Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA NULIDADE DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA FACTOS-ÍNDICE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1- A noção base de insolvência consta do art. 3º, n.º 1 do CIRE e depende da alegação e prova pelo requerente da insolvência em como o requerido tem uma ou mais obrigações vencidas, em relação às quais se encontra em mora, e de factos e circunstâncias que permitam concluir que este se encontra impossibilitado, por falta de solvabilidade, de liquidar a generalidade (grande maioria) das suas obrigações vencidas (das em relação às quais já se encontra em mora e das que se vierem a vencer), verificando-se um estado de impotência estrutural e não meramente transitório daquele de cumprir com os seus compromissos por falta de liquidez. 2- Os factos-índice de insolvência previstos, de modo taxativo, no n.º 1, do art. 20º do CIRE, conferem, por um lado, ao interessado que pretenda requerer a insolvência de devedor legitimidade ativa para instaurar o processo de insolvência (bastando-lhe alegar a facticidade integrativa de um dos factos-índice previstos numa das alíneas em que se desdobra aquele n.º 1) e, por outro, permite que provada essa facticidade se presuma iuris tantum que o requerido se encontra insolvente, a quem cabe alegar e provar factos de onde decorra que, apesar do preenchimento do facto-índice, não se encontra insolvente. 3- Constituindo o património do devedor a garantia geral de cumprimento das obrigações assumidas perante os credores, o facto de um credor ter instaurado execução contra o devedor para cobrança coerciva do seu crédito e dessa execução vir a ser julgada extinta sem que o crédito exequendo lhe tivesse sido pago, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor (executado), constitui o mais forte indício em como o devedor se encontra insolvente: a inexistência de bens penhoráveis determina um estado de falta de solvabilidade deste (executado) de tal ordem que o mesmo não possui necessariamente liquidez que lhe permita pagar o crédito exequendo, as demais obrigações que tenha assumida e em relação às quais já se encontre em mora e as que se vierem a vencer, justificando-se, por isso, o facto-índice de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. 4- Face à atual configuração legal dos arts. 748º a 750º do CPC, aos objetivos prosseguidos pelo legislador com a criação da lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis (criada e regulada pela Portaria n.º 313/2009, de 29/03, e sucessivas alterações), as garantias de segurança quanto à inclusão e fidedignidade das informações nela contidas, e ao facto da pessoa inscrita ser a única que dispõe de legitimidade para requerer a alteração ou retificação dessa informação (sendo, por isso, o responsável pela fidedignidade e atualidade da informação nela contida), impõe-se interpretar restritivamente a al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, no sentido de que a inscrição do requerido naquela lista constitui prova bastante da falta ou insuficiência de bens penhoráveis no seu património que permitam liquidar o crédito detido sobre aquele pelo requerente da insolvência. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., ..., instaurou ação especial de insolvência contra EMP02... Unipessoal, Lda., com sede no Largo ..., sala ..., ... ..., pedindo que esta fosse declarada insolvente. Para tanto alegou, em síntese, que: por requerimento de injunção apresentado no Balcão Nacional de Injunções em 07/11/2023, solicitou que a requerida fosse condenada a pagar-lhe duas faturas vencidas e não pagas, no montante global de 12.324,00 euros, acrescido de 504,92 euros de juros de mora vencidos, 40.00 euros de indemnização, e 102,00 euros de taxa de justiça, num total de 12.970,92 euros, acrescido de juros de mora vincendos; a requerida não pagou nem deduziu oposição ao requerimento de injunção, na sequência do que, em 16/05/2024, foi-lhe aposta fórmula executória; a requerida instaurou em 03/06/2024, execução para cobrança coerciva daquela dívida, mas esta veio a ser declarada extinta, atenta a circunstância da requerida/executada constar inscrita na lista pública de execuções, por inexistência de bens, determinada no âmbito do processo de execução n.º 6019/23...., do Juízo de Execuções de Loures, Juiz ...; na sequência do que, permanece em dívida a quantia de 12.324,00 euros de capital, a que acrescem os juros de mora vencidos, num total de 14.1632,06 euros, e os vincendos até integral pagamento; a requerente diligenciou, por diversas vezes, junto da requerida para que lhe liquidasse aquele montante, o que se frustrou. Concluiu que, perante a inércia da requerida, o período de tempo decorrido desde a data de vencimento das faturas em dívida, a circunstância daquela se encontrar inserida na lista pública de execuções, ser seguro que se encontra impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, estando insolvente, além de que se encontram preenchidos os factos base da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. A requerida deduziu oposição, impugnando a generalidade da facticidade alegada pela requerente, nomeadamente que seja devedora da totalidade do crédito invocado. Sustentou que, nos últimos meses sofreu algumas dificuldades fruto do aumento exponencial do preço das matérias-primas, o que levou a que, no ano transato, tivesse tido algumas dificuldades de tesouraria, que a impossibilitaram de liquidar atempadamente os seus débitos perante alguns fornecedores; contudo, tem cumprido, em geral, com as obrigações assumidas perante os seus credores. Mais alegou não ter sido citada, nem ter tido conhecimento da execução que correu termos pelo Juízo de Execuções de Loures sob o n.º 6019/23....; no ano de 2023 realizou vendas no montante global de 2.336.305,86 euros, apresentou um resultado líquido positivo de 765.068,41 euros, ascendendo os débitos para com os seus fornecedores à quantia global de 497.073,95 euros, mas tem a receber dos seus clientes a quantia global de 940.894,95 euros, apresentando o seu balancete, no mencionado exercício do ano de 2023, um saldo positivo de 443.821 euros; possui um ativo superior ao seu passivo, e sempre pagou, e continua a pagar, ainda que com alguns atrasos, as suas dívidas. Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente e fosse absolvida do pedido. Subsidiariamente requereu que, nos termos do art. 224º, n.º 2, al. b) do CIRE, caso a ação fosse julgada procedente e fosse declarada insolvente, lhe fosse concedido o prazo de 30 dias, após a declaração da insolvência, para apresentar plano de insolvência que preveja a continuidade de exploração da empresa pela administração em função. Ordenou-se a notificação da requerente para, no prazo de dois dias, se pronunciar sobre a matéria de exceção alegada pela requerida na oposição e, bem assim, quanto ao requerimento de prova por esta apresentado. Na sequência, a requerente impugnou parte da facticidade alegada pela requerida na oposição, alegando que os documentos por esta juntos não são suficientes para ilidir a presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. Concluiu como na petição inicial. Requereu que fosse indeferida a prova pericial solicitada pela requerida, por ser manifestamente dilatória, e opôs-se a que a administração da massa insolvente fosse assegurada pela própria requerida. Designou-se data para a realização da audiência final. Aberta a audiência final em 05/09/2024, proferiu-se despacho, em que se fixou o valor da causa provisoriamente em 5.000,01 euros; proferiu-se despacho saneador tabular; fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova; conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, em que se indeferiu a perícia solicitada pela requerida; produziu-se a prova; e, a final, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação improcedente e se absolveu a requerida do pedido, constando aquela da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, face à inexistência de factos julgo improcedente a presente ação, absolvendo a requerida EMP02... Unipessoal, Lda. do pedido. Notifique, apenas, requerente e requerida – cfr. art. 44º, n.º 1, do CIRE. Custas pela requerente”. Inconformada com o decidido, a requerente EMP01..., Lda. interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem: 1. A Recorrente não se pode conformar com a sentença que julgou improcedente, sem mais, o pedido de declaração de insolvência da Requerida. 2. Com efeito, a decisão recorrida peca pela sua ambiguidade, não se adequando ao caso em apreço nos autos, existindo, para além disso, um evidente erro na apreciação da prova produzida, que acarreta a impugnação de certos factos dados como provados (factos n.º 11 a 14) e, necessária e consequentemente, uma decisão diferente. 3. A acrescer, a sentença de que ora se recorre está ainda eivada por uma errónea interpretação e aplicação dos preceitos legais do CIRE, nomeadamente dos artigos 3.º e 20.º, existindo ainda uma clara omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo em relação à alínea e) do mesmo artigo 20.º, geradora da nulidade da decisão, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE. 4. Com efeito, a decisão recorrida padece de vários defeitos e imprecisões, desde logo quando se consagra que o crédito da Recorrente resulta de um contrato de empreitada, quando tal nunca foi alegado nos autos. 5. Por outro lado, depois de ter dado como provado que a Recorrida nada pagou e que o crédito da Recorrente está legitimado por título executivo, o Tribunal a quo afirma, inexplicavelmente, que não se pode afirmar que tenha existido incumprimento e que a Recorrida alegou a extinção do crédito por compensação. 6. Tal compensação nunca existiu e nunca foi alegada, atendendo a que a Requerida não deduziu oposição no processo injuntivo, nem no processo executivo. 7. Para além desta desadequação da sentença ao caso concreto dos autos, existiu ainda uma errónea análise da prova produzida (documental e testemunhal) que fundou a decisão, consequentemente incorreta, sobre a matéria de facto dada como provada nos factos n.º 11, 12, 13 e 14. 8. Em relação à prova, há que relembrar que está verificado um dos factos-índice do artigo 20.º n.º 1 do CIRE – o da alínea e): “insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor”. 9. O Tribunal a quo deu como assente que a Requerida está inserida na Lista Pública de Execuções, por inexistência de bens, e que, em mais do que uma execução, não foram encontrados bens penhoráveis suficientes para pagamento das suas obrigações – cfr. facto provado n.º 7. 10. Revestindo os factos-índice do artigo 20.º do CIRE a natureza de presunções legais, nos termos e para os efeitos dos artigos 349.º e 350.º do Código Civil, restava à Recorrida provar que, apesar da inexistência de bens penhoráveis confirmada nos processos executivos, ainda não se encontrava em situação de insolvência. 11. Analisando cada um dos meios de prova que fundou a convicção do Tribunal, cabe referir que dos documentos juntos com a oposição nada se pode retirar. 12. Efetivamente, o Doc. 2 é uma simples tabela, criada “ad hoc” e não extraída da contabilidade da Recorrida, contendo vários valores sem qualquer justificação – que veracidade pode, então, ser atribuída a este documento? 13. A IES mais recente junta aos autos, de 2022, tem um resultado negativo! 14. A Recorrida não junta a IES de 2023, porque esta ainda não foi entregue, conforme confirmado pela prova testemunhal, apesar de o prazo de entrega já ter culminado a 31 de julho de 2024. 15. A recusa em apresentar as contas de 2023 evidencia uma clara intenção da Recorrida de esconder a sua situação financeira real e levanta a possibilidade de poderem existir irregularidades na sua contabilidade. 16. A par disso, o depoimento da testemunha AA não corrobora os montantes apresentados no Doc. 2 e é manifestamente contraditório, nomeadamente na parte em que refere que apesar de a sociedade supostamente apresentar um resultado líquido do período de 2023 de cerca de €100.000,00, não tem liquidez suficiente para pagar aos seus credores. 17. Desta forma, impugnam-se os factos provados n.º 11 e 12 da matéria de facto, que deviam ter sido dados como não provados. 18. No tocante ao Doc. 3 junto com a oposição, também este não é capaz de ilidir qualquer presunção legal uma vez que o saldo positivo que dele transparece é um saldo meramente virtual. 19. Para além do mais, o balancete apresentado nem sequer é atual, referindo-se a um curto período entre novembro e dezembro de 2023. 20. O que resulta evidente, sendo até admitido pela testemunha AA, é a falta de liquidez da Recorrida e os seus problemas habituais de tesouraria. 21. Embora a Recorrida possa ter créditos a receber, a verdade é que não revela quem são os devedores e quais os montantes e datas de vencimento em questão. 22. Pelo exposto, também os factos provados n.º 13 e 14 se têm aqui como impugnados, devendo ser dados como não provados. 23. Em adição, o depoimento da testemunha AA terá de ser necessariamente valorado como o de uma parte interessada na causa, já que, pelas declarações que prestou é possível constatar que se trata de um verdadeiro administrador de facto da Recorrida. 24. A prova testemunhal está eivada de incongruências, mas resulta flagrante que a Recorrida tem dificuldades de tesouraria que a impedem de cumprir pontualmente as suas obrigações. 