/2019 (Maria dos Anjos Nogueira), no sítio www.dgsi.pt..
44. De 7/04/2016 (Rodrigues Pires), no www.dgsi.pt..
45. De 6/12/2017 (Maria da Graça Trigo), no sítio www.dgsi.pt..