Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4375/21.0T8VNF-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ATO INÚTIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É nula a sentença por condenar em objeto diverso do pedido (art.º 615º nº1, alínea e) do CPC).
II- É de alterar a decisão da matéria de facto, se houver nos autos documentos que permitam essa alteração.
III- Provado pelos embargantes que cumpriram integralmente a sentença dada à execução, os embargos devem proceder.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Elisabete Moura Alves
2ª Adjunta: Paula Ribas                                                       
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I- RELATÓRIO:

Por apenso à execução de sentença que lhe movem AA, BB, e CC, vieram os Executados, DD e EE, deduzir oposição à execução mediante Embargos de executado, pedindo a procedência dos Embargos e a condenação dos Exequentes como litigantes de má fé, em multa em montante não inferior a 2.500,00€, e em indemnização a seu favor de igual montante.
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Alegam para tanto, em síntese, que as obras em que foram condenados na ação declarativa foram integralmente realizadas. E que embora não tivessem sido todas concluídas até à data fixada, de 31-05-2021, por tal não ter sido possível em face da complexidade de algumas delas, foram sempre mantidas conversações entre os mandatários das partes e concedidas aos executados prorrogações de prazo de conclusão, até ao dia 19 de junho, data em que ficaram prontas.
Concluem, assim, que os exequentes agem manifestamente de má fé.
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Notificados, os Exequentes/Embargados vieram apresentar contestação, mantendo que os executados não cumpriram o que ficou acordado na sentença, nem no tempo estipulado na mesma.
Afirmam ainda desconhecer os contactos existentes entre o seu Mandatário, que os representou na ação declarativa, e os executados.
Mais referem que durante o decurso da obra o seu mandatário se deslocou à obra duas vezes, sendo que na segunda vez verificou que faltavam executar alguns trabalhos. Que pelos executados foram pedidos mais 10 dias para concluir os trabalhos identificados, ao que os exequentes se opuseram, pois o prazo em muito já havia sido excedido.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado;
a) Determino o prosseguimento da execução para a realização da seguinte obra: - demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha.
b) Considerando que os Embargantes procederam à realização das obras em que foram condenados, com exceção dos trabalhos referidos em a), em 19-06-2021 (…), reduzo a sanção pecuniária compulsória fixada para os €10,00, a contar de 20-06-2021.
c) Condeno os Exequentes/Embargado(a)(s) como litigantes de má fé, em multa processual de 6 UCs e ainda em indemnização à parte contrária que fixo em 5UCs.
d) Condeno Embargantes e Embargado(a)(s) nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos que fixo em 20% e 80% respectivamente…”.
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Por despacho proferido nos autos (no dia seguinte ao da prolação da decisão) foi determinada a correção de lapsos de escrita na sentença (na pág. 33), que foram nela anotados.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os embargantes interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1º A sentença de que se recorre padece de nulidade, por ter condenado em objeto diferente, excedendo o âmbito da pronuncia, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) e e), do CPC, devendo, em conformidade, anular - se a decisão nessa parte, porquanto;
2º Os Exequentes deram entrada da presente execução com vista ao pagamento da quantia de 6.000,00€, cujo valor pretendem seja atualizado em 100,00€ por cada dia até ao trânsito em julgado desta decisão – único pedido que formulam.
3º No entanto, excedendo os seus poderes, o Tribunal quo condenou os executados em objeto diverso, ao determinar o prosseguimento da execução com vista à demolição da obra que concretiza na decisão, alínea a).
4º Ora, como se disse, a pretensão dos exequentes cinge-se, de forma clara e inequívoca, ao pagamento de determinada quantia que alegam ter direito e não a qualquer prestação de facto – execução de qualquer obra seja de construção/de demolição, ainda que realizada por terceiros.
5º Nessa medida, aquela decisão é nula, devendo ser revogada naquela parte, o que expressamente se requer.
6º Decidiu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedentes os embargos, determinando o prosseguimento dos embargos quanto à demolição de um canto com arestas de 1,20m e 2,86m, que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha, e consequentemente, na condenação dos mesmos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10,00€ a contar de 20-06-2021, data do então incumprimento.
7º O Tribunal a quo, deu, ainda, e erradamente como não provado, o cumprimento do vertido na cláusula Décima Primeira do titulo dado à execução, ao considerar que os Executados não avisaram com antecedência de 15 dias os exequentes do início dos trabalhos.
8º Deu ainda como não provado as várias comunicações havidas entre I. Mandatários alegadas no requerimento inicial, por considerar que as mesmas comunicações/documentos nunca foram juntos aos autos, nem podiam, já que se encontravam abrangidos pelo sigilo profissional do advogado e o Conselho Regional da Ordem dos Advogados não autorizou o seu levantamento.
9º Nessa medida, toda essa prova documental, validamente junta aos autos não foi, erradamente, valorada/apreciada, efetuado qualquer juízo critico sobre a mesma pelo Tribunal a quo e que, caso fosse, levaria a decisão diversa.
10º A aludida prova documental (emails e anexos) a que se alude na oposição, e respetiva autorização de dispensa do sigilo profissional pela Ordem dos Advogados foi junta no dia 02 de dezembro de 2021, (referência ...33), e 03 de fevereiro de 2022 (referência ...08 ) como resulta dos autos, pelo que deveria ter sido valorada pelo Tribunal – tendo o executado EE nas suas declarações de parte, sido confrontado com tais documentos ( emails e anexos).
11º Os Exequentes foram notificados para o exercício do contraditório não tendo impugnado o teor daqueles documentos e anexos.
12º E, nessa medida, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado a existência das várias comunicações havidas entre os II. Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial, estando, assim, incorretamente julgado este facto, o qual deveria ter sido julgado como provado.
13º E, consequentemente e entre o mais, que os executados informaram os exequentes com pelo menos 15 dias de antecedência do início das obras – para cumprimento da cláusula décima primeira – doc nº 1 e 2 (email) junto em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, estando, assim, incorretamente julgado este facto.
14º Deu o Tribunal a quo como não provado que os Exequentes tivesse autorizado os Executados a não procederam à demolição da construção que extravasa a linha delimitadora que consta da planta da perícia realizada nos autos declarativos/titulo executivo, designadamente quanto ao canto da cozinha.
15º Ora, o Tribunal a quo está manifestamente em erro, porquanto, a não demolição da construção que extravasa a linha delimitadora e que corresponde a um canto da cozinha, ficou a constar expressamente do acordo judicial/ do titulo dado à execução.