25. Ademais, não tendo a Recorrida qualquer stock de material, cabe questionar: que bens sobram então para assegurar as obrigações vencidas desta sociedade? 26. Através das declarações de AA, foi ainda possível descobrir que a Recorrida é devedora de obrigações fiscais à Autoridade Tributária, o que agrava os indícios de penúria generalizada que sobre ela recaem. 27. Desta forma, afigura-se claro que a Recorrida não conseguiu ilidir a presunção legal que sobre si impendia. 28. Atendendo a tudo o que se expôs, deveria ter sido dada como provada a manifesta impossibilidade da Requerida em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações e que a Recorrida não tem meios próprios de liquidez que lhe permitam cumprir as suas obrigações já vencidas, encontrando-se em situação de insolvência, nos termos do artigo 3.º do CIRE. 29. Em matéria de direito, o Tribunal a quo debruça-se sobre a verificação de várias alíneas do artigo 20.º do CIRE: g), a), b) e h) – sem, no entanto, falar da alínea que a Recorrente alegou e provou estar verificada no caso em apreço: a alínea e)! 30. Invertendo o discurso inicial, a sentença recorrida volta a referir-se a uma espécie de compensação que não existiu, nem pode existir no caso concreto (porque a Requerida, aqui Recorrida, não tem detém créditos sobre a Recorrente, ao contrário do afirmado na decisão) – pelo que não existe qualquer motivo legal para a Requerida não cumprir a sua obrigação. 31. Também não é verdade que a Recorrente tenha alegado estarem verificadas as alíneas a) e b) do artigo 20.º do CIRE: a Recorrente fundou o seu pedido na verificação do facto índice constante da alínea e) do artigo 20.º (e mais nenhum!), sobre o qual o Tribunal não se pronunciou! 32. E, portanto, a decisão sobre a matéria de direito, nomeadamente a interpretação e a aplicação dos artigos 3.º e 20.º do CIRE, culminou de forma incorreta e desligada do caso concreto. 33. Com efeito, o juízo de prognose sobre a continuidade da empresa, a que se alude na pág. 13 da ata, seria relevante se estivesse em causa a aplicação da presunção legal resultante da alínea h) do artigo 20.º do CIRE – em tal caso, faria sentido questionar se a Recorrida tem ou não uma trajetória atual ascendente/de crescimento (algo que, acrescente-se, não resulta provado nos autos). 34. Todavia, o facto-índice aqui em causa que cabia analisar era o da alínea e) do artigo 20.º, sobre o qual o Tribunal a quo nada disse! 35. Estamos, assim, perante uma verdadeira omissão de pronúncia, que gera a nulidade da sentença recorrida (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE), pois que esta se absteve de fazer referência a esta alínea e), apesar deste facto-índice ter sido dado como verificado (facto provado n.º 7). 36. A prova produzida nos autos não é suficiente para ilidir a presunção legal resultante da mencionada alínea e), e, desta forma, a insuficiência do património da Recorrida está por demais demonstrada, devendo a sua situação de insolvência ser declarada – pois só assim se estaria a interpretar e aplicar corretamente os preceitos dos artigos 3.º e 20.º do CIRE. 37. Pelo exposto, a sentença recorrida deva ser substituída por uma que se pronuncie sobre a aplicação da alínea e) do artigo 20.º do CIRE ao caso em apreço, concluindo, em qualquer caso, pela situação de insolvência da Recorrida, à luz do artigo 3.º do CIRE. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que declara a insolvência da Recorrida, com todas as consequências legais. Assim se realizará a Justiça! * Não foram apresentadas contra-alegações.* A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões: a- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, uma vez que nela a 1ª Instância não se pronunciou quanto ao preenchimento dos factos base da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, quando a recorrente invocou esse facto índice de insolvência na petição inicial como fundamento da sua pretensão em ver a recorrida declarada insolvente; b- Se aquela sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada nos pontos 11º, 12º, 13º e 14º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe concluir pela não prova dessa facticidade; c- Se a decisão de mérito constante daquela sentença (ao julgar improcedente a ação e ao absolver a recorrida do pedido de declaração de insolvência) padece de erro de direito, uma vez que a facticidade julgada provada preenche os factos base da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, sem que a recorrida tivesse alegado e provado facticidade suficiente para ilidir essa presunção e se, em consequência, se impõe revogar a sentença e declarar a recorrida insolvente. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito dos presentes autos: 1. A Requerente é uma sociedade comercial que exerce, de forma habitual e lucrativa, a atividade de comércio por grosso de materiais de construção, equipamento sanitário e equipamentos de segurança para edifícios e domótica. 2. A Requerida é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, que se dedica às atividades de “construção civil, empreitadas de obras públicas e particulares; prestação de serviços de engenharia, arquitetura, gestão de recursos humanos, serviços de segurança e higiene e saúde no trabalho e ambiente; prestação de assessoria comercial e consultoria diversa (exceto a jurídica); indústria de serração de madeiras, carpintaria, serralharia, comércio, importação e exportação de materiais, veículos, máquinas e equipamentos; aluguer de máquinas, veículos e equipamentos; promoção e investimentos imobiliários; compra e venda de imóveis. Fabricação de artigos em madeira, principalmente destinadas à indústria da construção, como peças de carpintaria, obras de carpintaria de limpos (portas, janelas, persianas, escadas em madeira, com ou sem ferragens, etc.), caixilhos e lambris. Pré-fabricação de casas em madeira e suas partes. Fabricação de mobiliário em série e por medida para fins particulares, comércio, mobiliário técnico, mobiliário especial para o comércio em geral; serviços de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas, estores e a colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais; prestação de serviços de carpintaria; comércio por grosso e a retalho de mobiliário em geral, produtos de carpintaria; serviços de engenharia e arquitetura. Fabricação de estruturas de construções metálicas; fabricação de mobiliário metálico para escritório, comércio e indústria. Fabricação de mobiliário urbano. Fabricação, comercialização e exportação de portas, janelas e elementos similares em metal; serviços de arquitetura e paisagismo urbano”, tudo conforme certidão permanente com o código nº ...46, – cfr. Doc. n.º 1 junto com a PI. 3. Por requerimento de injunção apresentado em 07/11/2023, no Balcão Nacional de Injunções, a Requerente solicitou à Requerida a liquidação de duas faturas vencidas e não pagas, no montante global de €12.324,00, acrescido de juros até ao dia 06/11/2023, no valor de €504,92, de €40,00 a título de indemnização, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, e ainda da quantia de €102,00 paga a título de taxa de justiça, tudo no total de €12.970,92 – vide Docs. nºs 2 e 3. 4. A Requerida nada pagou e não deduziu oposição, tendo sido aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça em 16/05/2024 – cfr. Doc. nº 4. 5. Assim, tendo obtido título executivo (artigo 703º, n.º 1, al. d) do CPC e artigo 14º do Decreto-Lei n.º 269/98), a 03/06/2024, a Requerente intentou ação executiva, contra a Requerida, com vista a obter a cobrança do crédito peticionado em sede de injunção, acrescido dos juros moratórios vencidos, desde a data de entrada do requerimento de injunção (07/11/2023) até à data de entrada do requerimento executivo (03/06/2024), no montante de €806,12 – tudo num total de €13.777,04 – cfr. Doc. n.º 5. 6. Tal requerimento executivo deu origem ao processo n.º 2024/24...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução de Valongo – Juiz ... -, no qual a ora Requerente teve de despender €25,50 a título de taxa de justiça e €193,91 (€94,91 + €98,60) a título de honorários e despesas do Agente de Execução – cfr. Doc. n.º 6 – tudo, naturalmente, a somar à quantia exequenda. 7. A 21/06/2024, a instância executiva foi declarada extinta, considerando que a Executada, ora Requerida, consta inserida na Lista Pública de Execuções por inexistência de bens, com referência ao processo de execução n.º 6019/23...., que correu termos no Juízo de Execução de Loures – Juiz ... -, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – cfr. Docs. n.ºs 7 e 8. 8. Tem a Requerente direito a receber da Requerida o pagamento do capital em dívida, acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos, calculados às sucessivas taxas legais comerciais em vigor desde 04/06/2024 até à data de entrada da presente petição, como ora se discrimina: Fatura n.º ...91, no valor de 9 229,75 € + juros entre 04/06/2024 e ../../2024 (78,52 € (27 dias a 11,50%) + 45,52 € (16 dias a 11,25%) Fatura n.º ...61, no valor de 3 094,25 € + juros entre 04/06/2024 e ../../2024 (26,32 € (27 dias a 11,50%) + 15,26 € (16 dias a 11,25%)) Capital Inicial: 12 324,00 € Total de Juro: 165,61 € 9. A requerida é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, a atividades relacionadas com a realização de obras de construção civil - doc.1. 10. A requerida nos últimos meses sofreu algumas dificuldades fruto do aumento exponencial dos preços das matérias-primas, o que levou a que no ano transato tivesse algumas dificuldades de tesouraria. 11. A requerida apresenta no ano de 2023 vendas no valor de 2 336 305,88€ - doc. 2. 12. Tendo um resultado líquido positivo de 765 068,41€. 13. Sendo que o valor em débito aos fornecedores é de 497,073.95€, mas, por sua vez, o valor que tem a receber de clientes é de 940,894.95€ - doc.3. 14. O balancete da sociedade apresenta assim um saldo positivo de 443,821.00€. * E considerou “toda a restante matéria alegada” como “não provada, conclusiva, ou de direito”.* IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia A recorrente assaca à sentença o vício da nulidade por omissão de pronúncia da al. d), do n.º 1, do art. 615º do CPC, decorrente de nela a 1ª Instância não se ter pronunciado quanto ao facto índice de insolvência previsto na al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, apesar daquela ter alegado, na petição inicial, facticidade tendente a demonstrar encontrarem-se preenchidos os factos base da presunção de insolvência enunciados nesse comando legal e de ter invocado a presunção de insolvência nele prevista como fundamento da sua pretensão em ver a recorrida declarada insolvente (conclusões 3ª e 34ª a 35ª das alegações de recurso). Vejamos se assiste razão à recorrente para a nulidade por omissão de pronúncia que assaca à sentença sob sindicância. As causas determinativas de nulidade da sentença, do acórdão (art. 666º do CPC) e do despacho (art. 613º, n.º 3 do mesmo diploma) encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º do CPC e, conforme decorre do teor das diversas alíneas nele previstas trata-se de vícios formais ou de conteúdo que afetam a sentença, acórdão ou despacho de per se, por na sua elaboração e/ou estruturação o julgador não ter respeitadas as normas processuais que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou por nelas ter desrespeitado as normas processuais que balizam o seu campo de cognição e de decisão, em termos de fundamentos (causa de pedir) ou de pretensão (pedido). Precisando, o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado na sentença, acórdão ou despacho, ficando a decisão neles proferida aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos - causa de pedir (o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente) - e/ou de pretensão – pedido (o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum). As causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho reconduzem-se, portanto, a defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, vícios formais ou de conteúdo que a afeta de per se e/ou por nela terem sido desrespeitados os limites a que o tribunal via a sua atividade decisória restringida. Neste sentido, expende Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)[2]. Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com falhas em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou provada e/ou não provada na sentença, acórdão ou despacho, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti), e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis à relação jurídica material controvertida submetida pelas partes à sua apreciação e decisão, na interpretação que fez dessas normas jurídicas e/ou na aplicação que delas fez à facticidade que julgou provada e não provada (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais ou de conteúdo) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[3]. Entre os vícios determinativos de nulidade da sentença, acórdão ou despacho conta-se o da al. d), do n.