Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2798/22.6T8GMR-E.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
AÇÕES DECLARATIVAS INSTAURADAS APÓS A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO
CONCEITO DE “QUESTÕES RELATIVAS A BENS COMPREENDIDOS NA MASSA INSOLVENTE”
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Como consequência da natureza universal e concursal do processo de insolvência, tudo o quanto possa influir na composição da massa insolvente é atraído para o processo de insolvência, pelo que, nos termos do art. 85º, n.º 1 do CIRE, devem ser a ele apensadas todas as ações declarativas em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, instauradas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas neste caso, cujo resultado possa influenciar o valor da massa, assim como todas as ações declarativas de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, contanto que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo de insolvência.
2- Por ações declarativas em que se apreciem questões compreendidas na massa insolvente compreendem-se aquelas cujo resultado possa levar à integração ou exclusão na massa insolvente dos bens ou direitos que nelas estão a ser discutidos.
3- As ações a apensar são tanto as que foram instauradas antes da declaração da insolvência do devedor, como as que foram instauradas após a declaração da sua insolvência, mas que sejam instauradas na pendência do processo de insolvência.
4- É de deferir o pedido formulado pela administradora da insolvência de apensação de ação declarativa instaurada pela Massa Insolvente contra uma sociedade, em que é pedida a declaração da nulidade, por simulação, de três contratos de compra e venda celebrados pela devedora antes de ter sido declarada insolvente, mediante os quais declarou vender dois prédios de que era proprietária, uma vez que, em caso de procedência dessa ação, os prédios reintegrarão o seu património e, por força do art. 46º do CIRE, passarão a integrar a massa insolvente; e, por isso, a apensação revela-se conveniente para a liquidação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ..., instaurou, em 25/05/2022, ação especial de insolvência, requerendo que fosse declarada insolvente e lhe fosse concedido o benefício da exoneração do passivo restante.
Por sentença proferida em 27/05/2022, transitada em julgado, declarou-se a devedora AA insolvente.
Por decisão proferida em 08/11/2022, transitada em julgado, determinou-se o encerramento do processo de insolvência, ao abrigo da al. e), do n.º 1, do art. 230º do CIRE; declarou-se o caráter fortuito da insolvência; admitiu-se liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante; e nomeou-se como fiduciária a administradora da insolvência.
Em 16/01/2024, a administradora da insolvência, em cumprimento do disposto no art. 61º, n.º 1 do CIRE, informou ter sido intentada “pela Massa Insolvente ação de processo comum (nulidade de negócios), Processo n.º 2895/23...., que corre termos no Juízo Central Cível de ..., Juiz .... O processo encontra-se no fim dos articulados, tendo a Autora Massa Insolvente sido notificada para responder às exceções deduzidas pela Ré e pela interveniente. Aguarda-se desenvolvimento desta ação”.
Por requerimento entrado em juízo em 11/03/2024, a administradora da insolvência requereu que, ao abrigo do disposto no art. 85º, n.º 1 do CIRE, se procedesse à apensação aos presentes autos de insolvência da ação declarativa n.º 2895/23...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., em que a Massa Insolvente figura como Autora e a sociedade EMP01..., Lda. como Ré.
Por requerimento de 18/03/2024, a devedora AA opôs-se ao requerido, alegando que o imóvel objeto daquela ação declarativa não integra a massa insolvente e que, “em 31/08/2023, no apenso C relativo a apreensão de bens, a EMP01..., Lda., proprietária do imóvel, pediu a restituição deste, requerimento que replicou nos autos principais em 01/09/2023 e que, notificada a administradora da insolvência, em 22/09/2023, para deduzir oposição ao requerido, manteve-se silente, porque o imóvel em causa não integra a massa insolvente”.
Em 20/03/2024, a administradora da insolvência reiterou o requerimento de 11/03/2024, advogando que naquele “processo é peticionada a nulidade de negócios, com a consequente apreensão dos imóveis a favor da massa insolvente, encontrando-se assim reunidos os pressupostos do n.º 1 do art. 85º do CIRE”.
Por despacho proferido em 04/04/2024, a 1ª Instância deferiu aquela pretensão e, em consequência, ordenou a apensação aos presentes autos de insolvência do processo de ação declarativa acima identificada, constando esse despacho do seguinte teor (que aqui se transcreve ipsis verbis):
“No Ac. da RE 18/06/2017 (Tomé Ramião) decidiu-se que: «Justifica-se a apensação da ação declarativa ao processo de insolvência, nos termos do art.º 85.º/1 do CIRE, quando se apreciam questões relativas a imóvel compreendido na massa insolvente, proposta pelo devedor contra terceiro, cujo resultado pode influenciar o valor da massa, sendo essa apensação conveniente para os fins do processo, em particular para a liquidação da massa insolvente, pois a procedência da ação acarreta a possível reintegração do imóvel no património da massa insolvente».