16º Em momento algum do processo, os Executados alegam terem proposto aos Exequentes a não demolição da construção que excedesse a referida linha delimitadora e naquela parte.
17º Resulta, expressamente, do titulo dado à Execução, na cláusula QUARTA que “Os Réus obrigam-se a proceder à demolição com respeito pela linha delimitadora que consta das plantas dessa perícia e que constam de fls. 5 a 9 do relatório de peritagem, com exceção da parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores delimitador do canto da cozinha”.
18º As referidas paredes/ arestas, excediam a linha divisória, mas ficou expressamente ressalvada - excecionou-se a sua não demolição – não tinham de ser demolidas e, consequentemente, o canto/área da cozinha, cuja área em si não ficou a constar do acordo judicial já que irrelevante, pois o limite da demolição seria sempre o alinhamento das paredes exteriores da cozinha, sendo irrelevante a área que excedia.
19º Os próprios Exequentes, no seu requerimento executivo alegam que “BEM COMO A DEMOLIR NA VERTICAL TODA A CONSTRUÇÃO NESTA DATA EXISTENTE, DESIGNADAMENTE VARANDA, PILAR E SUPORTE DESTA E COBERTURA DESSA VARANDA QUE SE SITUE PARA ALÉM DA REFERIDA PAREDE DELIMITADORA DA COZINHA DO LOGRADOURO DO PRÉDIO DOS AUTORES.
20º No seu articulado de resposta/contestação ( ponto 15) os Exequentes confessam que “Assim, e durante o decurso da obra, o mandatário dos exequentes deslocou-se á obra duas vezes, sendo que na segunda vez verificou que faltava fechar a janela, construir o parapeito de 1.5m de altura da varanda de um ponto que se situe a mais de 1,5m da extrema, construir o parapeito de 1,5m do terraço do 1º andar e colocar a rede e substituir a que esta cortada ou esmagada, quer no terreno quer no socalco”. – tendo a deslocação ocorrido no dia 28 de Maio de 2022 – doc nº 4 junto em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022.
21º Daqui resulta de forma clara e inequívoca que os Executados tinham cumprido, pelo menos, com o demais – não sendo feita qualquer referência ao aludido canto, já que se encontrava conforme o acordado em sede de ação declarativa/titulo executivo.
22º Aquando da ida do Sr. Dr. FF ao local – em 28 de maio de 2021, vid doc nº 4 (email remetido pelo I. Mandatário) - era perfeitamente e inequivocamente percetível a não demolição das referidas arestas/canto/área – mas porque em conformidade com o titulo, nada foi referido no email a que se alude por aquele Sr. Mandatário (nem pelos Exequentes), documentos que o douto Tribunal, erradamente, não valorou e deveria ter valorado – reitere-se que nunca foram impugnados.
23º Era absolutamente percetível, in locu, a não demolição do referido canto que excedia a linha delimitadora, ( e esteticamente falando), e também nas fotos/imagens remetidas, do qual também resulta pela conclusão dos trabalhos realizados na varanda com a sua demolição parcial e a subsistência/permanência do referido canto, que corresponde a parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores delimitador do canto da cozinha” ( cláusula QUARTA do titulo dado à execução).
24º A ida ao local pelo Sr. Mandatário ocorreu na sequência da comunicação efetuada por email datado de 26 de maio de 2021, informando que as obras já se encontravam concluídas, solicitando que o mesmo verificasse se estava tudo em conformidade. Conforme doc nº 3 juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022 – tendo aquele I. Mandatário respondido por email – vid o aludido doc nº 4.
25º De seguida foram trocados diversos emails entre os mandatários com vista à concessão de prazo adicional, o que foi concedido. vid doc nº 5, 6, 7,8 e 9 e imagens anexas juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, sem nunca ser feita qualquer alusão ao dito canto, sendo estes, de resto, bem visível no local.
26º No dia 22 de junho de 2021, é remetido pela Mandatária email ao I. Mandatário dos Exequentes, informando-o que as obras tinham ficado concluídas no dia 19, remetendo algumas imagens, tendo obtido como resposta, “Pelas fotos parece-me tudo realizado como conversámos. Os meus Clientes nada disseram até hoje, nem reclamaram nada, pelo que penso estar tudo realizado. Caso assim não seja, o que me parece não ser o caso, entro em contacto.” Conforme doc nº 9 e imagens anexas juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2021.
27 º Pelo que se encontra incorretamente julgado a aqui mencionada alínea d) dos factos dados como não provados, isto é, e do que se pode daquele extrair - que os Exequentes e Executados tenham acordado na não demolição quanto ao canto da cozinha que excede a linha delimitadora que consta das plantas da perícia realizada nos autos declarativos e que disso não fizeram prova – na verdade não tinham de fazer, pois essa questão nunca foi levantada.
28º Tal como (se) incorretamente julgado o ponto nº 4, dos factos dados como provados, parte final – pelo menos no sentido que o Tribunal a quo lhe atribui – e com base no qual determina o prosseguimento dos autos para demolição daquela área.
29º O Tribunal funda ainda a sua convicção nos relatórios periciais juntos aos autos.
30º No entanto, faz um errada interpretação das respostas dadas, em conjunção com a Cláusula QUARTA do titulo executivo e demais prova, nomeadamente, documental e confessória.
31º Sendo que a resposta aos quesitos e nesta parte em nada contrairia o vertido na Cláusula QUARTA do titulo dado à execução – confirmando apenas o seu integral cumprimento.
32º A primeira perícia realizada, e nesta parte, confirma que, “com exceção da linha delimitadora das paredes exteriores da cozinha, não existe construção que exceda a referida linha.”
33º Relativamente à segunda perícia, e nesta parte, refere o Sr. Perito que “Portanto, pode dizer-se que, com exceção do canto da cozinha, foi procedido à demolição com respeito pela linha delimitadora”.
34º Sendo que esta resposta, uma vez mais, não contraria/colide com o vertido na Cláusula QUARTA, porquanto, o que o Sr. Perito fez, foi determinar a área da construção que excedia a linha delimitadora – sendo que, naquela cláusula ( quarta) não se fixou a área que excedia a linha delimitadora, mas impondo-se/excecionando-se como limite de demolição, parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo – isto é, o limite da demolição terminava nas paredes exteriores da cozinha, independentemente da área que a construção (cozinha e paredes) que excedia, ocupasse.
35º Pelo que fez o douto Tribunal uma errada interpretação da prova pericial no que respeita a esta matéria em conjunção com o teor da Cláusula QUARTA do titulo dado á execução.