º 1 do art. 615º, onde se estatui que: “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A primeira parte do preceito acabado de referir versa sobre a nulidade por omissão de pronúncia (“É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer”), enquanto a segunda parte respeita à nulidade por excesso de pronúncia (“É nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”), tratando-se de vícios que se relacionam com o disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC, onde se impõe ao julgador a obrigação de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, comandos esses que são emanação dos princípios nucleares do processo civil nacional do dispositivo e do contraditório. Com efeito, podendo as partes dispor dos direitos de natureza privada, por força do princípio do dispositivo, é sobre elas que, por um lado, recai o ónus de promover e de impulsionar os instrumentos de natureza processual destinados a assegurar a respetiva tutela, não podendo o Estado, através dos tribunais, resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida por um dos interessados (art. 1º, n.º 1, 1ª parte, do CPC), e, por outro, é sobre o autor que cabe delimitar, na petição inicial, em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que pretende submeter, e submete, à apreciação e decisão do tribunal, com o que delimita o thema decidendum a que este vê a sua atividade instrutória e decisória restringida, o qual apenas é complementado pela reconvenção e pelas exceções que venham a ser invocadas pelo réu na contestação e pelas contra exceções que venham a ser opostas a essas exceções pelo autor na réplica, não sendo esta admissível, no início da audiência de partes, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, als. a), d) e e), 572º, al. c), 584º, 587º e 3º, n.º 4, do CPC). Acresce que repugnando ao sistema processual civil nacional decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, por via do princípio do contraditório, na sua dimensão tradicional, negativa, de defesa, salvo situações excecionalíssimas, em que a observância do contraditório é relegado para momento posterior ao proferimento de decisão de deferimento da pretensão formulada pelo autor (v.g. arresto, restituição provisória da posse, etc.), por princípio, encontra-se vedada ao tribunal a possibilidade de proferir qualquer decisão sem que a parte contrária seja devidamente chamada ao processo (o que se processa através da citação), a fim de que tome conhecimento de que contra ela foi proposta uma determinada ação ou requerida uma providência, onde é formulada contra si uma determinada pretensão (pedido), ancorada em determinados fundamentos facto-jurídicos (causa de pedir), para que tome conhecimento e apresente, querendo, a sua defesa (art. 3º, n.º 1, parte final, do CPC), e que na sua dimensão positiva de influência, confere às partes uma participação efetiva no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão a ser nele proferida. E, nessa medida, ao proibir ao julgador a possibilidade de proferir qualquer decisão-surpresa, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (art. 3º, n.º 3 do CPC)[4]. Deste modo, por decorrência dos enunciados princípios do dispositivo e do contraditório, a causa de pedir exerce uma função individualizadora do pedido e do objeto do processo, não podendo o tribunal apreciar o pedido com base em causa de pedir não invocada pelo autor ou conhecer de exceção não invocada pelas partes e cujos factos essenciais não tenham sido por elas alegados (arts. 5º, n.º 1, 608º, n.º 2, parte final, e 609º do CPC), salvo se se tratar de exceção que seja de conhecimento oficioso, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d), parte final); e tem de conhecer de todos os pedidos à luz de todas as causas de pedir que tenham sido invocadas pelo autor na petição inicial, e de todas as exceções e contra exceções que tenham sido invocadas pelas partes, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, salvo se o conhecimento da causa de pedir ou da exceção em relação ao qual omitiu total pronúncia estiver prejudicado pela solução dada a outra questão de que conheceu e decidiu (arts. 608º, n.º 2, 1ª parte, e 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte). Dito por outras palavras, o tribunal tem de conhecer de todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes à sua apreciação e decisão, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte, com fundamento em todas as causas de pedir que pelos mesmos foram invocados na petição inicial e na reconvenção e cujos factos essenciais foram por eles aí alegados para ancorar aqueles e, bem assim, de todas as exceções invocadas pelas partes e cujos factos essenciais alegaram, com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte. O não conhecimento pelo julgador de pedido com fundamento em causa de pedir, de exceção ou contra exceção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pela solução dada a outra questão de que conheceu e decidiu, determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por omissão de pronúncia; mas já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença (acórdão ou despacho) que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[5]. Inversamente, o conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, exceção ou contra exceção não invocadas pelas partes e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente configura nulidade por excesso de pronúncia. Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[6], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”: “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[7]. Do mesmo modo, apenas o conhecimento de questões (causa de pedir ou exceção) não suscitadas pelas partes e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por excesso de pronúncia. “Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista, ou para afastar o ponto de vista da parte contrária. Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes, submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem (atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir, exceções e contra exceções por elas deduzidas) ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[8]. Assentes nas premissas acabadas de enunciar, revertendo ao caso dos autos, a recorrente instaurou a presente ação especial de insolvência contra a requerida pedindo que esta fosse declarada insolvente, alegando como fundamento (causa de pedir) dessa pretensão o facto de, por requerimento de injunção que instaurou contra aquela, e ao qual foi aposta fórmula executória, decorrente de não ter deduzido oposição a esse requerimento, ter sido condenada, em definitivo, a pagar-lhe duas faturas vencidas e não pagas, no montante global de 12.344,00 euros, acrescido de 504,92 euros de juros de mora vencidos, 40,00 euros, a título de indemnização, e 102,00 euros de taxa de justiça, num total de 12.970,92, a que acrescem juros de mora vincendos; de a execução que instaurou contra a requerida com base no título executivo consubstanciado no identificado requerimento de injunção com fórmula executiva aposta, tendo em vista a cobrança coerciva daqueles créditos, ter sido declarada extinta, sem que nada lhe tivesse sido pago, em virtude da requerida constar inscrita na lista pública de execuções, por inexistência de bens, determinada no âmbito do processo de execução n.º 6019/23...., do Juízo de Execuções de Loures, Juiz ..., e pretendeu, além do mais, que atenta a facticidade que assim alegou na petição inicial encontrarem-se preenchidos os factos base da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a causa de pedir que a recorrente alegou na petição inicial como fundamento da sua pretensão em ver a recorrida declarada insolvente, assenta, além do mais, na circunstância de se encontrarem preenchidos em relação a esta os factos base da presunção de insolvência, enunciados na al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. Acontece que, lida e relida a sentença, a 1ª Instância, apesar de ter julgado provada a facticidade acabada de referir que fora alegada pela recorrente na petição inicial (cfr. pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º dos factos apurados), nela omitiu totalmente qualquer pronúncia quanto ao preenchimento (ou não) dos factos base da presunção de insolvência da recorrida enunciados naquela al. e), do n.º 1, do art. 20º, com o que não conheceu dessa concreta causa de pedir em que a recorrente ancorou a sua pretensão em vê-la declarada insolvente e, em consequência, incorreu no vício determinativo de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, da al. d), do n.º 1, do art. 615º do CPC, invocado pela recorrente. Resulta do exposto, proceder o fundamento de recurso acabado de apreciar, impondo-se, em consequência, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, julgar a sentença recorrida nula, por omissão de pronúncia, decorrente de nela a 1ª Instância ter omitido, em absoluto, qualquer pronúncia quanto ao preenchimento (ou não) da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1 do art. 20º do CIRE, que a recorrente alegou como fundamento (causa de pedir) da sua pretensão (pedido) em ver a recorrida declarada insolvente. B- Das consequências jurídicas decorrentes da sentença padecer do vício de nulidade por omissão de pronúncia Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 665º do CPC, “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, o que significa que, ainda que o tribunal ad quem confirme alguma das nulidades da sentença suscitadas pela recorrente, esse facto não determina o reenvio do processo ao tribunal a quo para que a supra, mas antes impõe que tenha de apreciar as demais questões suscitadas pelo recorrente no recurso, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, n.ºs 1 e 2 do CPC. E quanto à nulidade da sentença, cumpre ao tribunal ad quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição, supri-la sempre que a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância constitua uma plataforma factual sólida que permita a integração jurídica do caso quanto à questão em relação à qual se verifica o apontado vício de nulidade da sentença, ou, no caso de ocorrer o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância (decorrente daquela não ter julgado como provada, nem como não provada facticidade essencial necessária à superação do vício), os elementos de prova constantes do processo ou da gravação permitam ao tribunal de recurso efetuar esse julgamento de facto com a necessária segurança (art. 662º, n.º 1 do CPC); de contrário, deverá fazer uso dos poderes de cassação que lhe são conferidos pelo art. 662º, n.º 2, al. e), do mesmo Código, anulando a sentença, e determinando a baixa do processo à 1ª Instância para ampliar o julgamento de facto em relação à facticidade em relação à qual ocorre o enunciado vício da deficiência do julgamento da matéria de facto, seguindo-se após a prolação de nova sentença[9]. No caso dos autos, o vício da nulidade por omissão de pronúncia que afeta a sentença sob sindicância decorre da circunstância do tribunal a quo não ter nela apreciado se a facticidade que foi alegada pela recorrente na petição inicial e que julgou provada preenche (ou não) os factos base da presunção de insolvência da recorrida da al e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. Trata-se exclusivamente de uma questão jurídica, pelo que, em sede própria, após conhecimento dos erros de julgamento da matéria de facto que vêm suscitados pela recorrente, conhecer-se-á dessa questão, suprindo-se, assim, a nulidade por omissão de pronúncia que afeta a sentença. C- Dos erros de julgamento da matéria de facto A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: “11. A requerida apresenta no ano de 2023 vendas no valor de 2 336 305,88€ - doc. 2. 12. Tendo um resultado líquido positivo de 765 068,41€. 13. Sendo que o valor em débito aos fornecedores é de 497,073.95€, mas, por sua vez, o valor que tem a receber de clientes é de 940,894.95€ - doc.3. 14. O balancete da sociedade apresenta assim um saldo positivo de 443,821.00€”. E fundamentou essa prova positiva nos termos que se seguem: “O tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida, nomeadamente no teor dos documentos juntos, e a que se faz referência em frente a cada um dos factos, nomeadamente as contas de 2020, 2021, 2022 - doc. 4, 5, 6 juntos com a contestação -, bem assim como na sua conjugação com a prova testemunhal ouvida. A prova testemunhal arrolada cingiu-se apenas ao ROC que presta serviço junta da requerida, que depôs no sentido de que existe passivo que se encontra a diminuir de ano para ano, sendo que, no ano de 2023 a empresa teve um resultado positivo de 150 mil euros. Atestou, ainda, que inexistem ações judiciais registadas contra a requerida, mas que resultam de dificuldades momentâneas de tesouraria, por falta de pagamento atempado por parte dos clientes. Refere que o valor a receber é superior ao valor em dívida. Manifestou, ainda, a crença no trajeto positivo da empresa, baseado na constante diminuição do passivo, e aumento dos resultados. Justifica o encerramento das execuções por inexistência de bens em virtude da natureza da atividade da requerida, que não guarda stock ou tem maquinaria. Este depoimento, bastante relevante, é comprovado pela documentação contabilística junta”. A recorrente impugna o julgamento da matéria de facto assim realizado pelo julgador a quo, pugnando no sentido de que a prova produzida não consente que se julgasse como provada aquela facticidade, mas antes impõe que se julgasse a mesma como não provada, aduzindo para tanto os argumentos que se passam a sintetizar. O documento n.