Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AMÁLIA SANTOS | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL FUNDAMENTOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES NULIDADE DE SENTENÇA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | ANULAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I. A Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) apenas permite a impugnação da decisão arbitral pela via da “Ação de Anulação de Sentença Arbitral”, dirigida ao tribunal estadual competente – no caso, ao Tribunal da Relação. II- O pedido de Anulação da Sentença Arbitral pressupõe a verificação de algum dos fundamentos taxativamente previstos na LAV, e que correspondem, grosso modo, apenas a vícios de ordem formal (equiparados às nulidades da sentença previstas no art.º 615º do CPC). III- Não cabe assim na Ação de Anulação da Sentença Arbitral a impugnação do mérito da decisão – nem quanto á matéria de facto, nem quanto à matéria jurídica. IV- Se as partes se vincularam por uma “Convenção Arbitral”, e nada estipularam quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral, têm de sujeitar-se à decisão dos árbitros em tudo quanto exceda as meras questões formais - violação de princípios e regras procedimentais, taxativamente previstas na LAV. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º nº 122/23.0YRGMR Ação de Anulação de Sentença Arbitral Tribunal da Relação de Guimarães - 3ª Seção Cível Relatora: Maria Amália Santos 1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes 2ª Adjunta: Maria da Conceição Bucho * Acordam neste Tribunal da Relação:* “EMP01... – Distribuição de Eletricidade, S.A.”, pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., ... ..., vem propor contra AA, titular do NIF nº ...04, residente na Rua ...., ... ..., Ação de Anulação de Sentença Arbitral, nos termos do art.º 46.º, nºs 1, 2 e 3, al. a), BB. ii) , v) e vi), da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), conjugado com o art.º 42.º, n.º 3 da mesma Lei, e com os artºs 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. c) e e) do CPC, pedindo que seja anulada a sentença arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do ... (...), com os efeitos consignados no artigo 46.º, n.º 10 da LAV.* Alegou para tanto que o ... faz parte integrante da Rede de Arbitragem de Consumo, enquanto Tribunal Arbitral, tendo a Ré, enquanto arrendatária do prédio sito na Rua ...., ..., ..., celebrado, em 22-02-2017, contrato de fornecimento de energia elétrica com a EMP02..., e exercendo a A, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão no concelho ..., sendo responsável pelo abastecimento de energia elétrica, instalação do equipamento de medição – contador – e leitura das grandezas registadas e medidas nesses equipamentos de medição no prédio habitado pela ré.Acontece que a Ré apresentou uma reclamação no Tribunal Arbitral (o ...), pedindo a condenação da A no pagamento da quantia de € 21,80, que despendeu com a obtenção de uma certidão toponímica na Camara Municipal ... (para certificação da sua residência), que lhe foi pedida pela A, e de uma indemnização, no montante de €100,00, a título de danos não patrimoniais por si sofridos com a conduta da A, por não lhe ter mudado o contador da sua residência, nas datas agendadas para o efeito. A A. apresentou articulado de resposta à Reclamação da ré, apresentando a sua versão dos factos, e concluindo que cumpriu com as obrigações a que está adstrita, não sendo devida à reclamante qualquer indemnização. Juntou documentos para fundamentar a sua posição, e contrariar a versão dos factos alegada pela ré. Não obstante, o tribunal arbitral decidiu condená-la a pagar à ré as quantias por ela peticionadas, decisão com a qual a A não concorda, pedindo a sua anulação. Diz que o Tribunal Arbitral deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa, que eram suscetíveis de alterar a decisão, e que, não obstante ter tido oportunidade de apresentar a sua defesa, o Tribunal Arbitral não levou em consideração nenhum dos factos por si alegados, sendo manifesta a desigualdade de tratamento de ambas as partes. Acresce que foram dados como provados na sentença proferida factos não alegados pela R. na sua reclamação, não se vislumbrando também da decisão arbitral, de que modo e em que medida é que a atuação da A. provocou “desgaste” e “medo” à R., para que o ... lhe arbitrasse a quantia de cem euros a título de compensação por danos não patrimoniais, o que configura uma clara violação