36º Pelo que andou mal o douto Tribunal a quo ao dar como provado o ponto 4 dos factos provado, nos termos em que o fez, e, consequentemente, ao condenar/decidir nos termos que melhor consta da decisão de que se recorre - alíneas a) e b) da decisão.
37º A decisão proferida nos presentes, viola a decisão preferida nos autos de ação declarativa/titulo executivo, ao determinar o prosseguimento da execução nos termos referidos – já que determina/ ordena o seu incumprimento – extravasa os limites impostos pelo titulo executivo.
38º Pelo que, deveria ser dado como provado que “Os Executados(a) (s) procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transação, isto é, com respeito pela linha delimitadora que consta da planta da perícia ai efetuada, com exceção da parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo”.
39º Ainda que assim se não entenda, o que não se concebe, parece-nos, quanto a nós e com o devido respeito, que ainda que não ocorra a pretendia alteração da matéria de facto, ( ponto 4) o que não se concebe, a mesma não colide/contraria o vertido na cláusula QUARTA, no sentido em que, ainda assim se pode concluir/afirmar que os Embargados cumpriram integralmente com a obrigação que daquela cláusula resulta, revogando-se a decisão proferida.
40º Decidindo como decidiu, o Tribunal fez uma errada interpretação de toda a prova produzida e no que aos pontos aqui referidos, - matéria de facto provada ( ponto 4, parte final) e matéria de facto dada como não provada que se aludiu neste recurso, - fazendo, ainda, uma errada interpretação do titulo dado à execução, concluindo, erradamente, do mesmo, que os embargantes estavam obrigados a proceder à demolição de um canto com arestas de 1,20m e 2,86m, que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha.
41º Por outro lado ainda, e erradamente, o Tribunal a quo não apreciou /valorou a prova documental legitimamente junta aos autos em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, e que, entre o mais, reforça a convicção de que o douto Tribunal interpretou erradamente a Cláusula QUARTA constante do titulo executivo, devendo ser interpretado no sentido de que nada há a demolir.
42º Violou, assim, o disposto no artigo 703º e 704º do CPC, 609º do CPC, 615º, do CPC, 607º, nº 5 do CPC, 619º CPC, o disposto no artigo 341º e 342º do Código Civil e o artigo 413º do CPC.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido, ser a decisão proferida nos presentes autos revogada, substituindo-a por outra que julgue os embargos procedentes…”.
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Os exequentes/embargados vieram apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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No despacho de admissão do recurso, a Sra. Juiz pronunciou-se sobre a invocada nulidade, da seguinte forma:
“Coligida devidamente a decisão proferida, e salvo melhor opinião, não se vislumbra onde possa existir na decisão a nulidade arguida pelos Embargantes, pelo que, quanto a este particular, considero não haver motivos para reparar o decidido”.
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II- OBJETO DO RECURSO:

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

1- A de saber se a decisão recorrida é nula, por condenação além do pedido (art.º 615º nº 1, alínea e) do CPC);
2- Se é de alterar a decisão da matéria de facto, no sentido propugnado pelos recorrentes; e
3- Se deveriam ser julgados procedentes os embargos.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:
“1) AA, BB e CC, instauraram, em 28-06-2021, contra os Executados DD e EE a execução com diversas finalidades, apresentando como título executivo a sentença homologatória de transacção proferida, em 16-10-2020, no âmbito do Processo n.º 1214/18...., que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos - Juiz ..., já transitada em julgado.
2) No requerimento executivo os Exequentes expuseram:
«Factos: DECORRE A DECISÃO DOS PRESENTES AUTOS A CONDENAÇÃO DOS EXECUTADOS A CUMPRIR O ESTIPULADO NAS CLÁUSULAS QUARTA, QUINTA, SEXTA, SÉTIMA, OITAVA A DÉCIMA SEGUNDA DA DOUTA ATA DE AUDIENCIA.
DO SUPRA EXPOSTO RESULTA QUE OS EXECUTADOS ERAM OBRIGADOS AO SEGUINTE:
- A DEMOLIR COM RESPEITO DA LINHA DELIMITADORA QUE CONSTA DAS PLANTAS;
- A FECHAR A JANELA VOLTADA PARA O TERRENO DOS AUTORES ASSINALADA NO RELATÓRIO DE PERÍCIA, BEM COMO A DEMOLIR NA VERTICAL TODA A CONSTRUÇÃO NESTA DATA EXISTENTE, DESIGNADAMENTE VARANDA, PILAR E SUPORTE DESTA E COBERTURA DESSA VARANDA QUE SE SITUE PARA ALÉM DA REFERIDA PAREDE DELIMITADORA DA COZINHA DO LOGRADOURO DO PRÉDIO DOS AUTORES;
- A RETIRAR TODAS AS TUBAGENS IMPLANTADAS NO TERRENO DOS AUTORES;
- APÓS AS DEMOLIÇÕES ATRÁS REFERIDAS, OS RÉUS OBRIGAM-SE AINDA A CONSTRUIR PARAPEITO COM PELO MENOS 1,5 M DE ALTURA A DELIMITAR A RESTANTE VARANDA QUE PERMANECE VOLTADA PARA O TERRENO DOS AUTORES;
- A CONSTRUIR MURO DE BLOCOS DE CIMENTO, COM PELO MENOS 1,5 M DE ALTURA A IMPLANTAR NO TERRENO QUE AOS AUTORES PERTENCE, DE MODO QUE O MESMO FIQUE ENCOSTADO E ACOMPANHE A FACE EXTERIOR DA CONSTRUÇÃO DOS RÉUS, APÓS DEMOLIÇÕES;
- A CONSTRUIR TOTALMENTE À SUA CUSTA E COM IMPLANTAÇÃO NOS LIMITES DO SEU TERRENO UM MURO DE VEDAÇÃO DE 1,5 M DE ALTURA EM BLOCOS, RESPEITANDO O ALINHAMENTO EM LINHA RETA QUE CONSTA DO LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO;
- A RETIRAR TODO O ENTULHO OU RESTO DE MATERIAIS QUE RESULTEM DAS OBRAS A REALIZAR, TOTALMENTE À SUA CUSTA;
- SE PARA AS REFERIDAS OBRAS FOR NECESSÁRIO PASSAR OPERÁRIOS, MATERIAIS OU MAQUINARIA PELO TERRENO DOS AUTORES (AQUI EXEQUENTES)ESTES DÃO DESDE JÁ O SEU CONSENTIMENTO NOS TERMOS DO ARTIGO 1349.º DO CC, SEM PREJUÍZO DOS RÉUS DEVEREM AVISAR COM ANTECEDÊNCIA DE 15 DIAS OS AUTORES E INDEMNIZAR A ESTES SE ALGUM DANO CAUSAREM NAS CULTURAS, A PARTIR DE 30/04/2021;
- A REALIZAR TODAS AS OBRAS ACIMA REFERIDAS ATÉ 31/05/2021, FICANDO AINDA ESTABELECIDO UMA CLÁUSULA PENAL DE 100,00 EUROS POR CADA DIA DE INCUMPRIMENTO;
- E, EM CASO DE INCUMPRIMENTO ESTÃO OBRIGADOS A PAGAR A QUANTIA DE 100,00 EUROS POR DIA A CONTAR DO DIA 30/4/ 2021.