º 2 junto com a oposição é “uma simples tabela, criada ad hoc e não extraída da contabilidade” da recorrida, “com vários valores sem qualquer justificação”, ao qual não pode ser atribuído qualquer valor probatório; a IES mais recente junta aos autos respeita ao ano de 2022 e dela extrai-se que a recorrida apresentou um resultado negativo de exercício; a recorrida não apresentou contas do exercício do ano de 2023, com o que evidencia uma clara tentativa de esconder a situação real de insolvência em que se encontra; a testemunha AA corrobora que as contas do exercício do ano de 2023 ainda não foram apresentadas, apesar do prazo legal para o efeito já se mostrar decorrido, e não corrobora o resultado líquido do exercício do ano de 2023 que se encontra espelhado no dito documento. Por sua vez, o documento n.º 3 junto com a oposição refere-se a um balancete do período de novembro e dezembro de 2023, que “nada pode dizer sobre a situação financeira atual da requerida”. Mesmo que esse balancete fosse atual, não seria apto a demonstrar que aquela tenha património suficiente para pagar as suas obrigações vencidas perante os seus credores, nomeadamente, perante a recorrente, na medida em que, apesar de nele se encontrar espelhado um saldo positivo, não se identifica quem são os pretensos devedores dos alegados créditos detidos pela recorrida de onde emerge esse pretenso saldo positivo, nem o montante que cada um deles alegadamente deve, além de que o referido saldo positivo espelhado no referido balancete é “meramente virtual”, por estar dependente da cobrança desses pretensos créditos junto dos respetivos devedores e da existência de património detido pelos últimos que possibilite essa cobrança. Por último, argumenta que, do depoimento da testemunha AA extrai-se que o mesmo é pessoa interessada no desfecho da presente causa, na medida em que é um “verdadeiro administrador de facto da recorrida”, e aquela não confirma o montante do saldo que se encontra espelhado no mencionado balancete, além de que o seu depoimento apresenta várias incongruências. C.1- Do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto e dos critérios em que é consentido à Relação alterar esse julgamento Antes, porém, de entrarmos na apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela recorrente, impõe-se referir que aquela cumpriu, de forma suficiente, com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), sem cuja observância não é consentido ao Tribunal da Relação entrar no conhecimento dessa impugnação. Com efeito, nas conclusões de recurso, a recorrente indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna (pontos 11º, 12º, 13º e 14º da facticidade julgada provada na sentença), com o que deu cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. a), n.º 1, do art. 640º; indicou, na fundamentação do recurso (e, inclusivamente, indevidamente, nas conclusões), os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação que, na sua perspetiva, impõem a decisão de facto que propugna, com o que cumpriu com o ónus impugnatório primário da al. b), do n.º 1 do mesmo art. 640º; na fundamentação de recurso também indicou a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre cada um desses pontos (a facticidade deles constante deve ser julgada não provada), com o que cumpriu com o ónus impugnatório primário da al. c), do n.º 1 daquela disposição legal; e, finalmente, indicou, na fundamentação de recurso, os excertos do depoimento prestado pela testemunha AA em que funda a impugnação e procedeu, inclusivamente à transcrição desses excertos, com o que deu cumprimento ao ónus impugnatório secundário da al. a), do n.º 2, do art. 640º. Deste modo, tendo a recorrente cumprido com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, não existe qualquer obstáculo processual a que se entre na apreciação dessa impugnação. Todavia, antes de entrarmos na apreciação da concreta impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela recorrente importa ainda deixar expressos os pressupostos legais em que é consentido ao Tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. Seguindo a lição de Abrantes Geraldes, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova, o tribunal de recurso só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria tem de realizar um novo julgamento; nesse novo julgamento o tribunal de recurso forma a sua convicção de forma autónoma; para a formação dessa sua convicção não só reaprecia os meios de prova especificados por recorrente e recorrido, respetivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda serem pertinentes para formar uma convicção segura; sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, o novo julgamento a realizar pelo tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, gozando, por isso, o tribunal ad quem dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o julgador da 1ª instância[10]; na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando se suscitarem dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida (art. 662º, n.º 2, als. a) e b) do CPC); sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, e através das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, o tribunal de recurso consiga relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; porém, em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto por esta realizado, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e a fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, deverá prevalecer esse julgamento de facto, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[11]. Com efeito, estabelece o art. 662º, n.º 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, do que resulta que, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não é suficiente que a prova produzida consinta ou permita o julgamento de facto propugnado pelo recorrente, mas antes é necessário que o imponha. Na verdade, estando-se na presença de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, tendo presente que esse princípio, assim com os da imediação, da oralidade e da concentração se mantêm em vigor no âmbito da atual lei adjetiva nacional e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, nem desconsiderar que a imediação, a oralidade e a concentração da prova tornam percetíveis ao mesmo, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação de uma convicção segura, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem, através da mera audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Por isso é que se compreende que a Relação apenas possa/deva alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova que consta do processo que entenda pertinente para a formação de uma convicção segura, conclua, com a necessária segurança que a prova pessoal produzida em audiência final, conjugada com a restante prova (documental, pericial e/ou por inspeção) constante dos autos, uma vez submetida às regras do normal acontecer, da ciência ou da técnica apontam numa direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, por infirmar os termos do raciocínio probatório adotado pelo julgador a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e inconsistente, e antes aponta para outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente[12], impondo-se em caso de dúvida, nomeadamente, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida fazer prevalecer a decisão de facto proferida pela 1ª Instância, em observância aos enunciados princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nessa parte”[13]. C.1- Da apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela recorrente – Pontos 11º, 12º, 13º e 14º da facticidade julgada provada A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela recorrente impõe-se precisar que procedemos à análise de toda a prova documental que se encontra junta aos autos e, bem assim, à audição da totalidade da prova pessoal que foi produzida em audiência final, a qual se resume ao depoimento prestado pela testemunha AA, revisor oficial de contas, que referiu prestar serviços de contabilidade para a recorrida “há alguns anos”. A recorrida juntou aos autos com a oposição a certidão da sua matrícula, retirando-se de útil do teor da mesma que aquela não depositou na Conservatória do Registo Comercial as contas dos exercícios dos anos de 2021, 2022 e 2023. Juntou igualmente aos autos com a oposição a declaração de IRC – modelo 22 – relativas aos exercícios dos anos de 2020, 2021 e 2022. A declaração de IRC – modelo 22 -, referente ao exercício do ano de 2020, foi entregue pela recorrida nos serviços da Autoridade Tributária em 28/03/2022 (vide data de receção que nela se encontra aposta), isto é, muito depois do prazo legal para essa entrega se encontrar decorrido. De acordo com o teor dessa declaração, a recorrida declarou que, no período de 01/01/2020 a 31/12/2020 (exercício do ano de 2020), teve um resultado líquido de 1.679,21 euros, um lucro tributável de 1.840,23 euros, uma matéria coletável não isenta de 1.288,36 euros, e um volume de negócios de 181.594,40 euros. A declaração de IRC – modelo 22 -, relativa ao exercício do ano de 2021, foi entregue pela recorrida nos serviços da Autoridade Tributária em 15/03/2022, e nela declarou que, no período de 01/01/2021 a 31/12/2021 (exercício de 2021), teve um resultado líquido de 4.678,18 euros, um lucro tributável de 5.375,06 euros, a quantia de 671,88 euros de IRC a pagar, e um volume de negócios de 639.156,79 euros. Por sua vez, a declaração de IRC – modelo 22 – respeitante ao exercício do ano de 2022, foi entregue pela recorrida nos serviços da Autoridade Tributária em 20/03/2024 (cfr. data de receção que nela se encontra aposta), ou seja, também ela muito para lá do prazo legal fixado para o efeito. Nessa declaração, a recorrida declarou à Autoridade Tributária que, no período de 01/01/2022 a 31/12/2022 (exercício do ano de 2022), teve um resultado líquido negativo de 13.703,93 euros, um prejuízo para efeitos fiscais de 13.703,93 euros e um volume de negócios de 830.744,94 euros. Em face da prova documental que se acaba de expor impõe-se, desde já, extrair as seguintes conclusões: Primo - as declarações modelo 22, relativas aos exercícios dos anos de 2020 e 2022, foram entregues pela recorrida nos Serviços da Autoridade Tributária muito depois do prazo legal fixado para o efeito se mostrar esgotado; Secundo – a recorrida não entregou a declaração modelo 22 nos serviços da Autoridade Tributária relativa ao exercício do ano de 2023, posto que, caso o tivesse feito não deixaria de a ter junta aos autos; Tertio – a recorrida não depositou na Conservatória do Registo Comercial as contas dos exercícios dos anos de 2021, 2022 e 2023, conforme se encontra plenamente provado pelo teor da certidão da matrícula daquela junta em anexo à oposição; Finalmente, tudo o que se acaba de referir, além de ilegal, mostra-se contrário a uma sociedade bem administrada, bem gerida, que goze de saúde financeira. De acordo com as identificadas declarações modelo 22, no ano de 2020, a recorrida declarou um lucro tributável, para efeitos de IRC, de escassos 1.840,23 euros; no ano de 2021, declarou um lucro tributável de escassos 5.375,06 euros; e no ano de 2022 declarou um prejuízo para efeitos fiscais de 13.703,93 euros, o que tudo naturalmente não evidencia efetivamente saúde financeira da parte da recorrida. Avançando… Em anexo à oposição, a recorrida juntou aos autos um documento particular, não assinado, intitulado de “Balancete de Contabilidade de 2023, dezembro – 2º encerramento”, onde se lê: “Período de: ...10 até ...23 conta 21 até: 23 Conta Designação Mês Débito Mês crédito Acum. Débito Acum. Crédito Saldo 21 Clientes 2.611.428,07 1.670533,12 940.894,95 21 Fornecedores 2.057.745,81 2.554.819,76 - 497.073,95 Totais 0,00 0,00 4.669.173,88 4.225.352,88 443.821,00 E também juntou aos autos um outro documento particular, também ele não assinado, relativo aos exercícios dos anos de 2023 e 2022, em que se lê, além do mais, o seguinte: Rúbrica Notas 2023 2022 Vendas e serviços prestados 22,00 2.336.305,88 0,00 Custos das mercadorias vendidas e das matérias primas consumidas 0,00 - 746.772,13 0,00 Fornecimentos e serviços externos 27,00 - 1.570.876,42 0,00 Gastos com o pessoal 28,00 0,00 0,00 Resultados antes de depreciações e impostos 0,00 765.068,41 0,00 Resultado operacional (antes de gastos de financiamento e impostos) 0,00 765.068,41 0,00 Resultado antes de impostos 0,00 765.068,41 0,00 Resultado líquido do período 0,00 765.068,41 0,00 Quanto a estes dois últimos documentos, conforme antedito, trata-se de documentos particulares, não assinados, onde nenhuma menção se encontra feita que permita concluir que os mesmos integrem efetivamente a contabilidade da recorrida relativa ao exercício do ano de 2023 (se é que essa contabilidade foi efetivamente por ela elaborada relativamente a esse exercício, assim como quanto aos exercícios dos anos de 2021 e 2022 - relembra-se, de acordo com o teor da certidão da matrícula da recorrida junta aos autos, esta não depositou na Conservatória do Registo Comercial as contas dos exercícios de 2021, 2022 e 2023, o que tudo indicia que essa contabilidade não foi por ela efetivamente elaborada quanto a esses exercícios). Confrontado o teor dos dois documentos acabados de referir (referentes ao exercício do ano de 2023) com as declarações apresentadas pela recorrida junto dos serviços da Autoridade Tributária relativa aos exercícios dos anos de 2020, 2021 e 2022 para efeitos de IRC, dir-se-á que, tendo a recorrida, de acordo com o teor dessas declarações, tido, respetivamente, naqueles anos um volume de negócios de 181.594,20 euros, 639.156,79 euros e 830.744,euros, não se antolha como razoável aceitar-se que a mesma, no exercício do ano de 2023, fosse realizar vendas no valor de 2.336.305,88 euros, conforme vem declarado no último daquele dois documentos e foi julgado provado pela 1ª Instância. E, salvo melhor opinião, à luz das regras do normal acontecer também não se nos prefigura razoável aceitar-se que, tendo a recorrida, de acordo com o que foi por si declarado junto dos serviços da Autoridade Tributária, na declaração modelo 22, tido, nos exercícios dos anos de 2020, 2021 e 2022, um resultado líquido de, respetivamente, 1.679,21 euros, 4.678,18 euros, e um resultado líquido negativo de 23.703,93 euros, fosse no exercício seguinte (ano de 2023) ter um resultado liquido positivo que ascende à considerável quantia de 765.068,41 euros, conforme também consta daquele último documento e foi julgado provado pela 1ª Instância. Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a prova documental junta pela recorrida em anexo à oposição, quanto ao exercício do ano de 2023, não merece, nem pode merecer qualquer credibilidade, posto que, para além de se desconhecer a sua proveniência, nomeadamente, se integra (ou não) a contabilidade da recorrida, os dados que se encontram nela inscritos mostram-se desconformes aos dados declarados pela própria recorrida nas declarações de IRC, modelo 22, quanto aos anteriores exercícios dos anos de 2020, 2021 e 2022 quando submetidos às regras do normal acontecer. Mas que os identificados documentos relativos ao exercício da recorrida do ano de 2023 não merecem qualquer credibilidade, não retratando a real situação patrimonial e financeira da recorrida, resulta evidenciado pelo depoimento prestado pela testemunha AA, cujo gabinete de contabilidade vem tratando da contabilidade da recorrida “há alguns anos”. Na verdade, AA começou o seu depoimento por ser confrontado com os documentos acima identificados relativos ao exercício da requerida do ano de 2023. Referiu tratar-se de documentos contabilísticos que foram elaborados pelos seus funcionários e respeitantes à contabilidade da recorrida relativa ao exercício do ano de 2023. Todavia, logo esclareceu que os documentos em causa não retratam a verdadeira situação patrimonial e financeira da recorrida, uma vez que há “muitas faturas que faltam lançar”; “em Portugal muitas das empresas são empresas familiares, o pessoal recebe os adiantamentos e não emite as faturas”; “os valores que constam aqui, referente ao ano de 2023, não estão totalmente exatos”; “faltam aqui documentos”; “o valor total das vendas efetivamente foi na casa dos dois milhões e trezentos, faltam aqui custos associados de mercadorias vendidas e outros custos com fornecimento externos”; quando o IES de 2023 “estiver pronto a recorrida vai ter uma resultado positivo entre cem e cento e cinquenta mil euros”. Logo, é a própria testemunha AA que confirma que os documentos juntos pela recorrida com a oposição relativos ao exercício do ano de 2023 não retratam a verdadeira situação patrimonial e financeira daquela, na medida em que a contabilidade da mesma relativa a esse exercício ainda se encontra para ultimar, faltando lançar nela múltiplos elementos, nomeadamente faturas. Daí que, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, os identificados documentos são totalmente inaptos por fundar o juízo de provado que por ela foi emanado quanto à facticidade que julgou provada nos pontos 11º, 12º, 13º e 14º na sentença sob sindicância. Decorre do excurso antecedente que, sem mais, por desnecessárias, considerações, a prova produzida não consente que tivesse julgado provada a facticidade dos pontos 11º, 12º, 13º e 14º, mas antes impõe que se julgue a mesma como não provada, pelo que, na procedência deste fundamento de recurso, ordena-se que se elimine do elenco dos factos provados a facticidade dos pontos 11º, 12º, 13º e 14º e determina-se que a mesma transite para o elenco dos factos julgados não provados na sentença. D- Do mérito A recorrente instaurou a presente ação especial de insolvência pedindo que a recorrida fosse declarada insolvente, alegando, além do mais, facticidade tendente a demonstrar encontrarem-se preenchidos os factos base de presunção de insolvência da al. e), do n.º 1 do art. 20º do CIRE (diploma a que se referem todas as disposições legais que se passam a citar sem menção em contrário). A noção-base de insolvência consta do art. 3º, n.º 1, onde se estabelece que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. A referida noção-base de insolvência é ampliada, pelo n.º 2 do art. 3º, quanto às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, ao nele se prescrever que “também são considerados insolventes” as pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”. Deste modo, de acordo com a noção base de insolvência do n.º 1 do art. 3º, qualquer pessoa singular ou coletiva, património autónomo ou centro de imputação de interesses previsto no n.º 1 do art. 2º, com a ressalva do seu n.º 2, encontra-se em estado de insolvência sempre que se mostrem preenchidos dois pressupostos legais cumulativos: a) tenham “obrigações vencidas” em relação às quais se encontrem em incumprimento, e b) se encontrem impossibilitados de cumprir com as suas obrigações vencidas. Quanto ao primeiro requisito, não se exige que o devedor se encontre em incumprimento em relação a uma pluralidade de obrigações vencidas, mas apenas que tenha uma ou mais obrigações vencidas[14]. O conceito de “obrigações vencidas” não se confunde com o de “obrigações exigíveis”. A “exigibilidade” é a situação em que o credor pode exigir o cumprimento da obrigação ao devedor, enquanto o “vencimento” é a situação em que este se encontra constituído na obrigação de cumprir. Embora, por norma, ambos os conceitos coincidam no tempo, casos existem em que a obrigação é exigível, isto é, o credor tem o direito a reclamar do devedor o cumprimento da obrigação, mas esta não se encontra ainda vencida, ou seja, o devedor não se encontra ainda constituído no dever de cumprir a obrigação, por o seu vencimento estar dependente, por exemplo, da interpelação do devedor para que cumpra. Para efeitos de declaração da insolvência é irrelevante que o devedor tenha uma ou mais obrigações exigíveis, mas o que releva é que essas obrigações se encontrem vencidas e que, consequentemente, o devedor se encontre constituído na obrigação de a(s) cumprir perante o respetivo credor ou credores com essa(s) obrigação(ões). Acresce que obrigação(ões) vencida(s) não equivale a obrigação(ões) incumprida(s) em definitivo pelo devedor, posto que, bastando-se a lei que a obrigação ou obrigações se encontrem vencidas e com o incumprimento desta(s) por parte do devedor, isto é, com a simples mora (art. 804º, n.º 2 do CC), basta que o devedor entre em mora quanto a uma ou mais obrigações já vencidas para que possa ser declarado insolvente. Quanto ao segundo e último requisito necessário à declaração da insolvência – a “impossibilidade do devedor de cumprir as obrigações vencidas” -, urge enfatizar que a insolvência é um estado patrimonial em que se encontra o devedor – o estado de insolvência -, o qual se caracteriza pela sua falta de liquidez para satisfazer as obrigações vencidas. Ora, para que esse estado situacional do devedor se verifique é necessário que o mesmo se encontre numa situação de impossibilidade ou de impotência de cumprir com as suas obrigações já vencidas e em mora, quer com as que se venham a vencer, por falta de solvabilidade, ou seja, liquidez, porque não dispõe de meios pecuniários próprios que lho permitam fazer, quer porque nem sequer consegue obter esses meios junto de terceiros, designadamente, da banca. Exige-se, portanto, que o devedor esteja impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações já vencidas, em relação às quais se encontra em mora, decorrente da sua falta de liquidez e que essa sua situação de penúria de liquidez/solvabilidade seja de tal ordem que permita concluir que o mesmo está impedido de satisfazer a generalidade, ou seja, com a grande maioria das suas obrigações vencidas (as que já se venceram e em relação às quais está em mora e as que se vierem a vencer), o que naturalmente não depende do número, nem do valor pecuniário das obrigações já vencidas, nem do respetivo montante, na medida em que o incumprimento de uma única obrigação já vencida e em mora, de reduzido montante, poderá ser reveladora do estado de insolvência em que aquele se encontra. Por isso, para que se verifique aquele requisito é necessária a alegação e prova de factos e circunstâncias que demonstrem a impotência do devedor de cumprir, por falta de liquidez, as obrigações já vencidas e a generalidade das que se venham a vencer. Neste sentido expendem Carvalho Fernandes e João Labareda que “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações, que pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, por si só, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante”[15]. No mesmo sentido escreve Soveral Martins que ao estado de insolvência do devedor “só releva a impossibilidade de cumprir. Não há impossibilidade se o devedor tem meios para cumprir, mas não o faz porque, por exemplo, contesta a existência da obrigação. A impossibilidade em causa não se confunde também com a impossibilidade objetiva que constitui causa de extinção das obrigações (art. 790º do CC). Do que se trata, isso sim, é de não ter meios para cumprir as obrigações vencidas. Meios que o devedor não tem porque nem sequer consegue junto de terceiros. (…). Em rigor, a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas não significa que se tenha de fazer prova imediata de que o devedor está impossibilitado de cumprir todas e cada uma dessas obrigações. Basta a prova imediata de que o devedor não consegue cumprir as obrigações vencidas que, por sua vez, permitam ao julgador presumir que o devedor não tem possibilidade de cumprir as restantes”[16]. Em igual sentido também se pronuncia Carvalho Gonçalves, ao salientar que “a insolvência diz-se atual quando, à luz dos critérios constantes do art. 3º, n.ºs 1 e 2, o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, independentemente da causa dessa impossibilidade e de esta lhe ser ou não imputável. O mesmo é dizer que a situação de insolvência atual pressupõe um estado de impotência, estrutural e não meramente transitória, de o devedor satisfazer regularmente e com meios normais as próprias obrigações. (…), a insolvência do devedor decorre, fundamentalmente, da sua incapacidade económico-financeira para satisfazer as suas obrigações vencidas, ou seja, da inexistência de liquidez para poder honrar as obrigações assumidas junto dos seus credores”[17]. Acresce enfatizar que o conceito de “impossibilidade de cumprir” as obrigações vencidas também não se confunde com a “situação patrimonial líquida negativa” do requerido/devedor (superioridade do passivo patrimonial em face do ativo patrimonial), posto que à verificação do estado de insolvência do n.º 1 do art. 3º está subjacente o conceito de solvabilidade do devedor e poderá muito bem acontecer que ocorra a situação de insolvência daquele sem que exista uma situação patrimonial líquida negativa do mesmo, mas antes positiva, assim como o inverso também é verdadeiro. O devedor poderá encontrar-se impossibilitado de cumprir com uma ou mais obrigações já vencidas e em mora e com a generalidade das obrigações que se venham a vencer apesar de deter um património sólido, que exceda em muito o seu passivo, como acontecerá quando disponha de um amplo património imobiliário, que em muito exceda o seu passivo, mas não disponha de liquidez que lhe permita cumprir com os seus compromissos já vencidos e em mora e com os vincendos. Por sua vez, a situação patrimonial do devedor poderá ser negativa, e ainda assim aquele poderá dispor de liquidez para satisfazer os seus compromissos perante os credores à medida que se forem vencendo[18]. A situação patrimonial negativa do devedor não releva, pois, para efeitos de noção base de insolvência do n.º 1 do art. 3º, sem prejuízo daquela já relevar em sede de ampliação do conceito de insolvência operado pelo seu n.º 2 quanto às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda, pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta. Deste modo, sendo o devedor uma pessoa coletiva ou um património autónomo por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda de forma pessoal ou ilimitada, sem prejuízo da situação de insolvência do n.º 1 do art. 3º, aquele estará igualmente em situação de insolvência nos casos em que o seu passivo exceda manifestamente o seu ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis (art. 3º, n.º 2). Decorre do excurso antecedente que, de acordo com a noção base de insolvência do n.º 1 do art. 3º, encontra-se em estado de insolvência o devedor, pessoa singular, coletiva, património autónomo ou massa patrimonial afeta à satisfação de fins específicos, previstos no n.