Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
298/15.0T9BRG.G1
Relator: MARIA JOSÉ MATOS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
VÍCIOS DAS ALÍNEAS A) E B)
DO CPP
REENVIO PARCIAL
ARTIGOS 14º DO RGIT E 50º E 53º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Estipula o artigo 14º do RGIT, sob a epigrafe “Suspensão da execução da pena de prisão” que “ A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.”

II. Não obstante o modelo português, adoptado na sequência da aprovação da Constituição de 1976, ter que ser caracterizado como de “Estado fiscal social” na medida é que é “um Estado que tem por suporte financeiro determinante os impostos e um Estado cujo nível de fiscalidade é o reclamado pelo Estado social recortado na Constituição, conclusão diversa não podemos extrair senão a de que, retirando especialidades que decorrem do seu próprio regime do RGIT – tal como o período da suspensão, que não se pode ter como alterado face à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro dado o carácter de norma especial face à do Código Penal – todo o demais que resulte da aplicação do mencionado artigo 14º só poderá resultar em conjugação com os princípios firmados na Lei Penal substantiva, quer por força da sua aplicação subsidiaria à luz do artigo 3º do RGIT, mas sobretudo por que tal regime condensa os princípios fundamentais para o aludido instituto da suspensão da pena.

III. Por tal a asserção legislativa que repousa no dito artigo 14º do RGIT não pode ser de aplicação automática, despido do juízo obrigatório de conformidade, adequação e proporcionalidade a que aludem as normas dos artigos 50º, nº 1 e 2, 51º, 52º e 53º do Código Penal, razão por que sempre terá de ser averiguada a concreta situação económica da arguida, presente e futura, nos termos determinados no AUJ nº 8/2012.

IV. Não tendo alinhado a factualidade necessária à decisão de tal matéria, além da contradição assinalada entre a matéria de facto e a fundamentação, o acórdão recorrido acha-se incurso nos vicios aludidos nas alíneas a) e b) do artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

. RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo que seguem termos sob o nº 298/15.0T9BRG no Tribunal Judicial da Comarca de .../Juízo Central Criminal de .../Juiz 2, o Ministério Publico requereu o julgamento dos arguidos

M. A., divorciada, nascida a ../../1963, filha de … e de …, natural da freguesia de …, concelho de Montalegre, a residir na Rua …, freguesia de ..., concelho de Montalegre,

M. F., divorciado, nascido a ../../1957, filho de … e de …, natural da freguesia de ..., concelho de Montalegre, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de ..., e de,

X, UNIPESSOAL, LDA., com o NIPC ... e sede na Rua …, ...,

Imputando-lhes a prática dos seguintes ilícitos criminais:

. À arguida M. A.

- Em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal [autos principais];
- Em autoria material singular e em concurso efectivo, de um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 57º, nº 1 da Lei nº 34/2013 de 16/05 [apenso A - Proc. nº 611/15.0JABRG];
- Em autoria material singular e em concurso efectivo, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6º e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT [apenso B – Proc. nº 185/14.9IDBRG];
- Em autoria material singular e em concurso efectivo, de um crime de abuso contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, nº 2 do Código Penal, 6º, nº 1, 105º, nº 1 e 107º, nº 1 do RGIT [apenso C – Proc. nº 2619/16.9T9BRG];

. Ao arguido M. F.
- Em co-autoria material, de um crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal [autos principais];

. À arguida X, Unipessoal, Lda.
- Em concurso efectivo, um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, p. e p. pelos artigos 57º, nº 1 e 58º da Lei nº 34/2013 de 16/05 [apenso A - Proc. nº 611/15.0JABRG];
- Em concurso efectivo, um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7º, nº 1 e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT [apenso B – Proc. nº 185/14.9IDBRG]; e
- Em concurso efectivo, um crime de abuso contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugada dos artigos 30º, nº 2 do Código Penal, 7º, 105º, nº 1 e 107º do RGIT [apenso C – Proc. nº 2619/16.9T9BRG].


O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP formulou pedido de indemnização civil contra as arguidas X, UNIPESSOAL, LDA. e M. A., pedindo a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia de € 143.180,75, acrescida de juros de mora vencidos, contabilizados, até o mês de Outubro de 2017, no valor de € 25.872,60, e de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor e até efectivo e integral pagamento.

A arguida M. A. apresentou contestação nos autos principais bem como requerimento probatório nesses autos e no apenso C.

O arguido M. F. apresentou contestação e juntou requerimento de prova.

Foi levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferido acórdão, no qual foi decidido:

. Absolver a arguida M. A. da prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6º e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT [apenso B – Proc. nº 185/14.9IDBRG];
. Absolver a arguida X, Unipessoal, Lda., da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7º, nº 1 e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT [apenso B – Proc. nº 185/14.9IDBRG];

. Condenar a arguida M. A. pela prática:

i. Em co-autoria material, de um crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal, na pena de 1 [um] ano de prisão;
ii. Em autoria material singular, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 57º, nº 1 da Lei nº 34/2013 de 16/05, na pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão;
iii. Em autoria material singular, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107º, nº 1, por referência ao disposto nos artigos 105º, nº 1 e 6º, nº 1 do RGIT e, ainda, ao preceituado no artigo 30º, nº 2 do Cód. Penal, na pena de 1 [um] ano e 4 [quatro] meses de prisão;
iv. Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em i. a iii., condená-la na pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão, suspensa na sua execução, sob condenação de, no mesmo prazo, pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75 [cento e quarenta e três mil, cento e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos], correspondente ao valor das cotizações que deixou de entregar, e respectivos acréscimos legais.
Os pagamentos que vieram a ser realizados, serão contabilizados, também, como liquidação parcial do valor infra arbitrado, a título de indemnização civil, ao Instituto de Segurança Social, IP;
. Condenar o arguido M. F. pela prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal, na pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão, suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo;

. Condenar a arguida X, Unipessoal, Lda. pela prática, em concurso efectivo, de:

i. Um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 57º, nº 1 e 58º da Lei nº 34/2013 de 16/05, na pena de 280 [duzentos e oitenta] dias de multa;
ii. Um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107º, nº 1, por referência ao disposto nos artigos 105º, nº 1 e 7º do RGIT e, ainda, ao preceituado no artigo 30º, nº 2 do Código Penal, na pena de 460 [quatrocentos e sessenta] dias de multa;
iii. Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em i. e ii., condená-la na pena única de 520 [quinhentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 100,00 [cem euros] ¸o que perfaz a multa global de € 52.000,00 [cinquenta e dois mil euros];

. Condenar os arguidos M. A., M. F. e X, Unipessoal, Lda. no pagamento de taxa de justiça, que se fixa em 4 UC, relativamente a cada um deles, nos termos do disposto nos artigos 513º, nºs 1 e 2 do Código do Processo Penal e 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Judiciais, este por referência à tabela III anexa, e todos, solidariamente, nos demais encargos do processo;
. Julgar o pedido de indemnização civil formulado por Instituto da Segurança Social, IP, procedente, e em consequência condenar as demandadas X Unipessoal, Lda. e M. A., a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 143.180,75 [cento e quarenta e três mil, cento e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos], acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados do dia 20 do mês seguinte àquele a respeitavam as cotizações, à taxa legal aplicável aos créditos da titularidade da segurança social e até efectivo e integral pagamento, ascendendo os primeiros, contabilizados até ao mês de Outubro de 2017, à importância de € 25.872,60 [vinte e cinco mil, oitocentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos];
. Condenar as demandadas X Unipessoal, Lda. e M. A. no pagamento, solidário, das custas da instância civil.

Inconformada com tal decisão condenatória, a arguida M. A. da mesma interpôs o presente recurso, que se apresenta motivado e cujas conclusões são as seguintes, no seguimento de despacho que convidou ao respectivo aperfeiçoamento:

I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito proferida nos presentes autos, existindo, salvo melhor opinião em contrário, uma errada apreciação da prova produzida, assim como uma utilização ilegal e errada de presunções, quanto aos crimes de descaminho e exercício ilícito de segurança privada.
II. Foram violados os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
III. Verifica-se a ausência de preenchimento dos elementos do tipo legal do crime de descaminho.
IV. Existe uma violação dos normativos correspondentes à determinação da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal.
V. Foram erradamente dados como provados os factos constantes nas alíneas: r), u), v), oo), pp) e qq) da matéria assente.
VI. É dado como assente, em suma que (alínea r)) a recorrente se apropriou das quantias a descontar do salário do Trabalhador e, desse modo, obstou à finalidade da penhora, dando-lhe o destino que quis (alíneas u e v)), bem sabendo da ilicitude de tal acto.
VII. Lida e relida a matéria assente e a motivação da sentença, assim como analisados todos os documentos e depoimentos prestados, não resulta, em momento algum, qualquer prova nesse sentido.
VIII. É por falta de prova que, nas alíneas h) e ii) da matéria assente, se refere que a Arguida, não tendo entregue o tributo devido ao estado, tenha integrado a correspondente importância no giro comercial da sua representada e não no seu património pessoal.
IX. Provado que ambas as quantias foram retidas (quantias devidas ao ISS ou de IVA), porque motivo umas são integradas no giro comercial da empresa e outras são apropriadas no património da gerente recorrida?
X. A sentença nada diz a este respeito.
XI. A prova produzida terá de se ouvir toda, para se perceber que nada é dito a este respeito, não se tratando aqui de uma alteração por contradição da prova produzida, mas sim alteração por falta de qualquer prova produzida, o implica também a violação do princípio in dubio pro reo.
XII. Em face das provas produzidas devia ter ficado na dúvida sobre os factos em causa.
XIII. Existe assim uma violação do ónus de prova, o qual não incumbe à Arguida mas sim à acusação, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência.
XIV. No que ao crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada diz respeito, discorda a recorrente, com a factualidade assente nas alíneas oo), pp) e qq), que deve ser alterada para não provada.
XV. Enquadra-se esta matéria com a factualidade provada em ll), onde consta que o alvará para o exercício da actividade de segurança privada caducou no dia 13.01.2015.
XVI. As alíneas cuja alteração para não provado se requer (oo), pp) e qq)), incidem sobre o suposto conhecimento por parte da Arguida de que o alvará tinha caducado e esta, ainda assim, não suspendeu a actividade.
XVII. Saliente-se que a condenação da Arguida incide sobre a prestação de serviços datada de 11.02.2015, ou seja, menos de um mês após a caducidade do alvará.
XVIII. Nos termos do disposto no art.º 52 da Lei nº 24/2013, após essa data de 13-01-2015, tinha a Arguida o prazo de um mês para requerer a renovação do alvará e, apenas decorrido esse prazo, se verificava a caducidade definitiva, ou seja, até 13-02-2015.
XIX. Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 52.º da lei 34/2013, podia a Arguida continuar a prestar serviços de actividade privada até 13-02-2015, data em que se verificaria a caducidade definitiva do alvará.
XX. Não consta da factualidade assente, nem tal foi objecto de produção de prova, a data em que a Recorrente foi notificada da caducidade do alvará.
XXI. A caducidade não opera de forma automática, mas apenas após a notificação.
XXII. Nas alíneas em análise, ao se afirmar que a arguida sabia que sociedade X, Unipessoal, Lda., deixaria de dispor, a partir da data mencionada em ll), de alvará válido para o exercício da actividade de segurança privada, está em claro erro de julgamento, sendo tal afirmação contrária à lei, porquanto a caducidade não opera de forma automática.
XXIII. Dar como provado o conhecimento da recorrente na questão da caducidade, é uma conclusão e não um facto, uma vez que a expressão “sabia” carece de ser justificada em factos que conduzam a essa conclusão.
XXIV. A prova indirecta fuda-se em presunções naturais, ou seja, em ilações que, com base nas regras da experiência, se retiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
XXV. Na ausência de prova directa, o tribunal pode decidir em face da prova indiciária.
XXVI. A prova indiciária requer, em princípio, uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis – o que não se verificou no presente caso, pois que não resultou, em momento algum, a existência de dados absolutamente credíveis que levassem a concluir, com a certeza necessária e exigível, que arguida sabia que sociedade X, Unipessoal, Lda., deixaria de dispor, a partir da data mencionada em ll), de alvará válido para o exercício da actividade de segurança privada, pelo que, não inexistindo factos nesse sentido, nunca o tribunal poderia ter concluído de tal forma e, muito menos, dar como provada essa conclusão.
XXVII. Assim, a conclusão dada como assente não pode ser aceite, porquanto não é firmada em qualquer facto, nem em qualquer presunção.
XXVIII. O suposto conhecimento da Recorrente teria de ser validado com um facto assente – a prova de notificação da caducidade.
XXIX. Não constando esse facto na matéria assente, nem tampouco na acusação, não se podem dar como provadas as alíneas - oo), pp) e qq) – da matéria assente.
XXX. O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da caus.
XXXI. Nos presentes autos, foi pelo menos criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos que suportam a condenação da Recorrente, pelo que a sua absolvição é a única atitude legítima a adoptar.
XXXII. O Tribunal a quo, condenando a recorrente ao dar como provadas as alíneas - oo), pp) e qq) – da matéria assente, violou o enunciado princípio e, ainda, o disposto no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. A conduta da Arguida não pode integrar a prática de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público p. e p. no art. 355º do Cód. Penal.
XXXIV. O delito em apreço configura um crime de lesão do bem jurídico, consumando-se tão-só quando o agente frustra – total ou parcialmente – a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a.
XXXV. No caso em apreço, constava já da acusação pública deduzida e foi transposto para a sentença recorrida que a Arguida se apropriou de determinadas quantias, integrando-as no seu património.
XXXVI. A acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo e dos poderes de cognição do tribunal, deve precisar a factualidade integradora da conduta típica, atrás enunciada, do crime de descaminho.
XXXVII. “Desfazer-se dos bens” não equivale a afirmar que “houve destruição, danificação, inutilização ou subtracção” dos referidos bens, sendo a prova de qualquer dessas modalidades da acção indispensável para se considerar preenchido o tipo objectivo do crime aqui em análise.
XXXVIII. A mera não entrega ou falta de apresentação dos bens também não se pode deduzir que tivesse havido descaminho.
XXXIX. Não foi alegado (na acusação), nem se provou (na sentença), que a Arguida tivesse, por exemplo, feito desaparecer ou tivesse dissimulado, vendido ou cedido a outrem as referidas quantias.
XL. Da conduta descrita na acusação e na sentença, os factos provados não preenchem o tipo objectivo do art.º 355º do Cód. Penal, nem resulta que tenha ficado frustrado, total ou parcialmente e de forma definitiva, a finalidade da custódia pública do Estado, que é o que se pretende tutelar com o crime de descaminho da previsão do art. 355.º”.
XLI. Neste caso, o tribunal supriu uma lacuna de conhecimento através de uma presunção judicial, mas sem que tivesse factos que, pelas regras da lógica e da experiência, permitissem com razoável segurança a afirmação dessa intenção, o que não se aceita.
XLII. Verifica-se ainda uma violação dos normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal:
XLIII. Acerca da situação económica da arguida, consta do Acórdão recorrido que esta subsiste com a ajuda de terceiros e não aufere remuneração.
XLIV. Sabemos que a arguida está confrontada com a obrigação de entregar ao Instituto da Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75.
XLV. Ora, impor a alguém uma condição impossível de cumprir torna-se inútil e ineficaz.
XLVI. É necessário que o julgador tenha em consideração a “concreta situação económica, presente e futura” do arguido, sob pena de tornar a sentença nula por omissão de pronúncia (V.g. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2012, do Supremo Tribunal de Justiça, em Diário da República, 1ª Série – N.º 206. 24 de Outubro de 2012).
XLVII. Ora, da matéria assente não resulta que a Arguida tenha qualquer património, porque não tem.
XLVIII. Resulta sim que não dispõe de qualquer rendimento, sobrevivendo à custa de terceiros.
XLIX. Aos arguidos não devem ser impostos deveres, sem que seja viável a possibilidade concreta do cumprimento dos mesmos, assim, o juízo de prognose acerca do pagamento, deveria ser desfavorável, porque é evidente que a Arguida não pode pagar essa quantia no prazo da suspensão.
L. Mas também não se verificam as condições para aplicação da pena de prisão.
LI. Devendo assim proceder-se à aplicação de medida de substituição diversa da suspensão.
LII. Diz-nos o Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012 que, nesta situação de não se reunirem os pressupostos da suspensão da execução, o tribunal pode (deve) optar pela aplicação da pena principal de multa ou de pena de substituição diversa da suspensão da pena de prisão, quando esta pena de prisão concretamente aplicada o permita, o que deve ser promovido nos presentes autos.
LIII. A pena de prisão aplicada à arguida M. A. na pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de, suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo, com subordinação ao dever de a mesma proceder ao pagamento, durante o referido prazo, ao Instituto de Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75 e respectivos acréscimos legais, não pode proceder.
LIV. A suspensão da pena de prisão subordinada ao pagamento ao ISS, apenas poderia e devia abarcar o período de 1 [um] ano e 4 [quatro] meses de prisão, referente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.
LV. Nos termos do supra alegado e não tendo a recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o pedido de indemnização cível ser julgado improcedente por não provado.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, nos termos expedidos na motivação e conclusões supra.

M. F. apresentou, também, ele recurso da decisão condenatória, lide recursal essa que motivou e que apresenta as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito, proferida nos presentes autos.
II. Entende-se ter havido uma errada apreciação da prova produzida, assim como uma utilização ilegal e errada de presunções, quanto ao crime de descaminho.
III. Considera-se ter existido violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
IV. Verifica-se a ausência de preenchimento dos elementos do tipo legal do crime de descaminho.
V. O Arguido, ora Recorrente, vinha acusado e foi condenado, “pela prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho, p. e p. pelo art. 355º do Cód. Penal, na pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão, suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo”
VI. Para o que aqui nos interessa, foram erradamente dados como provados os seguintes factos: alíneas q), r), u), e v) da factualidade assente.
VII. Em suma, é dado como assente, em suma que o Arguido, na qualidade de gerente de facto, se apropriou das quantias a descontar do salário do Trabalhador e, desse modo, obstou à finalidade da penhora, dando-lhe o destino que quis, bem sabendo da ilicitude de tal ato.
VIII. Acerca das funções de gerência do M. F., indicam-se as seguintes transcrições, que julgamos estar em contradição com a factualidade que o considera gerente:

Acta de audiência de discussão e julgamento - data: 13-09-2018
Assistente P. F., Gravação áudio: início às 09:53:14, termo às 10:10:35 horas;
Indicando-se as passagens em que se funda a contradição: dos 14m:00s a 17m:19s:
Acta de audiência de discussão e julgamento - data: 13-09-2018
Testemunha N. V., Gravação áudio: início às 10:31:32, termo às 10:44:08 horas
Indicando-se as passagens em que se funda a contradição: dos 09m:05s a 12m:36s.
Acta de audiência de discussão e julgamento - data: 13-09-2018
Testemunha A. S., Gravação áudio: início às 10:18:56, termo às 10:29:02 horas;
Indicando-se as passagens em que se funda a contradição: dos 07m:58s a 10m:06s.
IX. É evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
X. Da prova produzida não se alcança qualquer fundamento, nem qualquer facto que indicie a conclusão do tribunal – o Recorrente era de facto gerente da sociedade.
XI. O recorrente era um operacional da empresa que, pro acaso, era marido da gerente.
XII. É afirmado de forma sistemática pelas testemunhas, principalmente das inquiridas neste apenso, que o M. F. era “operacional”, assim como outros, como p. ex., os filhos do Arguido – Hugo e Hélio e como o Sr. V., director de segurança em tempos.
XIII. Nenhum deles está aqui como Arguido por ser gerente, mas apenas o M. F..
XIV. Resulta da prova testemunhal produzida que, as funções exercidas pelo Manuel eram iguais a esses sujeitos, contudo, só o M. F. é Arguido.
XV. Não resulta da factualidade provada que este assinava cheques, assinava contratos de trabalho ou contratos de prestação de serviços com clientes.
XVI. Salvo o devido respeito, não se alcança também, em que critérios se funda o Acórdão recorrido para afirmar, como afirma, que o Recorrente se apropriou de quantias, porquanto não resultam provados actos por este praticados nessa condição de gerente, ainda que de fato e não de direito.
XVII. Nem resulta da prova, qualquer ata de apropriação deste ou beneficio retirado com a suposta apropriação.
XVIII. É precisamente por essa falta de prova que, nas alíneas h) e ii) da matéria assente, se refere que a Arguida M. A., também condenada por este crime, não tendo entregue o tributo devido ao estado, tenha integrado a correspondente importância no giro comercial da sua representada.
XIX. Porque motivos uma quantia é apropriada em benefício pessoal e a outra em benefício da sociedade?
XX. Não se trata pois de uma alteração por contradição da prova produzida, mas sem alteração por falta de qualquer prova produzida.
XXI. Não podemos esquecer que o ónus de prova não incumbe ao Arguido, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência.
XXII. Ao juiz é conferida liberdade na escolha e na valoração das provas, mas esta liberdade é controlada ou controlável, é uma discricionariedade vinculada, que assenta num modelo racionalizado e a garantia de racionalidade concretiza-se na fundamentação da decisão de facto que cumpre precisamente a “função de controlo daquela discricionariedade, obrigando o juiz a justificar as suas próprias escolhas”.
XXIII. O critério que tem geral aceitação (também no nosso sistema jurídico) como standard de prova no processo penal é o que se traduz no conceito de “prova para além de qualquer dúvida razoável”, com o que não se pretende excluir qualquer “sombra de dúvida” (“proof beyond the shadow of a doubt”), que corresponderia ao grau máximo de convicção, praticamente, uma certeza absoluta.
XXIV. Na prova indirecta, fundamental mesmo é que os indícios e as máximas da experiência (elementos de uma operação lógica, de um raciocínio indutivo) sejam aptos a converter-se em prova inequívoca, eliminando a dúvida razoável, sobre o facto-consequência.
XXV. Em face das provas produzidas devia ter ficado na dúvida sobre os factos em causa,
XXVI. O que é uma questão relativa ao processo de formação da convicção e ao erro na apreciação e valoração da prova, motivo pelo qual se censura o processo lógico e racional que conduziu à formação dessa convicção, através das contradições supra alegadas.
XXVII. Devem pois dar-se como não provadas as alíneas q), r), u), e v) da matéria assente e, em consequência, ser o arguido absolvido.
XXVIII. O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa - vide a título exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo:1161/08.6TACBR, de 08.09.2010:
XXIX. É evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
XXX. Como atrás demonstramos, não se alcança da factualidade assente, qualquer facto que indicie a conclusão do tribunal – o Recorrente era de facto gerente da sociedade.
XXXI. É dito de forma sistemática pelas testemunhas, principalmente das inquiridas neste apenso, que o M. F. era “operacional”.
XXXII. Não resulta da factualidade provada que este assinava cheques, assinava contratos de trabalho ou com clientes.
XXXIII. Em suma, é notório que, nos presentes autos, foi pelo menos criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos que suportam a condenação do Recorrente, pelo que inexistindo certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, dita o referido principio que - “a sua absolvição aparece como a única atitude legítima a adoptar”.
XXXIV. Com efeito, este preceito devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.
XXXV. Da ausência de preenchimento dos elementos do tipo legal de crime: trata-se de saber se a conduta do Arguido integra a prática do crime de descaminho.
XXXVI. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público p. e p. no art.º 355º do Cód. Penal.
XXXVII. O delito em apreço “configura um crime de lesão do bem jurídico (…), consumando-se tão-só quando o agente frustra – total ou parcialmente – a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a.
XXXVIII. Neste caso, o “dano” coincide com o resultado material previsto no tipo: a “modificação” ou a deslocação definitiva da coisa para fora da custódia. Afinal, o tornar a coisa imprestável para o fim em causa; desviá-la do destino que lhe fora oficialmente traçado.
XXXIX. Por isso, o crime pode ser cometido por quem não seja depositário dos bens, consumando-se quando o agente, exercendo acção directa sobre a coisa, inutilizando-a ou desencaminhando-a, obtém, movido por qualquer modalidade de dolo, a frustração definitiva da custódia da coisa.
XL. A acção típica consiste em destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer forma, subtrair.
XLI. Efectivamente, como salienta Cristina Líbano Monteiro, deve entender-se por subtrair o mesmo que no crime de dano, com a seguinte precisão: caso a “subtracção” seja levada a cabo pela pessoa oficialmente encarregada da guarda da coisa, o verbo mais apropriado não será esse (subtrair), na medida em que não se verifica a quebra do domínio do facto de outrem para constituir um domínio próprio. Melhor se falaria nestes casos de “descaminho”.
XLII. De todo o modo, a acção terá de traduzir-se numa conduta de apropriação da coisa, com o reverso do poder público dela ficar desapossado, nomeadamente, através de actos em que o agente, por exemplo, extravia a coisa, a esconde ou a entrega a terceiro.
XLIII. Sendo um tipo de crime doloso, é ainda exigível que qualquer das condutas supra referidas seja praticada com dolo, cobrindo todos os elementos objectivos do tipo, sob qualquer das formas previstas pelo artigo 14.º do Código Penal.
XLIV. No caso em apreço, constava já da acusação pública deduzida e foi transposto para a sentença recorrida que a Arguido se apropriou de determinadas quantias, integrando-as no seu património.
XLV. A acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo e dos poderes de cognição do tribunal, deve precisar a factualidade integradora da conduta típica, atrás enunciada, do crime de descaminho.
XLVI. Ora, “desfazer-se dos bens” não equivale a afirmar que “houve destruição, danificação, inutilização ou subtracção” dos referidos bens, sendo a prova de qualquer dessas modalidades da acção indispensável para se considerar preenchido o tipo objectivo do crime aqui em análise.
XLVII. Por outro lado, da mera não entrega ou falta de apresentação dos bens também não se pode deduzir que tivesse havido descaminho.
XLVIII. Acresce que não foi alegado (na acusação), nem se provou (na sentença), que a Arguido tivesse, por exemplo, feito desaparecer ou tivesse dissimulado, vendido ou cedido a outrem as referidas quantias.
XLIX. Veja-se que nos documentos juntos a fls. 724 a 727, 764 a 775 dos autos principais aos autos pelo Administrador Insolvência, resulta que a sociedade Arguido detém créditos para cobrar, superiores a dois milhões de euros, ou seja, superiores à divida desta junto de todos os seus credores conhecidos.
L. A acusação não concretiza a conduta do Arguido através da qual ela se tenha apropriado e integrado as quantias no seu património, ou que tenha disposto das mesmas a seu bel-prazer.
LI. Com a alusão genérica a “apropriou-se” e “integrou no seu património” e “sabia que era sua obrigação guardá-los e apresentá-los quando tal lhe fosse exigido”, fica-se sem saber se o Arguido destruiu, vendeu, trocou ou, simplesmente, subtraiu os bens.
LII. Nos factos provados (e que já assim constavam da acusação) não se encontra matéria susceptível de preencher o conceito de “subtracção ao poder público”.
LIII. Da matéria de facto provada não resulta que, ao não entregar as quantias à segurança social, a Arguido tivesse atuado com intenção de frustrar as finalidades da penhora, ou seja, que visasse desse modo frustrar definitivamente a finalidade da custódia dos bens penhorados.
LIV. É que o crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355.º do Código Penal não visa punir as infidelidades do depositário dos bens quanto aos deveres de guarda e conservação, não sendo, por isso, um crime específico dos depositários dos bens.
LV. Visa, antes, punir os actos praticados por qualquer pessoa que se destinem a impedir ou descaminhar a coisa do fim que justificou a sua colocação sob a custódia da autoridade pública, exercida através do depositário.
LVI. Da conduta descrita na acusação e na sentença, não resulta que tenha ficado frustrado, total ou parcialmente e de forma definitiva, a finalidade da custódia pública do Estado, que é o que se pretende tutelar com o crime de descaminho da previsão do art. 355.º”.
LVII. Acrescente-se que, faltando o preenchimento do tipo objectivo é evidente que não se pode afirmar o dolo (ou se afirmado, como sucedeu, é o mesmo irrelevante).
LVIII. Aliás, verifica-se erro de julgamento da matéria de facto ao nível da, dada por provada, intenção com que a recorrente actuou.
LIX. Além do mais, o assistente P. F. referiu que acabou por celebrar acordo com a segurança social para pagamento das quantias por si devidas – acordo a que se reporta o documento de fls. 184 a 187 -, que se encontra, ainda, a cumprir. Disse, por último, que, já na pendência dos presentes autos e em momento que antecedeu a realização do julgamento, o filho dos arguidos, de nome Hugo, o reembolsou pelos montantes que haviam sido descontados no seu crédito de remuneração.
LX. Trata-se, com efeito, de um facto íntimo, subjectivo, sobre o qual não foi, como é normal, produzida prova e que não se pode inferir da materialidade objectiva dada por provada.
LXI. Neste caso, o tribunal supriu uma lacuna de conhecimento através de uma presunção judicial, mas sem que tivesse factos que, pelas regras da lógica e da experiência, permitissem com razoável segurança a afirmação dessa intenção [Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 14.06.2006, Proc. nº 0641179, relatora Des. Isabel Pais Martins, disponível em www.dgsi.pt].
LXII. Do exposto se conclui que os factos provados não preenchem o tipo objectivo do art.º 355º do Cód. Penal, impondo-se, por isso, a absolvição do recorrente.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, nos termos expedidos na motivação e conclusões supra.

Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência dos recursos interpostos apresentando as seguintes conclusões:

1. O preenchimento do tipo de ilícito previsto no art. 355.º do Código Penal basta-se com o efectivo desapossamento do bem, não sendo exigível qualquer intenção de apropriação do mesmo por parte do autor dos factos;
2. Os arguidos retiveram a parte do salário do assistente, que havia sido penhorado pela Segurança Social, o que bem sabiam, mas nunca procederam à sua entrega àquela entidade, desviando-a assim do fim que lhe fora oficialmente traçado, assim frustrando a finalidade da custódia pública;
3. Da prova produzida em audiência resulta à saciedade que o arguido M. F. exercia funções de gerente de facto da sociedade arguida;
4. Tal conclusão resulta, de forma segura e inequívoca, da conjugação das declarações do assistente P. F. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 09:53:14 a 10.10.35) com os depoimentos das testemunhas A. S. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 10:18:56 a 10:29:02); N. V. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 10:31:52 a 10:44:08); J. G. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 11:40:25 a 11:52:46); T. I. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018,11:53:33 a 12:01:11); P. M. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 15:19:21 a 15:30:09); J. P. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018,10:46:15 a 11:12:07) e S. M. (audiência de julgamento de 13 de Setembro de 2018, 15:55:55 a 16:03:44);
5. O n.º 2 do art. 52.º da Lei n.º 34/2013 de 16 de Maio preceitua que, caso a renovação do alvará não tenha sido requerida no prazo de 90 dias anteriores à sua caducidade nem nos 30 dias posteriores, o mesmo caduca definitivamente. Ou seja, neste caso a entidade em causa terá de requerer a concessão de um novo alvará e não apenas a renovação daquele que anteriormente lhe tinha sido concedido;
6. Por isso a recorrente padece de erro de raciocínio quando refere que, podendo requerer a renovação do alvará, o mesmo mantém-se válido até ao limite do 30.º dia posterior ao da sua caducidade;
7. O juízo de prognose a formular no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao pagamento de determinado montante assenta numa análise concreta da situação pessoal e económica, global e futura da arguida que in casu permite concluir com elevado grau de segurança que à mesma vai ser possível assegurar o pagamento da quantia em causa;
8. No caso dos autos não se equaciona sequer a necessidade de o julgador fazer o “caminho de volta” na fixação da pena de substituição; porém, ainda que assim não fosse, considerando a pena única fixada para o cúmulo jurídico de penas - 2 anos e 3 três meses de prisão, - apenas era possível a sua suspensão de execução já que não é admissível a substituição pelas restantes penas alternativas elencadas no Código Penal;
9. É após a fixação da pena única que se formula o juízo relativo à substituição da mesma por pena alternativa, estando nesta fase arredada a possibilidade de formulação de qualquer outro novo raciocínio relativo às penas parcelares;
10. Pelo que o recurso não merece provimento.

No acórdão recorrido efectuou-se uma correcta apreciação da prova e aplicação do direito, devendo o mesmo ser mantido na íntegra.

O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães emitiu Parecer no sentido da improcedência dos recursos apresentados.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir do recurso apresentado.

No acórdão recorrido, com relevância para a decisão da matéria recursal, foi feito constar o seguinte:

FUNDAMENTAÇÃO

1. DOS FACTOS

A) FACTUALIDADE ASSENTE

Produzida a prova e discutida a causa, resultou demonstrada, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte factualidade:

[Materialidade comum ao processo principal e apensos]

a) A arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., com o NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número e com sede na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., foi constituída aos 03.05.2007, tendo por objecto o exercício da actividade de segurança privada.
b) A arguida M. A. é, desde a data referida em a), sócia e gerente da arguida sociedade.
c) Desde, pelo menos, o ano de 2010, a arguida M. A., a par da condição mencionada em b), exerceu, em efectividade, a administração da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., gerindo, nesse quadro e em continuidade, os destinos dela, decidindo da contratação de trabalhadores, da prestação de serviços, da afectação dos meios financeiros proporcionados pela sua actividade ao pagamento de bens/serviços adquiridos e ao pagamento de salários, bem como chamando a si a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações legais, fiscais e perante a segurança social e, ainda, de todas as demais decisões pertinentes à sua gestão corrente.
[Apenso C – Proc. nº 2619/16.9T9BRG]
d) A arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., encontrava-se colectada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas [IRC], para a “Actividade de Segurança Privada”, a que correspondia o CAE ...-R3, tendo ficado vinculada, por força do início da respectiva actividade, ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabiam perante a segurança social, para o que lhe foi por esta atribuído o NISS ....
e) Para o desenvolvimento da sua actividade, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., através de actuação da arguida M. A., prosseguida no condicionalismo mencionado em b) e c), manteve ao seu serviço um número variável de trabalhadores, que se obrigaram a prestar a força do seu trabalho, sob a autoridade e direcção daquela, e mediante o pagamento de retribuição mensal, depois de descontada e retida a percentagem relativa às cotizações por eles devidas à segurança social.
f) A arguida M. A., actuando nas condições mencionadas em b) e c), realizou os descontos e reteve nas remunerações pagas aos trabalhadores mantidos ao serviço da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., os montantes das cotizações por eles devidas à Segurança Social, à taxa de 11%, com relação aos períodos e nos valores a seguir indicados:

Mês/Ano Valor da cotização
Março de 2012 € 72,18
Junho de 2012 € 49,30
Julho de 2012 € 74,43
Agosto de 2012 € 49,20
Setembro de 2012 € 82,18
Outubro de 2012 € 177,42
Novembro de 2012 € 177,42
Dezembro de 2012 € 106,80
Janeiro de 2013 € 129,17
Fevereiro de 2013 € 173,17
Março de 2013 € 248,03
Abril de 2013 € 248,03
Maio de 2013 € 139,74
Junho de 2013 € 96,47
Julho de 2013 € 1.709,80
Agosto de 2013 € 78,84
Setembro de 2013 € 16.061,71
Outubro de 2013 € 105,92
Novembro de 2013 € 105,92
Dezembro de 2013 € 9.076,77
Janeiro de 2014 € 8.771,56
Fevereiro de 2014 € 8.348,45
Março de 2014 € 8.582,32
Abril de 2014 € 7.513,41
Maio de 2014 € 7.962,08
Junho de 2014 € 7.625,59
Julho de 2014 € 7.484,69
Agosto de 2014 € 7.134,17
Setembro de 2014 € 6.978,62
Outubro de 2014 € 6.606,32
Novembro de 2014 € 6.952,87
Dezembro de 2014 € 6.696,77
Janeiro de 2015 € 6.276,39
Fevereiro de 2015 € 5.024,26
Março de 2015 € 4.793,33
Abril de 2015 € 4.550,72
Maio de 2015 € 1.920,84
Junho de 2015 € 250,83
Julho de 2015 € 203,60
Agosto de 2015 € 135,28
Setembro de 2015 € 135,44
Outubro de 2015 € 135,44
Novembro de 2015 € 135,28
Total € 143.180,75

g) Porém, a arguida M. A., agindo em representação e no interesse da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., não obstante ter procedido ao envio das correspondentes declarações, não efectuou a entrega à segurança social das cotizações retidas com relação aos períodos e nos valores mencionados em f), entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que as mesmas diziam respeito, não o tendo feito, também, até ao 90º dia posterior nem no prazo de 30 dias, contado de expressa notificação que, aos 07.09.2017, lhe foi, para o efeito, destinada, por si e em representação da arguida sociedade.
h) A arguida M. A. sabia que as quantias aludidas em f) pertenciam à segurança social, a quem as devia entregar, o que não fez, dentro do condicionalismo temporal referido em g) nem até ao presente, tendo-as integrado no património da sua representada, não desconhecendo que, por essa via, prejudicava aquela entidade, pela diminuição, em medida correspondente, das respectivas receitas.
i) Ao proceder, nos termos em que o fez, agiu a arguida M. A. em representação e no interesse da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., em comportamentos que prosseguiu de forma livre, deliberada e consciente, renovando, sucessivamente, a sua intenção e servindo-se, para o efeito, dos termos de cumprimento das obrigações da sua representada, em particular do acesso, por essa via permitido, às importâncias retidas nas remunerações dos trabalhadores, que integrou no giro comercial daquela sociedade, para fazer face às respectivas dificuldades financeiras.
j) Sabia, ainda, a arguida M. A. serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei penal.

[Autos principais]

l) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, através da Secção de Processo Executivo de ..., instaurou acção executiva, a que foi atribuído o nº 0301201100162892, contra P. F., para cobrança coerciva da quantia em capital de € 7.851,92 [sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos], acrescida de juros de mora e de custas.
m) P. F. foi funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., desde, pelo menos, o mês de Maio de 2013, condição que deteve até, pelo menos também, o mês de Dezembro de 2014.
n) Por comunicação datada de 23.05.2013, foi a sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., notificada de que o crédito de remuneração daquele P. F. se encontrava penhorado, na proporção de 1/3, à ordem do processo executivo mencionado em l), por tantos meses quantos os necessários, até perfazer o montante global de € 11.681,78 [onze mil, seiscentos e oitenta e um euros e setenta e oito cêntimos], a incluir o capital em dívida, no valor de € 7.851,92 [sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos], bem como juros de mora e custas, contabilizados nos montantes de € 3.547,80 [três mil, quinhentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos] e de € 282,06 [duzentos e oitenta e dois euros e seis cêntimos], respectivamente.
o) Por via da mesma comunicação, foi a sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., notificada de que ficava investida na condição de depositária do valor penhorado, bem como obrigada a proceder ao desconto mensal da correspondente importância, bem como ao seu envio, nos primeiros oito dias de cada mês, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por transferência bancária a realizar para a conta com o NIB ....
p) Pelo menos no período temporal referido em m), o arguido M. F. exerceu, em conjunto com a arguida M. A., a administração, em efectividade, da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., participando com ela na tomada de decisões relativas à sua gestão corrente, incluindo quanto ao pagamento de salários.
q) Por efeito das funções que desenvolviam na sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., os arguidos M. A. e M. F. tomaram conhecimento da notificação referida em n) e o) e das obrigações daí advenientes.
r) Perante isso, formularam em conjunto o desígnio de, aproveitando-se da possibilidade por essa via criada, se apropriarem das quantias a descontar no crédito de remuneração de P. F. e de, por esse modo, obstarem à concretização das finalidades da penhora efectuada.
s) Desse modo, dando, em conjugação de esforços, curso ao propósito que os animou, os arguidos, no período temporal compreendido entre Junho de 2013 e Dezembro de 2014, descontaram, mensalmente, no crédito de remuneração de P. F. valor correspondente a 1/3 do seu montante e que ascendeu às importâncias a seguir indicadas:
i. € 213,98 [duzentos e treze euros e noventa e oito cêntimos], nos meses de Junho de 2013 a Julho de 2014;
ii. € 213,80 [duzentos e treze euros e oitenta cêntimos], nos meses de Agosto a Dezembro de 2014.
t) Porém, não procederam à entrega das importâncias retidas, que perfizeram o montante global de € 4.064,72 [quatro mil e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos], ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por transferência para a conta referida em n) nem por qualquer outro modo.
u) Ao invés, dispuseram delas como se fossem coisa sua, dando-lhes o destino que bem entenderam.
v) Os arguidos M. A. e M. F., ao procederem nos termos em que o fizeram, agiram em conjugação de vontades e de esforços, bem como de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as quantias descontadas no crédito de remuneração de P. F. se encontravam afectas à satisfação dos fins do processo executivo no âmbito do qual haviam sido penhoradas e que, nessa medida, se encontravam sob a alçada do poder público, mais sabendo que delas não podiam dispor, como dispuseram, subtraindo-as daquela alçada e frustrando os fins que determinaram a respectiva cativação.
x) Sabiam, ainda, os arguidos M. A. e M. F. serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei penal.

[Apenso B – Proc. nº 185/14.9IDBRG]

z) A arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., para além de se encontrar colectada, em sede de IRC, pela forma referida em d), estava, para efeitos do Imposto Sobre o Valor Acrescentado [IVA], enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
aa) Nos exercícios comerciais respeitantes aos meses de Agosto e de Setembro de 2013, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., desenvolveu a sua actividade, prestando serviços a vários clientes.
bb) Por referência a esses períodos, a arguida M. A., actuando no quadro mencionado em b) e c) e em representação e no interesse da arguida sociedade, procedeu, na sequência de operações tributáveis em nome dela realizadas, ao apuramento do IVA exigível e ao envio das respectivas declarações periódicas, pelos valores a seguir indicados:

i. Mês de Agosto de 2013: € 18.055,78, com data limite de entrega até 10.10.2013;
ii. Mês de Setembro de 2013: € 18.606,31, com data limite de entrega até 11.11.2013.
cc) Até às datas limite de entrega mencionadas em bb), a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., recebeu dos seus clientes, do IVA liquidado nas correspondentes facturas, os valores de € 4.335,18 e de € 9.012,44, com relação aos meses de Agosto e de Setembro de 2013, respectivamente.
dd) Por referência ao exercício do mês de Agosto de 2013, a arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., tinha a deduzir IVA, no valor de € 4.531,61.
ee) Por referência ao exercício mês de Setembro de 2013, a referida sociedade tinha a deduzir IVA, no valor de € 2.850,07.
ff) O imposto exigível à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., por referência ao mês de Setembro de 2013, ascendeu ao montante de € 6.162,37.
gg) A arguida M. A. não procedeu à entrega à administração fiscal de qualquer tributo de IVA, por referência aos meses de Agosto e de Setembro de 2013, até às datas limite mencionadas em bb), não o tendo feito, também, até ao 90º dia posterior nem no prazo de 30 dias, contado de expressa notificação que, para esse efeito, lhe foi, por si e em representação da arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., destinada aos 11.06.2014.
hh) O montante mencionado em bb), sob o ponto i., foi regularizado em 18.09.2014, tendo, na mesma data, ficado liquidado, da importância referida em ii., o valor de € 2.354,35.
ii) A arguida M. A. sabia que se encontrava adstrita à obrigação de, em representação da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., proceder à entrega nos cofres da administração fiscal do tributo de IVA exigível relativamente ao mês de Setembro de 2013, até à data limite referida em bb), sob o ponto ii., e pelo montante referido em ff), o que não fez, tendo, ao invés, integrado a correspondente importância no giro comercial da sua representada.

[Apenso A – Proc. nº 611/15.0JABRG]

jj) A arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., foi autorizada a desenvolver a actividade mencionada em a) através da emissão do alvará nº 173 A.
ll) O referido alvará caducou no dia 13.01.2015.
mm) No dia 11.02.2015, cerca das 11h45m, na sede da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., sita no local referido em a), encontrava-se J. G., seu funcionário, com a categoria de vigilante, devidamente fardado com uniforme em uso pela sua entidade empregadora e titular do cartão profissional n.º ..., com as funções de elemento de contacto permanente.
nn) No dia 27.02.2015, cerca das 15h30m, no Centro Comercial Shopping ..., sito no largo …, em ..., encontrava-se T. I., funcionário da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., com a categoria de vigilante, devidamente fardado com uniforme em uso pela sua entidade empregadora e titular do cartão profissional n.º ..., a verificar e a controlar a entrada e a saída de clientes nos espaços comuns e nas lojas daquela área comercial.
oo) A arguida M. A. sabia que a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., deixara de dispor, a partir da data mencionada em ll), de alvará válido para o exercício da actividade de segurança privada e que, sem isso, não lhe era permitido prossegui-la.
pp) Não obstante, não se coibiu de, em representação e no interesse dela, prestar o serviço mencionado em nn).
qq) Ao proceder por esse modo, agiu a arguida M. A. de forma livre, deliberada e consciente, sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei penal.

[Factos relativos à personalidade e condições pessoais dos arguidos]

rr) A arguida M. A. foi condenada:
i. No âmbito do Proc. nº 4/07.2GCMTR, da [extinta] Secção única do Tribunal Judicial da comarca de Montalegre, por decisão transitada em julgado aos 20.10.2010, pela prática, aos 25.01.2007, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], pena essa declarada extinta pelo pagamento;
ii. No âmbito do Proc. nº 901/09.0JAPRT, do [extinto] 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, por decisão transitada em julgado aos 23.03.2011, pela prática, entre os dias 09.05.2009 e 20.06.2009, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelos artºs 2º, n 1, al. a), 6º, nº 2, als. a) e b), 22º, nº 1 e 32º-A do Dec. L. nº 35/2004, de 21.02, na pena de 100 [cem] dias de multa, à taxa diária de € 7,00 [sete euros], pena essa declarada extinta pelo pagamento;
iii. No âmbito do Proc. nº 24/12.5JABRG, do Juízo de Competência Genérica de Vieira do Minho, por decisão transitada em julgado aos 03.02.2016, pela prática, aos 07.01.2012, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art. 32º-A, nºs 1 e 2 e 32º-B do Dec. L. nº 35/2004, de 21.02, na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 7,00 [sete euros], pena essa declarada extinta pelo pagamento;
iv. No âmbito do Proc. nº 3892/15.5T9PRT, do Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 7, por decisão transitada em julgado aos 02.02.2017, pela prática, aos 03.02.2015, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 57º, nº 1 da L. nº 34/2013, de 16.05, na pena de 130 [cento e trinta] dias de multa, à taxa diária de € 6,00 [seis euros], pena essa declarada extinta pelo pagamento;
v. No âmbito do Proc. nº 25/15.1XALSB, do Juízo de Competência Genérica de Vieira do Minho, por decisão transitada em julgado aos 06.03.2017, pela prática, aos 14.05.2015, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 57º, nº 1, 58º da L. nº 34/2013, de 16.05, 30º, nº 2 e 79º do Cód. Penal, na pena de 400 [quatrocentos] dias de multa, à taxa diária de € 5,50 [cinco euros e cinquenta cêntimos], pena essa declarada extinta pelo pagamento.

ss) O arguido M. F. foi condenado:

i. No âmbito do Proc. nº 545/96, do [extinto] 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, por decisão proferida aos 18.12.97, pela prática, aos 10.08.94, de um crime de ofensas corporais por negligência, p. e p. pelo art.º 148º, nº 3 do Cód. Penal, na pena de 75 [setenta e cinco] dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 [dois] anos, pena essa declarada extinta;
ii. No âmbito do Proc. nº 46/00, do [extinto] Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, por decisão proferida aos 15.11.2000, pela prática de três crimes de auxílio de funcionário à evasão, de dois crimes de não promoção dolosa, de um crime de peculato e de dois crimes de tráfico de estupefacientes agravado, na pena única de 12 [doze] anos e 6 [seis] meses de prisão e na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 4 [quatro] anos. Foi definitivamente restituído à liberdade aos 25.06.2008;
iii. No âmbito do Proc. nº 3892/15.5T9PRT, do Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 7, por decisão transitada em julgado aos 02.02.2017, pela prática, aos 03.02.2015, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 57º, nº 1 da L. nº 34/2013, de 16.05, na pena de 130 [cento e trinta] dias de multa, à taxa diária de € 6,00 [seis euros].

tt) A arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., foi condenada:

i. No âmbito do Proc. nº 901/09.0JAPRT, do [extinto] 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, por decisão transitada em julgado aos 23.03.2011, pela prática, entre os dias 09.05.2009 e 20.06.2009, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art. 32º-B do Dec. L. nº 35/2004, de 21.02, na pena de 100 [cem] dias de multa, à taxa diária de € 170,00 [cento e setenta] euros, substituída por caução no montante de € 17.000,00 [dezassete mil euros], pelo período de 1 [um] ano e 6 [seis] meses, pena essa declarada extinta pelo cumprimento;
ii. No âmbito do Proc. nº 2050/12.5JAPRT, do Juízo de Competência Genérica de Alijó, por decisão transitada em julgado aos 30.04.2015, pela prática, entre os dias 03.11.2012 e 29.11.2012, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 32º-A do Dec. L. nº 35/2004, de 21.02, na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 11,00 [onze euros];
iii. No âmbito do Proc. nº 24/12.5JABRG, do Juízo de Competência genérica de Vieira do Minho, por decisão transitada em julgado aos 03.02.2016, pela prática, aos 07.01.2012, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 32º-A, nºs 1 e 2 e 32º-B do Dec. L. nº 35/2004, de 21.02, na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 25,00 [vinte e cinco euros];
iv. No âmbito do Proc. nº 3892/15.5T9PRT, do Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 7, por decisão transitada em julgado aos 02.02.2017, pela prática, aos 03.02.2015, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art. 57º, nº 1 e 58º da L. nº 34/2013, de 16.05, na pena de 130 [cento e trinta] dias de multa, à taxa diária de € 100,00 [cem euros];
v. No âmbito do Proc. nº 25/15.1XALSB, do Juízo de Competência genérica de Vieira do Minho, por decisão transitada em julgado aos 06.03.2017, pela prática, aos 14.05.2015, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 57º, nº 1, 58º da L. nº 34/2013, de 16.05, 30º, nº 2 e 79º do Cód. Penal, na pena de 450 [quatrocentos e cinquenta] dias de multa, à taxa diária de € 100,00 [cem euros].
uu) A arguida M. A., natural de ..., Montalegre, casou com 18 anos, encontrando-se divorciada, desde há cerca de quatro anos.

Do matrimónio que contraiu nasceram dois descendentes, o mais velho já autonomizado em agregado familiar próprio e o mais novo falecido, na sequência de sinistro rodoviário, ocorrido no mês de Junho de 2018.
Residiu durante vários anos na cidade de ..., domiciliada na Rua do ..., com os elementos do seu agregado familiar, enquadramento que mantinha na data dos factos.
Após a separação do casal, manteve, como continua a manter, aquela morada, pelo menos para efeitos de notificações e onde permanece quando se desloca a ... para realização de tratamentos/acompanhamento médico no Hospital de ....
Tem o 6º ano de escolaridade, registando no seu percurso profissional experiência como auxiliar de cozinha no Centro Social de …, em ..., onde trabalhou durante cerca de doze anos, tendo constituído, posteriormente, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª.
Está profissionalmente inactiva, contando, actualmente, com o apoio financeiro do seu filho e das suas tias maternas, em medida não concretamente apurada.
Suporta, mensalmente, a quantia mensal de cerca de € 90,00 em medicação.
Junto da residência sita na Rua do ..., em ..., apresenta imagem social desfavorável, sendo conotada como pessoa instável, de atitudes intempestivas e, por vezes, conflituosa no relacionamento interpessoal, sendo alvo de algum evitamento social.
Não foram sinalizadas repercussões no seu contexto sociofamiliar ou comunitário, em decorrência da pendência dos autos.
vv) A arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., foi declarada insolvente, por decisão proferida aos 23.12.2015, transitada em julgado aos 18.01.2016, no âmbito do processo que, sob o nº 18/14.6T8GR, corre termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 2.
xx) Encontram-se, ainda, pendentes as operações de liquidação do activo da massa insolvente de X, Unipessoal, Ld.ª.