ASSIM, OS EXECUTADOS ENCONTRAM-SE, EM INCUMPRIMENTO, E DEVEM LIQUIDAR A QUANTIA DE 6.000,00 EUROS, CUJO VALOR SERÁ ATUALIZADO EM 100,00 EUROS POR CADA DIA ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DESTA DECISÃO.»
3) A transacção alcançada pelas partes no processo declarativo e homologada pela sentença oferecida à execução, tem o seguinte teor:
«PRIMEIRA
Autores e réus declaram que os autores são donos e proprietários do prédio identificado no nº 1 da petição inicial e que aos réus pertence a parcela de terreno identificada no nº 16 da petição inicial.
SEGUNDA
Definitivamente autores e réus reconhecem ser a linha divisória de tais prédios aquela que foi demarcada no processo nº ...01 do extinto ... juízo cível deste Tribunal, conforme doc. nº 2 junto com a petição inicial.
TERCEIRA
Os réus reconhecem que a perícia realizada nestes autos a fls. 230 e seguintes datada de 18/7/2019 corresponde ao levantamento topográfico da parte das construções de um anexo por parte dos réus, na parte em que invade o logradouro do prédio dos autores.
QUARTA
Os réus obrigam-se a proceder à demolição com respeito da linha delimitadora que consta das plantas dessa perícia e que constam das fls. 5 e 9 do relatório de peritagem, com exceção da parte da construção que corresponde ao actual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo.
QUINTA
Mais se obrigam os réus a fechar a janela voltada para o terreno dos autores assinalada nesse mesmo relatório de perícia nas referidas fls 5 e 9, bem como a demolir na vertical toda a construção nesta data existente, designadamente varanda, pilar e suporte desta e cobertura dessa varanda que se situe para além da referida parede delimitadora da cozinha e linha delimitadora do logradouro do prédio dos autores.
SEXTA
Também se obrigam os réus a retirar todas as tubagens implantadas no terreno dos autores e representadas na planta da perícia de fls. 9, de modo a que não ocupem qualquer área do terreno dos autores.
SÉTIMA
Após as demolições atrás referidas os réus obrigam-se ainda a construir parapeito com pelo menos 1,5 m de altura a delimitar a restante varanda que permanecer voltada para o terreno dos autores.
OITAVA
Para rematar as referidas demolições os réus obrigam-se ainda, totalmente à sua custa, a construir muro de blocos de cimento, com pelo menos 1,5 m de altura a implantar no terreno que aos autores pertence, de modo que o mesmo fique encostado e acompanhe a face exterior da construção dos réus, após demolições e ao longo da linha tracejada identificada na mesma planta de fls. 9 do relatório da perícia, muro que terá um acabamento de cerzite a cimento pelo seu lado exterior, podendo colocar material de isolamento entre o muro e a casa, ficando este muro exclusivamente nessa parte propriedade dos autores.
NONA
Os réus obrigam-se ainda a construir totalmente à sua custa e com implantação nos limites do seu terreno, ficando por isso também deles proprietários, um muro de vedação de 1,5 m de altura em blocos, respeitando o alinhamento em linha reta que consta do levantamento topográfico do processo de demarcação.
DÉCIMA
Os réus obrigam-se ainda a retirar todo o entulho ou resto de materiais que resultem das obras a realizar, totalmente à sua custa.
DÉCIMA PRIMEIRA
Se para as referidas obras for necessário passar operários, materiais ou maquinaria pelo terreno dos autores estes dão desde já o seu consentimento nos termos do art. 1349º do C.C., sem prejuízo dos réus deverem avisar com antecedência de 15 dias os autores e indemnizar a estes se algum dano causarem nas culturas, a partir de 30/4/2021.
DÉCIMA SEGUNDA
Os réus obrigam-se a realizar todas as obras acima referidas até 31/5/2021, ficando ainda estabelecido uma cláusula penal de € 100,00 por cada dia de incumprimento.
DÉCIMA TERCEIRA
Os autores declaram que só lavrarão o seu prédio a partir de 30/4 inclusive, pelo que a autorização acima referida na cláusula 11) é válida até esta data.
DÉCIMA QUARTA
Face ao acordado e condicionado à realização de todas as obras acima expostas, os autores declaram que reconhecem, assim como os réus, que a linha delimitadora dos 2 prédios passa a ser aquela que resulta no identificado processo nº ...01, com a alteração que corresponde à face exterior da parede da cozinha referida na cláusula 4), que os autores reconhecem ser propriedade dos réus.
DÉCIMA QUINTA
Os réus desistem do pedido reconvencional.
DÉCIMA SEXTA
Custas em partes iguais.»
4) Os Executado(a)(s) procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transacção, isto é, com respeito da linha delimitadora que consta das plantas da perícia aí efectuada, com exceção de um canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha.
5) Os Executado(a)(s) retiraram as tubagens referidas na cláusula SEXTA da transacção.
6) Na varanda voltada para o tereno dos Exequentes (referida na cláusula SÉTIMA da transacção) os Executados procederam à sua vedação numa parte inicial, na zona do recorte, por vidro fosco até ao teto; numa parte seguinte por chapa de policarbonato (material translúcido, semelhante a vidro fosco) numa altura mínima de 1,60 m, sintuando-se o términus do parapeito a cerca de 1,60cm do prédio dos Exequentes.
7) Os Executado(a)(s) construíram no terreno dos Exequentes o muro de vedação referido na cláusula OITAVA da transacção em bloco de cimento rebocado com 1,565m de altura, que respeita o alinhamento constante do levantamento topográfico realizado no processo declarativo.
8) E construíram o muro referido na cláusula NONA da transacção respeitando o alinhamento do levantamento topográfico realizado na acção declarativa.