º 1 do art. 2º, que se “encontre impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas”, isto é, que tenha uma ou mais obrigações já vencidas e em relação à(s) qual(is) se encontre em mora, por falta de solvabilidade, e essa sua falta de solvabilidade (liquidez) o impeça de cumprir com a generalidade das suas obrigações à medida que se forem vencendo e, ainda, específica e exclusivamente quanto às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular, por forma direta ou indireta, responda pessoal e ilimitadamente, estas também se encontrarão em estado de insolvência nos casos em que a sua situação patrimonial seja negativa (ativo menos passivo), avaliada segundo as normas contabilísticas aplicáveis. Deste modo, para que seja declarada a insolvência do requerido à luz da noção base de insolvência do art. 3º, n.º 1, terá o requerente, com legitimidade ativa para requerer a declaração de insolvência (quem for legalmente responsável pelas dívidas do demandado, qualquer credor, ainda que condicional, ou o Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados - art. 20º, n.º 1 do CIRE) de alegar e provar que: a) o requerido tem uma ou mais obrigações já vencidas em relação às quais se encontra em mora e b) que o mesmo se encontra num estado de penúria de liquidez tal que se encontra impedido de cumprir com a generalidade das suas obrigações à medida que se forem vencendo (arts. 3º, n.º 1, 23º, n.º 1, 25º e 27º, n.º 1, al. a) do CIRE, 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d) do CPC, e 342º, n.º 1 do CC). Perante os enunciados ónus alegatórios e probatórios com que o requerente da insolvência se encontra sobrecarregado é manifesto que, na maioria dos casos, debater-se-á com sérias dificuldades, quiçá, dificuldades inultrapassáveis em cumprir com os mesmos, principalmente, no que respeita à alegação e prova do requisito da falta de liquidez do requerido determinativo do seu estado de impotência em cumprir com as obrigações já vencidas e em mora e com a generalidade das que se forem vencendo. Ciente dessas dificuldades, quiçá prova diabólica, no n.º 1 do art. 20º, o legislador consagrou uma série de factos-índice ou índices de insolvência que, por um lado, legitimam que o requerente possa instaurar o respetivo processo pedindo que o requerido seja declarado insolvente, mediante a alegação dos factos-índice previstos numa das alíneas daquele n.º 1 e que, por outro lado, uma vez feita a prova dessa facticidade leva a que se presuma iuris tantum que o requerido se encontra em estado de insolvência, tal como definido no n.º 1 do art. 3º. Trata-se de factos-índice de insolvência de natureza taxativa, o que significa que os únicos factos-índice ou presuntivos de insolvência que a lei reconhece são exclusivamente os que se encontram expressamente enunciados nas diversas alíneas em que se desdobra o n.º 1 do art. 20º. Os mencionados factos-índices não têm natureza cumulativa, pelo que basta ao requerente da insolvência alegar e provar facticidade integrativa de um desses factos-índice (base da presunção de insolvência) previstos numa das alíneas daquele n.º 1 para que se presuma o estado de insolvência do requerido[19]. A existência desses factos índice tem a vantagem de desonerar o requerente da insolvência do ónus de ter de alegar e provar a facticidade integrativa dos pressupostos da noção base de insolvência do n.º 1, do art. 3º, bastando-lhe alegar e provar os factos base da presunção de insolvência enunciados numa das alíneas do n.º 1 do art. 20º (arts. 349º e 350º, n.º 1 do CC), para que se presuma iuris tantum que o requerido se encontra em situação de insolvência, a quem, então, incumbirá ilidir a mencionada presunção, provando o contrário (n.º 2, do art. 350º do CC), ou seja, alegando e provando factos e/ou circunstâncias demonstrativas em como, apesar da verificação daquele facto-índice, não se encontra em situação de insolvência. Neste sentido escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda que o estabelecimento de factos índice de insolvência “tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efetiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art. 3º, n.º 1). Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice”[20]. Com interesse, lê-se no acórdão da Relação de Coimbra de 20/11/2007 que “no caso dos factos-índice do art. 20º, n.º 1, trata-se de indicar ocorrências prototípicas de uma situação de insolvência, ou seja de indicar situações através das quais, normalmente, se manifesta essa situação, por corresponderem elas, tendencialmente, pelo menos, a uma impossibilidade do devedor de cumprir as suas obrigações vencidas, ou seja, por corresponderem ao conceito base (…) contido no art. 3º, n.º 1 do CIRE. Significa isto – e isto constitui a essência da técnica dos exemplos-padrão” -, por um lado, que “…a impossibilidade de (o devedor) cumprir as suas obrigações vencidas”, pode ocorrer totalmente fora das facti species elencadas no n.º 1 do art. 20º do CIRE, tal como pode ocorrer, por outro lado, que a verificação de qualquer destas facti species não corresponda em concreto à impossibilidade mencionada no n.º 1 daquele art. 3º, rectius que não corresponda a uma situação de insolvência”[21]. Um dos factos-índice de insolvência previstos naquele n.º 1, do art. 20º, mais concretamente na sua al. e), reconduz-se à “insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificado em processo executivo movido contra o devedor”, facto-índice este que foi invocado pela recorrente na petição inicial, com fundamento no qual, além do mais, pediu que a recorrida fosse declarada insolvente e em relação ao qual, conforme antedito, a 1ª Instância omitiu total pronúncia, incorrendo no vício da nulidade da al. d), do n.º 1, do art. 615º do CPC, a qual agora se impõe suprir. De acordo com o facto índice previsto naquela al. e), sempre que um credor instaure execução contra o devedor para pagamento de um crédito (crédito esse já acertado e reconhecido, em definitivo, ao exequente sobre o executado no título executivo que serve de base à execução) e esta venha a ser julgada extinta, sem pagamento total daquele crédito, por falta de bens penhoráveis na esfera jurídico-patrimonial do executado, não só o exequente (credor) fica legitimado a requerer que o executado (devedor) seja declarado insolvente, como a prova daqueles factos leva a que se presuma que o último se encontra em estado de insolvência, o que bem se compreende. Na verdade, constituindo o património do devedor a garantia geral dos seus credores quanto ao cumprimento dos créditos que lhes assistem (art. 601º do CC), a circunstância de um credor ter instaurado execução contra o devedor para obter a satisfação coerciva do seu crédito e de ter visto essa execução a ser julgada extinta, sem que aquele crédito (crédito exequendo) lhe fosse satisfeito, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis existentes na esfera jurídico-patrimonial do devedor (executado), constitui necessariamente o indício mais forte de que o devedor (executado) se encontra impossibilitado de satisfazer as obrigações vencidas, ou seja, que o mesmo se encontra em estado de insolvência, na medida em que a sua falta de solvabilidade é de tal ordem que na ação executiva nem sequer já lhe foram encontrados bens suscetíveis de serem penhorados, não dispondo, portanto, o mesmo já de qualquer património que responda pelas suas obrigações (as vencidas e em mora, nomeadamente, a exequenda, e as que se venham a vencer), impondo-se, por isso, declará-lo insolvente, cabendo a este ilidir essa presunção, querendo e podendo. De resto, porque assim é, nos casos em que a insolvência seja decretada com fundamento na verificação do facto-índice de insolvência da al. e), esse facto não poderá deixar de se projetar no posterior desenvolvimento do processo de insolvência ao levar a que se deva presumir que a massa insolvente do devedor não é suficiente para suportar as custas do processo de insolvência e as dívidas previsíveis da massa insolvente, impondo-se a aplicação ao processo do regime fixado no art. 39º do CIRE[22]. Acresce referir que, face à atual configuração legal dos arts. 748º a 750º do CPC e do regime jurídico que regula a Lista Pública de Execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, criada pela Portaria n.º 313/2009, de 30 de maio, e alterada pelas Portarias n.ºs 279/2013, de 26/08, e 267/2018, de 20/09, impõe-se operar uma interpretação restritiva do facto-índice de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, no sentido de que a verificação desse facto-índice não passa necessariamente pela instauração de uma ação executiva que, posteriormente, venha a extinguir-se, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis, quando, de antemão, mediante a consulta daquela lista, se tem prova bastante da inexistência de tais bens penhoráveis, podendo, por isso, a demonstração da inexistência de património do devedor exigida pela referida al. e) decorrer da consulta desta[23]. Vejamos: No âmbito do processo executivo as diligências de penhora são realizadas pelo agente de execução, o qual, para o efeito, procede à consulta do registo informático de execuções. Se daquele registo resultar que, nos últimos três anos, já houve execuções contra o executado que terminaram sem que tivesse ocorrido pagamento integral da dívida nelas exequenda e o exequente não tiver indicado bens penhoráveis no requerimento executivo, nos termos do art. 748º, n.º 3 do CPC, o agente de execução deve iniciar imediatamente as diligências tendentes a identificar bens penhoráveis, nos termos do art. 749º do mesmo Código. Caso não detete bens penhoráveis, o agente de execução notifica o exequente desse facto, dispondo o último do prazo de dez dias para indicar concretos bens do executado que pretenda ver penhorados, sendo que, na falta dessa indicação, a execução se extingue (arts. 749º, n.º 3 e 879º, n.º 1, al. c) do CPC), sendo essa extinção notificada ao exequente, ao executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado para a execução, e aos credores reclamantes (n.º 2, do art. 849º do CPC), tendo o despacho de extinção da execução de ser levado ao registo informático de execuções (art. 717º, n.º 2, als. b) do CPC)[24]. Por sua vez, a Lista Pública de Execuções, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis foi criada pelo legislador pela Portaria n.º 312/2009, de 30/03, com o propósito de “criar um forte elemento dissuasor do incumprimento de obrigações, fator que tem sido assinalado internacionalmente como uma das condições que pode contribuir para o crescimento da confiança no desempenho da economia portuguesa. Por outro, trata-se de evitar, a montante, processos judiciais sem viabilidade e cuja pendência prejudica a tramitação de outros efetivamente necessários para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos cidadãos”. À sua criação e aos dados nela inscritos estão associadas “garantias de segurança quanto à inclusão e fidedignidade das informações nela contida”, encontrando-se garantido “sempre ao executado uma última oportunidade para cumprir as obrigações assumidas ou aderir a um plano de pagamento, mesmo depois de a execução já ter terminado por inexistência de bens, o que permite evitar a sua inclusão na lista”, além de lhe estar assegurado “um sistema de reclamações rápido destinado a corrigir incorreções ou erros da lista, estabelecendo-se o prazo de dois dias úteis para apreciação da reclamação, sob pena de se retirarem, de imediato, as referências da lista pública até que a decisão seja proferida. No mesmo sentido, prevê-se que da lista possa constar, a pedido do interessado, a indicação de um determinado dado ou informação ter sido incluído incorretamente, caso a reclamação tenha merecido deferimento”[25]. Nos termos do art. 2º daquela Portaria, “o procedimento de inclusão do executado na lista pública de execuções tem início com a notificação ou citação do mesmo, consoante já tenha sido ou não citado, previstas nos n.ºs 1 e 3, respetivamente, do art. 750º do CPC, e é concluído uma vez decorrido o prazo de reclamação da decisão de extinção da instância realizada nos termos do n.º 2 do mesmo artigo”. Em simultâneo com aquela notificação ou citação, o executado é notificado pelo agente de execução de que, uma vez extinta a execução, dispõe do prazo de 10 dias para pagar a quantia em dívida ou para aderir a um plano de pagamento de dívida elaborado com o auxílio de uma entidade reconhecida pelo Ministério da Justiça, com a cominação de que a não observância de qualquer dos mencionados procedimentos implica a sua inclusão na lista pública de execuções (art. 3º, n.º 1 da Portaria). Com a notificação da extinção operada nos termos do n.º 2 do art. 750º do CPC, o executado é informado de que dispõe o prazo de 10 dias para reclamar da decisão de extinção, findo o qual, e caso não tenha pago a quantia em dívida ou aderido a um plano de pagamento elaborado com o auxílio de uma entidade reconhecida pelo Ministério da Justiça e comunicado eletronicamente pelo agente de execução e ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL), que integra a Direção-Geral da Política de Justiça, passa a estar incluído na lista pública de execuções (n.º 1, do art. 4º do mesmo diploma), cabendo ao agente de execução, uma vez verificados os pressupostos legais, proceder à inclusão do executado na lista pública (n.