do dever de fundamentação. Além disso, diz que foi omitida pela ré na sua reclamação uma compensação que lhe foi atribuída pela A. Mais alega que o Tribunal arbitral apenas deu voz a uma versão dos factos, a versão da ré, apesar dessa versão ter várias incongruências e omissões, o que evidencia uma manifesta desigualdade no tratamento das partes e na forma como as provas foram analisadas e valoradas, o que viola o princípio de igualdade das partes. Acrescenta ainda que o Tribunal Arbitral, ao não se pronunciar sobre os factos trazidos pela Autora, ignorando a informação dada na fase da mediação, mostrou desrespeito pelo Princípio do Contraditório, consignado na alínea c) do nº1 do artigo 30º da LAV, nomeadamente os factos que permitem concluir que a A. cumpriu os deveres legalmente impostos no âmbito da sua atividade. * Citada, veio a ré Contestar, pugnando pela improcedência da ação.* Cumpridos os Vistos Legais, cumpre proferir Decisão,Sendo as Questões a Resolver na presente ação, as de saber se a sentença arbitral proferida padece dos vícios que lhe são imputados pela A. * O art.º 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, epigrafado “Pedido de anulação”, vem inserido no Capítulo VII da LAV, intitulado “Da impugnação da sentença arbitral”, constando do seu nº1 que “Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo…”, acrescentando-se no seu nº 3, alínea a), subalíneas ii), v) e vi), que “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se (…) a parte que faz o pedido demonstrar que (…) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; (…) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs 1 e 3 do artigo 42.º”.Faz a subalínea ii) referência ao nº1 do art.º 30º, referente à condução do processo arbitral, constando daquele artigo, intitulado “Princípios e regras do processo arbitral”, que “O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais: a) O demandado é citado para se defender; b) As partes são tratadas com igualdade, e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final; c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as exceções previstas na presente lei”. Por sua vez a subalínea vi) faz referência aos nºs 1 e 3 do art.º 42º da LAV, intitulado “Forma, conteúdo e eficácia da sentença”, e no qual se preceitua que “A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros (…). A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º” * Resulta assim dos preceitos legais transcritos – citados pela A –, que o pedido de anulação da decisão arbitral só pode ter por base algum dos fundamentos enunciados, os quais, confrontados com os preceitos do Código de Processo Civil relativos às sentenças judiciais, designadamente os também citados artºs 608º e 615º, nos remetem para vícios meramente formais assinalados à decisão arbitral.Isso mesmo resulta, de resto, de forma bem expressa nos nºs 9 e 10 do art.º 42º da LAV, no qual se preceitua que “O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas. Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objeto do litígio”. Perante o exposto pode afirmar-se, que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) acolhe um sistema monista de Impugnação da Sentença Arbitral, prevendo apenas o pedido de Anulação da decisão, a formular diretamente no Tribunal de 2ª Instância, sendo a decisão deste tribunal puramente cassatória, não permitindo que o Tribunal estadual conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, conforme decorre do estatuído no artigo 46º, n.º 9 da LAV, mesmo após anulação da decisão arbitral. * Isto posto, vejamos então se a Ação de Anulação da decisão arbitral ora interposta pela A respeitou os limites legais impostos pelos preceitos legais citados, e se se verifica nos autos a violação dos princípios enunciados pela A. * I- Da violação do princípio da igualdade: Considera a A que o tribunal arbitral deixou de se pronunciar sobre questões essenciais para a boa decisão da causa, e que eram suscetíveis de alterar a decisão; que não obstante a Autora ter tido oportunidade de apresentar a sua defesa, o Tribunal Arbitral não levou em consideração nenhum dos factos que a Autora alegou, sendo manifesta a desigualdade de tratamento de ambas as partes. Mais alega que o Tribunal apenas deu voz à versão dos factos apresentada nos autos pela ré, apesar dessa versão ter várias incongruências e omissões, o que evidencia uma manifesta desigualdade no tratamento das partes, e na forma como as provas foram analisadas e valoradas. Que o