9) Os Executados, uma vez terminada a obra retiraram os entulhos e materiais dela resultantes.
10) Os Exequentes e os Executado(a)(s) são todos familiares entre si existindo entre eles um clima de grande conflituosidade;
11) Pelo que, no decurso das obras fixadas na sentença, as comunicações e conversações decorreram entre mandatários das partes, sendo que no que respeita aos Exequente estes foram representados pelo Sr. Dr. FF, na ação declarativa.
12) Os Executado(a)(s) presenciaram a realização das obras.
13) Na primeira semana de Maio os Exequentes procederam ao cultivo dos seus campos.
14) No dia 19 de Junho os Executados terminaram as obras que acima se deram como provadas.
15) No dia 23 de junho de 2021 os Executado(a)(s) remeteram carta registada, com AR, para a morada dos Exequentes, comunicando-lhes a conclusão dos trabalhos.
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2.2. Matéria de Facto não Provada

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não se provou:
- que os Executado(a)(s) houvessem avisado os Exequentes, em 23 de Março de 2021, através do seu mandatário, que iriam iniciar os trabalhos;
- que a 30 de Abril os Exequentes já houvessem cultivado o seu campo;
- as várias comunicações havidas entre os Il. Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial;
- que em face da complexidade da obra, - demolição de parte da varanda, entre o mais - foram surgindo situações/imprevistos que não foram contemplados aquando da redação do acordo, tendo os Executado(a)(s) (…) autorizado a realização de obras distintas daquelas que constam da sentença oferecida à execução, designadamente quanto ao canto da cozinha que excede a linha delimitadora que consta das plantas da perícia realizada nos autos declarativos;
-que os Exequentes houvessem dificultado constantemente a realização dos trabalhos…”.
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1- Da nulidade da sentença:

Vêm os recorrentes arguir a nulidade da sentença, por excesso de pronuncia/ condenação em pedido diverso, nos ternos do artigo 615º nº 1, alíneas e) do CPC, alegando que a pretensão dos exequentes no seu requerimento executivo se restringe ao pagamento por parte dos executados à quantia de 6.000,00€, valor que será atualizado em 100,00€ por cada dia até ao transito em julgado da decisão.
Que o que os Exequentes pretendem nestes autos é o pagamento de uma determinada quantia, e não a execução de quaisquer trabalhos/obras, seja de demolição, seja de concretização/construção, isto é, de trabalhos/obras porventura não realizados ou indevidamente executados, não referindo os mesmos sequer, quais os trabalhos que não foram realizados, ou os que foram, em desconformidade com o titulo dado à execução.
Infere-se mesmo do requerimento executivo, e como o tribunal recorrido concluiu, que os Exequentes não reconhecem a realização de quaisquer trabalhos/obras a cargo dos executados.
Não restam assim dúvidas de que a pretensão/pedido dos Exequentes não é a execução/realização de quaisquer trabalhos, mas o pagamento da quantia de 6.000,00€ (e que se vencer até ao trânsito em julgado da presente execução).
No entanto, o tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: “… julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado; a) Determino o prosseguimento da execução para a realização da seguinte obra: - demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha”.
Ou seja, o tribunal recorrido, ao determinar o prosseguimento dos autos para a realização das obras de demolição ali descritas, foi para além do pedido; extravasou a pretensão formulada pelos embargados/Exequentes, que apenas pretendiam o pagamento de determinada quantia, e não a realização de quaisquer obras, o que consubstancia uma nulidade da sentença, que naquela parte é nula e deverá ser revogada.
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E temos de concordar com os embargantes.
Analisado o requerimento executivo, donde consta a exposição dos factos e o pedido formulado a final, do mesmo resulta que os exequentes pretendem a condenação dos executados a pagar-lhes a quantia que indicam – de € 6.000,00 –, liquidada até ao momento da instauração da execução (e cujo valor seria atualizado em € 100,00 por cada dia até ao trânsito em julgado da decisão).
Alegam para tanto que os executados foram condenados a realizar todas as obras que descrevem, até 31/05/2021, ficando ainda estabelecida uma cláusula penal de 100,00 euros por cada dia de incumprimento.
Mais alegam que os executados se encontram em incumprimento, devendo pagar a quantia de € 6.000,00, que liquidam à data da instauração da execução.
É assim bem verdade o que invocam os recorrentes: os exequentes referem no requerimento executivo, genericamente, quais as obras que os executados foram obrigados a realizar (na transação efetuada na ação declarativa), mas não indicam quais as obras que em concreto não foram executadas, dando a entender que houve um incumprimento generalizado, e daí pedirem o pagamento da cláusula penal estipulada, pelo incumprimento de todas as obras a realizar – de 100 € por cada dia de atraso no incumprimento.
Daí que o tribunal recorrido, ao condenar os executados a realizar a obra de “…demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha” – extravasou o pedido formulado, condenando para além do pedido.
Ocorreu efetivamente uma condenação em objeto diverso do pedido, o que consubstancia a nulidade da decisão (nessa parte), nos termos previstos no art.º 615º, nº 1, alínea e) do CPC.
Trata-se naquele preceito de uma causa invalidatória da decisão, que se relaciona com o disposto no art.º 609º nº 1 do CPC, onde se estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Com efeito, por força do princípio do dispositivo, o processo tem de se iniciar por iniciativa insubstituível do autor (ou do exequente), pois só a ele cabe solicitar a tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (art.º 3º, n.º 1 do CPC).
À semelhança do processo declarativo, em que o processo se inicia com a apresentação da petição inicial pelo A, também no processo executivo o processo se inicia com o requerimento executivo, no qual o exequente, além do mais, expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo; formula o pedido; liquida a obrigação e escolhe a prestação, quando tal lhe caiba, indicando ou juntando os meios de prova (art.º 724.º, alíneas e), f) e h) do CPC - Requerimento executivo na execução para pagamento de quantia certa, aplicável às execuções para entrega de coisa certa e para prestação de facto, por força do art.º 551º nº 2 do CPC).
Verifica-se assim que o exequente terá de alegar os factos constitutivos da situação que quer fazer valer (causa de pedir), e onde terá de formular a pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça, com fundamento nessa concreta causa de pedir (pedido).
Ora, quer o pedido, quer a causa de pedir, conformam o objeto do processo e condicionam o âmbito de cognição dentro do qual o tribunal se pode mover, e, consequentemente, a decisão de mérito a ser por ele proferida.