º 3, do mesmo art. 4º). O executado, por si ou através de mandatário, pode requerer a alteração ou a retificação dos dados inscritos na lista pública que lhe respeitem (art. 8º). Decorre das previsões legais acabadas de referir que foi propósito do legislador, mediante a criação da lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, por um lado, criar um instrumento dissuasor do incumprimento de obrigações, permitindo que, mediante a sua consulta pelo público em geral, os potenciais credores recusem contratar com as pessoas que nela se encontrem inscritas, sabendo que não dispõem de património que responda pelos créditos que venham a contrair junto daqueles, e criando, assim, concomitantemente um forte incentivo para que as pessoas inscritas nessa lista cumpram com as obrigações contraídas que ficaram insatisfeitas na execução ou execuções que contra as mesmas foram instauradas pelo(s) respetivo(s) credor(es) por inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis, de modo a serem eliminadas daquela lista; e, por outro lado, obviar à instauração de execuções inviáveis movidas por credores contra devedor que figure inscrito na dita lista. Conforme deixou enunciado no Preâmbulo da Portaria n.º 313/2009, dadas as severas consequências negativas que decorrem para as pessoas incluídas naquela lista, o legislador rodeou a inclusão naquela lista de um sistema de garantias que, por um lado, acautela os legítimos direitos e interesses dos devedores e, por outro, confira segurança e fidedignidade às informações nela contidas. Assim, instaurada execução contra determinado devedor, vindo essa execução a ser julgada extinta sem que o crédito nela exequendo tenha sido pago ao exequente, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor (executado), independentemente deste ter sido ou não citado para os termos daquela execução e de dever ou não ser notificado do despacho que julgou extinta a execução com aquele fundamento, uma vez proferido o despacho de extinção da execução, o agente de execução tem de citá-lo (nos casos em que o mesmo não tenha sido citado para a execução julgada extinta) ou de notificá-lo (quando já o tenha sido) para que, no prazo de 10 dias, reclamar, querendo, do despacho de extinção da execução, pagar a quantia exequenda não satisfeita ao exequente (por via da inexistência de bens penhoráveis), ou para aderir a um plano de pagamento de dívida elaborado com o auxílio de uma entidade reconhecida pelo Ministério da Justiça, com a expressa advertência que caso não adote nenhum desses procedimentos será incluído na lista pública de execução, sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, decorrido que seja aquele prazo. Finalmente, caso o executado não adote nenhum dos mencionados procedimentos ou a reclamação que apresentou contra o despacho que julgou (indevidamente) a execução extinta, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis venha a ser julgado improcedente, aquele é incluído na mencionada lista pública de execuções, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, que é de consulta pelo público em geral (art. 7º da Portaria n.º 313/2009), sendo o executado incluído na referida lista o único que dispõe de legitimidade para requerer a alteração ou retificação dos dados nela inscritos (art. 8º do mesmo diploma), nomeadamente, para requerer a sua exclusão da mesma, nos casos em que tenha ocorrido qualquer ilegalidade no procedimento seguido que culminou com a sua inclusão naquela, para requerer a retificação dos dados nela inscritos quando estes se mostrem incorretos, ou para requerer a atualização desses dados quando, entretanto, tenha liquidado, total ou parcialmente ao exequente da execução nela inscrita o crédito exequendo. O executado inscrito nessa lista é, portanto, o único responsável pela alteração ou retificação dessa lista, a qual faz prova bastante dos factos que nela se encontram inscritos. Daí que, face à configuração legal dos dispositivos legais do CPC acima identificados e analisados, que regulam a extinção da execução sem pagamento da quantia nela exequenda por falta ou insuficiência de bens penhoráveis, os fins supra enunciados que são prosseguidos pelo legislador com a criação da lista pública de execução, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, as garantias de segurança que lhe é imanente quanto à inclusão e fidedignidade das informações nela contida e as garantias que são conferidas ao executado, que é o único que detém legitimidade para requerer a alteração ou retificação dos dados nela inscritos e que, por isso, é o único responsável por esses dados, é que, seguindo o entendimento de Marco Carvalho Gonçalves, se defende uma interpretação restritiva da enunciada al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, no sentido de que a falta ou insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente não passa necessariamente pela propositura de execução que, posteriormente, venha a extinguir-se sem pagamento daquele crédito, por falta ou insuficiência de bens penhoráveis, podendo essa verificação ser igualmente demonstrada/verificada pela consulta da lista pública de execuções. Reafirma-se, a operar-se uma interpretação meramente literal da mencionada al. e), não só se frustraria os objetivos prosseguidos pelo legislador com a criação da lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, como se olvidaria que o único responsável pela alteração ou retificação dos dados nela inscritos é a pessoa (executado) que nela se encontra inscrita, gozando, por isso, essa lista “de garantias de segurança quanto à inclusão e fidedignidade das informações nela contida” que lhe são reconhecidas pelo próprio legislador, fazendo prova bastante quanto a esses dados. Finalmente, praticar-se-ia um ato inútil (a instauração de uma execução), em violação flagrante do comando do art. 130º do CPC, quando de antemão, pela consulta daquela lista e das garantias de fidedignidade que lhe são imanentes, se tem perfeito conhecimento da inexistência de bens penhoráveis no património do devedor. Acresce adiantar que, contrariamente ao que foi alegado pela recorrida na oposição ao pedido de declaração de insolvência, onde pretendeu não ter tido conhecimento da execução que correu termos pelo Juízo de Execuções de Loures sob o n.º 6019/23...., julgada extinta por inexistência de bens penhoráveis, na sequência do que foi incluída na lista pública de execuções, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, deixando intuído também o seu pretenso desconhecimento quanto à sua inclusão naquela, essa sua alegação não tem o mínimo arrimo jurídico possível face aos dispositivos legais acima enunciados. Na verdade, conforme supra demonstrado, independentemente da recorrida ter (ou não) sido citada para os termos daquela execução, a mesma teve necessariamente conhecimento da mencionada execução e que esta foi julgada extinta sem que a quantia nela exequenda tivesse sido satisfeita à aí exequente, por inexistência de bens penhoráveis, aquando da sua citação ou notificação pelo agente de execução, em que a informou desse facto e a interpelou para, no prazo de dez dias, reclamar, querendo, da decisão extintiva da dita execução, pagar a quantia exequenda não satisfeita à nela exequente, ou para aderir ao plano de pagamento nos moldes acima já enunciados, sob pena de não adotando nenhum dos mencionados procedimentos ser incluída na lista pública de execuções criada pela Portaria n.º 312/2009. Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não só a recorrida tomou perfeito conhecimento da dita execução, como que esta foi julgada extinta sem que a quantia nela exequenda tivesse sido liquidada ao nela exequente devido à falta de bens penhoráveis no seu património, como, inclusivamente, teve necessariamente conhecimento da sua inclusão nessa lista por, perante a citação ou notificação que lhe foi endereçada pelo agente de execução não ter adotado nenhum dos supra enunciados procedimentos (o que nem sequer alega). Como quer que seja, tendo a recorrida sido incluída na lista pública de execuções, qualquer eventual ilegalidade ocorrida ao nível do procedimento seguido que culminou com a sua inclusão nela, ou qualquer incorreção que tivesse ocorrido ao nível dos dados que nela foram (e se encontram) inscritos, ou qualquer atualização que se imponha realizar a esses dados, decorrente, designadamente, da recorrida ter entretanto pago, total ou parcialmente, a quantia exequenda ao respetivo credor (exequente naquela execução), tinha (e tem) de ser requerida pela própria recorrida, que é a única pessoa que dispõe de legitimidade para tal (art. 8º da Portaria n.º 313/2009) e que, por isso é a única responsável pelos dados nela inscritos, a qual, consequentemente, faz prova bastante desses dados[26]. Posto isto, revertendo ao caso sobre que versam os autos, nele apurou-se que, em 07/11/2023, a recorrente apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra a recorrida solicitando que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de 12.324,00 euros de capital em dívida, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 504,92 euros, de 40,00 euros, a título de indemnização, e de 102,00 euros, a título de taxa de justiça, acrescida dos juros de mora vincendos, e que, uma vez citada, a recorrida não pagou, nem deduziu oposição ao requerimento de injunção, pelo que, lhe foi aposta fórmula executória (cfr. pontos 3º e 4º dos factos apurados). Mais se apurou que, tendo a recorrente instaurado execução contra a recorrida, para cobrança coerciva daquela dívida, servindo de título executivo a essa execução o identificado requerimento de injunção com fórmula executória aposta, a mencionada execução veio, em 21/06/2024, a ser julgada extinta, sem pagamento da quantia nela exequenda à recorrente, atenta a circunstância da recorrida (aí executada) constar inserida na lista pública de execuções por inexistência de bens penhoráveis, com referência ao processo de execução n.º 6019/23...., que correu termos no Juízo de Execuções de Loures – Juiz ... -, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (cfr. pontos 5º, 6º, 7º e 8º dos factos apurados). Entendeu a 1ª Instância na sentença sob sindicância que “a Requerente logrou, indiciariamente, provar ter o crédito por si alegado. Mas, da prova produzida, não se pode afirmar, com segurança, que existe incumprimento por parte da Requerida, tout court. Com efeito, foi por esta alegada a compensação com o seu próprio crédito sobre a requerente”. Sem razão. O crédito que a recorrente invocou na petição inicial deter sobre a recorrida encontra-se reconhecido por requerimento de injunção ao qual foi aposta força executória, encontrando-se, por isso, em definitivo, de modo incontestável e vinculativo, intra e extraprocessualmente, reconhecido à recorrida, não sendo admissível nova discussão e decisão quanto à sua existência, sob pena de se violar a fórmula executória aposta no requerimento de injunção. Acresce que, sendo a compensação uma modalidade de extinção das obrigações, cumpria à recorrida, na oposição ao pedido de declaração de insolvência que contra ela foi formulado, alegar (e posteriormente provar) a facticidade essencial integrativa do pretenso crédito que alegadamente seria detentora sobre a recorrente e que pretensamente pretenderia ver compensado com o crédito que, em definitivo, foi reconhecido àquela no âmbito do requerimento de injunção com fórmula executória aposta, por se tratar de matéria de exceção (arts. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 2 do CC). Acontece que, contrariamente ao referido pela 1ª Instância, na oposição ao pedido de insolvência, a recorrida não alegou a exceção da compensação, nem a facticidade essencial integrativa dessa exceção, pelo que nunca podia o tribunal dela conhecer e com base nela suscitar sequer a possibilidade de a recorrida ter cumprido, por compensação, com o crédito que a recorrente detém sobre aquela, que lhe fora reconhecido, em definitivo, no requerimento de injunção com força executória aposta. A recorrente instaurou execução contra a recorrida com vista à cobrança coerciva daquele crédito, mas essa execução foi julgada extinta sem que a quantia nela exequenda lhe tivesse sido liquidada, por inexistência de bens penhoráveis na esfera jurídico-patrimonial da executada (recorrida). A este propósito cumpre salientar não colher a tese da recorrida (sufragada na oposição ao pedido de declaração de insolvência) segundo a qual a recorrente, na petição inicial, não alegou os factos-índice de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, posto que aí se limitou a alegar “que a instância executiva do processo n.º 2024/24...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução de Valongo foi extinta, em virtude de constar na Lista Pública de Execuções por inexistência de bens, com referência ao processo n.