Na referida ação sob o n.º 2895/23...., do Juízo Central Cível de ..., J..., foi peticionada pela Massa Insolvente:
A) DECLARAR-SE NULO E DE NENHUM EFEITO, O ATO DE COMPRA E VENDA CELEBRADO EM 07 DE DEZEMBRO DE 2016, FORMALIZADO POR DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO POR BB, ADVOGADA, PORTADORA DA CP ...72..., COM DOMICILIO PROFISSIONAL EM LARGO ..., MEDIANTE O QUAL A INSOLVENTE DECLAROU VENDÊ-LO À RÉ, EMP01..., LDA., PELO MONTANTE DE € 85.000,00 (OITENTA E CINCO MIL EUROS) E MELHOR DESCRITO SOB O DOC. 6 JUNTO, CANCELANDO-SE OS REGISTOS QUE, POSTERIORMENTE, FORAM EFETUADOS EM PROVENIÊNCIA DESTE ATO;
B) DECLARAR-SE NULO E DE NENHUM EFEITO, O ATO DE COMPRA E VENDA CELEBRADO EM ../../2016, FORMALIZADO POR DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO POR BB, ADVOGADA, PORTADORA DA CP ...72..., COM DOMICILIO PROFISSIONAL EM LARGO ..., MEDIANTE O QUAL A INSOLVENTE DECLAROU VENDÊ-LO A CC, PELO MONTANTE DE € 181.000,00 (CENTO E OITENTA E UM MIL EUROS) E MELHOR DESCRITO SOB O DOC. 7 JUNTO, COMPRADOR ESSE QUE, POSTERIORMENTE, EM 11 DE SETEMBRO DE 2020, POR CONTRATO DE COMPRA E VENDA, FORMALIZADO POR DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO POR DD, ADVOGADO, PORTADOR DA CP ...64..., COM DOMICILIO PROFISSIONAL EM LARGO ..., MEDIANTE O QUAL DECLAROU VENDÊ-LO À RÉ EMP01..., LDA., PELO MONTANTE DE € 185.000,00 (CENTO E OITENTA E CINCO MIL EUROS), E MELHOR DESCRITO SOB O DOC. 8 JUNTO, CANCELANDO-SE OS REGISTOS QUE, POSTERIORMENTE, FORAM EFECTUADOS EM PROVENIÊNCIA DESTES ATOS, E;
C) ORDENAR-SE A APREENSÃO DOS PRÉDIOS EM APREÇO A FAVOR DA AUTORA, MASSA INSOLVENTE DE AA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
Tudo visto, e por se verificarem os requisitos legais previstos no art. 85º, n.º 1 do CIRE solicite para apensação o referido processo n.º 2895/23....”.

Na sequência do despacho que se acaba de transcrever, a ação declarativa n.º 2895/23...., do Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., foi apensada à presente ação de insolvência em 10/04/2024, constituindo o seu apenso D.
Compulsado o identificado apenso verifica-se que, em 23/05/2023, Massa Insolvente de AA, representada pela administradora da insolvência, EE, instaurou ação declarativa de condenação, contra EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que se:
a- Declarasse nulo e de nenhum efeito o ato de compra e venda celebrado em ../../2016, formalizado por documento particular autenticado por BB, advogada, portadora da CP ...72..., com domicílio profissional no LARGO ..., mediante o qual a insolvente declarou vender à Ré EMP01..., Lda., pelo montante de 85.000,00 euros, o prédio melhor descrito sob o doc. 6 junto, cancelando-se os registos que, posteriormente foram efetuados em proveniência deste ato;
b- Declarasse nulo e de nenhum efeito o ato de compra e venda celebrado em ../../2016, formalizado por documento particular autenticado por BB, advogada, portadora da CP ...72..., com domicílio profissional no LARGO ..., mediante o qual a insolvente declarou vender a CC, pelo montante de 181.000,00 euros, o prédio melhor descrito sob o doc. 7 junto, comprador esse que, posteriormente, em 11 de setembro de 2020, por contrato de compra e venda, formalizado por documento particular autenticado por DD, advogado, portador da CP ...64..., com domicílio profissional no Largo ..., mediante o qual declarou vender à Ré EMP01..., Lda., pelo montante de 185.000,00 euros,  o mesmo prédio, melhor descrito sob o doc. 8 junto, cancelando-se os registos que, posteriormente, foram efetuados em proveniência destes atos; e
c- Ordenasse a apreensão dos prédios em apreço a favor da Autora Massa Insolvente de AA, com as demais consequências legais.