Donde, o juiz, na sentença, além de dever resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608º nº 2 do CPC) – o que se prende com os fundamentos (causa de pedir e exceções) -, e não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art.º 609º n.º 1) – o que já se relaciona com a pretensão (pedido).
Sempre que o tribunal viole aqueles limites do seu poder cognitivo, quer em termos de fundamentos (causa de pedir e exceções), quer em termos de pretensão (pedido), incorre em nulidade da decisão, expressamente prevista no art.º 615º nº1, alínea e) do CPC).
Considera-se efetivamente que o tribunal, quando condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, posterga os limites do seu poder jurisdicional, infringindo o princípio do dispositivo e, noutra vertente, o princípio do contraditório (art.º 3º), na medida em que condena a parte em pedido relativamente ao qual ela não teve a oportunidade de se defender e de influir ativamente na decisão que acabou por ser proferida, pelo que esta é nula, na parte em que ocorre o excesso cometido em relação ao pedido formulado (Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 223).
Como já ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil (1976, pag. 372), “o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respetivo pedido”; “as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado” (no mesmo sentido se pronunciou Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed., 52 e ss. e Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 121 e ss.).
Aliás, como se disse, o princípio do pedido tem consagração inequívoca no art.º 3º, nº 1 do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes. E é ao autor que incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la, dizendo com precisão o que pretende do tribunal – ou seja, que efeito jurídico quer obter com a ação (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 234, nota (2); Lopes do Rego, “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, 788; Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do dispositivo do pedido à luz do moderno Processo Civil”, em RLJ 143-141; Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., 682; e Acs. do STJ de 13.09.2011; de 16.10.2012; de 11.02.2015; e Ac Uniformizador de Jurisprudência, de 14.5.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E é também a esse pedido, assim formulado, que o tribunal fica vinculado na decisão a proferir, pois como dispõe o art.º 609º, nº 1, do CPC, já acima referido, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Efetivamente, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na ação, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., 657), constituindo a violação da referida regra – se o juiz condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, e), do CPC.
Esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, é ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, e tem subjacentes a disponibilidade da relação material, os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes, e da auto-responsabilidade das mesmas. Mas tem também por escopo essencial a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido. Só assim se assegura e cumpre o princípio do contraditório (art.º 3º do CPC) que aquele princípio igualmente visa preservar.
Trata-se de princípios e de preceitos previstos para o processo declarativo, mas com aplicação, todos eles, ao processo executivo, por força do disposto no art.º 551º nº1 do CPC.
Ademais, o excesso de condenação pode ser quantitativo ou qualitativo, sendo que, no caso em análise, como se viu, o tribunal condenou em objeto diverso do pedido – condenando os executados a executar uma obra – de demolição de um canto da cozinha -, que não estava contemplada no pedido formulado no requerimento executivo – verificando-se assim um excesso de pronuncia em termos qualitativos.
Conclui-se assim do exposto que a decisão proferida é nula, na parte em que condenou os executados em objeto diverso do pedido, pelo que deve ser eliminada da decisão condenatória a alínea a), da qual consta o seguinte:
“ a) Determino o prosseguimento da execução para a realização da seguinte obra:
- demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha”.
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Para além daquele segmento da decisão proferida, foi ainda decidido o seguinte:
“b) Considerando que os Embargantes procederam à realização das obras em que foram condenados, com exceção dos trabalhos referidos em a), em 19-06-2021 (…) reduzo a sanção pecuniária compulsória fixada para os €10,00 a contar de 20-06-2021”.
Ora, da análise das alegações de recurso, resulta que os recorrentes impugnam ainda este segmento da decisão recorrida, o que requer também a nossa apreciação.
Decorre efetivamente do artigo 665º nº 1 do CPC, que ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, isto é, ainda que o tribunal da Relação confirme a arguição de alguma nulidade da sentença, prevista no art.º 615º, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas.
Como ensina Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, 2014, pág. 277), a “anulação da decisão (…) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários”
Assim sendo, iremos conhecer das demais questões colocadas pelos recorrentes na presente Apelação, designadamente saber se houve algum incumprimento ou atraso dos executados, no cumprimento da sua obrigação.
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2 - Da impugnação da matéria de facto:

Insurgem-se também os recorrentes contra a decisão da “matéria de facto provada” no ponto 4), assim como contra a “matéria de facto não provada”, alegando que a prova produzida nos autos – que indicam –, impunha uma decisão diversa da proferida.
Relativamente ao ponto 4) da matéria de facto provada – do qual consta que “Os Executados procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transação, isto é, com respeito da linha delimitadora que consta das plantas da perícia aí efetuada, com exceção de um canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha” – consideram os recorrentes que deveria ser eliminada a parte final daquele ponto (que sublinhamos), porquanto procederam integralmente às demolições referidas na cláusula quarta e quinta da transação efetuada, com respeito da linha delimitadora que ficou acordada no termo de transação.
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E com razão, adiantamos já.
O tribunal recorrido deixou consignado na “Motivação” da matéria de facto, que levou em consideração “A consulta dos autos principais, mormente do requerimento executivo, da certidão da sentença proferida no âmbito do processo declarativo - Processo n.º 1214/18...., que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos - Juiz ...–, e que consubstancia o título executivo…”.
Mas cremos que bem analisados os documentos juntos aos autos, resulta desde logo do próprio termo de transação outorgado pelas partes no processo declarativo, que os executados não ficaram obrigados a demolir o canto com arestas que extravasa a linha delimitadora de ambos os prédios, e que corresponde a uma área da cozinha dos executados.
Efetivamente, da cláusula quanta da transação, consta que “Os Réus obrigam-se a proceder à demolição com respeito pela linha delimitadora que consta das plantas dessa perícia e que constam de fls. 5 a 9 do relatório de peritagem, com exceção da parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores delimitador do canto da cozinha”.
Ou seja, extraímos da interpretação daquela cláusula quarta, que embora as paredes da cozinha dos executados excedessem a linha divisória traçada nas plantas da perícia efetuada na ação declarativa, a sua demolição ficou expressamente ressalvada na transação efetuada pelas partes naquela ação, passando o limite da demolição das construções a ser o alinhamento das paredes exteriores daquela cozinha.
Mas essa ressalva resulta ainda da cláusula quinta da transação, da qual ficou a constar que os RR se obrigam “…a demolir na vertical toda a construção nesta data existente, designadamente varanda, pilar e suporte desta e cobertura dessa varanda, que se situe para além da referida parede delimitadora da cozinha e linha delimitadora do logradouro do prédio dos autores”.