B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Não se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir, que:

1. O desconto levado a efeito no crédito de remuneração de P. F. haja ascendido, nos meses de Junho de 2013 a Julho de 2014, a valor inferior ao mencionado sob o ponto i. da al. s) da materialidade dada como demonstrada, muito em particular ao de € 213,80.
2. As quantias referidas na al. bb) da materialidade dada como demonstrada correspondessem com a medida efectiva do imposto de IVA exigível por referência a cada um dos períodos aí mencionados.
3. Até às datas limite de entrega mencionadas na al. bb) da materialidade dada como demonstrada, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., haja, dos valores de IVA liquidados nas facturas que emitiu aos seus clientes, recebido importâncias superiores às referidas em cc), muito em particular em medida correspondente a 62,80% e a 76,90% daqueles valores.
4. As ocorrências referidas na al. hh) da materialidade dada como demonstrada hajam tido lugar em data diversa da aí mencionada, muito em particular em Agosto de 2014.
5. Fosse exigível à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., a entrega de tributo de IVA por referência ao mês de Agosto de 2013 e que a arguida M. A. soubesse estar, em representação daquela sociedade, adstrita a essa obrigação.
6. A arguida M. A. soubesse que se encontrava adstrita à obrigação de, em representação da arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., proceder à entrega nos cofres da administração fiscal do tributo de IVA relativamente ao mês de Setembro de 2013 em medida superior à referida na al. ff) da materialidade dada como demonstrada.
7. Ao não proceder à entrega de tributo de IVA relativamente ao mês de Agosto de 2013 e ao actuar, quanto ao mês de Setembro do mesmo ano, pelo modo referido na al. gg) da materialidade dada como demonstrada, a arguida M. A. haja, com conhecimento da proibição e punibilidade penal da sua conduta, actuado de forma livre, deliberada e consciente.
8. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na al. mm) da materialidade dada como demonstrada, J. G. estivesse a verificar e a controlar a entrada e a saída de pessoas nas instalações da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª.
**
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, resultou demonstrado ou ficou por demonstrar.

C) MOTIVAÇÃO

O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como demonstrada, no seguinte:
Na análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida.
Desse modo, e no que, em especial, concerne à materialidade que se ordenou sob as als. a) e b), louvou-se o Tribunal no teor das certidões constantes dos autos: designadamente, a fls. 35 a 40 e 714 a 720 do processo principal, a fls. 66 a 71 [110 a 116 e 139 a 142] do apenso A, a fls. 71 a 76 do sub-apenso A, a fls. 22 a 24 e 199 a 205 do apenso B, e a fls. 9 a 15 [356 a 359] do apenso C -, referentes ao teor da matrícula e inscrições em vigor da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., que, para além de terem permitido a cabal identificação do respectivo objecto social, número de pessoa colectiva e local de sediação, proporcionaram, também, base probatória bastante para suportar a afirmação de que a arguida M. A. deteve, desde a data de constituição respectiva, ocorrida aos 03.05.2007, a condição de sócia e gerente única dela.
No que concerne à materialidade que se fez constar da al. b), louvou-se o Tribunal não apenas nas conclusões consentidas pela sobredita qualidade formal que a arguida M. A. sempre deteve relativamente à sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., como, também, na prova que, globalmente, se produziu, sendo que, por efeito das ocorridas apensações e da consequente recondução a um julgamento unificado e conjunto das causas, ficou o Tribunal inteiramente legitimado a fundar a sua convicção na totalidade dos meios de prova que se produziram.
Estabelecido o que acima se deixou dito, importa registar, com pertinência relativamente à matéria que nos toma, que a arguida M. A. deteve sempre a condição de sócia e legal representante única da sociedade X.
Ora, nunca poderia deixar de atender-se, como elemento de prova relevante, a esse facto, sendo que as regras de experiência comum ditam, na normalidade dos casos, a convergência entre a qualidade de legal representante de ente colectivo e a efectiva exercitação de poderes de administração respectiva, a abranger a generalidade dos aspectos em que se traduz a gestão da vida societária. É asserção que, aliás, se apresenta reforçada nos casos em que a representação da pessoa colectiva é assegurada por uma única pessoa.
Se a enunciada qualidade formal, detida em continuidade e em exclusividade, aponta no sentido de que a arguida M. A. terá, a par dela, chamado a si a gestão em efectividade da X, a verdade é que outros elementos de prova concorreram, sem margem para qualquer dúvida, nesse indicado sentido.
Com efeito, da prova testemunhal que, globalmente, se produziu, resultou que a arguida se manteve à frente dos destinos da sociedade, assumindo papel activo na execução, acompanhamento e fiscalização do seu objecto social, na contratação de funcionários, no pagamento dos respectivos salários e no cumprimento das obrigações da sua representada, incluindo as de natureza legal, fiscal e perante a segurança social.
De registar, acrescidamente, que a circunstância de M. A. poder ter partilhado o exercício daquela gestão de facto com outra pessoa, designadamente, com o arguido M. F., pelo menos por referência ao período a que se reporta a matéria dos autos principais – único a que, quanto à responsabilidade do mesmo, é lícito, na economia deste processo, extrair consequências da prova produzida -, não se apresenta passível de, minimamente, beliscar as conclusões que, no parâmetro sob consideração, se alcançaram relativamente àquela arguida.
Vejamos, então, mais de perto a prova que, com relevo para a matéria que nos toma, foi proporcionada pelos meios produzidos em audiência de julgamento e proporcionados pela documentação constante dos autos.
Assim, o assistente P. F. afirmou, nas declarações que, em audiência de julgamento, lhe foram tomadas, ter sido funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., a partir do ano de 2010 e por período de tempo que se estendeu para além de Dezembro de 2014, com uma interrupção de apenas dois meses.
O assistente não hesitou em identificar como seus patrões os arguidos M. A. e M. F., que se apresentavam juntos, nessa apontada condição, nos locais onde desenvolvia a sua actividade, para fiscalizar e ordenar os termos de cumprimento dela, bem como para proceder à entrega dos meios relativos ao pagamento da sua remuneração. Acrescentou, a este propósito, que, durante o período de tempo em que a sua remuneração era paga através da emissão de cheques, os títulos que, para esse efeito, lhe foram entregues haviam sido sacados sobre conta titulada pela arguida M. A., sendo também a assinatura dela que nos mesmos se encontra aposta.
De registar que, tendo, embora, o assistente afirmado que se encontrava subordinado a um supervisor, certo é que identificou este como detendo condição idêntica à sua – a de mero funcionário -, sem qualquer confusão possível com os poderes e amplitude de actuação manifestados pelos arguidos.
A testemunha A. S. declarou, por seu turno, no depoimento que, em audiência de julgamento, lhe foi tomado, ter sido funcionário, com as funções de vigilante, da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., no período compreendido entre Novembro de 2011 e Dezembro de 2013.
Identificou, também, os seus patrões como sendo os arguidos M. A. e M. F.. A esse propósito, começou, desde logo, por dizer que, na ocasião em que foi contratado, estavam ambos presentes, tendo a arguida M. A. assinado, na sua presença, o respectivo contrato de trabalho.
Disse, ainda, que o arguido M. F. se apresentava nos locais onde ele, depoente, tinha funções distribuídas como vigilante, condicionalismo em que dele recebeu ordens, a respeito dos termos de cumprimento das suas atribuições, designadamente, em matéria de horários e de indicação dos locais onde devia, subsequentemente, prosseguir as suas funções.
Acrescentou que, sem prejuízo disso, chegou, também, a receber, em algumas ocasiões, ordens de outros trabalhadores, que, contudo, manifestavam estar a transmitir orientações da gerência.
Relativamente à arguida M. A., para além da directa intervenção que, nos termos sobreditos, teve na sua contratação, afirmou que a mesma assinava os cheques relativos à sua remuneração e que, sobretudo durante o período nocturno, se deslocava, também, na companhia do arguido M. F., aos locais onde ele, depoente, exercia, em cada momento histórico, as suas funções, dela recebendo, igualmente, ordens.
A testemunha N. V. afirmou, no depoimento que, igualmente, prestou, em julgamento, ter sido funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., desde data que estimou ter-se localizado, sensivelmente, no ano de 2010. A respectiva vinculação perdurou, em contínuo, até Janeiro de 2014.
Declarou, ainda, a testemunha a cujo depoimento nos vimos reportando que um dos filhos dos arguidos M. A. e M. F., de nome Hugo, era, preferencialmente, o seu interlocutor, porém, não hesitou em identificar aqueles como sendo os seus patrões. A esse respeito, esclareceu que o arguido M. F. aparecia, recorrentemente, nos locais onde desenvolvia as suas atribuições, para supervisionar e ordenar os termos do seu cumprimento. Relativamente à arguida M. A., afirmou que dela provinham os cheques emitidos para pagamento da sua remuneração, sendo que, para além disso, a mesma acompanhava o arguido M. F. nas “rondas” que este realizava.
Acrescentou que, pese embora, tivesse tido, em determinados locais onde exerceu as suas funções, um supervisor, com a categoria de trabalhador também, nunca isso representou que os arguidos deixassem de fazer, nos sobreditos termos, o controlo da sua actividade.
A testemunha J. G. declarou, por seu turno, ter exercido funções, como vigilante, por conta da X, Unipessoal, Ld.ª., pelo período de cerca de dois meses, localizados, necessariamente, acrescentamos nós, no ano de 2015, em atenção à data dos factos que lhe dizem respeito – 11.02.2015.
Nesse contexto, afirmou ter sido entrevistado, para efeitos de contratação, pelo arguido M. F., única pessoa que, no decurso do período temporal em que se manteve vinculado à sociedade, se apresentou como seu interlocutor.
Por seu turno, a testemunha T. I. declarou ter sido funcionário da X, Unipessoal, Ld.ª., entre 2012 e Maio de 2015. No desenvolvimento das suas atribuições, de vigilante, esteve em vários locais, até, por fim, exercer funções no CC de .... Esclareceu que as ordens que recebia provinham do arguido M. F., sendo que, porém, os cheques emitidos para pagamento da sua remuneração, enquanto a correspondente liquidação se processou por esse modo, eram sacados sobre conta titulada pela arguida M. A. e por ela assinados.
A testemunha S. O., legal representante da sociedade administradora do condomínio do Centro Comercial de ..., esclareceu que a X foi contratada, em 2012, para prestar serviços de segurança privada naquele espaço comercial. A contratação, segundo o mais que disse, foi levada a efeito pela anterior administração do condomínio, tal como resulta do teor do documento constante de fls. 31 a 33 do apenso A. Ora, desse documento resulta, com relevância, que foi a arguida M. A. que, naquele ano de 2012, assinou o correspondente contrato, em representação da X. Os contactos que a testemunha disse ter estabelecido com a sociedade tiveram lugar por email e, em algumas ocasiões, por intermédio do arguido M. F..
As testemunhas P. D. e B. S. relataram, nos depoimentos que, em audiência de julgamento, prestaram que o gabinete administrado pelo primeiro e do qual a segunda era, como continua a ser, funcionária, assegurou as funções de TOC da X, Unipessoal, Ld.ª., no período compreendido entre 2010 e Fevereiro de 2012, data em que veio a ocorrer desvinculação, perante a AT, daquelas atribuições. A testemunha B. S. adiantou que, no desenvolvimento das tarefas de que o gabinete foi investido, estabeleceu contactos com a arguida M. A., que se apresentava na condição de gerente da sociedade, tendo, do mesmo modo, estabelecido contactos com o arguido M. F., junto de quem, designadamente, abordou questões relacionadas com a falta de pagamento de imposto.
A testemunha H. B., técnica superior da SS, gestora do contribuinte X, Unipessoal, Ld.ª., declarou terem sido detectadas situações de falta de entrega de cotizações, contexto em que manteve contactos com a arguida M. A., que se apresentou sempre como sua interlocutora. Foi contexto em que com ela reuniu e trocou emails, em vista à regularização daquelas situações, tratando-se, também, da pessoa que, em algumas ocasiões, chegou a acompanhar ao departamento de contencioso.
Relatou, porém, que, pese embora fosse do seu conhecimento, por consulta dos respectivos registos, que a arguida M. A. era a legal representante da X, para além do amplo conhecimento que manifestava deter relativamente às situações que envolviam a sociedade, a mesma fazia questão de se apresentar na condição de mera funcionária dela.
A testemunha P. M. declarou, no depoimento que lhe foi tomado, ter sido funcionária da X no período compreendido entre Fevereiro de 2014 e Julho de 2015, com as funções de administrativa. A fls. 188 a 191 do apenso C consta cópia do respectivo contrato de trabalho, que, como pode observar-se, foi assinado pela arguida M. A..
Mais disse que, maioritariamente, as ordens que recebia provinham do arguido M. F., sendo que, porém, a arguida M. A. efectuava deslocações, com uma regularidade de cerca de uma vez por mês, à sede da sociedade, ocasiões em que procedia não apenas à assinatura de documentação, como, também, dava ordens. Para além daquilo que, nessas oportunidades, a arguida assinava, eram apresentados, também, pelo arguido M. F. outros escritos por ela assinados, que o mesmo, para o efeito, levava para casa e voltava a trazer.
Acrescentou, ainda, que, enquanto a sua remuneração foi paga através de cheque, eram os correspondentes títulos assinados pela arguida M. A., trazidos nessa condição de casa pelo arguido M. F.. Era deste que, normalmente, recebia, quando havia disponibilidade financeira para tanto, a lista dos credores que deveriam ser pagos.
A testemunha J. D. declarou, no depoimento que lhe foi tomado, ter sido funcionário da sociedade X, com as atribuições de vigilante, entre Fevereiro de 2013 e Maio de 2015. O respectivo contrato, assinado também pela arguida M. A. consta de fls. 208 a 210.
Relatou, ainda, que os cheques que recebeu, para pagamento da sua remuneração, vinham assinados pela arguida M. A., sendo que, não obstante ter um supervisor, o arguido M. F. chegou a aparecer nos locais onde exercia funções, para se inteirar dos termos de cumprimento delas.
A testemunha J. P. declarou, por seu turno, ter sido funcionária da sociedade X, entre Março de 2011 e Abril de 2015, com as funções de vigilante. Identificou a arguida M. A. como sua patroa. Louvou essa sua afirmação na circunstância de toda a documentação a que teve acesso e/ou de que necessitou, enquanto exerceu funções por conta daquela sociedade, se apresentar na condição de assinada por ela, nisso se incluindo, para além do mais, os cheques que recebeu para pagamento da sua remuneração e as escalas de serviço que eram distribuídas. Acrescentou que, para além disso, a arguida M. A. orientava o seu filho Hugo e outros funcionários da sociedade, sendo que aparecia, por vezes, durante o período nocturno, nos locais onde ele, depoente, exercia funções, fazendo-se, em algumas ocasiões, acompanhar pelo arguido M. F.. Reportou, por fim, que, em certa ocasião, foi, juntamente com outros vigilantes, convocado para uma reunião, destinada a distribuir os trabalhadores por grupos e que se realizou na sede da sociedade, tendo nela participado a arguida M. A..
A testemunha S. M. declarou ter sido funcionária da X, entre Dezembro de 2013 e Dezembro de 2014, com as funções de administrativa. Segundo o mais que disse, foi contratada pelos arguidos M. A. e M. F., recebendo, no desenvolvimento das suas atribuições, instruções de ambos. Para além disso, a arguida M. A. assinava toda a documentação necessária. E, pese embora, não estivesse, permanentemente, na sede da sociedade, passava lá com frequência. Manifestava-se, nessas ocasiões, como a pessoa que mandava na sociedade e a quem era devida obediência. Já o arguido M. F. estava em permanência no escritório.

Pois bem.

Em face da prova que assim se produziu e que cobriu, amplamente, senão mais, pelo menos, os períodos temporais em alusão nos autos, nenhuma dúvida, como começamos por enunciar, se suscitou a este Tribunal a respeito da efectiva exercitação pela arguida M. A. de poderes de administração da sociedade X, nos exactos moldes que, sob a al. c), se deu por demonstrado. E se, aqui ou ali, alguns dos depoimentos prestados foram, pontualmente, menos exuberantes, certo é, porém, que os mesmos ficaram condicionados, nuns casos, por períodos menos longos de exercício de funções por conta da X e, noutros, pela natureza das funções atribuídas às testemunhas – parte delas, vigilantes, a exercer as respectivas funções nos locais que lhes eram distribuídos e, por conseguinte, fora da sede da sociedade. Seja como for, não menos certo é, ainda, que toda a prova produzida, globalmente, considerada, permitiu, como se disse, cobrir todo o período em referência na al. c).
Restam, finalmente, dizer, com respeito a matéria que nos toma, e em reforço do que se expôs já, que a arguida M. A. foi sempre remunerada como membro de órgão estatutário, como se extrai do teor da documentação constante de fls. 102 a 108 do apenso C.
No que respeita à materialidade que, especificamente, se ordenou sob as als. d) a j) – que constitui o objecto do apenso C -, louvou-se o Tribunal no teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas H. B., P. M., J. D., J. P. e S. M., todas já acima referidas, em conjugação com o teor da documentação constante de fls. 72 a 82, 102 a 162, 188 a 203, 208 a 221, 252 e 253 [267 e 268] do apenso C.
Desse modo, a testemunha H. B., técnica superior da segurança social e que estava encarregue, muito em particular, da gestão do contribuinte X, Unipessoal, Ld.ª., para além do que relatou ao Tribunal com pertinência relativamente aos termos de participação da arguida M. A. na administração daquela sociedade, corroborou que, por referência aos períodos em alusão nos autos, se verificou, efectivamente, falta de entrega à segurança social dos montantes das cotizações em alusão na al. f). Disse, também, que os valores em causa se mantêm, até ao momento, em débito.
A testemunha P. M., que, como se disse acima, exerceu funções por conta da X, Unipessoal, Ld.ª., com as funções atribuídas de administrativa, para além do que declarou com pertinência relativamente à gestão da sociedade, afirmou que era do seu conhecimento que esta mantinha dívidas pendentes para com a segurança social. Também disse que a sociedade mantinha créditos sobre outras entidades, de valores elevados, que se apresentavam na condição de incobráveis.
A testemunha J. D., foi funcionário da sociedade, com as atribuições de vigilante, entre Fevereiro de 2013 e Maio de 2015, declarou, a par do mais a que supra se fez alusão, que os valores que, mensalmente, recebia, a título de remuneração, reflectiam os descontos constantes dos correspondentes recibos, a incluir quanto às cotizações devidas à segurança social.
As testemunhas J. P. e S. M., para além do mais que, nos sobreditos termos, disseram, confirmaram a sua condição de trabalhadores da sociedade, no período a que respeita a falta de entrega das cotizações.
Em face da prova que, pelo indicado modo, se produziu, não restou a este Tribunal qualquer dúvida a respeito da materialidade objectiva dada como demonstrada, sendo que a documentada actuação da arguida M. A., no quadro da exercitação que, em continuidade, levou a efeito dos destinos da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., nos moldes que se deixaram motivados a propósito da materialidade inserta na al. c), não consente outra leitura, senão a de que a mesma agiu de forma consciente e com vontade intencionalmente direccionada.
Resta, apenas, dizer, com pertinência, ainda, relativamente à matéria do apenso C, que foi ouvida, em defesa, a testemunha N. S., administrador da massa insolvente de X, Unipessoal, Ld.ª., que relatou que, em Dezembro de 2014, foi desencadeado pela sociedade PER, sendo que, porém, o plano de revitalização não veio a ser aprovado, o que ditou, no final do ano de 2015, a declaração de insolvência da sociedade. Esclareceu que, nessa data, a sociedade não dispunha já de alvará que lhe permitisse o desenvolvimento do seu objecto social, sendo que tinha despedido a quase totalidade dos seus trabalhadores. Disse, ainda, que a sociedade apresentava um passivo na ordem dos dois milhões de euros, constituído, em parte substancial, por dívidas perante a administração fiscal e a segurança social, passivo esse que, tendo-se somado os créditos dos trabalhadores, veio a agravar-se com a própria declaração de insolvência. Esclareceu, também, que situação financeira da sociedade, do que lhe foi possível analisar, resultou, principalmente, da impossibilidade de cobrança de créditos da sua titularidade junto dos respectivos devedores. O activo da massa insolvente é de cerca de € 15.000,00, estando, ainda, a ser avaliada a possibilidade de cobrança de parte dos seus créditos, muitos deles, porém, constituídos sobre outras sociedades também declaradas na condição de insolventes.
Ora, o depoimento prestado pela indicada testemunha, complementado que ficou pelo teor da documentação que, a solicitação da defesa da arguida M. A., foi junta a fls. 724 a 727, 764 a 775 dos autos principais, teve, mais do que tudo, a virtualidade de permitir ao Tribunal aceitar que as quantias não entregues à segurança social tenham sido integradas no giro comercial da X, para colmatar as dificuldades financeiras desta. Outrotanto, por identidade de razões, foi possível declarar afirmado, com base na enunciada prova, relativamente ao destino que, com pertinência quanto à matéria do apenso B, teria conhecido a quantia de IVA do mês de Setembro de 2013 e que não foi entregue nos cofres da administração fiscal.