Tribunal, ao ignorar os argumentos, provas e factos trazidos pela Autora, não se pronunciando sobre os mesmos, violou o princípio da igualdade das partes, e evidencia uma tendência para um dos pratos da balança que não se pode admitir. Acrescenta que defendeu a sua posição no articulado de resposta, exigindo-se que os factos que trouxe ao processo fossem analisados de forma criteriosa e referidos na sentença, ainda que para serem considerados como não provados. Ora o Tribunal, ao não se pronunciar sobre os factos trazidos pela Autora, ignorando a informação por ela dada na fase de mediação, mostrou um total desrespeito pelo Princípio do Contraditório, consignado na alínea c) do nº1 do artigo 30º da LAV, nomeadamente os factos que permitem concluir que a A. cumpriu os deveres legalmente impostos no âmbito da sua atividade, e está a violar de forma flagrante o disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC. Por outro lado, o facto de o Tribunal aceitar a versão dos factos trazidos pela Ré, sem "analisar criticamente" os documentos juntos, incluindo os que são juntos pela própria, nomeadamente a compensação atribuída pela Autora, e as cartas enviadas, está a violar o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC e, o principio da igualdade das partes. Com efeito, impunha-se ao Tribunal perceber e pronunciar-se sobre toda a sucessão de factos que levou à substituição do contador, por forma a poder, de forma fundamentado, julgar se a A. atuou de forma ilícita ou não, tendo para tal de analisar criticamente os factos e documentos trazidos aos autos pelas partes, o que não aconteceu, o que levaria a concluir-se que a A. cumpriu todos os deveres legalmente exigidos, e que compensou a R. nos mesmos termos. Ou seja, conclui a A que não existiu qualquer atuação ou omissão de natureza ilícita, voluntária e culposa da sua parte, tendo ela cumprido todos os requisitos exigidos quer no Regulamento das Relações Comerciais (RRC), quer no Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS). * Mas não vemos – face à alegação da A -, em que medida o tribunal arbitral tenha violado o princípio da igualdade das partes.Coloca a A a questão da violação do princípio da igualdade, no facto de não terem sido considerados na decisão arbitral factos por si alegados na sua defesa, que considera relevantes para a boa decisão da causa, questionando, no fundo, o próprio mérito da decisão arbitral, considerando que foi deixado de apreciar naquela decisão, matéria de facto por si alegada, e que levaria a dar-lhe razão e não à reclamante. O princípio da igualdade das partes contende, contrariamente ao defendido pela A, com a condução do próprio processo arbitral, e com as garantias das partes que aquele processo deve assegurar. Ora, como a própria A admite, ela teve oportunidade de apresentar a sua defesa, não acusando a violação, quer no processo arbitral, quer na decisão proferida, de qualquer dos princípios enunciados no art.º 30º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV). Efetivamente, regula a condução do processo arbitral, o Capítulo V da LAV, Intitulado “Da condução do processo arbitral”, prevendo-se no nº1 do art.º 30.º os vários Princípios e regras daquele processo, que se assemelham em tudo aos princípios subjacentes a um processo judicial, prevendo-se nele que o processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais: o princípio da defesa (alínea a); o princípio da igualdade (alínea b); e o princípio do contraditório (alínea c), acrescentando-se no nº2 que “As partes podem, até à aceitação do primeiro árbitro, acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem, com respeito pelos princípios fundamentais consignados no número anterior do presente artigo e pelas demais normas imperativas constantes desta lei”. Claro que, à parte as restrições previstas no número anterior – o respeito pelos princípios fundamentais enunciados, e as normas de caráter imperativo previstas na LAV -, na falta de acordo das partes, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas, devendo explicitar, se for esse o caso, que considera subsidiariamente aplicável o disposto na lei que rege o processo perante o tribunal estadual competente (nº3), compreendendo esses poderes o de determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir (nº4). Tem aqui, como se vê, plena aplicação, o princípio da livre apreciação das provas por parte do tribunal arbitral. * Ora, como se disse, o princípio da igualdade das partes tem a ver com o processo arbitral, encontrando-se esse princípio expressamente consagrado no art.