E o mesmo se passou na cláusula décima quarta, da qual ficou a constar, de forma clara, que “Face ao acordado e condicionado à realização de todas as obras acima expostas, os autores declaram que reconhecem, assim como os réus, que a linha delimitadora dos 2 prédios passa a ser aquela que resulta no identificado processo nº ...01, com a alteração que corresponde à face exterior da parede da cozinha referida na cláusula 4), que os autores reconhecem ser propriedade dos réus”.
Não oferece assim dúvidas, de que as partes traçaram a linha delimitadora de ambos os prédios, de modo a respeitar a parede exterior da cozinha dos RR, ora executados.
Facto que os exequentes reconhecem, aliás, no seu requerimento executivo: que os executados ficaram obrigados a demolir na vertical toda a construção nesta data existente, designadamente varanda, pilar e suporte desta e cobertura dessa varanda, que se situe para além da referida parede delimitadora da cozinha do logradouro do prédio dos autores.
Assim sendo, deve ser alterado o ponto 4) da matéria de facto provada – do qual deve passar a constar apenas que “Os Executados procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transação, isto é, com respeito da linha delimitadora de ambos os prédios”.
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Insurgem-se ainda os recorrentes contra (toda) a matéria de facto dada como não provada, e que é a seguinte (que descrevemos por alíneas para melhor as individualizar):
 “a) - que os Executados houvessem avisado os Exequentes, em 23 de Março de 2021, através do seu mandatário, que iriam iniciar os trabalhos;
b) - que a 30 de Abril os Exequentes já houvessem cultivado o seu campo;
c) - as várias comunicações havidas entre os Il. Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial;
d) - que em face da complexidade da obra - demolição de parte da varanda, entre o mais -, foram surgindo situações/imprevistos que não foram contemplados aquando da redação do acordo, tendo os Executados (…) autorizado a realização de obras distintas daquelas que constam da sentença oferecida à execução, designadamente quanto ao canto da cozinha que excede a linha delimitadora que consta das plantas da perícia realizada nos autos declarativos”.
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Começamos por dizer que estando apenas em causa nos autos a execução das obras dentro do prazo estipulado, afigura-se-nos de todo irrelevante reapreciar a matéria de facto vertida nas alíneas a) e b), por contender a mesma com o início dos trabalhos e não com o seu términus.
Efetivamente, foi dada à execução a sentença homologatória da transação, que condenou os RR a demolir as construções efetuadas para além da linha divisória dos prédios, assim como os condenou numa cláusula penal pelo incumprimento do prazo estipulado para aquela demolição - 31.5.2021-, à razão de € 100,00 por cada dia de atraso.
Os factos impugnados em a) e b) têm já a ver com o início dos trabalhos, e com o cultivo dos campos por parte dos exequentes, pelo que tais factos apresentam-se de todo irrelevantes para a decisão da causa, sendo indiferente para o desfecho da ação, apurar a data em que as demolições se iniciaram, ou se os exequentes foram ou não avisados pelos executados do seu início. E o mesmo se passa com a data em que os exequentes agricultaram os seus campos (que sem qualquer relevância, ficou provado em 13), que tal ocorreu na primeira semana de maio).
Como temos vindo a defender sistematicamente, e tem sido defendido unanimemente na jurisprudência, o direito à impugnação da matéria de facto não subsiste por si só, antes assume um carácter instrumental face à decisão de mérito da ação. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o tribunal de recurso não deve reapreciar a matéria de facto, quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (Ac. RC de 24.04.2012 e de 27-05-2014, e desta RG de 15-02-2018 e de 11-07-2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
Concluímos assim do exposto, que a matéria de facto vertida nas alíneas a) e b) se apresentam de todo irrelevantes em termos de decisão jurídica da causa, qualquer que seja o sentido que pudesse ser dado às mesmas, pelo que nos dispensamos de as reapreciar, para evitar levar a cabo a prática de atos inúteis que a lei processual proíbe (art.º 130º do CPC).
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E o mesmo se passa quanto à alínea d) da matéria não provada, cuja apreciação fica prejudicada pela alteração por nós efetuada ao ponto 4) da matéria de facto provada.
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Bem diferente é já a matéria vertida na alínea c) – relacionada com a troca de correspondência entre os mandatários das partes relativamente ao andamento das obras a realizar pelos executados -, à qual o tribunal recorrido não deu qualquer relevância, com a seguinte justificação:
“Cumpre neste conspecto salientar que (…) constitui entendimento deste Tribunal que, perante o título em execução – uma sentença – a prova de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação exequenda diverso do cumprimento apenas seria admissível por via documental.
Daí que, pese embora os Embargantes se tivessem proposto fazer prova documental de que lhes havia sido concedido pelos Exequentes, representados pelo seu Il. Mandatário, um prazo mais alargado para a conclusão das obras (…), tais documentos nunca foram juntos aos autos. E não foram pois que esses documentos se encontravam abrangidos pelo sigilo profissional do advogado, não tendo o Conselho Regional da Ordem dos Advogados autorizado o levantamento do sigilo”.
Deu-se, no entanto, como provado em 11), 14) e 15), que “…no decurso das obras fixadas na sentença, as comunicações e conversações decorreram entre mandatários das partes, sendo que no que respeita aos Exequentes, estes foram representados pelo Sr. Dr. FF, na ação declarativa”; que “No dia 19 de Junho os Executados terminaram as obras que acima se deram como provadas”; e que “No dia 23 de junho de 2021 os Executados remeteram carta registada, com AR, para a morada dos Exequentes, comunicando-lhes a conclusão dos trabalhos.”
Alegaram os embargantes que as obras em que foram condenados foram integralmente realizadas, e que embora não tivessem sido todas concluídas até à data fixada na transação (31-05-2021), por tal não ter sido possível em face da complexidade de algumas delas, foram sempre mantidas conversações entre os mandatários das partes, e concedidas aos executados prorrogações de prazo até ao dia 19 de junho, data em que ficaram concluídas.
E lograram os embargantes provar todos esses factos.
Efetivamente, no que se refere à prorrogação do prazo fixado na transação (31.5.2021), provaram os embargantes que a sua mandatária enviou email ao então mandatário dos exequentes, em 26.5.2021, informando-o que as obras já se encontravam concluídas, solicitando-lhe que verificasse se estava tudo em conformidade (doc. nº 3 junto aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022).