No que respeita à materialidade que se ordenou sob as als. l) a x) – que constitui o objecto dos autos principais -, louvou-se o Tribunal no teor das declarações prestadas, em sede de audiência de julgamento, pelo assistente P. F. e, bem assim, no teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas L. F., A. S. e N. V., analisados criticamente e conjugados com o teor da documentação constante de fls. 6 a 26; 123 a 125 [127 a 129]; 137 a 140; 158 a 160, complementada a fls. 201 [209] e 210 a 231; 164 a 174, 184 a 187, 203 a 207 e 289 a 296.
Com efeito, o assistente P. F., para além de, nos termos que acima se deixaram já expostos, ter esclarecido que foi funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., a partir do ano de 2010 e por período de tempo que se estendeu para além de Dezembro de 2014, e de ter esclarecido, também, a condição que os arguidos M. A. e M. F. detinham naquela sociedade, relatou, com especial importância para a matéria que nos toma, que ele, declarante, tinha dívida perante a segurança social, concernente a período anterior em que exercera actividade como empresário.
Relatou, ainda, ter tomado conhecimento que o seu crédito de remuneração por conta da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., fora objecto de penhora, na proporção de 1/3, no âmbito de processo de execução contra si instaurado pela segurança social. É, nesse sentido que, de resto, converge o teor da documentação constante de fls. 6 a 8 e 23, que inclui a notificação de penhora dirigida pela segurança social à referida sociedade – também documentada a fls. 165 e 166 -, a comunicação que, na sequência disso, o assistente dela recebeu nos correspondentes termos e, também, a comunicação que ao assistente foi directamente dirigida pela própria segurança social a dar conta da penhora do seu vencimento.
Declarou, igualmente, que a sua entidade empregadora procedeu, de facto, por período temporal que se iniciou com a comunicação que lhe foi dirigida e que se estendeu até Dezembro de 2014, ao desconto no seu crédito de remuneração da correspondente importância, o que fez reflectir nos recibos correspondentemente emitidos e na medida dos valores que, efectivamente, lhe pagou. A afirmação assim produzida encontra amplo suporte no teor da documentação constante de fls. 9 a 22, 123 a 125 [127 a 129] e 137 a 140 – recibos de remuneração relativos ao período compreendido entre os meses de Junho de 2013 e Dezembro de 2014 – e, bem assim, no teor da documentação bancária de fls. 158 a 160, 201 [209] e 210 a 231 – da qual resulta a convergência entre os valores apostos nos recibos de remuneração emitidos e os montantes correspondentemente depositados na conta bancária do assistente.
Acrescentou que, estando convencido de que as importâncias retidas na sua remuneração estavam a conhecer o destino para que haviam sido cativadas, foi surpreendido por comunicação da segurança social, dando-lhe conta de que, a final, a dívida se mantinha pendente e pelo mesmo valor. Nesse condicionalismo, dirigiu-se à segurança social, aí obtendo a informação de que os montantes penhorados não haviam sido transferidos para essa entidade.
Não se encontrando, embora, documentada nos autos a comunicação referida no antecedente parágrafo, certo é que, a fls. 24 a 26, se acha cópia de notificação que, em Novembro de 2014, o assistente dirigiu, a pretexto daquela descoberta, à sociedade X, Unipessoal Ld.ª. Para além disso, constam de fls. 164 a 174 e 289 a 296, informações prestadas pela segurança social relativamente aos pagamentos realizados no âmbito do processo de execução em curso e respectiva origem, documentação essa complementada por aquela que o assistente juntou a fls. 203 a 207.
Na sequência disso, acabou por celebrar acordo com a segurança social para pagamento dos montantes em dívida – acordo a que se reporta o documento de fls. 184 a 187 -, que se encontra, ainda, a cumprir. Disse, por último, que, já na pendência dos presentes autos e em momento que antecedeu a realização do julgamento, o filho dos arguidos, de nome Hugo, o reembolsou pelos montantes que haviam sido descontados no seu crédito de remuneração, manifestando, porém, o declarante desconhecer se aquele assim procedeu a mando dos seus progenitores.
A testemunha L. F., que do assistente P. F. é irmã, confirmou ter observado nos recibos de remuneração dele os descontos realizados pela sua entidade empregadora, por conta de penhora incidente sobre esse crédito, tendo atestado, também, que, por efeito da redução que assim veio a ter lugar na medida dos proventos do assistente, chegou a emprestar-lhe importâncias em dinheiro, por forma a permitir-lhe que solvesse as suas responsabilidades.
A testemunha A. S., para além daquilo que declarou, nos sobreditos termos, a respeito da posição que os arguidos M. A. e M. F. ocupavam na sociedade X Unipessoal, Ld.ª., confirmou que o assistente P. F. foi, igualmente, funcionário daquela sociedade, tendo com ele partilhado tarefas, no desenvolvimento das atribuições de vigilante de que ambos estavam incumbidos, em dois locais.
A testemunha N. V., para além do que igualmente disse, nos termos acima referidos, a respeito da posição dos arguidos na sociedade em causa, confirmou que o assistente P. F. foi funcionário da empresa, tendo exercido, durante um período longo de tempo, funções com ele no mesmo local.
Pois bem.
Em face da prova que se produziu, resultante da conjugação das declarações e de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento com o teor da prova documental enunciada, nenhuma dúvida se suscitou a este Tribunal, a respeito da materialidade objectiva dada como demonstrada, a incluir a participação activa que o arguido M. F. teve, pelo menos no período histórico sob consideração – o único que interessa considerar, posto que o mesmo, independentemente da prova que se produziu em julgamento, foi apenas visado na acusação deduzida nos autos principais -, na gestão efectiva da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., chamando a si, juntamente com a arguida M. A., ampla responsabilidade pela tomada de decisões pertinentes ao desenvolvimento do seu objecto social, nisso se incluindo todos os aspectos da sua administração corrente, incluindo os relativos ao pagamento de remunerações.
Resta, finalmente, dizer, com respeito à matéria que nos toma – a ordenada sob as als. l) a x) – que aquilo que, objectivamente, se demonstrou, não consente outra leitura senão a de que os arguidos M. A. e M. F. actuaram de forma consciente, com vontade intencionalmente direccionada nos moldes que se deram por demonstrados e com pleno conhecimento do desvalor jurídico-penal das suas condutas.
No que respeita à materialidade que se ordenou sob as als. z) a ii) – que constitui o objecto do apenso B -, louvou-se o Tribunal no teor do depoimento prestado pela testemunha Maria e por todas as demais que fundaram a afirmação de verdade quanto aos termos de participação, nos termos que se deram por demonstrados, da arguida M. A. nos destinos da X, em conjugação com o teor da documentação que integra o apenso B, muito em particular a que se acha a fls. 7, 10, 13, 14, 45, 46, 124 a 126 e 192 a 198, e, bem assim, com o teor de toda a documentação que integra o anexo de documentação.
Desse modo, a testemunha Maria, inspectora tributária ao serviço da DF de ..., confirmou ter sido levantado auto com fundamento na falta de entrega de IVA pelo sujeito passivo X, Unipessoal, Ld.ª., com relação aos meses de Agosto e de Setembro de 2013. Esclareceu que o referido sujeito passivo procedeu, tal como, de resto, documentado a fls. 13 e 14 do apenso B, ao envio das declarações periódicas [doravante, designadas, de forma abreviada, por DP] concernentes àqueles períodos, com relação aos quais o próprio sujeito passivo apurou, naquelas declarações, como importâncias a entregar à administração fiscal, os montantes de € 18.055,78 e € 18.606,31, que, porém, não foram entregues até à data limite de apresentação das DP ou até ao 90º dia posterior nem no prazo de 30 dias, contado de notificação do contribuinte e da sua representante legal, a arguida M. A., para esse fim.
Disse, também, a testemunha a cujo depoimento nos vimos reportando que, por efeito da recolha de elementos a que, no desenvolvimento das tarefas instrutórias de que foi incumbida, procedeu, apurou, em conformidade com o que resulta documentado no acima referido anexo, não ter sido possível comprovar o recebimento de parte do IVA liquidado naquelas declarações até às respectivas datas limite de entrega. Confirmou, nesse condicionalismo, tal como decorre de fls. 551 do mencionado anexo, que, com relação ao mês de Agosto de 2013, só foi possível obter a confirmação de recebimento da importância de € 4.335,18 do IVA liquidado na correspondente declaração, sendo que, por seu turno, relativamente ao mês de Setembro do mesmo ano, apenas foi possível comprovar, até à data limite de entrega da correspondente DP, o recebimento da quantia de € 9.012,44.
Porque o quadro resumo constante de fls. 551 do anexo não contemplasse qualquer alusão à medida do IVA dedutível, com relação a cada um dos referidos períodos, foi, acrescidamente, solicitado ao competente serviço de finanças que prestasse a correspondente informação, o que o mesmo veio a fazer pelo modo que consta de fls. 925 dos autos principais, a permitir se viesse a dar por demonstrada, nos exactos termos em que o foi, a matéria concernente aos montantes de IVA cuja entrega era, efectivamente, exigível ao sujeito passivo X, Unipessoal, Ld.ª.
Pois bem.
Em face da prova que, pelo indicado modo, se produziu, nenhuma dúvida restou a este Tribunal com relação à materialidade objectiva dada com demonstrada, nos exactos termos em que o foi, sendo que, no que respeita, muito em particular, ao que se ordenou sob a al. gg), não podia a arguida M. A. desconhecer da obrigação de entrega do montante de IVA exigível relativamente ao mês de Setembro de 2013, afirmação essa que, encerrando-se em si mesma, não colide com o mais que se deu por não demonstrado.
Aqui chegados, e no que concerne, em particular, à materialidade que se ordenou sob as als. jj) a qq) – pertinente ao apenso A -, o Tribunal louvou-se na análise crítica do teor dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelas testemunhas J. P., José, A. C., J. G., T. I. e S. O., bem como por todas as restantes que fundaram a afirmação de verdade quanto aos termos de participação, nos termos que se deram por demonstrados, da arguida M. A. nos destinos da X, em conjugação com o teor dos autos de notícia de fls. 4 e 5 [19] do apenso A – inquérito 611/15.0JABRG – e de fls. 4 e 5 [39] do sub-apenso – inquérito 612/15.8JABRG – e, bem assim, com o teor das informações constantes de fls. 20, 21, 22, 31 a 41 e 75 a 77 do apenso A e de fls. 6, 7 [40, 41] do sub-apenso.
Desse modo, a testemunha J. P., agente da PSP, com funções atribuídas, na data dos factos, de Chefe da Brigada de Fiscalização de Segurança Privada, relatou ao Tribunal que, no dia 11.02.2015, formava brigada com a testemunha A. C., sua colega de profissão, quando, em deslocação realizada à sede da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., ali verificou que se encontrava a testemunha J. G., fardada com o uniforme em uso por aquela entidade, a desempenhar as tarefas de elemento permanente de contacto. Mais disse que, na data em causa, de acordo com a informação que, entretanto, veio a ser obtida, a sociedade X não tinha já alvará válido para o exercício da actividade de segurança privada, em decorrência de o mesmo ter, entretanto, caducado. Por via do depoimento que, nos indicados termos, prestou confirmou a testemunha o teor do auto de notícia constante de fls. 4 e 5 [39] do sub-apenso, que, de resto, lhe foi exibido, bem como o teor das informações reportadas a fls. 6, 7 [40, 41]. No discorrer, porém, do seu depoimento, acabou por dizer, igualmente, que o vigilante em causa também estaria, necessariamente, a realizar segurança às instalações da sociedade sua empregadora. É matéria a que infra voltaremos, a propósito da motivação da matéria de facto dada como não demonstrada.
A testemunha a cujo depoimento vimos de nos reportar confirmou, também, que, no dia 27.02.2015, verificou, no desenvolvimento das suas atribuições profissionais, que a testemunha T. I. desempenhava, por conta da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., funções de vigilante no centro comercial de ..., a uma data em que a referida sociedade não dispunha já, por caducidade do respectivo alvará, de autorização para o exercício da actividade de segurança privada. Foi contexto em que confirmou o teor do auto de notícia de fls. 4 e 5 [19] do apenso A, que, em sede de audiência de julgamento, lhe foi exibido também, bem como das informações que foram obtidas relativamente à validade do alvará e que constam de fls. 20, 21 e 75 do referido apenso, constando, ainda, de fls. 76 e 77 que a caducidade do contrato foi comunicada à sociedade, por ofício de 05.02.2015.
A testemunha José, agente da PSP, confirmou, do mesmo modo, que, no desempenho das suas atribuições funcionais, verificou que, nas circunstâncias constantes do auto correspondentemente elaborado, a testemunha T. I. exercia as funções de vigilante no Centro Comercial ..., envergando uniforme em uso pela sociedade X, Unipessoal, Ld.ª.
A testemunha A. C., igualmente agente da PSP, que acompanhou a testemunha J. P. na deslocação realizada à sede da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., confirmou que, nas já referidas circunstâncias, foi identificada pessoa que se encontrava ao serviço dela, desempenhando a específica função de elemento de contacto permanente nas respectivas instalações, a um tempo em que, de acordo com o que veio a ser apurado, a sociedade não dispunha já de alvará, que, entretanto, havia caducado.
Por seu turno, a testemunha J. G., no depoimento que, em sede de audiência de julgamento, prestou, confirmou, como, de resto, se deixou acima dito, a propósito da motivação da matéria de facto inserta na al. c), ter sido funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª.. Com relação à situação que motivou o levantamento de auto de notícia, com reporte ao dia 11.02.2015, afirmou não ter já presente se se deslocara às instalações da sua entidade empregadora para proceder ao levantamento do meio de pagamento do respectivo salário, ou se, porventura, aí se encontrava a desempenhar a tarefa de contacto permanente. Acrescentou que, mais tarde, veio a tomar conhecimento de que a referida sociedade não tinha alvará para o exercício da actividade de segurança privada, para que fora contratado.
A testemunha T. I., para além de ter confirmado a sua vinculação à sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., no período temporal que se estendeu entre 2012 e Maio de 2015, relatou que, de facto, nas circunstâncias em que veio a ter lugar o levantamento do correspondente auto de notícia, se encontrava ao serviço daquela entidade, a exercer as funções de vigilante. Disse, ainda, que, nessa ocasião, desconhecia, em absoluto, que a sociedade não era já detentora de alvará que lhe permitisse desenvolver a actividade de segurança privada, facto que adveio ao seu conhecimento apenas em Maio do mesmo ano, mês que correspondeu com aquele em que ficou desvinculado da X. O teor do documento constante de fls. 22 do apenso A corrobora, justamente, a vinculação da testemunha àquela sociedade, até ao mês de Maio de 2015.
A testemunha S. O., legal representante da sociedade Y, administradora do condomínio do Centro Comercial de ..., relatou, em conformidade, de resto, com o que resulta do teor da documentação constante de fls. 31 a 35 do apenso A, que a sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., foi contratada pela entidade que, antes da Y, administrava o condomínio para exercer segurança privada nas áreas comuns e de lojas daquele espaço comercial. Disse, ainda, que, no decurso do mês de Maio de 2015, veio a tomar conhecimento de que a X não era detentora, desde o mês de Janeiro do mesmo ano, de alvará que lhe permitisse exercer aquela actividade. Foi, também, nesse mês que foi rescindido o contrato mantido com a X e contratada outra sociedade para desempenhar aquelas funções, o que converge com o teor da documentação que se acha a fls. 36 a 41.
Tendo sido esta a prova que se produziu, nenhuma dúvida se suscitou a este Tribunal a respeito da materialidade objectiva dada como demonstrada, nos exactos termos em que o foi.
Resta, ainda, dizer que a materialidade em causa, concertada com o que acima se deixou dito a respeito da circunstância de, sem prejuízo de outro, a arguida M. A. ter gerido, de forma contínua e em efectividade, os destinos da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., não consente outra leitura senão a de que a mesma, ao promover o desenvolvimento pela sua representada da actividade em causa, para a qual sabia carecer da competente autorização administrativa, o que não sucedia já, na data dos factos, agiu de forma consciente e com vontade intencionalmente direccionada, com pleno conhecimento da proibição e punibilidade penal da sua conduta.
No que respeita à materialidade concernente à personalidade e condições pessoais dos arguidos, globalmente ordenadas sob as als. rr) e xx), atendeu-se ao teor dos CRC constantes de fls. 847 a 854 e 882 a 885, complementados, no tocante à precisão das datas dos factos que motivaram as condenações dos arguidos e respectiva qualificação penal – parte dessas menções inscritas com erro nos CRC -, pelo teor das certidões constantes de anexo que, com esse conteúdo, se encontra apenso aos autos.
Ainda no que respeita ao complexo factual que nos toma, o Tribunal tomou, ainda, em consideração, com relação à arguida M. A., o teor do relatório social para julgamento constante de fls. 901 e 902, sendo de salientar que, não obstante as diligências para o efeito empreendidas, não logrou proceder-se à elaboração de idêntico relatório quanto ao arguido M. F., por ser desconhecido o local do seu actual paradeiro – cfr. fls. 845, 846, 872, 876 a 878 e 920 dos autos principais.
Por fim, no que respeita aos factos concretamente ordenados sob as al. vv) e xx), atendeu-se ao teor da certidão constante de fls. 157 a 168 do apenso A, extraída do processo que, sob o nº 18/14.6T8GR, corre termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 2, e, bem assim, ao teor das informações prestadas a fls. 723 e 880 dos autos principais.
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O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como não demonstrada, na ausência total de produção de prova ou de prova suficientemente convincente da sua realidade e/ou verificação.
Desse modo, no que concerne ao que se alinhou sob o ponto 1., a prova que se produziu, louvada no teor da documentação constante dos autos principais – em especial a que constitui cópia do recibos de remuneração -, suporta, quanto à medida dos descontos realizados no crédito de remuneração de P. F., a afirmação de que tais descontos ascenderam aos montantes feitos constar da al. s) da materialidade dada como demonstrada, a significar, necessariamente, a indemonstração do que se ordenou sob aquele ponto.
Quanto ao que se fez constar sob os pontos 2., 3. e 5. a 7., a prova que se produziu, tal como se deixou dito a propósito da motivação da matéria de facto dada como demonstrada, suportou a afirmação de veracidade do que se fez constar das als cc) a gg), o que, frontalmente, contraria que fosse exigível à X a entrega de qualquer tributo de IVA com relação ao mês de Agosto de 2013 e que essa exigibilidade ascendesse, com relação ao mês de Setembro do mesmo ano, a importância superior à de € 6.162,37, o que, necessariamente, teve por consequência se considerasse indemonstrado, também, o que se fez constar do ponto 7.
No que diz respeito ao que se ordenou sob o ponto 4., o documento constante de fls. 193 do apenso B, suportou a afirmação de que as regularizações consideradas tiveram lugar na data que se fez constar da al. hh) da materialidade dada como assente, o que, naturalmente, determinou a indemonstração do facto que ora se considera.
Por fim, com relação ao facto que se alinhou sob o ponto 8., importa registar que, nos depoimentos que, em audiência, lhes foram tomados, as testemunhas J. P. e A. C., ambos agentes da PSP, confirmaram, nos seus precisos termos, aquilo que foi feito constar do auto de notícia datado de 11.02.2015, ou seja, que a testemunha J. G. se encontrava, nas circunstâncias de tempo aí reportadas, na sede da sociedade X a desempenhar as funções de elemento de contacto permanente. Como, porém, no discorrer do depoimento da primeira das indicadas testemunhas se tivesse colocado a questão de saber se, conforme referido na acusação, aquele J. G. estaria, pelo menos também, a verificar e a controlar a entrada e a saída de pessoas daquelas instalações, acabou a mesma por admitir que assim seria necessariamente. A verdade é, contudo, que a afirmação assim produzida, para além de contrariar a objectividade daquele auto de notícia, não foi suportada pelo teor do depoimento prestado pela testemunha A. C.. Importa registar que, apresentando-se justificado o levantado de auto nas circunstâncias verificadas, posto que a presença de elemento de contacto permanente na sede da X seria o natural sinal de que a mesma, em momento histórico em que se encontrava já desprovida de alvará, estaria a prestar serviços de segurança privada a terceiros, a justificar o desencadeamento de investigação, o certo é que não terão sido prosseguidos actos tendentes a identificar as pessoas ou entidades para as quais a X estaria, naquele momento, a prestar serviço. Mas isso não equivale a poder dizer-se, ou a autorizar que se diga, como vem pressuposto na acusação, que o vigilante J. G. estava a segurar as instalações da sociedade e mesmo que, porventura, estivesse, nunca isso poderia ser tomado, na sua relação com a X, como uma prestação de serviços, posto que a ela se encontrava vinculado por contrato de trabalho.

2. DA ANÁLISE DOS FACTOS E DA APLICAÇÃO DO DIREITO

A) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Nos presentes autos, encontra-se a arguida M. A. acusada da prática, em concurso efectivo, de:

- Um crime de descaminho, imputado a título de co-autoria material, p. e p. pelo art. 355º do Cód. Penal;
- Um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, imputado em autoria singular, p. e p. pelo art. 57º, nº 1 da L. nº 34/2013, de 16.05;
- Um crime de abuso de confiança fiscal, imputado em autoria singular, p. e p. pelos artºs 6º e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT;
- Um crime de abuso contra a segurança social, na forma continuada e imputado em autoria singular, p. e p. pelas disposições conjugada dos artºs 30º, nº 2 do Cód. Penal, 6º, nº1, 105º, nº 1 e 107º, nº 1 do RGIT.

Por seu turno, o arguido M. F. encontra-se acusado da prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho, p. e p. pelo art. 355º do Cód. Penal.

Por fim, a arguida X, Unipessoal, Ld.ª., encontra-se acusada da prática, em concurso efectivo, de:

- Um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, p. e p. pelos artºs 57º, nº 1 e 58º da L. nº 34/2013, de 16.05;
- Um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artºs 7º, nº 1 e 105º, nºs 1 e 2 do RGIT;
- Um crime de abuso contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugada dos artºs 30º, nº 2 do Cód. Penal, 7º, 105º, nº 1 e 107º do RGIT.

Vejamos, pois e antes do mais, do recorte típico dos enunciados ilícitos penais.
Assim e em conformidade com o que vai disposto no art. 355º do Cód. Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos, incorre na prática do crime de descaminho todo aquele que destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar.
De registar que a L. nº 8/2017, de 03.03, manteve intocada a estrutura do delito em presença, tendo-se limitado o legislador, por via das alterações que, pela indicada via, introduziu, a alargar a incriminação, por forma abranger os animais que, por uma qualquer forma, se achem sob o domínio público, hajam sido arrestados, apreendidos ou objecto de providência cautelar.
Isto posto, importa registar que o tipo legal em presença tutela a inviolabilidade das coisas sob custódia pública, em concretização da autonomia intencional do Estado, que se apresenta como o bem jurídico protegido pela norma incriminadora.
Com efeito, a partir do recorte legal do dispositivo sob análise, emerge que o bem jurídico subjacente à protecção derivada do tipo não é a propriedade, mas antes a defesa do poder público do Estado, quanto à apreensão e guarda de bens. E tal poder surge elevado sobre o ius imperii, que ao mesmo concede a possibilidade, na sua vertente administrativa e judicial e no prosseguimento do interesse público, de actuar no sentido de apreender e guardar, temporária ou definitivamente, objectos, documentos ou coisas.
O tipo em presença difere de outros, designadamente, do de abuso de confiança, previsto pelo art. 205º do Cód. Penal, posto que neste, para além da tutela de bem jurídico diverso – na circunstância, o património -, o agente viola, por definição, uma relação de fidúcia privada. Já no crime de descaminho a actuação do agente implica a violação da relação de domínio público sobre a coisa.
Não se tratando, como não se trata, de defender bens do Estado, não se exige sequer que os mesmos tenham expressão ou valor pecuniário, podendo apresentar, apenas, utilidade probatória. O que releva, isso sim, é a afectação dos bens a uma finalidade concreta, por parte da autoridade pública, que justifica a respectiva sujeição à guarda oficial.
O critério que permite delimitar o universo de coisas sujeitas a poder público não se encontra, tal como resulta do que acima se deixou dito, nas regras de direito patrimonial nem se realiza pela condição situacional do bem, que sujeito, embora, àquele poder pode manter-se na posse e detenção do proprietário, como, de resto, frequentemente sucede.
O delito em presença pertence à categoria dos crimes de dano, identificando-se a lesão do bem jurídico protegido e, por conseguinte, a respectiva consumação, com a frustração, total ou parcial, da custódia, materializada através de acção directa sobre a coisa – e, actualmente, também sobre animal –, que há-de traduzir-se na sua inutilização – tornar o bem imprestável para o fim em causa - ou descaminho – desviá-lo definitivamente do destino custodial que lhe fora oficialmente traçado -, com alteração, nesses precisos termos, do mundo exterior [vd., por tudo, Cristina Líbano Monteiro, “in” Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pp. 419 a 421].
A coisa, para efeitos da disposição normativa em apreço, há-de corresponder a algo que pode ser destruído, danificado, inutilizado ou subtraído. É por isso que a acção do agente há-de incidir sobre um objecto com características de fisicidade, deixando-se de fora direitos, interesses e expectativas, insusceptíveis que estes se apresentam de uma qualquer das acções materiais descritas no tipo [vd., neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, “in” Ob. Cit., p. 421, e Paulo Pinto de Albuquerque, “in” Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 837, nota 5].
De registar, com particular interesse para o caso que nos toma, que, não obstante o acto em que se manifesta a sujeição a domínio público possa incidir sobre direitos – o que sucede, designadamente, nos casos de penhora do direito ou crédito de remuneração -, o tipo há-de ter-se por verificado sempre que o agente, em resultado disso, entre na detenção da coisa que realiza ou corporiza aqueles direitos e contanto que sobre ela actue por uma das formas previstas no tipo – designadamente, descaminhando as quantias que, em concreto, foram objecto de apreensão ou retenção, por via da sua destinação a fim diverso daquele para que foram submetidas ao domínio público. Nas apontadas situações, o agente não age sobre o direito, pois que se se limitasse a fazê-lo, o tipo estaria excluído; age, isso sim, sobre a coisa corpórea – fungível ou infungível – em que o direito se realiza ou materializa.
A coisa, para efeitos do segundo segmento do dispositivo sob análise – aquela que haja sido objecto de arresto, apreensão ou providência cautelar -, pode revestir natureza móvel ou imóvel, como se infere pela contraposição com o primeiro segmento da norma.
Não se estando na presença de crime específico, é indiferente, para o preenchimento do tipo, a qualidade do sujeito activo, podendo o delito ser levado a efeito por particular a cuja guarda o bem tenha sido confiado – proprietário dele ou não - ou por terceiro.
O crime de descaminho reveste, do ponto de vista subjectivo, natureza dolosa, apresentando-se compatível com qualquer das modalidades previstas pelo art.14º do Cód. Penal.
Aqui chegados, incorre na prática do crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, em conformidade com o que vai disposto no nº 1 do art. 57º da L. nº 34/2013, de 16.05, quem prestar serviços de segurança privada sem o necessário alvará, licença ou autorização.
O diploma em que a citada disposição normativa se insere estabelece o regime do exercício da actividade de segurança privada, bem como as medidas de segurança a adoptar por entidades públicas ou privadas com vista a prevenir a prática de crimes – cfr. art.1º, nº 1.

Nesse enquadramento, prescreve-se no nº 3 do art. 1º do mencionado diploma legal que, para os efeitos nele previstos, se considera actividade de segurança privada:

- A prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes – cfr. al. a);
- A organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoprotecção, com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes – cfr. al. b).