º 30º, vindo depois explanados, nos artºs 33º e ss. da LAV, os termos a seguir na condução daquele processo, cuja tramitação e conformidade com a lei, a A não põe em causa.Daí que não vemos como possa a A. invocar a violação do princípio da igualdade, uma vez que lhe foram assegurados, como a própria admite, ao longo de todo o processo, todos os seus direitos de defesa, designadamente foi sempre respeitado e feito respeitar, durante todo o processo, o princípio do contraditório. Reiteramos o acima afirmado: a A confunde a violação do princípio da igualdade e do contraditório – princípios relacionados com a condução do processo arbitral -, com a decisão propriamente dita, na qual, segundo a A, não terão sido levados em consideração os factos por si alegados na sua defesa, os quais o tribunal arbitral não terá valorado. Essa questão contende já, como se disse, com a própria decisão de mérito, sobre a qual, aliás, não podemos sequer pronunciarmo-nos. * II- Da anulação da decisão arbitral, por falta e excesso de pronúncia; por condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; e por falta de fundamentação:Embora de uma forma pouco ordenada, podemos perceber pelas alegações da A, que a mesma acusa a decisão arbitral de ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; de ter conhecido de questões das quais não devia conhecer; de ter condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; e de ser omissa na fundamentação. Efetivamente, diz a A que a Ré pedia a sua condenação “no pagamento da quantia de € 21,80, associado à certidão toponímica requerida e paga na Câmara Municipal ... por exigência da EMP01...” e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a quantia de € 100,00€, de forma a minimizar os transtornos provocados pela situação, que lhe tem causado grande desgaste psicológico. Com a Reclamação, a Ré juntou três cartas que lhe foram enviadas pela Autora, datadas de 06-09-2022, 01-11-2022 e 08-11-2022, as quais, se devidamente analisadas pelo tribunal, era possível perceber que existiam incongruências na sua reclamação, quanto às deslocações e agendamentos para a substituição do contador, assim como sobre a legitimidade na indemnização pretendida. Segundo a A, nenhum desses factos é evidenciado, referido ou analisado na sentença, apesar dos esclarecimentos por ela prestados na fase de mediação, sendo certo que os mesmos tinham permitido provar que a A. cumpriu as obrigações que lhe são impostas enquanto Operador de Rede de Distribuição de energia elétrica, e afastar qualquer comportamento alegadamente ilícito, voluntário e culposo. Por outro lado, o ... deu como provado que a Requerida, após 10-09-2022, “agendou 2 novas datas para a substituição do contador” e que “A Requerida não compareceu por 3 vezes à data que agendou para substituição do contador, sendo que, a Requerente ficou 3 manhãs inteiras em casa a aguardar que a mesma comparecesse”, factos esses que não foram alegados pela R. na sua reclamação. Da mesma forma, a sentença arbitral deu como provado que “A forma como a Requerida atou, provocou desgaste e medo à Requerente”, facto que não foi alegado na Reclamação da R, nem se vislumbra da decisão arbitral de que modo e em que medida é que a atuação da A. provocou “desgaste” e “medo” à R., para que o ... arbitrasse a quantia de cem euros a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, o que configura uma clara violação do dever de fundamentação. Valor que considera indevido, face aos critérios jurisprudenciais seguidos nesta matéria e à facticidade apurada, considerando ainda o facto de que foi atribuída pela A uma compensação à R, mas que aquela omitiu na sua reclamação. Mais alega que para afirmar a existência da responsabilidade civil extracontratual, o tribunal arbitral teria que dar como provada a existência dos elementos constantes do art.º 483.º do Código Civil, ou seja, tinha que ter dado como provada a verificação do facto ilícito, do dano e do nexo causal, faltando à decisão proferida o estabelecimento do nexo causal entre o facto e o dano, bem como do nexo de imputação do facto à A, não podendo considerar-se válida a sentença, porque não fundamentada, nos moldes que a lei impõe. * Ora, com base nestes factos, considera a A que foram violados os deveres de pronúncia do tribunal, consagrados no art.