Após a sua deslocação ao local, pelo mandatário dos exequentes foi comunicado à mandatária dos executados, que após vistoriar a obra, constatou a falta de algumas obras, que enunciou, acrescentando que os seus constituintes (exequentes) concediam aos executados um prazo suplementar de 10 dias (até 10 de Junho) para que as obras em falta fossem realizadas (doc. nº 4 junto aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022).
Foram, entretanto, trocados mais uns emails entres os mandatários das partes, com vista à concessão de prazo adicional (conforme docs. nº 5, 6, 7, 8 e 9 e imagens anexas juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022).
Muito significativo a esse respeito – comprovativo de que os exequentes concederam aos executados um prazo adicional - até ao dia 19 de junho de 2021 - para conclusão das obras, é o email remetido pela mandatária dos executados ao mandatário dos exequentes, em 22 de junho de 2021, informando-o que as obras tinham ficado concluídas no dia 19, remetendo-lhe algumas imagens, ao que obteve daquele a seguinte resposta: “Pelas fotos parece-me tudo realizado como conversámos. Os meus Clientes nada disseram até hoje, nem reclamaram nada, pelo que penso estar tudo realizado. Caso assim não seja, o que me parece não ser o caso, entro em contacto” (doc. nº 9 e imagens anexas, juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2021).
Não tendo sido estabelecido qualquer contacto pelo mandatário dos exequentes, considera-se que as obras se tiveram como aceites, e no prazo em que foram concluídas.
Resulta assim de todo o exposto, que houve efetivamente a concessão de um prazo adicional – até ao dia 19 de junho –, pelos exequentes aos executados, para conclusão das obras acordadas, que nos permite concluir que elas foram todas realizadas atempadamente.
E essa prova, como bem se referiu na motivação da decisão, foi feita documentalmente, como exigido legalmente (art.º 729º alínea g) do CPC).
Consideramos de facto, contrariamente ao defendido pelo tribunal recorrido, que deveriam ter sido valorados os documentos juntos aos autos pelos embargantes – emails trocados entre os mandatários das partes –, os quais se encontravam legitimados pelos seus constituintes para o fazer, conforme ficou provado no ponto 11), sendo aqueles documentos obtidos de forma lícita pela ilustre mandatária dos embargantes.
Constatamos efetivamente pela análise dos autos, que os embargantes, aquando da dedução dos embargos, alegaram que a sua mandatária havia solicitado ao Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados do ..., o pedido de levantamento do sigilo profissional, relativo à troca de correspondência (emails) havida entre os então mandatários das partes, já que a mesma se revelava essencial para a defesa dos seus constituintes e a descoberta da verdade.
E no dia 2 de dezembro de 2021 juntaram efetivamente aos autos decisão de deferimento daquele pedido, assim como os documentos que protestaram juntar - entre os quais os emails trocados, e aos quais fizemos referência acima.
Mostra-se assim suficientemente provada – por via documental -, a matéria dada como não provada, vertida na alínea c), a qual deve ser dada como provada.
Ou seja, deve ser dada como provada a existência das “várias comunicações havidas entre os Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial”considerando-se que se consideram reproduzidas no facto em análise, o conteúdo dessas comunicações.
Efetivamente, em bom rigor, deveria ter sido reproduzido naquele ponto da matéria de facto (não provado) o conteúdo integral dos documentos mencionados (reportados embora aos factos alegados).
Trata-se, no entanto, de uma “técnica” por vezes usada na descrição dos factos, aceitável, sobretudo quando se trata de muitos e/ou extensos documentos, sendo certo que a mesma não dispensa a análise dos documentos mencionados, ou de parte deles, quando se mostrem pertinentes na abordagem das questões a decidir (Ac. STJ de 4/2/2010, disponível in www.dgsí.pt.).
Mais importante é realçar, como bem se refere no Acórdão do STJ de 22/2/2007 (disponível in www.dgsi.pt.), que nem sempre a remissão feita na enumeração factual para o conteúdo de certo documento traduz insuficiência factual, desde que elaborada de modo a entender-se o porquê da referência ao documento em tal enumeração, concluindo-se a final no mesmo Acórdão, que “na sentença, se os factos constantes do documento para que se remeteu interessarem, passam eles a vir a lume. Não geralmente na enumeração factual, mas ao longo da discussão jurídica. E se aqui figurarem, podem não estar no lugar mais adequado sob o ponto de vista de organização do aresto, mas nele figuram e não pode haver omissão relevante” (cfr., no mesmo sentido, acórdão desta Relação, de 02/07/2013, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, foi isso precisamente que aconteceu no caso dos autos, no que concerne à matéria vertida na alínea c) da matéria de facto não provada - relacionada com as várias comunicações havidas entre os Mandatários das partes, e que vêm alegadas no requerimento inicial -, pois como resulta do teor da decisão recorrida, essas comunicações, que o tribunal entendeu que seriam relevantes caso fossem obtidas legalmente, foram submetidas a análise em sede de motivação da matéria de facto e da decisão da matéria de direito.
Concluímos assim do exposto que tal matéria de facto deve ser dada como provada, com este esclarecimento, sendo a mesma levada em consideração na análise jurídica da causa.
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3- Da procedência dos embargos:

Pretendem os recorrentes que seja revogada a sentença proferida, e declarados procedentes os embargos.
E assim deve ser, perante a matéria de facto ora alterada.
Efetivamente, lograram os embargantes provar que procederam à execução da totalidade das obras a que ficaram vinculados na transação, e que o fizeram no prazo acordado – embora posteriormente, durante a execução das obras, por tolerância dos exequentes, que lhes concederam um prazo adicional para o efeito.
Em conclusão, lograram os embargantes provar o cumprimento integral da sua obrigação, pelo que procede a Apelação, com a revogação da sentença proferida na parte impugnada (nas alíneas a) e b), mantendo-se a condenação dos embargados como litigantes de má-fé (condenação na alínea c).
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III – DECISÃO

Pelo exposto, julga-se procedente a Apelação e revoga-se a sentença proferida, julgando-se procedentes os embargos.
Mantém-se a parte restante da decisão (no que respeita à litigância de má-fé dos embargados).
Custas da Apelação pelos recorridos (embargados).
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Sumário do Acórdão (art.º 663º nº 7 do CPC).
I- É nula a sentença por condenar em objeto diverso do pedido (art.º 615º nº1, alínea e) do CPC).
II- É de alterar a decisão da matéria de facto, se houver nos autos documentos que permitam essa alteração.
III- Provado pelos embargantes que cumpriram integralmente a sentença dada à execução, os embargos devem proceder.
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Guimarães, 28.11.2024.