Dispõe-se, por seu turno, no art. 3º, nº 1, que os serviços de segurança compreendem, designadamente, a vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis de provocar actos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público – al. a) – e, ainda, a exploração e a gestão de centrais de recepção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança – al. b).
No que respeita às condições para o exercício da actividade de segurança privada encontra-se a mesma dependente, nos termos prescritos pelo art. 4º, nº 1, da titularidade de alvará, licença ou autorização, a conceder, designadamente, a empresas de segurança privada ou a entidades que organizem serviços de autoprotecção no âmbito dos serviços previstos nas als. a) a d) do nº 1 do art. 3º - cfr. als. a) e b) do nº 2 do art. 4 e artºs 14º a 16º.
Por empresa de segurança privada entende-se, para os efeitos do disposto no diploma sob consideração, toda a entidade privada, pessoa singular ou colectiva, devidamente autorizada, cujo objecto social consista exclusivamente na prestação de serviços de segurança privada e que, independentemente da designação que adopte, exerça uma actividade de prestação de serviços a terceiros de um ou mais dos serviços previstos no nº 1 do art. 3º - cfr. art. 2º, al. a).
Os serviços de autoprotecção de entidades e serviços de segurança privada, previstos pela al. b) do nº 3 do art. 1º, são organizados com recurso exclusivo a trabalhadores vinculados por contrato de trabalho com a entidade titular da respectiva licença, podendo tais serviços ser complementados com recurso à prestação de serviços de entidades titulares de alvará adequado para o efeito – cfr. art. 13º.
Entre o pessoal de segurança privada inclui-se o pessoal de vigilância, como tal se entendendo o trabalhador, devidamente habilitado e autorizado a exercer as funções previstas na L. nº 34/2013, vinculado por contrato de trabalho a entidades titulares de alvará ou licença – cfr. artºs 2º, al. j) e 17º, nº 1.
A profissão de segurança privado compreende, designadamente, as especialidades de vigilante e operador de central de alarmes – cfr. art.17º, nº 3, als. a) e i).
De acordo com o que vai disposto no art. 30º, nº 1, as entidades titulares de alvará asseguram a presença permanente nas suas instalações de pessoal que garanta o contacto, a todo o tempo, através de rádio ou outro meio de comunicação idóneo, com o pessoal de vigilância, os utilizadores dos serviços e as forças de segurança. O contacto permanente é obrigatoriamente assegurado por pessoal de segurança privado – cfr. nº 3.
O incumprimento dessa obrigação constitui contra-ordenação, nos termos previstos pelo art. 59º, nº 2, al. g).
O crime em presença reveste natureza dolosa, nos termos prescritos pelo art. 14º do Cód. Penal.
Pela sua prática, respondem, nos termos previstos pelo art. 58º, as pessoas colectivas e entidade equiparadas, nos termos gerais, ou seja, sempre que, designadamente, a correspondente actuação seja prosseguida em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança – cfr. art. 11º do Cód. Penal.
No que respeita ao crime de abuso de confiança fiscal, incorre na sua prática, em conformidade com o que vai disposto no art. 105º, nº 1 do RGIT, aprovado pela L. nº 15/01, de 05.06, quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.
O RGIT especifica aquilo que, para os efeitos nele previstos, se entende por prestação tributária – cfr. art. 11º, al. a).
Dispõe-se, no entanto, no nº 2 do citado art. 105º que, para os efeitos do nº 1, se considera, também, prestação tributária a que tiver sido deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, os casos em que a lei o preveja. Preceitua, também, o nº 3 do referido normativo legal que o disposto no nº 2 é aplicável ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
É, pois, elemento objectivo do tipo em referência a não entrega total ou parcial de prestação tributária ou parafiscal. Muito embora a lei, ao contrário do que antes sucedia com a redacção do art. 24º do RJIFNA, tenha deixado de empregar expressamente a palavra apropriação, consideramos que a não entrega de prestação tributária ou equiparada traduz-se num apropriar-se, num fazer sua coisa alheia. Assim, para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo, continua a exigir-se a apropriação de prestação tributária que pertence ao Estado e que o agente, por força da sua actuação, destina a fim diverso. A apropriação consiste na prática dolosa de actos de disposição ou administração da prestação tributária pelo agente como se fosse ele o credor ou o titular dessa mesma prestação.
A incriminação tem na sua base a violação de uma relação de confiança fundada na lei, com ressonância ético-jurídica de natureza idêntica à que está subjacente ao crime de abuso de confiança previsto no art. 205º do Cód. Penal. O crime de abuso de confiança fiscal constitui, pois, um delito de realização intencionada, comportando em si mesmo a valoração objectiva de um fim ou de uma intenção do agente, que situa o tipo no domínio dos crimes que têm como elemento constitutivo a intenção de apropriação de coisa alheia [vd., neste sentido, e ainda com inteira actualidade, Eduardo Correia, “ A Teoria do Concurso em Direito Criminal “, 1963, p. 140 e, RDES, VII, Vol. I, p. 62].
Por isso se entende que o crime em referência se consuma quando se dá a inversão do título de posse, o que acontece no momento em que o agente, detentor ou possuidor legítimo, a título precário ou temporário, altera, de forma arbitrária, o título dessa posse ou detenção e passa a não possuir a coisa em nome alheio e antes a integra no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com “animo domini”.
No que respeita ao imposto sobre o valor acrescentado [IVA], cada operador deverá deduzir do imposto liquidado nas suas vendas o montante que onerou as suas compras e que constará das facturas dos seus fornecedores. O imposto a entregar ao Estado será apenas o valor correspondente à diferença entre aquele débito e este crédito.
O crime só se tem por verificado se ocorrer verdadeira apropriação. Serve isto para dizer que, para se concluir pela verificação do crime em sujeito, é, absolutamente, essencial que se apure que o IVA liquidado e não entregue, foi, efectivamente, recebido, sendo certo que, não obstante possa ter ocorrido a respectiva facturação, pode o imposto não ter sido ainda recebido. É que, na realidade, só pode ser objecto de apropriação aquilo que é recebido [neste sentido, e também ainda com inteira actualidade, Ac. do STJ de 28.11.97, “in” www.dgsi.pt].
O recebimento que releva é aquele que haja ocorrido até à data limite de entrega da correspondente declaração periódica.
Para além do que vem de dizer-se, a actuação abrangida pela previsão dos nºs 1 e 2 do referido art. 105º só é punível se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, ou seja, estabelece a lei, no domínio em que nos encontramos, uma condição de punibilidade – cfr. nº 4. A tal requisito de procedibilidade, fez a L. nº 53-A/2006, de 29.12, acrescer um outro: a de que a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não seja paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito – cfr. al. b) do nº 4 do art. 105º.

Importa, ainda, atender que, por via da L. nº 64-A/2008, de 31.12, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2009 e que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro desse ano, foram introduzidas várias alterações ao RGIT, aprovado pela L. nº 15/2001, de 05.06. De entre tais alterações, conta-se a que foi introduzida na previsão do nº 1 do art. 105º do indicado diploma legal. Mercê dela passou a exigir-se, para que o ilícito penal considerado possa ter-se por verificado, que o valor da prestação tributária não entregue, total ou parcialmente, pelo agente seja superior a € 7.500,00.
Nos casos em que o valor em causa seja inferior ao indicado, os comportamentos antes subsumidos ao ilícito considerado, devem ter-se por descriminalizados, por força do disposto no art. 2º, nº 2 do Cód. Penal.
Quando a entrega não efectuada for superior a € 50.000,00, a responsabilidade pela prática do delito em causa é agravada, passando o agente a ser punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa de 240 a 1200 dias – cfr. nº 5.
Preceitua, por seu turno, o art. 6º, nº 1 do citado diploma legal que quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou, ainda, em representação legal ou voluntária de outrem, será punido, mesmo quando o tipo legal de crime exija determinados elementos pessoais e estes só se verifique na pessoa do representado ou que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.
Concomitantemente dispõe-se no art. 7º, nº 1 do referido diploma que as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções nele previstas quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo, só assim não ocorrendo quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito – cfr. nº 2. Mais se dispõe no nº 3 do mesmo normativo legal que a responsabilidade das entidades referidas no nº 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
O crime em causa reveste, do ponto de vista do seu elemento subjectivo, natureza dolosa – Cfr. art. 14º do Cód. Penal.
Por fim, com pertinência relativamente ao imputado crime de abuso de confiança conta a segurança social, incorrem na sua prática, em conformidade com o disposto no art. 107º, nº1 do RGIT, as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem total ou parcialmente, às instituições de segurança social.
Considerada a enunciada previsão normativa, importa ter presente que o sistema de segurança social, com consagração constitucional, radica no princípio do Estado de Direito Social, interventor e do Estado Providência, em que, por via da co-responsabilização de todos, se estabelece um modo de auto-protecção. Como fim directo, a segurança social tem por obrigação promover a protecção do trabalhador, da família e de situações de desamparo, mormente por situação pessoal ou em caso de morte. As contribuições para a segurança social constituem, assim, receitas fundamentais do Estado, sem as quais muitas daquelas realizações se tornam impossíveis, sendo que os principais obrigados ao financiamento são os próprios beneficiários, as entidades empregadoras – por via das suas contribuições -, e o Estado, por via de transferências.
Neste contexto, as entidades patronais devem entregar às instituições de Segurança Social competentes as folhas de remuneração pagas no mês anterior aos seus trabalhadores, sendo que, sobre os valores pagos, incidem percentagens legalmente fixadas, as quais devem ser descontadas nessas remunerações, transitoriamente retidas e finalmente entregues pela entidade empregadora juntamente com a sua própria contribuição.
A lei onera, assim, o contribuinte com o dever de autoliquidar e pagar a contribuição, a ter lugar entre o dia 10 e o dia 20 do do mês seguinte àquele a que a contribuição disser respeito, de acordo com o disposto nos artºs 42º e 43º da L. nº 110/2009, de 16.09, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Decorridos que estejam 90 dias sobre o termo desse prazo, sem que ocorra a entrega das contribuições efectivamente deduzidas nas remunerações pagas aos trabalhadores pela entidade empregadora, ter-se-á por verificada a previsão típica constante do art. 107º, nº 1 do RGIT. A tal requisito de procedibilidade e punibilidade fez a L. nº 53-A/2006, de 29.12, já acima referida, acrescer um outro: a de que a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não seja paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito – cfr. al. b) do nº 4 do art. 105º, aplicável ao crime previsto e punível pelo art. 107º, por decorrência da remissão operada pelo nº 1 do primeiro dos indicados normativos legais.
Em conformidade com aquilo que se deixou exposto já, é, pois, elemento objectivo do tipo em referência a não entrega, total ou parcial, das aludidas contribuições. Muito embora a lei, ao contrário do que antes sucedia com a redacção do art. 27º-B do RJIFNA, tenha deixado de empregar expressamente a palavra apropriação, a verdade é que a não entrega de prestação tributária ou equiparada se traduz num apropriar-se, num fazer sua coisa alheia. Assim, para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo continua a exigir-se, à semelhança do que sucede com o crime de abuso de confiança fiscal, a apropriação de prestação tributária que pertence à segurança social e que o agente, por força da sua actuação, faz diluir nos meios financeiros da empresa ou destina a fim diverso do legalmente previsto.
A incriminação em sujeito tem na sua base a violação de uma relação de confiança fundada na lei, com ressonância ético-jurídica de natureza idêntica à que está subjacente ao crime de abuso de confiança previsto pelo art. 205º do Cód. Penal, pelo que o crime em referência se consuma quando se dá a inversão do título de posse, o que acontece no momento em que o agente, detentor ou possuidor legítimo, a título precário ou temporário, altera, de forma arbitrária, o título dessa posse ou detenção e passa a não possuir a coisa em nome alheio e antes a integra no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com “animo domini”.
Para o preenchimento da factualidade típica é, pois, necessário que a falta cometida possa ser reconduzida à violação de uma relação de confiança em que o agente se ache investido, precisamente pela circunstância de a prestação omitida lhe haver sido entregue ou confiada para posterior devolução ou para uma utilização previamente definida e determinada.
E é isto, justamente, o que se verifica nas chamadas situações de substituição tributária: nestes casos, a lei determina que a posição de devedor na relação tributária seja ocupada a título indirecto por um substituto do verdadeiro contribuinte em virtude da existência, entre eles, de uma relação jurídica de direito privado.
De acordo com a disciplina legalmente prevista e como resulta do que acima se deixou já dito, as entidades empregadoras procedem ao desconto, no vencimento bruto dos trabalhadores e dos titulares dos órgãos sociais que mensalmente remuneram, do montante correspondente à percentagem legalmente fixada, montante esse que, estando originariamente afecto à segurança social, passam a deter de forma precária, a título de fiéis depositárias. É quando o agente do imposto, tendo recebido validamente a prestação em falta e detendo-a de modo precário, passa a dispor dela para uma finalidade diversa da pré-determinada, que o título da posse se inverte, o acto de apropriação se concretiza e, consequentemente, o crime se tem por consumado.
Não basta, assim, a simples não entrega da prestação em referência, sendo, ao invés, necessário que o agente passe a comportar-se com rem sibi habendi em relação à coisa recebida por título não translativo da propriedade.
Como o fenómeno da apropriação, entendido como uma inversão do título da posse, é, essencialmente, um fenómeno psíquico ou anímico, essa inversão do animus tem, necessariamente, que se exteriorizar através de um comportamento que concludentemente a revele. Não obstante isso, a forma pela qual a apropriação concretamente se manifesta é absolutamente indiferente: a acção executiva característica do abuso de confiança não tem necessariamente de se traduzir em condutas positivas, podendo a mera omissão consubstanciar o fenómeno de que depende a consumação do delito.
Aqui chegados e, ainda, com relevo para a situação em sujeito, importa considerar a previsão do art. 6º, nº 1 do RGIT. Desse modo, é punível o comportamento de quem aja voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exija determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado e/ou que o agente do facto o pratique no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.
Concomitantemente dispõe-se no art. 7º, nº 1 do referido diploma que as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções nele previstas quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo, só assim não ocorrendo quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito – cfr. nº 2. Mais se dispõe no nº 3 do mesmo normativo que a responsabilidade das entidades referidas no nº 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
O crime em causa reveste, do ponto de vista do seu elemento subjectivo, natureza dolosa – Cfr. art. 14º do Cód. Penal.
Realizada, na medida do necessário, a pertinente análise hermenêutica é tempo de descer ao caso.
Desse modo, com pertinência relativamente a toda a matéria dos autos, logrou demonstrar-se que arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., com o NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número e com sede na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., foi constituída aos 03.05.2007, tendo por objecto o exercício da actividade de segurança privada.
Mais se demonstrou que a arguida M. A. é, desde aquela data, sócia e gerente da arguida sociedade, sendo que, a par dessa condição, e pelo menos desde o ano de 2010, exerceu, em efectividade, a administração da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., gerindo, nesse quadro e em continuidade, os destinos dela, decidindo da contratação de trabalhadores, da prestação de serviços, da afectação dos meios financeiros proporcionados pela sua actividade ao pagamento de bens/serviços adquiridos e ao pagamento de salários, bem como chamando a si a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações legais, fiscais e perante a segurança social e, ainda, de todas as demais decisões pertinentes à sua gestão corrente.
Aqui chegados – e seguindo-se a ordem da acusação, embora não já aquela que, por uma questão de ordem temporal, se observou na enunciação da materialidade dada como demonstrada -, logrou apurar-se, com pertinência relativamente ao crime de descaminho, cuja prática vem, em co-autoria material, imputada aos arguidos M. A. e M. F., que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, através da Secção de Processo Executivo de ..., instaurou acção executiva, a que foi atribuído o nº 0301201100162892, contra P. F., para cobrança coerciva da quantia em capital de € 7.851,92 [sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos], acrescida de juros de mora e de custas.
Demonstrou-se, igualmente, que P. F. foi funcionário da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., desde, pelo menos, o mês de Maio de 2013, condição que deteve até, pelo menos também, o mês de Dezembro de 2014.
Apurou-se, ainda, que, por comunicação datada de 23.05.2013, foi a sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., notificada de que o crédito de remuneração daquele P. F. se encontrava penhorado, na proporção de 1/3, à ordem do processo executivo acima mencionado, por tantos meses quantos os necessários, até perfazer o montante global de € 11.681,78 [onze mil, seiscentos e oitenta e um euros e setenta e oito cêntimos], a incluir o capital em dívida, no valor de € 7.851,92 [sete mil, oitocentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos], bem como juros de mora e custas, contabilizados nos montantes de € 3.547,80 [três mil, quinhentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos] e de € 282,06 [duzentos e oitenta e dois euros e seis cêntimos], respectivamente.
Por via da mesma comunicação, foi a sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., notificada de que ficava investida na condição de depositária do valor penhorado, bem como obrigada a proceder ao desconto mensal da correspondente importância, bem como ao seu envio, nos primeiros oito dias de cada mês, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por transferência bancária a realizar para a conta com o NIB ....
Demonstrou-se, ainda, que, pelo menos no período temporal referido – Junho de 2013 a Dezembro de 2014 -, o arguido M. F. exerceu, em conjunto com a arguida M. A., a administração, em efectividade, da sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., participando com ela na tomada de decisões relativas à sua gestão corrente, incluindo quanto ao pagamento de salários.
Também se apurou que, por efeito das funções que desenvolviam na sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., os arguidos M. A. e M. F. tomaram conhecimento da notificação referida e das obrigações daí advenientes, sendo que, perante isso, formularam em conjunto o desígnio de, aproveitando-se da possibilidade por essa via criada, se apropriarem das quantias a descontar no crédito de remuneração de P. F. e de, por esse modo, obstarem à concretização das finalidades da penhora efectuada.

Desse modo, dando, em conjugação de esforços, curso ao propósito que os animou, os arguidos, no período temporal compreendido entre Junho de 2013 e Dezembro de 2014, descontaram, mensalmente, no crédito de remuneração de P. F. valor correspondente a 1/3 do seu montante e que ascendeu às importâncias a € 213,98 [duzentos e treze euros e noventa e oito cêntimos], nos meses de Junho de 2013 a Julho de 2014, e a € 213,80 [duzentos e treze euros e oitenta cêntimos], nos meses de Agosto a Dezembro de 2014.
Porém, não procederam à entrega das importâncias retidas, que perfizeram o montante global de € 4.064,72 [quatro mil e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos], ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por transferência para a conta acima referida em nem por qualquer outro modo. Ao invés, dispuseram delas como se fossem coisa sua, dando-lhes o destino que bem entenderam.
Mais se provou que os arguidos M. A. e M. F., ao procederem nos termos em que o fizeram, agiram em conjugação de vontades e de esforços, bem como de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as quantias descontadas no crédito de remuneração de P. F. se encontravam afectas à satisfação dos fins do processo executivo no âmbito do qual haviam sido penhoradas e que, nessa medida, se encontravam sob a alçada do poder público, mais sabendo que delas não podiam dispor, como dispuseram, subtraindo-as daquela alçada e frustrando os fins que determinaram a respectiva cativação.
Por fim, demonstrou-se que sabiam os arguidos M. A. e M. F. serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei penal.
Aqui chegados, e em face da materialidade que, nos sobreditos termos, logrou demonstrar-se nenhuma dúvida se suscita de que, por via dos comportamentos que, em conjugação de vontades e de esforços prosseguiram, preencheram os arguidos M. A. e M. F. os elementos objectivos e subjectivo típicos do crime de descaminho – o último deles, na modalidade de dolo directo, nos termos recortados pelo nº 1 do art.14º do Cód. Penal -, p. e p. pelo art. 355º do Cód. Penal, sem que se haja apurado qualquer circunstância passível de excluir a ilicitude dos factos ou a sua culpa.
Com pertinência relativamente ao crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, da imputada autoria das arguidas M. A. e X, Unipessoal, Ld.ª., logrou demonstrar-se que esta última foi autorizada a desenvolver o seu objecto social através da emissão do alvará nº 173 A, sendo que, porém, este alvará caducou no dia 13.01.2015.
Mais se demonstrou que, no dia 27.02.2015, cerca das 15h30m, no Centro Comercial Shopping ..., sito no largo …, em ..., encontrava-se T. I., funcionário da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., com a categoria de vigilante, devidamente fardado com uniforme em uso pela sua entidade empregadora e titular do cartão profissional n.º ..., a verificar e a controlar a entrada e a saída de clientes nos espaços comuns e nas lojas daquela área comercial.
Apurou-se, igualmente, que a arguida M. A. sabia que a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., deixara de dispor, a partir da data acima mencionada, de alvará válido para o exercício da actividade de segurança privada e que, sem isso, não lhe era permitido prossegui-la.
Não obstante, não se coibiu de, em representação e no interesse dela, prestar, nas circunstâncias sobreditas, serviço dessa natureza no dia 27.02.2015.
Demonstrou-se, finalmente, que, ao proceder por esse modo, agiu a arguida M. A. de forma livre, deliberada e consciente, sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei penal.
Pois bem.
Em face da enunciada materialidade, nenhuma dúvida se suscita de que, por via do comportamento que prosseguiu, preencheu a arguida M. A. os elementos objectivos e subjectivo típicos do crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada – o último deles, na modalidade de dolo directo, nos termos recortados pelo nº 1 do art.14º do Cód. Penal -, p. e p. pelo art. 57º, nº 1 da L. nº 34/2013, de 16.05, sem que se haja apurado qualquer circunstância passível de excluir a ilicitude dos factos ou a sua culpa.
A arguida sociedade, em cujo nome e interesse a arguida M. A. actuou, é, igualmente, responsável pela prática do correspondente delito, em conformidade co o disposto no art. 58º daquele diploma legal.
Importa, por fim, dizer, quanto ao delito que nos toma, que, pese embora se haja demonstrado que, no dia 11.02.2015, cerca das 11h45m, na sede da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., se encontrava J. G., seu funcionário, com a categoria de vigilante, devidamente fardado com uniforme em uso pela sua entidade empregadora e titular do cartão profissional n.º ..., com as funções de elemento de contacto permanente, certo é, porém, que essa ocorrência não se traduz, manifestamente, na prestação de serviço, pressuposta para o preenchimento do tipo, e que, por definição, demanda a existência de sinalagma entre dois entes distintos: o prestador de serviço e o obrigado à contraprestação onerosa.
Isto posto, e com pertinência relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, da imputada autoria das arguidas M. A. e da arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., logrou demonstrar-se que esta, para além de se encontrar colectada, em sede de IRC, para a actividade de segurança privada, com o CAE ...-R3, estava, para efeitos do Imposto Sobre o Valor Acrescentado [IVA], enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
Demonstrou-se, também, que, nos exercícios comerciais respeitantes aos meses de Agosto e de Setembro de 2013, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., desenvolveu a sua actividade, prestando serviços a vários clientes, sendo que, por referência a esses períodos, a arguida M. A., actuando no quadro da qualidade formal que detinha e dos poderes que, em efectividade, exercitou, procedeu, em representação e no interesse da arguida sociedade, e na sequência de operações tributáveis em nome dela realizadas, ao apuramento do IVA exigível e ao envio das respectivas declarações periódicas, pelos valores de € 18.055,78 e de € 18.606,31, com datas limite de entrega de 10.10.2013 e de 11.11.2013, respectivamente.
Não se logrou, porém, demonstrar que as sobreditas quantias – feitas constar das correspondentes DP – hajam tido correspondência com a medida efectiva do imposto de IVA exigível por referência a cada um dos períodos aí mencionados.
Ao invés, logrou, isso sim, demonstrar-se que, até às datas limite de entrega acima mencionadas, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., recebeu dos seus clientes, do IVA liquidado nas correspondentes facturas, os valores de € 4.335,18 e de € 9.012,44, com relação aos meses de Agosto e de Setembro de 2013, respectivamente.
Para além disso, demonstrou-se, também, que, por referência ao exercício do mês de Agosto de 2013, a arguida sociedade X Unipessoal, Ld.ª., tinha a deduzir IVA, no valor de € 4.531,61, sendo que, por referência ao exercício mês de Setembro de 2013, a referida sociedade tinha a deduzir IVA, no valor de € 2.850,07.
Em consequência, não logrou demonstrar-se que, por referência às operações tributáveis realizadas no mês de Agosto de 2013, fosse exigível à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., a entrega de tributo de IVA.
Com relação às operações tributáveis realizadas no mês de Setembro de 2013, logrou apurar-se que o imposto exigível à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., ascendeu ao montante de € 6.162,37, que fica aquém do valor legalmente exigido para que, nos termos acima sobreditos, possa ter-se por verificado o delito em presença.
Concomitantemente, e pese embora se haja apurado que a arguida M. A. sabia estar obrigada, por referência ao mês de Setembro de 2013 e ao valor de € 6.162,37, a proceder à sua entrega nos cofres da administração fiscal, certo é que a correspondente omissão é, axiologicamente, neutra para o efeito de preenchimento dos elementos típicos do crime de abuso de confiança fiscal.
Nesse enquadramento, e sem necessidade de mais alongadas considerações, impõe-se absolvê-la, bem como à sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., da prática daquele delito.
Finalmente, com pertinência relativamente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, da imputada autoria das arguidas M. A. e X, Unipessoal, Ld.ª., logrou demonstrar-se que a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., ficou vinculada, por força do início da respectiva actividade, ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabiam perante a segurança social, para o que lhe foi por esta atribuído o NISS ....
Mais se demonstrou que, para o desenvolvimento da sua actividade, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., através de actuação da arguida M. A., prosseguida no contexto da sua condição formal e da efectiva exercitação de poderes de gestão, manteve ao seu serviço um número variável de trabalhadores, que se obrigaram a prestar a força do seu trabalho, sob a autoridade e direcção daquela, e mediante o pagamento de retribuição mensal, depois de descontada e retida a percentagem relativa às cotizações por eles devidas à segurança social.
Apurou-se, igualmente, que a arguida M. A., actuando no mencionado quadro, realizou os descontos e reteve nas remunerações pagas aos trabalhadores mantidos ao serviço da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., os montantes das cotizações por eles devidas à Segurança Social, à taxa de 11%, com relação aos meses de Março de 2012 e de Junho de 2012 a Novembro de 2015, no valor global de € 143.180,75.
Demonstrou-se, porém, e acrescidamente, que a arguida M. A., agindo em representação e no interesse da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., não obstante ter procedido ao envio das correspondentes declarações, não efectuou a entrega à segurança social das cotizações retidas com relação aos períodos e no valor global mencionado, entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que tais cotizações diziam respeito, não o tendo feito, também, até ao 90º dia posterior nem no prazo de 30 dias, contado de expressa notificação que, aos 07.09.2017, lhe foi, para o efeito, destinada, por si e em representação da arguida sociedade.
Apurou-se, ainda, que a arguida M. A. sabia que as aluídas quantias pertenciam à segurança social, a quem as devia entregar, o que não fez, dentro do condicionalismo temporal referido nem até ao presente, tendo-as integrado no património da sua representada, não desconhecendo que, por essa via, prejudicava aquela entidade, pela diminuição, em medida correspondente, das respectivas receitas.
Por fim, demostrou-se que, ao proceder, nos termos em que o fez, agiu a arguida M. A. em representação e no interesse da arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., em comportamentos que prosseguiu de forma livre, deliberada e consciente, renovando, sucessivamente, a sua intenção e servindo-se, para o efeito, dos termos de cumprimento das obrigações da sua representada, em particular do acesso, por essa via permitido, às importâncias retidas nas remunerações dos trabalhadores, que integrou no giro comercial daquela sociedade, para fazer face às respectivas dificuldades financeiras. Sabia, ainda, a arguida M. A. serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei penal.

Pois bem.

Em face da enunciada materialidade, nenhuma dúvida se suscita de que, por via dos comportamentos que prosseguiu, preencheu a arguida M. A. os elementos objectivos e subjectivo típicos do crime de abuso de confiança contra a segurança social – o último deles, na modalidade de dolo directo, nos termos recortados pelo nº 1 do art. 14º do Cód. Penal -, p. e p. pelo art. 107º, nº 1, por referência ao disposto no art. 105º e 6º, nº 1, todos do RGIT, sem que se haja apurado qualquer circunstância passível de excluir a ilicitude dos factos ou a sua culpa.
A arguida sociedade, em cujo nome e interesse a arguida M. A. actuou, é, igualmente, responsável pela prática do correspondente delito, em conformidade co o disposto no art. 6º daquele diploma legal.
Aqui chegados, coloca-se, porém, a questão de saber se, no caso e tal como resulta do enquadramento jurídico-penal levado a efeito na acusação, se está perante um crime de abuso de confiança contra a segurança sob a forma continuada.
Nessa matéria, importa considerar que a unidade ou pluralidade de infracções dependerá de a actividade do agente ser passível de um juízo de censura uno ou plúrimo; o juízo de censura será plúrimo sempre que possa constatar-se uma pluralidade de resoluções.