º 46º nº 3 da LAV, e no qual se prevê que “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se (…) a parte que faz o pedido demonstrar que (…) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar…”Está esta forma de invalidade da sentença arbitral equiparada à nulidade da sentença judicial, nos termos previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. d) e e) do CPC, no qual se preceitua que a sentença é nula: se o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar; se conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento; e se condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Mas não assiste razão à A., como é bom de ver. É pacífico o entendimento, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que as decisões proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e, como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC. Os vícios determinativos da invalidade/nulidade da decisão judicial reportam-se a vícios formais desta, e decorrem do facto de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação, e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida, tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão em si mesma considerada, ou seja, vícios formais que afetam a decisão de per se, ou os limites à sombra dos quais é proferida (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734). Diferentemente desses vícios, são os denominados erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios em que incorreu o tribunal ao nível do julgamento da matéria de facto, ou ao nível da aplicação do Direito, e decorrem do facto do juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso daquele que realizou (error facti), e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se, assim, a uma deficiente análise crítica da prova produzida, e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da decisão em si mesma considerada (vícios formais), ou aos limites à sombra dos quais esta é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando, atacável em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001, disponível em www.dgsi.pt). Feita esta distinção preliminar quanto aos vícios da decisão, de toda a utilidade, em nosso entender, no caso em análise, concentremo-nos então nos vícios formais ou de elaboração da decisão, invocados pela A na ação, como pressupostos de invalidade/nulidade da sentença arbitral proferida. Entre as causas de nulidade da decisão, conta-se a nulidade por omissão e excesso de pronúncia, e a condenação para além do pedido (art.º 46º nº 3 da LAV). A nulidade por omissão de pronúncia relaciona-se com a regra basilar (consagrada no art.º 608º do CPC, mas também aplicável à decisão arbitral), que impõe ao juiz a obrigação de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer de questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Com efeito, deve o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, isto é, de todos os pedidos por elas deduzidos, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos, e de todas as exceções invocadas, com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143 e Ac RC. de 22/07/2010, também disponível em www.dgsi.pt). Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir, ou exceção não arguidos pelas partes, e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia. Acresce ter presente que como já alertava José Alberto dos Reis (ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143), impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos (…). Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Assim sendo, apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões colocadas. No mesmo sentido se pronuncia Ferreira de Almeida (“Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371) afirmando que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”. Acresce que apenas ocorrerá nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na decisão, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto a determinada questão que tenha sido suscitada pelas partes, e cuja apreciação não esteja prejudicada pelo conhecimento de outra questão de que conheceu e decidiu, e não quando aprecia essa questão de forma sintética e escassamente fundamentada (Acs. STJ. de 20/06/2006 e de 13/07/2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). * Ora, como é bom de ver, de nenhum destes vícios padece a decisão arbitral proferida.O árbitro não deixou de conhecer de nenhuma questão que lhe tenha sido suscitada pelas partes, que no caso era a prática, pela A, de uma conduta alegadamente ilícita – porque violadora dos seus deveres profissionais – que causou prejuízos