Para tanto alegou, em síntese, que: AA é mãe da atual sócia e gerente da Ré, tendo ambas a mesma morada; AA foi sócia e gerente da Ré, encontrando-se então o capital social desta repartido por dois sócios: AA e FF; AA cessou as funções de gerente da Ré em 31/07/2013, data em que FF vendeu a sua quota no capital social da Ré ao filho de AA, e esta vendeu a sua quota na mesma sociedade à sua filha GG, a qual foi nomeada sua gerente; AA foi declarada insolvente por sentença de 27/05/2023, que transitou em julgado; antes de ter sido declarada insolvente, AA era proprietária da fração designada pelas letras ..., do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11, freguesia ..., e do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, onde continua a residir, mais a sua filha GG; por documento particular autenticado de ../../2016, AA declarou vender o primeiro prédio antes identificado à sua filha GG, pelo preço de 85.000,00 euros; e por documento particular autenticado, em ../../2016, declarou vender o segundo prédio antes identificado a CC, pelo preço de 181.000,00 euros, o qual, por documento particular autenticado, em ../../2020, declarou vendê-lo à Ré, pelo preço de 185.000,00 euros;  acontece que os outorgantes vendedores e compradores que celebraram os identificados contratos de compra e venda não tiveram intenção de, respetivamente, vender e comprar os prédios objeto dos mesmos, não correspondendo as vontade que neles declararam às suas vontades reais; os outorgantes compradores não pagaram aos outorgantes vendedores o preço declarado naqueles contratos, mas antes celebraram os mesmos conluiados entre si, com o único propósito de enganarem os credores de AA, impedindo-os de cobrarem os seus créditos à custa dos prédios objeto daquelas compras e vendas.
Inconformada com o despacho proferido em 04/04/2024, em que a 1ª Instância deferiu a pretensão da administradora da insolvência no sentido de que fosse apensada ao presente processo de insolvência a ação declarativa n.º 2895/23...., do Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., e que, em consequência, ordenou essa apensação, a devedora AA interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
A- O despacho recorrido não é de mero expediente, uma vez que não se destina somente a regular o andamento do processo, mas sim a fazer deslocar o processo do Tribunal originariamente competente para outro, o que no entender da Recorrente se traduz num verdadeiro desaforamento.
B- Tal despacho é recorrível, até porque os nossos Tribunais foram já chamados a decidir sobre iguais decisões que tinham como objeto único a aplicação do artigo 85º do CIRE -  cfr. acórdão do TRE, processo n.º 1793/11.5TBLLE-AA.E1, de 28/06/2017, Acórdão TRC, processo n.º 2227/16.4T8VIS-D.C1, de 10/05/2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt  
C- O despacho recorrido determinou a apensação a estes autos de insolvência da ação n.º 2895/23...., que corre termos no Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., em violação do artigo 85º, n.º 1 do CIRE.
D- A apensação de acordo com o artigo 85º, n.º 1 do CIRE pressupõe a verificação de 3 requisitos, a saber: que as ações digam respeito a bens compreendidos na massa insolvente; que as ações tenham sido intentadas contra o devedor ou contra terceiro; e que o resultado possa influenciar o valor da massa.
E- O bem em causa na ação a apensar não compreende qualquer bem da massa insolvente, falhando desde logo um dos requisitos legais para a apensação.
F- A sociedade EMP01..., Lda., R. na ação comum (2895/23....), requereu a restituição do imóvel sua propriedade em 31/08/2023 (no apenso C) e em 01/09/2023 (nos autos principais), sendo que, notificada a senhora A.I., a mesma não deduziu oposição, mantendo-se silente.
G- A não oposição da massa insolvente à restituição do imóvel à R. EMP01..., Lda. só pode ser entendida como concordância quanto à não integração do imóvel em causa na massa insolvente.
H- O artigo 85º, n.º 1 do CIRE apenas diz respeito a ações que estejam pendentes no momento da declaração de insolvência, daí a própria epígrafe do artigo e já não ação instauradas após aquela declaração.