Conforme bem se realça no Ac STJ de 25.06.86, BMJ, 358º- 267 [que continua a manter inteira actualidade]: “(…) a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores”.
Nos termos do disposto no art. 30º, nº 2 do Cód. Penal, aplicável ex vi do preceituado no art. 3º, al. a) do RGIT, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime que fundamentalmente proteja o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico - e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções - devem ser aglutinadas numa só infracção, sob as vestes de crime continuado, na medida em que sejam passíveis de revelar uma considerável diminuição da culpa do agente. O principal pressuposto da continuação criminosa reside no contínuo sucumbir a pressões exógenas que levam o agente a repetir o crime e pressupõe, necessariamente, uma pluralidade de resoluções criminosas.
O crime continuado é punido com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.

No caso vertente, parece-nos manifesta a existência de um crime continuado. Com efeito, os actos de apropriação foram levados a efeito em circunstâncias de assinalável homogeneidade e sem interrupções temporais dignas de reporte, a que não foi alheio o fácil acesso a tais quantias e a possibilidade de, através da apropriação dos montantes devidos, ser a arguida sociedade mantida em funcionamento. Tal circunstancialismo exterior, impeliu a arguida M. A. à reiteração do comportamento criminoso, num contexto em que a culpa surge diminuída, o que permite afastar a punição a título plúrimo.
Conclui-se, assim, terem a arguida M. A. e a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., incorrido na prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, sob a forma continuada.

B) DAS PENAS E RESPECTIVA MEDIDA

Os crimes em cuja prática a arguida M. A. incorreu são punidos:

- O descaminho com pena de prisão de 1 [um] mês a 5 [cinco] anos – cfr. art. 355º do Cód. Penal;
- O de exercício ilícito da actividade de segurança privada com pena de prisão de 1 [um] a 5 [cinco] anos ou com multa de 10 [dez] a 600 [seiscentos] dias – cfr. artºs 47º, nº 1 do Cód. Penal e 57º, nº 1 da L. nº 34/2013, de 16.05;
- O de abuso de confiança contra a segurança social com pena de prisão de 1 [um] mês a 3 [três] anos ou com pena de multa de 10 [dez] a 360 [trezentos e sessenta] dias – cfr. artºs 41º, nº 1, 47º, nº 1 do Cód. Penal e 105º, nº 1, para o qual remete o art. 107º, nº 1 do RGIT.
O crime de descaminho de cuja prática incorreu o arguido M. F. é punido com pena de prisão de 1 [um] mês a 5 [cinco] anos – cfr. art. 355º do Cód. Penal.

Os crimes em cuja prática incorreu a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., são punidos:

- O de exercício ilícito da actividade de segurança privada com pena de multa de 10 [dez] a 600 [seiscentos] dias – cfr. artºs 47º, nº 1, 90º-B, nº 3 do Cód. Penal, 57º, nº 1 e 58º da L. nº 34/2013, de 16.05;
- O de abuso de confiança contra a segurança social com pena de multa de 20 [vinte] a 720 [setecentos e vinte] dias – cfr. artºs 12º, nº 3 e 105º, nº 1, para o qual remete o art. 107º, nº 1, todos do RGIT.

Aqui chegados, e tal como resulta do que acima se deixou dito, os crimes de exercício ilícito da actividade de segurança privada e de abuso de confiança contra a segurança social são puníveis, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa.
Nesse condicionalismo, impõe o art. 70º do Cód. Penal, aplicável, também, ao segundo dos enunciados delitos, ex vi do disposto no art. 3º, al. a) do RGIT, a prevalência da medida não detentiva, sempre que esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição. A opção entre a pena de multa e a de prisão só se coloca, naturalmente, com respeito à arguida pessoa singular M. A..
Isto posto, observa-se que a arguida M. A. conta com duas condenações anteriores, atendíveis como antecedentes, uma delas respeitante à prática de um crime de ofensa à integridade física e o outro pela prática de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada. Trata-se das condenações reportadas nos pontos i. e ii. da al. rr) da materialidade dada como demonstrada, registando-se que as restantes – as que constam dos pontos iii. e iv. – não são, nestes nossos autos atendíveis como antecedentes criminais, posto que as correspondentes decisões transitaram em julgado em data posterior à da prática dos factos que ora se julgam.

Ora, a condenação anterior que a arguida sofreu pela prática do crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, pelo qual foi punida com pena de multa, apresenta-se como particularmente relevante, por autorizar a afirmação de que tal ocorrência não surtiu o efeito de a determinar a adequar o seu comportamento à norma, não tendo hesitado em incorrer, novamente, em crime da mesma natureza.
Nesse condicionalismo, considera-se que a aplicação de pena de multa, no tocante ao crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, não satisfaz já, de forma adequada e suficiente, às finalidades que subjazem à correspondente punição. Opta-se, assim, com relação ao mencionado delito, pela aplicação de pena de prisão.
No que concerne ao crime de abuso de confiança contra a segurança social em cuja prática a arguida M. A. incorreu, reconhecendo-se, embora, a relevância menos expressiva das condenações que anteriormente a visaram, o certo é que aquele crime, sobretudo do ponto de vista do grau de ilicitude dos factos, revistou assinalável gravidade, não só do ponto de vista do desvalor da acção, como, também, do resultado.
Com efeito, não se coibiu a arguida de, durante um período particularmente longo de tempo, que se estendeu de Março de 2012 a Novembro de 2015, prosseguir as suas condutas, ocasionando, por efeito delas, um prejuízo para a segurança social não inferior a € 143.180,75 [cento e quarenta e três mil, cento e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos].
Para além disso, as exigências de prevenção geral positiva apresentam relevante expressividade, em atenção à recorrência do delito em presença e aos nefastos efeitos que, por efeito da sua prática, se repercutem em toda a comunidade.
Importa, justamente, não esquecer que crimes da indicada natureza e de aproximado recorte constituem um verdadeiro atentado aos valores da solidariedade social. Na verdade, o sistema de segurança social não visa apenas arrecadar o máximo de receitas, mas, também, possibilitar uma maior justiça distributiva entre os cidadãos, tendo em conta as necessidades de financiamento das actividades sociais do Estado. É um instrumento de justiça social e de diminuição das desigualdades sócio-económicas. Defraudar a segurança social constitui, por isso, infracção a deveres fundamentais de cidadania, que demanda uma firme e exigente resposta por parte do Estado no sentido de ser efectivado o cumprimento de deveres por todos os cidadãos e em condições de igualdade de tratamento.
Desse modo, considera-se que o elevado grau de ilicitude dos factos e a preponderante intensidade das exigências de prevenção geral positiva reclamam a aplicação de pena de prisão, por forma a realizar as finalidades da punição e corresponder às expectativas da comunidade na vigência da norma violada.
Opta-se, pelas indicadas razões, por aplicar, também, à arguida M. A., quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, pena de prisão.
Aqui chegados, a determinação da medida concreta das penas a aplicar aos arguidos, dentro das molduras abstractas previstas na lei, far-se-á atendendo ao grau de culpa documentado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido - cfr. art. 71º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal.
A medida concreta das penas a aplicar, situada entre um máximo ditado pela culpa e o mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral positiva, resultará, em cada caso, das necessidades de realização dos fins que a prevenção especial positiva se destina a assegurar. A medida das penas será, pois, determinada, dentro de uma moldura de prevenção, funcionando a culpa do agente, como limite máximo inultrapassável - cfr. art. 40º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal; vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pp. 227 e ss. e Ac. S.T.J. de 29.03.95, “in” B.M.J. 445º-163.

No caso dos autos, haverá, pois, que determinar, em face dos critérios referidos, qual a medida concreta das penas cuja aplicação aos arguidos M. A., M. F. e X, Unipessoal, Ld.ª., se afigura justa, adequada e proporcional.

Assim sendo, haverá que ponderar, na dosimetria das penas parcelares a aplicar, à arguida M. A. os seguintes aspectos:

a) O grau de ilicitude dos factos que, no tocante ao crime de descaminho, reveste particular gravidade, tendo em consideração que a arguida não se coibiu de, durante período de tempo que se estendeu por cerca de ano e meio, reter 1/3 do crédito de remuneração de um trabalhador, privando-o, por consequência, de parte substancial daquela que constituía a sua fonte de rendimentos, para realizar o propósito, a que deu curso em concertação de esforços e de vontades com o arguido M. F., de se apropriar dos correspondentes montantes, que ascenderam à importância global de € 4.064,72.
No que respeita ao crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, o grau de ilicitude dos factos revestiu intensidade a reputar, ainda, de mediana, tendo em consideração que o mesmo se realizou através de ocorrência única.
Quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, já acima o dissemos, o grau de ilicitude dos factos revestiu particular intensidade, do ponto de vista não só do desvalor das acções prosseguidas, em atenção ao período temporal durante o qual foram executadas, como, também, do ponto de vista do desvalor do resultado, em consideração à medida global do prejuízo causado.
b) A intensidade do dolo, que se apresenta, quanto a todos os delitos em presença, recortado sob a modalidade de directo, a corresponder, por isso, com o patamar mais elevado da intencionalidade criminosa;
c) A circunstância de a arguida não ter resposto, fosse em que medida fosse, o mal do crime de abuso de confiança contra a segurança social que cometeu, sem prejuízo de, quanto ao crime de descaminho, o assistente P. F. ter sido reparado, sem que, porém, se possa afirmar que isso ocorreu por acção da arguida;
d) A circunstância de a arguida contar com duas condenações anteriores, atendíveis como antecedentes criminais, pela prática dos crimes de ofensa à integridade física e de exercício ilícito da actividade de segurança privada;
e) O facto de a mesma se encontrar inserida, pelo menos, em termos familiares.

As exigências de prevenção geral positiva revestem intensidade a assinalar, atenta a recorrência dos ilícitos penais em sujeito, revestindo, por seu turno, as exigências de prevenção especial intensidade que se reputa de mediana.

Ponderando as razões vindas de aduzir, reputa-se de justa, adequada e proporcional a aplicação à arguida M. A. das seguintes penas:

- Crime de descaminho: 1 [um] ano de prisão;
- Crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada: 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão;
- Crime de abuso de confiança contra a segurança social: 1 [um] ano e 4 [quatro] meses de prisão.

Aqui chegados, impõe-se, nos termos do disposto no art. 77º, nº 1 do Cód. Penal, proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão aplicadas, comandando o mencionado normativo legal que, nessa tarefa, se atenda, em conjunto, aos factos e à documentada personalidade do agente.
No fundo, a tarefa de determinação da pena única a aplicar assentará numa apreciação conjunta de todos os factos, dos quais há-de emergir um ilícito global, a interligar com a personalidade do agente, de modo a tornar-se possível aferir se se está perante uma pluriocasionalidade de crimes, sem qualquer relação com uma tendência e atitude pessoais de predisposição para a prática dos ilícitos em causa, ou se, pelo contrário, a gravidade do ilícito global, conjugada com o que neles se projecta da personalidade do arguido, aponta para uma desvaliosa personalidade ético-jurídica, com total indiferença por regras basilares de vivência em comunidade, muito em particular dos bens jurídicos que foram violados. É, pois, o binómio factos-personalidade, a que alude aquele art. 77º, nº 1 do Código Penal, que confere especificidade à determinação da medida da pena única, e que a distingue dos critérios para a fixação das penas parcelares, previstos pelo art. 71º do mesmo diploma. O concurso de crimes clarifica as conexões e personalidade do agente, permitindo percepcionar a unidade delituosa, e surpreender relações, emergindo dessa análise valorações autónomas de ilícito, culpa e necessidades preventivas [vd., neste sentido, Tiago Caiado Milheiro, “in” Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais, Almedina, Coimbra, 2016, p. 46 e 47].
É no nº 2 do art. 77º do Cód. Penal que se encontram definidos os limites mínimo e máximo da pena única aplicável, o primeiro deles a corresponder com a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso, não podendo, tratando-se de pena de prisão, ultrapassar 25 anos e, tratando-se de pena de multa, 900 dias; já o limite mínimo da pena única aplicável é, por efeito da mesma disposição normativa, correspondente com a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em presença.
Isto posto e vertendo ao caso que nos toma, resulta que a moldura da pena única de prisão a aplicar à arguida M. A., pelos crimes em concurso, se situa entre o mínimo de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão – correspondente com a mais elevada das penas parcelares aplicadas - e o máximo de 3 [três] anos e 10 [dez] meses de prisão – resultado do somatório das penas parcelares aplicadas, que, na circunstância, não contende com o limite máximo imposto pelo nº 2 do citado art. 77º.-
Na escolha da pena única deverá atender-se, como se disse já, ao ilícito e à culpa globais que emergem da análise unificada dos factos, bem como à personalidade neles revelada, sem desconsiderar, conforme comandado pelo art. 40º do Cód. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial [Figueiredo Dias in “Das Consequências Jurídicas”, Aequitas, 1994, p. 291].
Tendo os apontados critérios por base, observa-se que os factos a que respeitam os presentes autos datam de 2013 a 2015, respeitando a condenação que por eles se impõe à prática pela arguida dos crimes de descaminho, de exercício ilícito da actividade de segurança privada e de abuso de confiança contra a segurança social, que, de uma forma ou outra, se situam no domínio de delitos contra bens colectivos de preponderante valor.
Os factos que impõem a sua condenação proporcionam uma imagem global que reflecte gravidade de importante relevo, em consideração ao período temporal durante o qual se estenderam, ao modo de execução deles, aos ganhos obtidos e aos prejuízos causados.
Projectam, também, aqueles factos, pela natureza dos delitos em presença, pela forma como foram executados, pela persistência dos desígnios que moveram a arguida e pela indiferença que revelou pelas consequências dos seus comportamentos, uma imagem de interligação com uma personalidade que apresenta já relevantes défices ao nível da ressonância ética.
Ainda assim, concede-se em aceitar que não cheguem a projectar aqueles factos uma imagem ético-jurídica desvaliosa ao ponto de permitirem afirmar uma tendência e atitude pessoais de pré-disposição para a prática de crimes daquela apontada natureza. É, por conseguinte e ainda, de enquadrar as ocorrências em causa num quadro de mera pluriocasionalidade.
As exigências de prevenção geral positiva revestem, como se disse já, intensidade assinalável, em atenção à recorrência dos delitos em presença, revestindo, por seu turno, as exigências de prevenção especial intensidade a reputar, ainda, de mediana.
Balizando as enunciadas exigências de prevenção dentro dos limites, inultrapassáveis, da medida global da culpa, considera-se adequada e proporcional a aplicação à arguida M. A. da pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão.
Isto posto, resta, derradeiramente, solucionar a questão de saber se deve, ou não, a indicada pena única de prisão ficar suspensa na sua execução.
E a resposta é, adiantamo-lo já, afirmativa.
Com efeito, as exigências de prevenção especial revestem, como se disse já, intensidade mediana, sendo que, para além disso, a arguida se encontra inserida, pelo menos do ponto de vista familiar.
Nesse condicionalismo, entende-se que simples censura do facto e a ameaça de prisão se apresentam capazes de realizar, nos termos pressupostos pelo art. 50º, nº 1 do Cód. Penal, as finalidades da punição.
Aqui chegados, dispõe-se no art. 14º, nº 1 do RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Decorre da citada disposição normativa, e tal como, de resto, constitui entendimento praticamente pacífico da doutrina e da jurisprudência, que, no caso de condenação por crimes tipificados no RGIT e de aplicação de pena de prisão suspensa, a suspensão não poderá deixar de ser condicionada ao pagamento da prestação tributária em dívida e legais acréscimos.
É, naturalmente, discutível a opção legal, em atenção à disposição geral contida no art. 51º, nº 2 do Cód. Penal, que impõe ao tribunal o dever de ponderar a real capacidade de cumprimento da obrigação a impor ao condenado.
Claro está que, se a obrigatoriedade de imposição de pagamento do tributo em falta e respectivos acréscimos, independentemente da verificação da razoabilidade da exigência de pagamento total, puder ser entendida no sentido de que, o não cumprimento, no prazo estabelecido, da condição imposta, implicaria, necessariamente, a revogação da suspensão, sempre se poderia equacionar da eventual ofensa ao princípio da culpa, com implicações relativamente à inconstitucionalidade da norma.
A verdade é, porém, que, não obstante os termos de previsão daquele art. 14º, nº 2 do RGIT, a norma em causa deve ser interpretada no sentido de que o seu conteúdo não implica a derrogação do princípio consagrado no nosso sistema penal de que a falta de cumprimento das condições da suspensão não basta, por si só e automaticamente, para determinar a revogação da suspensão da execução da pena, antes se impondo do Tribunal que averigúe do carácter culposo desse incumprimento e que, mesmo verificando a existência de culpa, considere a possibilidade de aplicação de alguma das soluções alternativas à revogação.
Importa, ainda, considerar que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado de forma unânime pela constitucionalidade do art. 14º, nº 1 do RGIT, equacionando, nos seus vários arestos, os princípios da culpa, da adequação, da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, no que tange à aplicação desse normativo pelos tribunais ordinários.
Em termos particularmente impressivos, afirmou-se no Acórdão nº 256/2003 do Tribunal Constitucional, de 21.05.2003, proferido no Processo nº 647/02, 1ª Secção, DR-II Série de 02.07.2003, “Cabe, (…), questionar se não existirá desproporção quando no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer.
Esta impossibilidade (…) não altera, todavia, a conclusão a que se chegou.
Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade da suspensão da execução da pena. (…)
Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida. (…)
Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, nº 7 do RJIFNA, bem como do nº 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado.
Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, nº 7 do RJIFNA e no artigo 14º do RGIT.”
Em idêntico sentido se posicionou o acórdão nº 29/2007, de 17.01.2007, do mesmo Tribunal, publicado “in” DR, II-Série, de 26.02.2007.
Disto isto e volvendo, novamente, ao caso que nos toma, impõe-se, por efeito do que se prescreve no art. 14º, nº 2 do RGIT, condicionar a suspensão da execução da pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão aplicada à arguida M. A. à obrigação de a mesma proceder, no prazo da suspensão, à entrega à segurança social da quantia € 143.180,75 e respectivos acréscimos legais.
Importa, por último, considerar que, como se decidiu no acórdão do STJ nº 8/2012, D.R., nº 206, Série I, de 24 de Outubro de 2012, “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º nº 1 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º nº 1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura (…)”. Defendeu-se, nesse enquadramento, que “Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confecção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339º nº 4 do CPP”.

Contudo, no caso vertente, não pode dizer-se, desde já, que a arguida M. A. não consiga proceder ao pagamento da totalidade da quantia em dívida, no prazo de 2 [dois] anos e 3 [três] meses, que, para o efeito, lhe vai concedido.
É que não obstante, neste momento, se apresente laboralmente inactiva, é, ainda, relativamente jovem, dispondo, também, de experiência no ramo empresarial, sendo detentora de património, pelo menos, e ao que tudo aponta, imobiliário, que sempre lhe permitirá, querendo, relançar-se novamente em termos profissionais.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, a medida concreta da pena única que lhe foi aplicada, não admite a sua substituição por multa.
Para além disso, os pagamentos que vierem a ser realizados, ainda que parciais e como é obrigação da arguida, serão contabilizados, também, como liquidação do valor que infra se arbitrará, a título de indemnização civil, ao Instituto de Segurança Social, IP.
Ficará, por conseguinte, a pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão aplicada à arguida M. A., suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo, com subordinação ao dever de a mesma proceder ao pagamento, durante o referido prazo, ao Instituto de Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75 e respectivos acréscimos legais.
No que respeita ao arguido M. F. impõe-se, igualmente, em aplicação dos critérios acima enunciados, determinar a medida concreta da pena cuja aplicação se afigura justa, adequada e proporcional.

Assim sendo, haverá que ponderar, na dosimetria da pena a aplicar ao arguido M. F. os seguintes aspectos:

a) O grau de ilicitude dos factos, que reveste particular gravidade, tendo em consideração que o arguido não se coibiu de, durante período de tempo que se estendeu por cerca de ano e meio, reter 1/3 do crédito de remuneração de um trabalhador, privando-o, por consequência, de parte substancial daquela que constituía a sua fonte de rendimentos, para realizar o propósito, a que deu curso em concertação de esforços e de vontades com a arguida M. A., de se apropriar dos correspondentes montantes, que ascenderam à importância global de € 4.064,72;
b) A intensidade do dolo, que se apresenta recortado sob a modalidade de directo, a corresponder, por isso, com o patamar mais elevado da intencionalidade criminosa;
c) A circunstância de, não obstante o assistente P. F. ter sido, entretanto, reparado, não poder afirmar-se que isso haja ocorrido por acção do arguido;
d) A circunstância de o arguido contar com duas condenações anteriores, atendíveis como antecedentes criminais, pela prática de crimes de diversa natureza. Trata-se das condenações designadas sob os pontos i. e ii. da al. ss) da materialidade dada como demonstrada, sendo que, por conta de uma delas, foi ao arguido imposta a pena de 12 anos e 6 meses de prisão, que expiou em 2008. De registar que as restantes condenações elencadas na mencionada alínea, sob os pontos iii. a v., não são, nestes nossos autos, atendíveis como antecedentes criminais, posto que as correspondentes decisões transitaram em julgado em data posterior à da prática dos factos que ora se julgam.
Não milita a favor do arguido qualquer arrependimento ou qualquer especial circunstância, posto que não compareceu em julgamento, não tendo, também, criado as condições de possibilidade para que fosse elaborado o competente relatório social.-
As exigências de prevenção geral positiva revestem intensidade a assinalar, atenta a recorrência do ilícito penal em sujeito, revestindo, por seu turno, as exigências de prevenção especial, em atenção às condenações anteriores que sofreu, intensidade não desprezível.
Ponderando as razões vindas de aduzir, reputa-se de justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido M. F. da pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão.
Isto posto, resta, derradeiramente, solucionar a questão de saber se deve, ou não, a indicada pena única de prisão ser objecto de substituição.
E a resposta é, adiantamo-lo já, afirmativa.
Com efeito, e pese embora se observe que o arguido sofreu condenações anteriores, uma delas pela prática de vários ilícitos penais, o que determinou a sujeição respectiva a pena única de prisão com a duração de 12 anos e 6 meses, a verdade é que, ainda assim, a reportada pena foi expiada há cerca de dez anos.
Para além disso, e não obstante a gravidade dos factos em cuja prática incorreu, não ditam os mesmos que deva ser imposto o efectivo cumprimento da pena de prisão aplicada, pelo que se entende ser, ainda, possível formular o juízo, pressuposto pelo art. 50º, nº 1 do Cód. Penal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Desse modo, ficará a pena de prisão de 1 [um] e 6 [seis] meses que lhe foi aplicada suspensa na sua execução, por período equivale ao da sua duração.
Finalmente, no que respeita à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., impõe-se do mesmo modo, determinar a medida concreta das penas cuja aplicação se apresenta na condição de adequada a proporcional.
E, nesse parâmetro, importa registar que se reflectem nos termos de responsabilidade da arguida sociedade tudo quanto se disse a respeito da actuação da arguida M. A., que agiu em sua representação e no seu interesse, valendo, também, todas as considerações que antecedentemente se teceram relativamente às exigências de prevenção geral.
Para além disso, importa, ainda, atender que a arguida sociedade conta com as condenações elencadas sob a al. tt) da materialidade dada como demonstrada, sendo que, porém, dessas apenas as duas primeiras são, nestes nossos autos, atendíveis como antecedentes criminais, posto que as restantes transitaram em julgado em data posterior à da prática dos factos que ora se julgam. De salientar, ainda e contudo, que, entre aquelas duas condenações, ambas pela prática do crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, apenas a primeira é antecedente do crime da mesma natureza julgada nestes autos, apresentando-se a segunda, também como antecedente, apenas com relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

Ponderando as razões vindas de aduzir, reputa-se de justa, adequada e proporcional a aplicação à arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª., das seguintes penas:

- Pela prática do crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada: 280 [duzentos e oitenta] dias de multa;
- Pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social: 460 [quatrocentos e sessenta] dias de multa.

Importando, também, uma vez aqui chegados, proceder, nos termos do disposto no art. 77º, nº 1 do Cód. Penal, ao cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas, considera-se, em atenção ao que se deixou já dito a respeito da determinação concreta daquelas penas parcelares, justo, adequado e proporcional fixar a pena de multa única em 520 [quinhentos e vinte] dias.
A respectiva taxa fixar-se-á em € 100,00, correspondente com o valor mínimo diário previsto pelo artº90º-B, nº 5 do Cód. Penal, que, na pena unificada, se sobrepõe ao valor que, porventura, poderia, em medida inferior, encontrar-se à luz do que se prescreve no art. 15º,nº 1 do RGIT, em atenção à circunstância de a arguida sociedade se encontrar, actualmente, em situação de insolvência.
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. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O âmbito de conhecimento do recurso pode ser limitado a uma parte da decisão recorrida, desde que cindível, isto por forma a tornar possível a sua apreciação e a tomada de decisão autónoma, tal como o determina o nº 1 do artigo 403º do Código do Processo Penal, isto é apresenta-se como um “corolário da disponibilidade do direito a recorrer, parte sempre de um pressuposto básico: a possibilidade de autonomização da parte recorrida relativamente à sobrante decisão, por forma a que seja possível uma apreciação e uma decisão também autónomas relativamente ao restante decidido.”(1)

Daqui se conclui, pois, que é das conclusões da motivação que se concretiza o objecto do recurso e, assim posto, o respectivo alcance, razão da superior importância da objectividade, clareza e concisão desse excerto final da motivação.
Claro está, sem o óbvio prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, que impõe ao Tribunal que “A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele (o recurso) as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.”


Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pela recorrente M. A., as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:

. Impugnação do acordão, por erro de julgamento da matéria de facto, requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do Código do Processo Penal;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à ausência da verificação dos pressupostos do tipo legal de crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à violação do disposto no artigo 71º do Código Penal;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à falta da verificação dos pressupostos legais da obrigação de indemnização.

Já no que atende à análise da lide recursal do recorrente M. F. em face das respectivas conclusões, as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:

. Impugnação do acórdão, por erro de julgamento da matéria de facto dada como provada, requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do Código do Processo Penal;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo;

. Impugnação do acórdão, por erro de direito, face à ausência da verificação dos pressupostos do tipo legal de crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal.
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. DECISÃO

Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito.