à reclamante. Ora, essa questão – única colocada nos autos pela reclamante –, foi apreciada e decidida pelo tribunal arbitral, quer em termos de facto, quer em termos de direito, nada mais lhe sendo exigível, para além do que lhe foi solicitado. Não houve falta nem excesso de pronúncia, porque o tribunal conheceu apenas e só da questão que lhe foi suscitada pela parte reclamante – e que era o objeto do litígio – a questão da responsabilidade da reclamada pelos danos causados à reclamante. A forma como o tribunal apreciou e decidiu essa questão contende já com o mérito da causa, e que não pode ser vista nem encarada, como causa de anulação da decisão. O mesmo se diga do vício da violação do princípio do pedido, na medida em que o tribunal condenou exatamente no valor peticionado; não houve condenação além do pedido, nem em quantidade, nem em qualidade. A questão agora levantada pela A - de que foi omitido pela reclamante o facto de já ter sido indemnizada pela reclamada, no valor de € 20,00 -, não foi conhecida pelo tribunal arbitral, simplesmente porque tal questão não foi suscitada pela A no processo arbitral (no qual nem não deduziu contestação). A invocação do pagamento de parte da quantia peticionada deveria ter sido invocado pela reclamada naquele processo, por via de exceção, como facto relevante em termos de extinção (parcial) do pedido, o que não aconteceu, e daí que o mesmo não tenha sido levado à matéria de facto, nem apreciado pelo tribunal arbitral. Não se verifica, assim, em nosso entender, nenhuma das nulidades da decisão, invocadas pela A. * E o mesmo se passa quanto à alegada nulidade da decisão arbitral, por falta de fundamentação.Consabidamente, os tribunais arbitrais são uma espécie de tribunais (artigo 209º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), os quais, embora com menos exigências, também se encontram sujeitos ao dever de fundamentação das suas decisões. Efetivamente, apesar da natureza informal e prática do processo arbitral, a sentença arbitral deve ser fundamentada, como o impõem os nºs 1 e 3 do art.º 42º da LAV, intitulado “Forma, conteúdo e eficácia da sentença”, e no qual se preceitua que “A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros (…). A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º” Ou seja, tal como as sentenças judiciais, também a fundamentação da sentença arbitral deve conter as razões de facto e de direito que justificam a decisão, em termos que não diferem do regime da lei adjetiva para a sentença judicial, cuja falta de fundamentação vem sancionada com a nulidade, nos termos previstos no art.º 615º nº1, alínea b) do CPC. De outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação em caso de impugnação judicial. Assim, de acordo com o normativo transcrito (art.º 42º da LAV), é nula a sentença quando o juiz/árbitro não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou seja, quando seja violado o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados, e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Aliás, a fundamentação da decisão - arbitral ou judicial -, é uma exigência constitucional (artigo 205º, nº.1 da CRP), tendo a legislação ordinária acolhido essa exigência, quer na lei adjetiva (art.º 607º do CPC), quer na Lei da Arbitragem (art.º 42º, nº 1 e 3 da LAV), sendo na fundamentação da decisão que o tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão; a fundamentação da decisão é imprescindível a qualquer processo que se queira equitativo e contraditório. E à semelhança do que se vem afirmando relativamente às decisões judiciais, também a fundamentação das decisões arbitrais pretende assegurar um triplo objetivo: o de impor ao juiz/árbitro um momento de verificação e controlo crítico da lógica da sua decisão; de habilitar as partes, em caso de impugnação, a exprimirem, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente da decisão proferida; e de garantir o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica. O dever de fundamentação das decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta ademais no pressuposto basilar, de que a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário de quem a profere; ela é antes, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, assentando na necessidade de as partes serem, não só esclarecidas, mas convencidas do seu acerto (José Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, volume 2º, página 172, e Código Processo Civil anotado, volume I, 3.