º 6019/23...., que correu termos no Juízo de Execução de Loures – Juiz ... - do Tribunal Judicial de Lisboa Comarca Norte”, na medida em que, ao assim argumentar, desconsidera que, conforme supra se demonstrou, a circunstância da recorrida constar inscrita na lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, não dispensou que na execução intentada pela recorrente contra aquela se tivesse de verificar da inexistência de bens penhoráveis no seu património suscetíveis de liquidar o crédito da recorrente (exequente). Ao invés, a inscrição da recorrida na identificada lista determinou, ex lege, nos termos do art. 748º do CPC, que o agente de execução tivesse encetado diligências tendentes a identificar bens penhoráveis no património da recorrida (aí executada), as quais se frustraram, vindo essa execução a ser declarada extinta apenas após aquele ter notificado a aí exequente (recorrente) da frustração dessas diligências para que, no prazo de 10 dias, indicasse concretos bens que pretendesse ver penhorados, e desta não os ter indicado dentro daquele prazo, naturalmente por desconhecer da sua existência. Destarte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a recorrente logrou fazer prova dos factos base da presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, isto é, ser detentora de um crédito sobre a recorrida, o qual lhe foi reconhecido por requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória; ter instaurado execução contra a recorrida com vista à cobrança coerciva desse crédito, servindo de título executivo o identificado requerimento executório com fórmula executória aposta; e que esse crédito não lhe foi liquidado por falta de bens penhoráveis no património da requerida (aí executada), verificada no mencionado processo executivo, o qual, na sequência da inexistência desses bens, foi julgada extinta. Acresce que, face à interpretação restritiva que supra se sufragou quanto ao disposto na al. e), do n.º 1 do art. 20º do CIRE, a circunstância da recorrida constar inscrita na lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis, dispensava inclusivamente a recorrente de ter instaurado aquela execução quando, de antemão, pela consulta dessa lista, tinha prova bastante da inexistência de bens penhoráveis no património da recorrida que permitisse liquidar o crédito que detinha sobre aquela, estando, por isso, a recorrente dispensada de intentar aquela execução para que considerasse aquele facto-índice preenchido. Deste modo, tendo a recorrente feito prova dos factos base de presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE, o que determina que se presuma que a recorrida se encontra em estado de insolvência, não tendo a última feito prova de factos suscetíveis de ilidir essa presunção legal, impõe-se proferir sentença declarando-a insolvente. Tendo a recorrente deduzido oposição à pretensão formulada pela recorrida na oposição à declaração de insolvência no sentido que a administração fosse confiada à sua administração, não se encontrando, consequentemente, verificados os pressupostos legais do n.º 1 do art. 224º do CIRE que permitem ao juiz deferir essa pretensão na sentença declaratória de insolvência, impõe-se que nela se nomeie administrador de insolvência, tendo essa nomeação de recair sobre entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência (arts. 32º, n.º 1, 36º, n.º 1, al. d), 52º do CIRE e 13º, n.º 1 do EAJ). Ponderando que a consulta daquela lista e a nomeação do administrador de insolvência ultrapassa o objeto do presente recurso e, bem assim que as notificações, citações e publicações da sentença declaratória da insolvência, previstas nos arts. 37º e 38º do CIRE, ultrapassam as funções que se encontram legalmente acometidas à Secção de processos desta Relação, determina-se que seja a 1ª Instância a proferir a sentença declarando a recorrida insolvente. Decorre do excurso antecedente proceder o presente recurso, impondo-se, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, determinar a introdução das alterações acima identificadas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, suprir o vício da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, julgando-se verificada a presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE e, finalmente, revogar a sentença recorrida, determinando que a 1ª Instância profira sentença declarando a recorrida insolvente. * V- Decisão* Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar o presente recurso procedente e, em consequência: a- Declaram a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, decorrente de nela a 1ª Instância ter omitido total pronúncia quanto ao preenchimento do facto-índice de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE; b- Introduzem as alterações acima identificadas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; c- Suprimindo o vício da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, julgam verificada a presunção de insolvência da al. e), do n.º 1, do art. 20º do CIRE; d- Revogam a sentença recorrida e determinam que a 1ª Instância profira sentença declarando a recorrida EMP02... Unipessoal, Lda. insolvente. * Custas em ambas as instâncias pela massa insolvente da recorrida EMP02... Unipessoal, Lda. (art. 304º do CIRE). * Notifique.* Guimarães, 09 de janeiro de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator José Peres Coelho – 1º Adjunto Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. [3] Ac. STJ., de 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário. [4] Ac. RC., de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1. [5]Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., págs. 142 e 143, em que pondera que: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. [6] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143. [7]Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que afirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzido pelas partes”. No mesmo sentido, Ac. STJ., de 11/01/2024, proc. 217/22.7TVLSB.L1.S1, em que se expende: “No âmbito da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por questão deve entender-se o problema concreto, de facto ou de direito, a decidir, e não também, os motivos, os argumentos e os pontos de vista invocados pelos sujeitos processuais, em abono das respetivas pretensões, pelo que, só em relação àquele, e não, também, a estas se pode colocar a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia”. Ainda Ac. STJ., de 10/03/2022, Proc. 1071/18.9T8TMR.E1.S1: “A omissão de pronúncia respeita exclusivamente a questões, sendo que esta noção abrange as pretensões que as partes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundamentam a sua posição na controvérsia”. [8] Acs. STJ., de 30/10/2003, Proc. 03B3024; de 04/03/2004, Proc. 04B522; de 31/05/2005, Proc. 05B1730; de 11/10/2005, Proc. 05B2666; e de 15/12/2005, Proc. 05B3974. [9] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 291 a 295 e 322 a 324, lendo-se nestas últimas páginas que: “O art. 665º abarca outro tipo de nulidades, ou seja, as nulidades da sentença que se manifestam essencialmente através da falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito, verificação de oposição entre os fundamentos de facto ou de direito e a decisão, omissão de pronúncia ou condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 615º, n.º 1). Quando a decisão seja recorrível, tais nulidades são arguidas em sede de recurso, nos termos do art. 615º, n.º 4. (…). Porém, ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, n.º 2. Deste modo, a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo ara o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo. (…). Vejamos algumas situações: (…). O juiz omitiu na sentença uma questão essencial que as partes suscitaram ou ignorou um dos pedidos formulados. Interposto recurso da sentença, se acaso a nulidade não tiver sido sanada no despacho que admitiu o recurso e a Relação entender que foi cometida a nulidade arguida pelo recorrente, cumpre declará-la e imediatamente prosseguir com a correção do vício”. [10] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1. [11] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1. [12] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed. pág. 797, nota 4. [13]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. [14] Catarina Serra, “Lições da Insolvência”, Almedina, abril de 2018, pág. 57, onde defende que “a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas”, acrescentando, a pág. 58, que para o decretamento da insolvência “não releva nem o número nem o valor pecuniário das obrigações vencidas. (…), tanto está insolvente quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de montante elevado (o montante em causa é demasiado elevado para que o devedor consiga cumprir) como quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de pequeno montante ou de montante insignificante (o montante em causa é insignificante e ainda assim ele não consegue cumprir)”. Ac. RP., de 18/06/2013, Proc. 3698/11.0TBGDM-A.G1, em que se lê: “A situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art. 3º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas”. [15] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 86. No mesmo sentido Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 27, onde se lê: A este propósito, a doutrina tem entendido desde logo que a impossibilidade de cumprimento relevante para efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do devedor. Pode até tratar-se de uma só ou de poucas dívidas, exigindo-se apenas que a(s) dívida(s) pelo seu montante e pelo seu significado no âmbito do passivo do devedor seja(m) reveladora(s) da impossibilidade de cumprimento da generalidade das suas obrigações”. [16] Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 4ª ed., Almedina, pág. 78. [17] Marco Carvalho Gonçalves, “Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais”, Almedina, págs. 74 a 76. No mesmo sentido, Acs. R.G., de 03/03/2022, Proc. 3546/21.3T8VCT.G1; RL., de 20/05/2010, Proc. 2509/09.1TBPDL-A.L1-2; de 13/07/2010, Proc. 863/10.1TBALM.L1-6; RC., de 01/06/2020, Proc. 375/19.T8GRG-C.C1. [18] Ac. RE., de 10/05/2018, Proc. 1153/17.4T8OLH-B.E1 [19] Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 156. [20] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 200; RE. de 25/10/2007, CJ, 2007, IV, pág. 259; Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 83 a 87: “…a consagração legal desses factos-índice visou constituiu um incentivo ou um estímulo aos credores relativamente ao pedido de insolvência do devedor, evitando-se, dessa forma, o agravamento da sua situação deficitária face a um eventual protelamento do pedido de declaração de insolvência, bem como o retardamento da adoção das providências adequadas à recuperação ou à liquidação do património do devedor. Na verdade, é em função da verificação de algum desses factos-índice que a lei reconhece legitimidade a quem for legalmente responsável pelas dívidas do devedor, a qualquer credor – ainda que condicional e independentemente da natureza do seu crédito – ou ao Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, para requerer a declaração de insolvência do devedor. Exatamente por isso, cabe ao credor interessado na declaração de insolvência do devedor o ónus da alegação e da prova quanto à verificação de algum dos factos-índice legalmente previstos no art. 20º, por forma a que se possa dar como verificada a presunção da situação de insolvência do devedor. Acresce que o estado de insolvência do devedor constitui, na generalidade dos casos, algo de tão íntimo em relação ao devedor que jamais poderá ser perscrutado, razão pela qual os factos-índice permitem, em certa medida, exteriorizar o estado de insolvência em que se encontra o devedor. (…). Acresce, por outro lado, que esses factos-índice apenas permitem presumir a insolvência do devedor. Tratando-se, no entanto, de uma presunção iuris tantum, o devedor tem a possibilidade de ilidir essa presunção, isto é, de demonstrar que, mesmo que se encontre preenchido algum dos factos-índice tipificados no art. 20º do CIRE, não se encontra impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas, não estando, por isso, em situação de insolvência. (…). Significa isto que o tribunal só deve declarar a insolvência se o credor lograr provar a verificação de algum dos factos-índice previstos no art. 20º do CIRE e o devedor, por seu turno, não conseguir ilidir a presunção da sua insolvência, decorrente da verificação de algum desses factos-índice”. No mesmo sentido, Acs. RG., de 03/03/2020, Proc. 3546/21.3T8VCT.G1; RP., de 30/01/2024, Proc. 2402/22.2T8VNG.P1; de 20/09/2021, Proc. 1376/20.9T8STS-A.P1; RL., de 04/12/2014, Proc. 877/13.0YXLSB.L1-6; de 15/10/2009, Proc. 1096/07.0TYLSB.L1-6; RC., de 716/11.6TBVIS.C. [21] Ac. RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TCBR-B.C1. [22] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 202. [23] Neste sentido Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 94 e 95. [24] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 127. [25] Preâmbulo da Portaria n.º 313/2009, de 30 de março. [26] A este respeito, em caso similar ao dos autos, entendeu-se no Ac. R.C., de 05/03/2013, Proc. 1801/11.0TBVIS.C1 que: “O registo informático de execuções atenta a sua configuração legal definida nos artigos 806º e 807º do CPC, constitui prova bastante da existência dos processos executivos ali identificados e do respetivo estado. Junto tal documento pelo requerente da insolvência e constando do mesmo como estando endentes as execuções que aquela havia indicado, é ao requerido que incumbe demonstrar, quer por via da retificação ou da atualização dos dados inscritos no registo informático, quer pela junção aos autos de certidão comprovativa de tal facto, que as identificadas execuções se encontram extintas”. |