Na sua peça recursiva, a recorrente M. A. vem alegar a existência de erro de julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos r), u), v), oo), pp), qq), mediante a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos aludidos no artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código do Processo Penal.
Igualmente o recorrente M. F. impugna a decisão recorrida por entender que a mesma padece de erro de julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos q), r), u) e v), lançando mão do mecanismo a que alude o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do aludido diploma legal.
Entende-se existir erro de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, sempre que o Tribunal emita um juízo sobre determinado facto sem que acerca do mesmo tenha sido oferecida ou mandada produzir prova suficiente; situação em que o recurso visa a reapreciação da prova produzida e sedimentada nos autos, a ser apreciada em 2ª instância.
Há, assim, lugar a uma apreciação alargada, que não se fica pela decisão recorrida, antes se alargando à análise do conteúdo de toda a prova dos autos, sempre dentro dos limites especificados pelo recorrente face ao ónus que lhe é imposto pelos nº 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Exige, nesta situação, a lei processual penal que o recorrente indique qual a matéria factual erroneamente julgada tal qual como qual a decisão de facto que que se impõe face ao manancial probatório em contraponto à decisão de facto que consta da decisão recorrida, indicando a cada passo factual a justificação do facto alternativo que propõe como o acertado.
Como ficou decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 03/2012, publicado no Diário da Republica, I Série, nº 77, a 18 de Março de 2012 «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Absolutamente impressivo acerca desta matéria se apresenta a decisão do mesmo Tribunal (2) onde alude que “no que se refere à parte criminal, importa ter presente que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere injustamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando as provas tenham sido gravadas) – art. 412º, nº 3, al. b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados (…).”

Resulta, pois, de harmonia com os nºs 3 e 4 do disposto no artigo 412º do Código do Processo Penal que o recorrente tem o ónus de especificar:

. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
. As concretas provas que impõem (impõem e não permitem) decisão diversa da recorrida e, eventualmente;
. As provas que devem ser renovadas, sendo que quando tenha ocorrido a respectiva gravação, as especificações aludidas na lei devem ter lugar por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º do Código do Processo Penal, havendo que ser feita a concreta indicação das passagens em que o recorrente fundamenta a respectiva impugnação».

No seguimento das alterações levadas a efeito em sede de lei adjectiva penal, mormente em 2007, a exigência colocada no recurso em sede de matéria de facto vem pugnando que o recorrente cumpre escrupulosamente o ónus de impugnação (dos factos erroneamente julgados), concretização das provas (que impõem diversa decisão) e, assim, formular uma interpretação (das indicadas provas) onde dê conta do respectivo exame critico que suporte a diversa decisão.

Como o já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (3) “I - Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova. III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito. IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.”

Recurso este, que não obstante vise a correcção dos erros de julgamento não tem como desiderato um novo julgamento em que o Tribunal “ad quem” em que este tenha, necessariamente, de apreciar toda a prova produzida em sede de primeira instancia como se o julgamento ali levado a efeito não tivesse qualquer valia ou sequer existisse.

Unanimemente o tem afirmado o mais Alto Tribunal (4) não podendo deixar de destacar, pela sua assertividade, o decidido naquela instancia (5) onde foi feito constar que “I - O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. II - A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. III - A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso. (…)”

Tendo presentes estas exigências legais e sem esquecer todo o conteúdo da lide recursiva apresentada pela recorrente M. A. importa concluir que a mesma não deu cabal cumprimento, como lhe competia, às exigências versadas nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código do Processo Penal.

Com efeito tendo identificado os «concretos pontos de facto» que entende incorrectamente julgados, esta recorrente, contudo, não veio indicar as «concretas provas» que impõem uma diversa decisão, para além de não ter elaborado uma interpretação (das indicadas provas) onde dê conta do respectivo exame critico que suporte, a seu ver, a diversa decisão que veio a pugnar – terceiro passo este que teria, necessariamente, de ser precedido pelo anterior que, também, deixou de cumprir.
De idêntico modo o recorrente M. F. não deu cabal cumprimento ao ónus que lhe vem imposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código do Processo Penal.
Não obstante ter feito a menção dos «concretos pontos de facto» que entende incorrectamente julgados e vindo indicar as «concretas provas» que impõem uma diversa decisão, certo é que deixou de cumprir a terceira estipulação que lhe cumpria, qual seja a de elaborar o exame crítico do sedimento probatório adiantado, no sentido de que o mesmo impõe a diversa decisão que veio defender na sua lide recursal.

Pela sua clareza se chama à colação o decidido pelo mais Alto Tribunal (6) onde se diz que “Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que deu actual redacção ao preceito (…), o legislador propôs-se alcançar dois objectivos: «tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida no recurso da decisão sobre a matéria de facto e de pôr cobro ao dever de transcrição dos registos gravados», e em matéria da especificação das provas concretas «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida», sendo «insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas pessoas», devendo o recorrente explicitar «por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…)”, concluindo que no caso sub judice “O recorrente não cumpriu com essa imposição, por um lado, considerando os factos impugnados em bloco e, por outro lado, remetendo genericamente para os depoimentos das testemunhas (…) contrapondo em globo a valoração feita pelo tribunal, menosprezando todas as inferências retiradas pelo tribunal desses particulares depoimentos e dos demais meios de prova produzidos em audiência, nos termos em que a motivação da decisão melhor espelha».

A este propósito António Pereira Madeira (7) salienta que “o recorrente tem sobre si o ónus de: (…) concretizar (não bastando uma alusão genérica) os pontos de facto tidos por mal julgados; (…) indicar as provas concretas que em seu entender impõem julgamento diverso daquele também concreto ponto de facto (…)”.

Nestes termos, e considerando a finalidade a que se dirige o nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, este Tribunal “ad quem” está, assim, impossibilitado de levar a efeito o estabelecido no nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, isto é a reexaminar os meios probatórios que julgue relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, de entre os indicados pelos recorrentes M. A. e M. F., além de outros que considerasse uteis e necessárias para alcançar tal desiderato.

Como já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (8) “Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado como provado. III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito. IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles. (…).
Solução esta que o legislador impõe uma vez que, como bem saliente o Professor Germano Marques da Silva (9) “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.
Nesses termos, e pelos fundamentos aduzidos, improcedem as lides recursais dos recorrentes M. A. e M. F., no que atende à impugnação do acórdão proferido, mediante impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º do Código do Processo Penal.

Os recorrentes M. A. e M. F. vieram, também, colocar em crise a decisão recorrida alegando que a mesma incorreu em violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
Alegam para tanto, em síntese, que foi insuficiente a prova produzida, nomeadamente a de natureza indirecta, para ser alcançada a factualidade que foi dada como assente nos pontos por cada um dos mesmos aludidos em sede de impugnação alargada e, nessa medida, aos serem dados como assentes tais factos redundou na violação dos enunciados princípios.
Nas palavras de Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (10) «este princípio (o do in dubio pro reo) considera-se também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena».
Isso mesmo foi já afirmado pelo mais Alto Tribunal (11) quando decidiu que “a violação do principio do in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um principio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410º, nº 2 do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de duvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dividas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formação do juízo factual que conduziu á condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão de prova, ou ónus de prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, com impõe o artigo 355º, nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32º, nº 1 da CRP (…)

Levada a efeito a análise da decisão recorrida é claro que a mesma resulta de uma análise critica e ponderada dos meios probatórios tidos como fiáveis para a formação da sua convicção, que ditou qual a factualidade dada como provada, sendo que quanto a esse sedimento probatório não se dá nota da existência de qualquer dos vicios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal.
Não ressumando, pois, qualquer dúvida a este julgador, mais pequena que seja, razão por não se justificaria que que deitasse mão do princípio in dubio pro reo.

Pelo exposto, e considerando a fundamentação aludida, terá de improceder a lide recursal dos recorrentes M. A. e M. F., ainda no que respeita à versada matéria.

Cada um dos recorrentes M. A. e M. F. veio colocar em crise a decisão recorrida por entender que na mesma foi elaborada uma errónea subsunção dos factos no ilícito de descaminho, a que alude o artigo 355º do Código Penal, posto que a mesma não tem a virtualidade de preencher os elementos de tal tipo legal de crime.

Estipula o artigo 355º do Código Penal, sob a epigrafe “Descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder publico” que:

Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa ou animal que tiverem sido arrestados, apreendidos ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Como bem se salienta neste aresto do Tribunal da Relação de Coimbra (12) 1. No crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, protege­-se a autonomia intencional do Estado, através da ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública. 2. A acção típica neste crime pode revestir várias modalidades de conduta: destruir, danificar, inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair. 3. A subtracção ao poder público implica, de igual modo, a impossibilidade de à coisa vir a ser dado o destino que justificava a sua custódia oficial mas já não pressupõe qualquer conduta que ofenda a substância ou a integridade física da coisa. Integram-se, aqui, todas as condutas que sonegam a coisa ao poder público, sem que seja requerida uma intenção de apropriação. 4. Não exigindo o tipo a intenção apropriativa, basta para que se cometa o crime, que se queira dispor da coisa em contravenção às obrigações de depositário e com o propósito de o subtrair ao domínio estatal e ao poder público inerente. Nesta perspectiva se antolha por isso que, por exemplo, o mero abandono de bens não constitui elemento bastante para concluir pela prática do crime.

Isso mesmo reafirma Cristina Líbano Monteiro (13) ao divisar que “o delito em análise configura um crime de lesão do bem jurídico (…) consumando-se tão só quando o agente frustra – total ou parcialmente – a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a. Neste caso, o “dano” coincide com o resultado material previsto no tipo: a “modificação” ou a deslocação definitiva da coisa para fora da custódia. Afinal, o tornar a coisa imprestável para o fim em causa; desviá-la do destino que lhe fora oficialmente traçado”, tudo a concluir que “conscientes de que não está em causa o valor patrimonial da coisa, diremos, no entanto, que deve entender-se por (…) subtrair o mesmo que no crime de furto.”

Face ao sedimento probatório dado como provado dúvidas não subsistem que foi levada a efeito uma efectiva subtracção dos montantes relativos à remuneração do assistente que se destinavam a ser entregues ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP por via da penhora, entrega esta que não se concretizou.
Retenção essa levada a efeito pelos arguidos, ora recorrentes, atentas as suas respectivas qualidades de gerentes de direito e de facto, cuja entrega nunca os mesmos realizaram junto da mencionada entidade, como lhes competia, quantia que, nesses termos, desviaram do fim que estava legalmente destinado.
Fica, assim, perfectibilizado o preenchimento dos pressupostos do aludido tipo legal de crime, já que este se basta com a prova, que ficou realizada, do efectivo desapossamento do bem, já sendo despicienda a intenção apropriativa do agente, considerado que seja o bem jurídico protegido na incriminação.

Destarte, e face a todo o versado circunstancialismo, importa julgar pela improcedência da lide recursal dos recorrentes M. A. e M. F., ainda no que atende à aludida matéria.

Ainda que interponha uma outra questão, que trataremos de seguida, vem a recorrente M. A. alegar a existência de erro de direito na decisão recorrida face à procedência do pedido de indemnização cível e na sua consequente condenação no pagamento solidário conjuntamente com a sociedade X Unipessoal, Lda. a favor do Instituto da Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75 [cento e quarenta e três mil, cento e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos], acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados do dia 20 do mês seguinte àquele a respeitavam as cotizações, à taxa legal aplicável aos créditos da titularidade da segurança social e até efectivo e integral pagamento, ascendendo os primeiros, contabilizados até ao mês de Outubro de 2017, à importância de € 25.872,60 [vinte e cinco mil, oitocentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos].

Estipula o artigo 128º do Código Penal que " A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime são reguladas pela lei civil ".
Atendendo a que estamos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual havemos de nos socorrer das regras dos arts. 483º e seguintes do Código Civil.
Estatui o artigo 483º, n.º 1 do Código Civil que " Aquele que, com dolo ou mera culpa violou ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação".

Decorre deste normativo que "São elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual - o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano ", conforme Almeida e Costa, "Obrigações", 4ª edição, 364.

Por dano havemos de entender a perda “in natura” que o lesado sofreu, decorrente de certo facto, nos seus interesses – quer sejam eles materiais, espirituais, morais ou outros – que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Acerca do conceito de dano, vejam-se entre outros, Gomes da Silva, em “O dever de prestar e o dever de indemnizar”, pág. 123, Castro Mendes em “O conceito jurídico de prejuízo” e Antunes Varela, na sua obra “Das obrigações em geral”, 591.
Distinguem-se os danos em duas categorias preponderantes: os danos patrimoniais e os danos morais, que a lei civil portuguesa, entendemos nós de forma mais rigorosa, denominada de danos não patrimoniais.
Quanto aos danos patrimoniais havemos de entendê-los como o reflexo que o dano sofrido revestirá sobre a situação patrimonial do lesado.
Entre eles encontramos, catalogados na lei e devidamente explanados na doutrina e jurisprudência, o dano emergente ou perda patrimonial bem como o lucro cessante.
Quanto a eles, determina o princípio de reconstituição ou restauração natural, no sentido do ressarcimento do lesado de forma à reposição da sua situação patrimonial, existente no momento da prática do facto lesivo.
Já os danos não patrimoniais se devem catalogar como as lesões que atingem bens, como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a honra, o bom nome, entre outros, bens esses que por não integrarem o património do lesado são insusceptíveis de avaliação pecuniária, podendo, por isso, apenas serem compensados.
Tal compensação, que mais das vezes surgirá por meio de uma prestação pecuniária, visa contribuir para uma atenuação ou minoração das lesões sofridas mas, é também, como Carbonnier o pugnava, uma espécie de pena privada, não em proveito do Estado, mas em benefício da vítima.

Firmados estes princípios e fazendo presente o sedimento probatório dado como provado duvida nenhuma podem subsistir da bondade da decisão proferida relativamente ao pedido de indemnização cível, posto que se acham preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar bem como a legislação aplicável relativamente aos juros das prestações em divida, face à respectiva natureza.

Vale tudo por dizer que mais uma vez andou bem o Tribunal “a quo”, havendo, pois, que julgar pela improcedência da lide recursal apresentada pela recorrente M. A..

A recorrente M. A. veio alegar, ainda, a existência de omissão de pronúncia, nos termos elencados no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código do Processo Penal na fixação da pena, posto na sequência de ter sido fixada a matéria respeitante à sua situação económica, logo o Tribunal impôs à arguida a obrigação de entregar ao Instituto de Segurança Social, IP a quantia de €143.180,75, quando resulta da decisão que a mesma tenha património, nem sequer rendimentos, sim que sobrevive à custa de terceiros.
Concluindo no sentido de que o juízo de prognose constante do acórdão recorrido, para além de não se encontrar devidamente fundamentado; na parte em que o está é de modo incorrecto, insuficiente e sem suporte factual.

Estipula o artigo 14º do RGIT, sob a epigrafe “Suspensão da execução da pena de prisão” que:

1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
2 - Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:
a) Exigir garantias de cumprimento;
b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;
c) Revogar a suspensão da pena de prisão.


Colocados perante a imperatividade desta condição de pagamento quando fixada a suspensão da execução da pena – e não obstante o caracter mitigador do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2012, publicado no D.R., I Série, nº 206, a 24 de Outubro de 2012, urge proceder a um breve excurso sobre duas questões que convergem para a solução do problema - qual a natureza jurídica do fenómeno a que chamamos imposto e qual o bem jurídico tutelado quando o legislador convocou o Direito Criminal para dar tutela à relação jurídica tributária.

No que tange à primeira das questões, a da natureza jurídica do imposto:
Em termos conceptuais o Imposto é uma prestação patrimonial e unilateral, integrada numa relação unilateral, estabelecida por lei a favor de uma entidade que exerça funções públicas, com o fim de satisfazer os fins desta e sem carácter de sanção.

São-lhe pois imanentes:

. o carácter obrigacional

Fazendo a doutrina a distinção entre objecto imediato e objecto mediato, no que tange às obrigações de prestação de coisa, havemos de concluir que, neste caso, o objecto imediato se revela na actividade devida, qual seja, a da entrega de uma certa prestação pecuniária; ao passo que o objecto mediato se trata da própria coisa, isto é na prestação pecuniária, ela mesma;

. a patrimonialidade
O Imposto é uma prestação patrimonial dado que é susceptível de avaliação pecuniária. Contudo, situações há em que se verifica que as prestações fiscais podem não ser levadas a cabo mediante a entrega de quantias em dinheiro;

. a legalidade
A obrigação fiscal nasce, apenas, por força da lei, por ela é estruturada e só a lei molda a sua prestação e forma de execução.

. a titularidade por entidades que exerçam funções publicas para satisfazer os seus próprios fins
O Imposto tem como finalidade o financiamento das despesas públicas do Estado e a prossecução dos objectivos gerais da colectividade, razão por que se acham na titularidade de entidades que exercem funções públicas.

. a unilateralidade
Não corresponde ao Imposto uma contraprestação específica por banda do Estado, na medida em que a exigência que o fundamenta é o poder de tributar, poder este que visa a satisfação do interesse público geral;

. sem carácter sancionatório
O Imposto é despido de carácter sancionatório.

Já no que atende ao bem jurídico tutelado pela incriminação fiscal

Reinhold Zippelius, distinto e Ilustre Professor, aquele a quem outro Mestre, Luís Cabral de Moncada, apelidou de “não só um homem novo, mas inclusivamente um homo novus no sentido latino desta palavra no tempo de Cícero”, começa, de forma categórica, por afirmar no seu livro a “Teoria Geral do Estado” (14) que “Os problemas do conhecimento da realidade do Estado e da escolha do ideal de Estado devem ser distinguidas um do outro no decurso de toda e qualquer reflexão acerca do Estado, encarado este como textura de convívio humano. Um dos problemas enuncia-se: como é constituído o Estado? O outro problema enuncia-se: como deve o Estado ser constituído? Num caso trata-se de uma compreensão da realidade; no outro de um ideal, de uma valoração.”
Eis, pois, como lançado está o debate acerca do papel do Estado e das suas funções. Questão esta que Gustav Radbruch (15) sintetiza afirmando que o modelo do Estado varia na medida em que se assente na ideia que o Estado existe para proveito do indivíduo ou, inversamente, na ideia de que são os indivíduos existem para proveito da comunidade.
Concluindo, afirma, Zippelius que “Consoante os fins do Estado escolhidos, assim variará a definição dos objectivos políticos e dos correspondentes modelos de estrutura, desde os mais liberais, passando pelos socialistas e pelos nacionalistas, até aos religiosos.” (16)

O modelo português, adoptado na sequência da aprovação da Constituição de 1976, é caracterizado como de “Estado fiscal social” na medida é que é “um Estado que tem por suporte financeiro determinante os impostos e um Estado cujo nível de fiscalidade é o reclamado pelo Estado social recortado na Constituição.” (17)

Assim o afirma José Casalta Nabais, em obra diversa, considerando o recorte que ao Estado é conferido, dadas as atribuições lhe são inerentes como tendentes à realização do bem comum, sendo essenciais à vida da comunidade, como seja a da defesa dos direitos e liberdades fundamentais, a da segurança, a da saúde, a da educação a par da preservação da natureza, do meio ambiente e património cultural, entre outras várias.

E, assim, tão actuais como ponderosas são as questões deixadas pelo Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra, então Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (18) - “Como poderemos nós, de facto, continuar a assegurar a gratuitidade do ensino básico, do ensino secundário e o financiamento estatal parcial do ensino superior público, armas fundamentais no combate à reprodução social das desigualdades se os impostos continuarem a ser, entre nós, tão grosseiramente evadidos? Como garantir serviços de saúde mínimos, a quem não os possa pagar? Ou segurança social, a quem não possa contribuir para o sistema? Ou a gratuitidade dos próprios serviços de justiça, a quem não possa suportar a respectiva taxa? Como sustentar, pois, todos estes serviços, e os correspondentes direitos, se a receita apurada por via dos impostos diminuir por entre os dedos porosos da fraude e da evasão fiscais?
Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, pois, a dar uma machadada fatal não apenas no Estado fiscal, que tem o seu principal apoio financeiro nos impostos e ideal normativo norteador na realização da dignidade da pessoa humana, mas também, e sobretudo, a comprometer o futuro, que é já presente, daquela solidariedade sistémica que vem sustentando os mais básicos pilares da nossa existência enquanto sociedade política civilizada.
Uma sociedade onde os impostos são, como o devem ser aliás, cobrados de entre todos os membros da comunidade com capacidade contributiva, independentemente de quem venha a beneficiar mais directamente, por comprovada necessidade, dos serviços ou prestações públicas por esses impostos financiados: nisto consiste, de resto, a própria ideia de uma solidariedade social fiscalmente ancorada.”
É na Constituição da Republica Portuguesa – artigo 103º - que encontramos inscrita a natureza, finalidade e garantias que regem o sistema fiscal, posto que aí se acha versado, no nº 1, que “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades publicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.
Logo, também, se estabelecendo os princípios da legalidade, da irretroactividade e da anualidade.
Já na disposição subsequente, a do artigo 104º, encontramos estruturado todo o regime constitucional sobre os impostos.

Versa o mesmo nos seguintes termos:

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades sociais e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.

Dando conta ao que de maior relevo, a nosso ver, sobre esta temática Jorge Miranda e Rui Medeiros (19) dissertaram há que salientar que “um primeiro aspecto a reter é o de que a constituição fiscal aponta no sentido de que a tributação deve atingir quer o rendimento, quer o consumo, quer o património”; por outro lado que “não parece, no entanto, legitimo sustentar que a Constituição estabeleça preferências em relação a qualquer delas modalidades de tributação, privilegiando um sistema fiscal assente na tributação do consumo, do rendimento ou do património” para, continuando, afirmarem “poderá, quando muito, admitir-se que a referencia a uma repartição justa do rendimento como objectivo do sistema fiscal tem subjacente a ideia de que a tributação do rendimento deve desempenhar um papel de relevo no sistema sem o que dificilmente poderia ser conseguido aquele objectivo”.
Para concluírem no sentido de que “aquilo de que o legislador constituinte não se coibiu foi de marcar orientações quanto a cada um desses modelos de tributação (…)”.
De todo o recorte constitucional enunciado resulta, pois, que sistema fiscal e o imposto têm uma matriz e finalidades eminentemente sociais.
Mas, também aqui, há que chamar, de novo, à colação as palavras do Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra, que na aludida comunicação, ainda afirmou que “Infelizmente, Portugal é, ainda hoje, um país em que a evasão e a fraude fiscais, mesmo as organizadas, contam com a complacência de muitos dos nossos concidadãos, continuando, por conseguinte, a violação de potenciais contribuintes às leis tributárias, pela não apresentação de declarações ou pela apresentação de declarações que minimizam ou simplesmente falsificam os seus rendimentos, a não ser punida ou sequer socialmente recriminada. E, no entanto, a iniquidade do nosso sistema fiscal é tão flagrante que chega a ser escandaloso ignorá-la.”

É relevante, pois, como resulta do exposto, para a solução do problema a fisionomia que o Estado assuma.
Na verdade, enquanto que um Estado concebido em lógica totalitária como uma realidade em si, configurará o imposto como um meio de alimentação da respectiva fazenda, tornando os cidadãos contribuintes compulsivos e, assim, súbditos fiscais, vergados aos “jus imperi tributário”; já uma concepção liberal, tanto mais se temperada por uma lógica social, assentará a perspectiva numa relação contratualizada em que este é contrapartida devida para que o Estado possa, através da administração dos reditos fiscais, satisfazer primacialmente necessidades sociais, a benefício da comunidade, suportando, ainda com esses meios, os encargos legítimos ao seu funcionamento.
Daqui decorre que a primeira acepção do Estado é que permitirá arrogar-se do direito de operar a suspensão da pena privativa de liberdade sem relevar os critérios gerais decorrentes das exigências do Direito Penal Comum, fazendo triunfar os critérios próprios inerentes à sua natureza, auto-centrada, em detrimento da ponderada pelo respeito devido à dignidade da pessoa humana; fazendo, assim, triunfar uma lógica de intromissão nas atribuições conaturais ao Poder Judicial, subvertendo a separação de poderes e julgando em causa própria. Um Estado autoritário degrada a cidadania e desrespeita a pessoa através de uma lógica de sujeição tributária, materializando direito quase potestativos tributários perante os quais o cidadão se acha em situação de sujeição.
Já um Estado liberal social reivindica, em nome da comunidade, direitos tributários para o bem-estar da comunidade mas ponderando, no contribuinte a vertente da sua cidadania, por membro da dita comunidade, não o degrada a ponto de esquecer a Pessoa Humana que lhe é inerente enquanto individuo. Por isso no momento do apuramento da sua responsabilidade, importa-lhe que efectue uma concordância pratica entre a proporcionada expansão do seu direito e o do direito do cidadão contribuinte, já que aquele só existe por sub-rogação deste, posto que num Estado de Direito Democrático é postulado que a existência deste

Conheçamos agora das finalidades das penas no nosso ordenamento jurídico para que possamos entender e tomar posição acerca da solução sufragada.
Tendo presente o artigo 40º do Código Penal, na letra que lhe foi conferida pelo D.L. nº 45/95 de 15/03 vigora hoje uma “concepção preventivo-ético da pena” (20) na medida em que as finalidades da pena são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto e limite máximo da pena.
Firma o legislador que “ a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (artigo 40º, nº 2 e 2 do citado diploma).
Daqui se conclui que o fundamento legitimador da pena é a prevenção – geral e especial – sendo a culpa a desempenhar o papel de pressuposto e limite mínimo da pena a aplicar, por maiores que sejam as exigências de prevenção.
Considerando que o fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico-penais, as penas são os meios indispensáveis à realização desse fim de tutela dos bens jurídicos – razão por que a reinserção social do delinquente não é senão um dos meios de realizar o fim do direito penal, qual seja o de protecção dos bens jurídicos.