ª edição, página 284). Assente esse princípio, tem sido no entanto pacífico, tanto na doutrina, como na jurisprudência, o entendimento de que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos (de facto e de direito), gera a nulidade da decisão; a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de vir a ser revogada ou alterada em via de recurso, mas não produz a sua nulidade. * Assentes estes princípios, facilmente constatamos, pela análise da sentença arbitral proferida, que a mesma não padece do vício que lhe é apontado pela A.Como da mesma consta, estamos perante uma decisão bem estruturada, em termos em tudo semelhantes a uma decisão judicial, com um relatório, onde são identificadas as partes e o objeto do litígio, seguindo-se a fundamentação, quer de facto, quer de direito, com a descrição dos factos provados e não provados e a respetiva motivação, e a fundamentação jurídica, com a subsunção dos factos às normas e aos institutos jurídicos aplicáveis, terminando-se com o dispositivo, onde se concentra a condenação da reclamada. Nenhum reparo temos assim a fazer à decisão proferida, que contém a fundamentação necessária e suficiente em termos legais. * Tudo visto e ponderado, a conclusão a tirar é a de que de nenhum vício formal padece a sentença arbitral proferida, não se enquadrando nenhum das alegações da A em nenhuma das situações tipificadas na Lei (quer na Lei da Arbitragem, quer na Lei processual civil) suscetíveis de levarem à anulação da sentença proferida pelo tribunal arbitral.No fundo, o que anotamos na presente Ação de Anulação, é que a A pretende pôr em causa a análise que o Arbitro fez dos documentos apresentados, pretendendo que este tribunal aprecie a assertividade do tribunal arbitral na análise daquela prova, como se de um verdadeiro recurso da matéria de facto se tratasse, o que está vedado a este tribunal fazer. Até porque, como resulta da motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal arbitral levou em consideração, na decisão da matéria de facto, outra prova, para além da prova documental, designadamente a prova testemunhal que a reclamante indicou. E o mesmo se passa com a própria decisão de mérito – com a subsunção dos factos provados às normas e aos institutos jurídicos aplicáveis –, cuja apreciação, como se deixou dito logo no início, está vedado a este tribunal fazer. O recurso à arbitragem tem por base uma “Convenção de arbitragem” celebrada pelas partes, através da qual elas aceitam submeter à decisão dos árbitros a resolução de um determinado litígio. Preceitua efetivamente o art.º 1º da LAV, intitulado “Convenção de arbitragem”, que “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido. A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). As partes podem acordar em submeter a arbitragem, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras que requeiram a intervenção de um decisor imparcial, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar e adaptar contratos de prestações duradouras a novas circunstâncias. O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado”. No que respeita aos árbitros, preceitua também o art.º 9.º da mesma Lei, intitulado “Requisitos dos árbitros”, que “Os árbitros devem ser independentes e imparciais”, e “…não podem ser responsabilizados por danos decorrentes das decisões por eles proferidas, salvo nos casos em que os magistrados judiciais o possam ser”. Resulta assim dos preceitos legais transcritos, que a decisão das partes em submeter um litígio a um tribunal arbitral – mediante uma convenção de arbitragem -, os vincula, como se estivessem perante um tribunal estadual, figurando os árbitros como juízes, no sentido de que devem desempenhar a sua função com independência e imparcialidade. Nos termos ainda do art.º 19º da LAV, intitulado “Extensão da intervenção dos tribunais estaduais”, “Nas matérias reguladas pela presente lei, os tribunais estaduais só podem intervir nos casos em que esta o prevê”. E na parte relativa à sentença arbitral, prevê o art.