No concreto afinamento da pena a aplicar terá o aplicador de nortear-se, antes de mais, pelo ditame constitucional vertido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, que institui o princípio da máxima restrição possível da pena sem olvidar que a legitimidade ético-juridica da pena está na necessidade de prevenção de futuros crimes.
Prevenção, que se dirige ao próprio infractor condenado – a prevenção especial e que é de sentido duplo: já que visa a sua ressocialização (prevenção especial positiva) e a sua dissuasão da pratica de futuros crimes (prevenção especial negativa).
Prevenção, que visa todos os membros da comunidade – a prevenção geral e que tem, igualmente, uma dupla vertente: assim como meio de interpelação da sociedade e de cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem tutelado penalmente (prevenção geral positiva) tendo, ainda, a dimensão ou objectivo de pacificação social ou restabelecimento/revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual tanto como a dissuasão geral de todos os membros da comunidade ao cumprimento das normas (prevenção geral negativa).
Chegados, pois, ao ponto ideal da pena a aplicar – e tendo presente que entre as penas principais se situam as de multa e prisão – caso a opção seja a de prisão, impõe-se ao aplicador ponderar os requisitos aludidos no artigo 50º do Código Penal, caso a sua dosimetria o determine.

Aí se acha estabelecido que:

1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
Trata-se, assim, de um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que for reputada mais conveniente para a realização das vertidas finalidades, sempre que verificados os enunciados pressupostos.

A suspensão da execução da pena de prisão trata-se de um instituto jurídico que, conforme se pode ler em Eduardo Correia (21), que corresponde a uma individualização nascida contra as curtas penas de prisão e que viu luz no projecto francês de Bérenger, datado de 1884, que obteve consagração legislativa na Bélgica, pela primeira vez, em 31 de Maio de 1888, e depois em França, em 26 de Março de 1891.
Este modelo veio, posteriormente, a ser adoptado por vários países da Europa, nomeadamente em Portugal, no ano de 1893.
A ideia dominante de tal instituto era, nas palavras de então, subtrair os criminosos às penas curtas de prisão, que, por um lado, envolvem um grande perigo de contágio com maus elementos e, de qualquer modo, fazem sofrer a quem são infligidas uma degradação social irreparável, sem a compensação de uma possibilidade séria - justamente pela sua curta duração - de reeducação dos criminosos.
Foi este o pensamento que presidiu ao espírito do legislador português de 1893, que na respectiva proposta de lei às cortes, fez a seguinte menção: “Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.”

É, ainda, Eduardo Correia que afirma, na mencionada obra, que a condenação condicional não deixa de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena, dizendo mesmo que “efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação”, citando a propósito Beleza dos Santos e a posição já firmada nesse sentido (22).

A condenação condicional de tipo franco-belga contava com o poder intimidativo da ameaça da pena já fixada; considerava a ameaça da execução da pena de prisão, fixada na sentença, como suficiente para afastar os delinquentes da prática do crime, não se ordenando ou prevendo qualquer espécie de direcção, apoio, orientação, supervisão ou de assistência externas a dar ao condenado. Mas muitos dos sistemas que adoptaram a condenação condicional de tipo franco-belga procuraram completar a suspensão da pena com uma orientação/vigilância levadas a cabo por entidades particulares ou oficiais, passando a condenação a ser integrada por um conjunto de condições visando planificar a vida dos delinquentes e dar-lhes apoio e vigilância, nisto se verificando a influência do instituto da “Probation”, surgido em Boston, Estado do Massachussetts, nos Estados Unidos da América e que veio, igualmente, a ser desenvolvido em Inglaterra.

Em Portugal, a suspensão condicional da pena de prisão foi regulada pela primeira vez, através da Lei de 6 de Julho de 1893, completada depois pelo artigo 633.º do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939 e, posteriormente integrada, com algumas modificações, no artigo 88.º do Código Penal de 1852-1886, na redacção que lhe foi dada pela reforma de 1954, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954.
Pressuposto inicial de aplicação do instituto, no ano de 1893, era que a condenação tivesse sido em pena de prisão, procedendo-se mais tarde a um alargamento, previsto em 1939 no Decreto-Lei n.º 29 636, segundo o qual a suspensão passou a poder aplicar-se à pena de multa, incluindo aquela em que fosse convertida a prisão e posteriormente a prisão e multa no artigo 88.º do Código Penal de 1852-1886, na versão de 1954.
Como salientámos, Beleza dos Santos, no estudo citado, defendia que o instituto podia considerar-se uma verdadeira pena, afirmando que “a suspensão da pena implica a substituição desta pela coacção constituída pela ameaça de se executar aquela pena quando não se cumprirem as condições impostas, o que é ainda uma pena», acrescentando que “a medida da suspensão condicional da pena é uma verdadeira sanção penal. Suspender uma pena é afinal aplicar outra pena.”

Já no Código Penal de 1852-1886, a substituição das penas estava sujeita ao princípio da legalidade - artigo 85.º - estando previstas duas modalidades:

. a substituição da prisão por multa - artigo 86.º;
. a suspensão da execução da pena, quer de prisão quer de multa - artigo 88.º, isto na redacção introduzida pela reforma de 1954.
Estabelecia o artigo 88.º que “Em caso de condenação a pena de prisão, ou de multa, ou de prisão e multa, o juiz, tendo ponderado o grau de culpabilidade e comportamento moral do delinquente e as circunstâncias da infracção, poderá declarar suspensa a execução da pena, se o réu não tiver ainda sofrido condenação em pena de prisão. A sentença indicará os motivos da suspensão da pena.
§ 1.º O tempo de suspensão não será inferior a dois anos, nem superior a cinco, e contar-se-á desde a data da sentença em que tiver sido consignada.
§ 2.º A suspensão pode ser subordinada ao cumprimento de obrigações similares às que acompanham a concessão da liberdade condicional.”
As obrigações do libertado condicionalmente estavam previstas no artigo 121.º do mesmo Código, em que se incluía, logo à partida, no n.º 1.º: «A reparação, por uma só vez ou em prestações, do dano causado às vítimas do crime.”
No caso de infracção das obrigações impostas poderia o juiz revogar a suspensão, ordenando a execução da pena, alterar ou manter o condicionamento da condenação.
A impossibilidade legal de suspensão da execução da pena estava prevista para o comércio de estupefacientes - artigo 13.º, g), do Decreto n.º 12 210, de 27 de Agosto de 1926; falsificação de géneros alimentícios e seu comércio - artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957; sendo que o referido Decreto-Lei n.º 619/76, de 27 de Julho - artigo 6.º, estipulava que “não há suspensão condicional da pena aplicada a qualquer infracção tributária”, e o Decreto-Lei n.º 625/76, de 28 de Julho, quanto ao crime do artigo 411.º do Código Penal.
Prescrevendo sobre “requisitos da sentença de condenação em pena suspensa”, dizia o artigo 451.º do CPP que, se a sentença suspender a execução da pena, assim o declarará, indicando as razões desta medida e o prazo da suspensão.
Estabelecia o § 1.º que a suspensão da pena pode tornar-se dependente do pagamento da respectiva indemnização por perdas e danos, dentro de um prazo fixado na sentença.

No Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, pode ler-se no respectivo preambulo que “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão do delinquente ao regime da prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos.
É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.

Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova [...].

Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena, que embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. A possibilidade de imposição de certas obrigações ao arguido destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código. 0 instituto que figura no capítulo I, dedicado a “Penas Principais”, passa a ter o seguinte conteudo: “1 - O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, bem como a da pena de multa imposta a condenado que não tenha possibilidade de a pagar. 2 - A suspensão será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. 3 - A decisão condenatória especificará sempre os fundamentos da sua suspensão. 4 - O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado.”; sendo que no art. 49º estavam especificados os deveres que podiam condicionar tal suspensão.
Com a alteração introduzida nesta diploma pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, a suspensão da pena ganhou maior amplitude, posto que o regime de prova foi encarado em novo enquadramento, perdendo autonomia e foi descaracterizado como pena autónoma de substituição, passando a ser configurado como uma modalidade da suspensão da execução da pena, ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão da execução da pena de prisão. Na sequência, o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 48/95 determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa proibiam ou restringiam a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da pena de prisão; sendo que, por outro lado, a pena de multa deixou de ser abrangida pela suspensão, determinando o artigo 7.º do citado decreto-lei que “enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal não abrange a pena de multa”.

Com a reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, foi modificado o pressuposto formal, alargando o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos, e alterando o período de suspensão, fazendo-o coincidir com a duração da pena, razão por que o artigo 50.º passou a estabelecer que:

«1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.»

Nesta medida ficou alargado o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos; sendo certo, ainda, que a aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Importa, agora, que averiguemos das especificidades do regime previsto no artigo 14º do RGIT e da sua necessária relação com o regime de suspensão de pena previsto no Código Penal.

Sendo propósito afirmado que “O RGIT aproxima o regime processual penal tributário do regime processual penal comum” (23) conclusão diversa não podemos extrair senão a de que, retirando especialidades que decorrem do seu próprio regime – tal como o período da suspensão, que não se pode ter como alterado face à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro dado o carácter de norma especial face à do Código Penal – todo o demais regime que resulte da aplicação do mencionado artigo 14º só poderá resultar em conjugação com os princípios firmados na Lei Penal substantiva, quer por força da sua aplicação subsidiaria à luz do artigo 3º do RGIT, mas sobretudo por que tal regime condensa os princípios fundamentais para o aludido instituto da suspensão da pena.
Por tal a asserção legislativa que repousa no dito artigo 14º não pode ser de aplicação automática, despido do juízo obrigatório de conformidade, adequação e proporcionalidade a que aludem as normas dos artigos 50º, nº 1 e 2, 51º, 52º e 53º do Código Penal.
Ora se visto o regime especial ditado no RGIT quanto a esta matéria, se desvinculado dos princípios atrás aludidos, estaríamos perante um comando legal que ordenaria a suspensão da pena privativa de liberdade subtraída a tais juízos, isto é, prevendo uma especial e única modalidade de suspensão da execução da pena de prisão subordinada obrigatoriamente, pelo menos, ao pagamento da prestação tributaria e demais acréscimos, regime este que, para além, de violar os mencionados princípios da conformidade, adequação e proporcionalidade, beliscariam, ainda, princípios constitucionais, desde logo o principio da dignidade de pessoa humana, da necessidade da pena bem como o da independência dos tribunais, conquanto o julgador apenas teria liberdade ao firmar o juízo de prognose favorável para ditar a suspensão da pena privativa de liberdade que havia ponderado aplicar mas já lhe estava vedado o juízo de conveniência e adequação quanto à estipulação de deveres e da sua necessidade para que se achassem melhor realizadas as finalidades da punição, talqualmente não lhe era permitido, ainda que os reputasse necessários, escolher quais os adequados às finalidades do caso concreto.
Outrossim, se entendêssemos estanque o regime versado no RGIT quanto à matéria em discussão, nunca o julgador poderia firmar um juízo de adequação subjectiva do dever ao sujeito, isto é, não poderia verificar se no caso em apreço o mesmo estaria nas concretas condições de cumprir o dever imposto, principio legal que subjaz à actividade jurisdicional decorrente, uma vez mais, do respeito pela dignidade da pessoa humana.
Vale tudo por dizer que nunca o julgador pode olvidar na aplicação da lei, concretamente da norma do artigo 14º do RGIT, os princípios gerais que regem o instituto da suspensão da pena privativa de liberdade sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade materiais.
Dessa emergência fez nota, fixando jurisprudência obrigatória, o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 8/2012, no sentido de que “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”

Feita a leitura hermenêutica da aludida norma, a que se imponha para a decisão a proferir, importa já adiantar que, quanto a este segmento da decisão recorrida, a mesma se acha tingida pelos vícios a que se alude nas alíneas a) e b) do artigo 410º do Código do Processo Penal.

Versa o artigo 410º do Código de Processo Penal, sob a epigrafe de “Fundamentos do recurso”, que:

1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

3. O recurso pode ter ainda como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Estaremos perante o vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” sempre que “a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão (…), se apresente como insuficiente para a decisão a proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” (24)
Havendo de salientar-se que a fórmula legal não refere ou especifica um qualquer tipo de decisão, razão por que “ser insuficiente para a decisão” se tem de entender aplicável a uma decisão condenatória ou absolutória.

António Pereira Madeira (25) é de absoluta clareza ao explicitar que “a afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado da indagação ter tido ou não êxito, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtida a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido a resposta de “não provado”, então – e só então – o vício da insuficiência está afastado (…)”.

Há já vicio de contradição insanável na fundamentação sempre que há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre si, ou como entre estes e a matéria de facto não provada, mas ainda entre a fundamentação probatória – quer seja a fundamentação de facto como a fundamentação de direito – e a decisão. (26)
Pode constituir este vício – delimitação positiva – a afirmação como provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a contradição entre o facto objectivo provado e outro não provado; a contradição entre o facto subjectivo provado e outro não provado; a contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como alicerce dos factos provados e a contradição entre a fundamentação e a decisão. (27)

Ou como o salientou o Tribunal da Relação de Lisboa (28) esta contradição opera sempre que “(…) de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável, entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da convicção do Tribunal (…).

Já quanto a erro notório na apreciação da prova, o terceiro dos vícios elencados na lei, há-de ter-se como “o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.”(29)

Afirma o Supremo Tribunal de Justiça (30) que (...) “o erro-vício previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; este, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro vicio se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação. (…)”

Mas António Pereira Madeira (31) vai mais longe na interpretação desta alínea c) ao considerar que “esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova”, continuando por pugnar que “seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista, ou mesmo para o tribunal, ainda assim, o vicio não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa” para, terminando, concluir que “assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para duvida, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”.

Com efeito do sedimento probatório constante da decisão recorrida, no que respeita à situação pessoal, social, profissional e económica da arguida, ora recorrente consta que:

“uu) A arguida M. A., natural de ..., Montalegre, casou com 18 anos, encontrando-se divorciada, desde há cerca de quatro anos.
Do matrimónio que contraiu nasceram dois descendentes, o mais velho já autonomizado em agregado familiar próprio e o mais novo falecido, na sequência de sinistro rodoviário, ocorrido no mês de Junho de 2018.
Residiu durante vários anos na cidade de ..., domiciliada na Rua do ..., com os elementos do seu agregado familiar, enquadramento que mantinha na data dos factos.
Após a separação do casal, manteve, como continua a manter, aquela morada, pelo menos para efeitos de notificações e onde permanece quando se desloca a ... para realização de tratamentos/acompanhamento médico no Hospital de ....
Tem o 6º ano de escolaridade, registando no seu percurso profissional experiência como auxiliar de cozinha no Centro Social de ., em ..., onde trabalhou durante cerca de doze anos, tendo constituído, posteriormente, a arguida sociedade X, Unipessoal, Ld.ª.
Está profissionalmente inactiva, contando, actualmente, com o apoio financeiro do seu filho e das suas tias maternas, em medida não concretamente apurada.
Suporta, mensalmente, a quantia mensal de cerca de € 90,00 em medicação.
Junto da residência sita na Rua do ..., em ..., apresenta imagem social desfavorável, sendo conotada como pessoa instável, de atitudes intempestivas e, por vezes, conflituosa no relacionamento interpessoal, sendo alvo de algum evitamento social.
Não foram sinalizadas repercussões no seu contexto sociofamiliar ou comunitário, em decorrência da pendência dos autos.”

Sendo certo que em sede de fundamentação, na parte relativa à aplicação de pena privativa de liberdade e subsequente substituição por suspensão de execução da pena condicionada pelo pagamento já o Tribunal “a quo” fez constar o seguinte:

“Balizando as enunciadas exigências de prevenção dentro dos limites, inultrapassáveis, da medida global da culpa, considera-se adequada e proporcional a aplicação à arguida M. A. da pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão.
Isto posto, resta, derradeiramente, solucionar a questão de saber se deve, ou não, a indicada pena única de prisão ficar suspensa na sua execução.
E a resposta é, adiantamo-lo já, afirmativa.
Com efeito, as exigências de prevenção especial revestem, como se disse já, intensidade mediana, sendo que, para além disso, a arguida se encontra inserida, pelo menos do ponto de vista familiar.
Nesse condicionalismo, entende-se que simples censura do facto e a ameaça de prisão se apresentam capazes de realizar, nos termos pressupostos pelo art. 50º, nº 1 do Cód. Penal, as finalidades da punição.
Aqui chegados, dispõe-se no art.14º, nº 1 do RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Decorre da citada disposição normativa, e tal como, de resto, constitui entendimento praticamente pacífico da doutrina e da jurisprudência, que, no caso de condenação por crimes tipificados no RGIT e de aplicação de pena de prisão suspensa, a suspensão não poderá deixar de ser condicionada ao pagamento da prestação tributária em dívida e legais acréscimos.
É, naturalmente, discutível a opção legal, em atenção à disposição geral contida no art. 51º, nº 2 do Cód. Penal, que impõe ao tribunal o dever de ponderar a real capacidade de cumprimento da obrigação a impor ao condenado.
Claro está que, se a obrigatoriedade de imposição de pagamento do tributo em falta e respectivos acréscimos, independentemente da verificação da razoabilidade da exigência de pagamento total, puder ser entendida no sentido de que, o não cumprimento, no prazo estabelecido, da condição imposta, implicaria, necessariamente, a revogação da suspensão, sempre se poderia equacionar da eventual ofensa ao princípio da culpa, com implicações relativamente à inconstitucionalidade da norma.
A verdade é, porém, que, não obstante os termos de previsão daquele art. 14º, nº 2 do RGIT, a norma em causa deve ser interpretada no sentido de que o seu conteúdo não implica a derrogação do princípio consagrado no nosso sistema penal de que a falta de cumprimento das condições da suspensão não basta, por si só e automaticamente, para determinar a revogação da suspensão da execução da pena, antes se impondo do Tribunal que averigúe do carácter culposo desse incumprimento e que, mesmo verificando a existência de culpa, considere a possibilidade de aplicação de alguma das soluções alternativas à revogação.
Importa, ainda, considerar que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado de forma unânime pela constitucionalidade do art.14º, nº 1 do RGIT, equacionando, nos seus vários arestos, os princípios da culpa, da adequação, da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, no que tange à aplicação desse normativo pelos tribunais ordinários.
Em termos particularmente impressivos, afirmou-se no Acórdão nº 256/2003 do Tribunal Constitucional, de 21.05.2003, proferido no Processo nº 647/02, 1ª Secção, DR-II Série de 02.07.2003, “Cabe, (…), questionar se não existirá desproporção quando no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer.
Esta impossibilidade (…) não altera, todavia, a conclusão a que se chegou.
Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade da suspensão da execução da pena. (…)
Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida. (…)
Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, nº 7 do RJIFNA, bem como do nº 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado.
Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, nº 7 do RJIFNA e no artigo 14º do RGIT.”
Em idêntico sentido se posicionou o acórdão nº 29/2007, de 17.01.2007, do mesmo Tribunal, publicado “in” DR, II-Série, de 26.02.2007.
Disto isto e volvendo, novamente, ao caso que nos toma, impõe-se, por efeito do que se prescreve no art. 14º, nº 2 do RGIT, condicionar a suspensão da execução da pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão aplicada à arguida M. A. à obrigação de a mesma proceder, no prazo da suspensão, à entrega à segurança social da quantia € 143.180,75 e respectivos acréscimos legais.

Importa, por último, considerar que, como se decidiu no acórdão do STJ nº 8/2012, D.R., nº 206, Série I, de 24 de Outubro de 2012, “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º nº 1 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º nº 1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura (…)”. Defendeu-se, nesse enquadramento, que “Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confecção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339º nº 4 do CPP”.
Contudo, no caso vertente, não pode dizer-se, desde já, que a arguida M. A. não consiga proceder ao pagamento da totalidade da quantia em dívida, no prazo de 2 [dois] anos e 3 [três] meses, que, para o efeito, lhe vai concedido.
É que não obstante, neste momento, se apresente laboralmente inactiva, é, ainda, relativamente jovem, dispondo, também, de experiência no ramo empresarial, sendo detentora de património, pelo menos, e ao que tudo aponta, imobiliário, que sempre lhe permitirá, querendo, relançar-se novamente em termos profissionais.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, a medida concreta da pena única que lhe foi aplicada, não admite a sua substituição por multa.
Para além disso, os pagamentos que vierem a ser realizados, ainda que parciais e como é obrigação da arguida, serão contabilizados, também, como liquidação do valor que infra se arbitrará, a título de indemnização civil, ao Instituto de Segurança Social, IP.
Ficará, por conseguinte, a pena única de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão aplicada à arguida M. A., suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo, com subordinação ao dever de a mesma proceder ao pagamento, durante o referido prazo, ao Instituto de Segurança Social, IP, da quantia de € 143.180,75 e respectivos acréscimos legais.”

Do confronto dos dois mencionados segmentos da decisão recorrida somos de concluir, desde logo, a existência de contradição insanável entre a fundamentação de facto e a factualidade que foi dado como provada quanto à situação económica da arguida, ora recorrente.
Se daquele sedimento foi feito constar, quanto à versada matéria, tão-somente que “está profissionalmente inactiva, contando, actualmente, com o apoio financeiro do seu filho e das suas tias maternas, em medida não concretamente apurada. Suporta, mensalmente, a quantia mensal de cerca de € 90,00 em medicação.”
Já para em sede de fundamentação foi alinhado, para além do mais, que “sendo detentora de património, pelo menos, e ao que aponta, imobiliário, que sempre lhe permitirá, querendo relançar-se novamente em termos profissionais.”
Com efeito operando, como se impõe ao julgador, um raciocínio lógico-dedutivo que, partindo daquela factualidade e conjugada com as regras da experiência comum, nunca o Tribunal “a quo” poderia extrair a conclusão que espelhou na fundamentação adiantada, pois contraria o que ficou provado.

Além disso, fixando-nos, quer na norma do artigo do RGIT, quer nas acrescidas exigências ditadas no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2012, é fulcral que ao ditar a decisão relativa à pena o julgador atenda à concreta situação económica, presente e futura do arguido, assim carreando para os autos a factualidade necessária para formular tal juízo.

Como já se adiantou o sedimento probatório constante da decisão recorrida, quanto à situação económica da arguida, ora recorrente, é o antes transcrito. E tão-só!

Razão por que se verifica o vício da insuficiência da matéria de facto para a versada questão a decidir.

Vale por dizer que, face à verificação de tais vícios, e na parte da decisão referente à suspensão da pena privativa de liberdade condicionada ao pagamento, a mesma enferma de nulidade, razão por que se determina o reenvio parcial dos autos para novo julgamento, quanto à versada matéria, a levar a efeito pelo mesmo Tribunal, nos termos dos artigos 426º e 426º-A do Código do Processo Penal.
*
. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação Criminal de Guimarães em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente M. F. e, em consequência, mantêm-se quanto a ele integralmente a decisão recorrida.
- Julgar o recurso parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente M. A. e, em consequência:
. Declara-se a nulidade do acórdão na parte referente à suspensão da pena privativa da liberdade condicionada ao pagamento;
. Ordena-se o reenvio parcial dos autos para novo julgamento, quanto à versada matéria, a levar a efeito pelo mesmo Tribunal, nos termos dos artigos 426º e 426º-A do Código do Processo Penal;
. Mantendo-se, no demais, a decisão recorrida quanto à mesma.

Custas a cargo dos recorrentes M. A. e M. F. que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do gozo de eventual benefício de apoio judiciário.

O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela sua relatora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal.

Guimarães, 11 de Junho de 2019

Maria José dos Santos de Matos
Armando da Rocha Azevedo



1. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1239.
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo nº 1164/09.3JDLAB.L2.S1/3ª Secção de 09 de Julho de 2014, publicado em www.dgsi.pt.
3. Acórdão firmado no Processo nº 370/15.6JALRA.C1, em 08/02/2017, publicado em www.dgsi.pt.
4. Vide, por todos, os acórdãos datados de 15/12/2005, 09/03/2006 e 04/01/2007que foram prolatados, respectivamente, nos Processos nºs 05P2951, 06P461 e 4093/06, publicados em www.dgsi.pt.
5. Acórdão datado de 10/01/2007, proferido no Processo nº 06P3518, publicado em www.dgsi.pt.
6. Acórdão proferido no Processo 9/13.4PATVR.E1.S1, com data de 18/02/2016, publicado em www.dgsi.pt.
7. Código de Processo Penal Comentado de António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, Coimbra, 2014, 1389 e seguintes.
8. Acórdão datado de 08/02/2017, prolatado no Processo nº 370/15.6JALRA.C1, publicado em www.dgsi.pt.
9. Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999.
10. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4ª edição, Vol. I, 519.
11. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2013, publicado em www.itij.pt.
12. Proferido no Processo nº 123/12.3TAVIS.C1, datado de 13/11/2013, publicado em www.dgsi.pt.
13. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, 419.
14. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª edição, pág. 1.
15. Rechtsphilosophie, 1963, pág. 37.
16. Obra citada, pág. 2v.
17. Direito Fiscal, 4ª edição, 2006, pág. 135.
18. Intervenção sobre “Evasão e Fraude Fiscais e Garantias do Contribuinte” na Sessão de Abertura do Congresso Internacional organizado pela Faculdade de Direito da Universidade Lusíada do Porto, Porto, 15 de Março de 2007.
19. Constituição da Republica Anotada, Tomo II, pág. 226.
20. Américo Taipa de Carvalho.
21. Direito Criminal, II, Almedina, 1965, «§ 21. Substituição da Pena. A reacção contra as penas curtas de prisão», pp. 392 e segs.
22. «A suspensão condicional da execução da pena e os efeitos do não cumprimento das condições», Revista de Legislação e Jurisprudência, 74º, pág. 119.
23. Germano Marques da Silva, “Direito Penal Tributário”, Universidade Católica, pág.47.
24. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325.
25. Código do Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274.
26. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325 e Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274 e 1275.
27. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 1074.
28. No Acórdão proferido no Processo nº 662/09.3TALRS.L1-5, disponível em dgsi.pt.
29. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo, 326.
30. Acórdão proferido no processo nº 87/14.9YFLSB/3ª Secção de 20/11/2004, disponível na dgsi.pt.
31. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1275.