º 39º, intitulado “Direito aplicável, recurso à equidade; irrecorribilidade da decisão” inserido no Capítulo relativo à “…sentença arbitral e encerramento do processo”, que “Os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade”. Muito importante é o que se dispõe no nº 4 do mesmo preceito, de que “A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente, no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem, e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”. Resulta assim claro dos preceitos legais transcritos, que as partes são soberanas na submissão do litígio a um tribunal arbitral – mediante convenção de arbitragem -, assumindo assim, à partida, que aceitam a decisão de mérito por ele proferida, mesmo que com recurso às disposições legais vigentes, e sem recurso para os tribunais estaduais. Essa é a regra, sendo necessária a expressa previsão das partes em sentido contrário, caso pretendam interpor recurso da decisão arbitral - regra essa que não se verifica nos processos judiciais, em que, em princípio, todas as decisões judicias são suscetíveis de recurso - desde que preencham os requisitos para a sua recorribilidade -, sendo a renúncia ao recurso uma exceção, de acordo com o art.º 632º do CPC. A este propósito, dir-se-á que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) acolhe um sistema monista de Impugnação da Sentença Arbitral, prevendo apenas o pedido de Anulação da decisão, a formular diretamente no Tribunal de 2ª Instância, sendo a decisão deste tribunal puramente cassatória, não permitindo que o Tribunal estadual conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, conforme decorre do estatuído no artigo 46º, n.º 9 da LAV, mesmo após anulação da decisão arbitral. Isso mesmo resulta, como acima já deixamos dito, de forma bem expressa nos nºs 9 e 10 do art.º 42º da LAV, no qual se preceitua que “O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas. Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objeto do litígio”. Ou seja, a Ação de Anulação de Sentença Arbitral - que segue a forma de processo especial previsto no artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de dezembro -, não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, cabendo a decisão dessas questões em exclusividade ao tribunal arbitral, caso as partes não tenham salvaguardado a possibilidade de recorrerem dessa decisão para o tribunal estadual (Ac. do STJ de 16.3.2017, disponível em www.dgsi.pt). * Ora, é manifestamente esse o caso dos autos, em que as partes submeteram o seu litígio ao tribunal arbitral, assumindo ambas, tacitamente, que aceitariam a decisão de mérito que fosse proferida pelo árbitro, sem dela recorrerem, não sendo lícito à A pôr em causa a decisão proferida, que foi decidida por árbitro imparcial e independente, e que fez uso dos poderes que a Lei lhe conferem, proferindo a decisão de acordo com a valoração que fez das provas produzidas, e apenas baseado na sua livre convicção.Não obstante essa realidade, a A parece não estar ciente dessa sua manifestação de vontade, pois enuncia nas suas alegações, a violação, quer no processo arbitral, quer na decisão proferida, de vários princípios, suscetíveis, em tese, de levarem à anulação da decisão arbitral proferida, sendo certo que no fundo o que pretende é “atacar” o mérito da decisão arbitral, dela interpor recurso, criticando a apreciação feita pelo árbitro dos meios de prova apresentados pela reclamante - nomeadamente os documentos a que faz referência na presente ação -, pretendendo, no fundo, ver alterada a decisão arbitral, por razões de ordem substancial e não meramente formais – únicas que poderiam levar à anulação da decisão por este tribunal estadual. * Restringindo assim a apreciação da presente Ação de Anulação da sentença Arbitral às questões de natureza formal, próprias daquela Ação, concluímos pela improcedência da mesma.* III- Decisão:Pelo exposto, Acordam os Desembargadores deste Tribunal da Relação em julgar Improcedente a Ação. Custas pela A (art.º 527º nº1 e 2 do CPC). * Sumário:I. A Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) apenas permite a impugnação da decisão arbitral pela via da “Ação de Anulação de Sentença Arbitral”, dirigida ao tribunal estadual competente – no caso, ao Tribunal da Relação. II- O pedido de Anulação da Sentença Arbitral pressupõe a verificação de algum dos fundamentos taxativamente previstos na LAV, e que correspondem, grosso modo, apenas a vícios de ordem formal (equiparados às nulidades da sentença previstas no art.º 615º do CPC). III- Não cabe assim na Ação de Anulação da Sentença Arbitral a impugnação do mérito da decisão – nem quanto á matéria de facto, nem quanto à matéria jurídica. IV- Se as partes se vincularam por uma “Convenção Arbitral”, e nada estipularam quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral, têm de sujeitar-se à decisão dos árbitros em tudo quanto exceda as meras questões formais - violação de princípios e regras procedimentais, taxativamente previstas na LAV. * Guimarães, 23.11.2023 |