I- A decisão recorrida deve ser revogada por violação do artigo 85º, n.º 1 do CIRE.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a não apensação do processo n.º 2895/23.... a estes autos de insolvência.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho recorrido (que ordenou a apensação aos presentes autos de insolvência da ação declarativa n.º 2895/23...., do Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., ao abrigo do disposto no art. 85º, n.º 1 do CIRE) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e substituição por outro em que se indefira essa apensação.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a questão decidenda no presente recurso são os que constam do «Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já após o trânsito em julgado da decisão proferida em 08/11/2022, em que se determinou o encerramento do presente processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art. 230º, n.º 1, al. e) do CIRE (que não é um verdadeiro encerramento do processo de insolvência, mas que apenas se destina a determinar o início do período de cessão), em que se deferiu liminarmente o incidente de exoneração do pedido restante formulado pela devedora (ora recorrente), AA, e em que se nomeou como fiduciária a administradora da insolvência, esta, em 11/03/2024, requereu, ao abrigo do disposto no art. 85º, n.º 1 do CIRE, a apensação aos presentes autos de insolvência da ação declarativa de condenação n.º 2895/23...., do Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., que a Massa Insolvente de AA, representada pela administradora da insolvência, instaurou em 23/05/2023, contra EMP01..., Lda., em que requereu que fossem declarados nulos, por simulação, três contratos de compra e venda, sendo: um, celebrado em ../../2016, mediante o qual a devedora AA declarou vender à Ré a fração autónoma designada pelas letras ..., do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11, da freguesia ..., pelo preço de 85.000,00 euros; outro, celebrado em ../../2016, em que a devedora declarou vender a CC o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., pelo preço de 181.000,00 euros; e um terceiro, celebrado em ../../2020, em que o identificado CC declarou vender esse mesmo prédio à Ré, pelo preço de 185.000,00 euros.
A 1ª Instância deferiu essa pretensão e, em consequência, ao abrigo do disposto no art. 85º n.º 1 do CIRE, ordenou a apensação da identificada ação ao presente processo de insolvência, o que não merece a adesão da recorrente, que imputa ao decidido erro de direito, advogando que a apensação determinada ao abrigo daquela disposição legal pressupõe que se encontrem preenchidos três requisitos cumulativos, a saber: a) que as ações digam respeito a bens compreendidos na massa insolvente; b) que as ações tenham sido intentadas contra o devedor ou contra terceiro; e c) que o resultado possa influenciar o valor da massa. Ora, no que à ação declarativa cuja apensação ao presente processo foi determinada defende que: falha, desde logo, o primeiro dos identificados pressupostos, dado que essa ação não tem por objeto bens que tivessem sido apreendidos para a massa insolvente; e acresce que a referida disposição legal diz respeito a ações que estejam pendentes no momento da declaração da insolvência, o que não é o caso da referida ação declarativa.
Vejamos se assiste fundamento fáctico e jurídico à recorrente para as críticas que assaca ao despacho recorrido.
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor e na repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º, n.º 1 do CIRE, a que se reportam todas as disposições que se venham a citar, sem menção em contrário).
O processo de insolvência é, assim, um processo especial, que tem por finalidade primacial a satisfação dos credores do devedor declarado insolvente, os quais são todos chamados ao processo de insolvência (daí o seu caráter universal), a fim de reclamarem os seus créditos, para que, uma vez julgados verificados e graduados em sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, decidido por eles o destino a dar ao processo de insolvência, caso esse destino passe pela liquidação do património do devedor, seja dado pagamento a esses seus créditos sobre a insolvência pela forma estabelecida no processo de insolvência, uma vez pagas as dívidas da própria massa insolvente (arts. 46º, 128º e 173º).
A satisfação dos interesses dos credores processa-se no âmbito do processo de insolvência por duas vias alternativas possíveis: pela execução de providências definidas num plano de insolvência que venham a ser aprovada pela maioria dos credores e a ser homologado, por sentença transitada em julgado, que torne possível a recuperação do devedor declarado insolvente (meio declarado preferencial pelo legislador no n.º 1 do art. 1º); ou pela liquidação da totalidade do património detido pelo devedor, à data da sua declaração da insolvência, que seja suscetível de ser avaliado pecuniariamente e de ser penhorado e, bem assim, daquele que venha a adquirir na pendência do processo de insolvência (ativo), a fim de com o produto da venda deste se dar satisfação, em primeira linha, aos débitos da própria massa insolvente e, secundariamente, isto é, com o remanescente, aos créditos dos credores do insolvente que vierem a ser julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado (arts. 1º, 46º, n.º 1, 47º, n.º 1, 172º e 173º do CIRE).
O principal efeito da sentença declaratória da insolvência é, assim, o de constituir o devedor declarado insolvente num novo estatuto jurídico (o estatuto de insolvente), por força do qual, sem prejuízo do disposto no título X do CIRE, fica imediatamente privado, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens e direito que integram o seu património e que devam integrar a massa insolvente, passando os poderes de administração e de disposição desse património a competir ao administrador da insolvência (art. 81º, n.º 1).
O administrador da insolvência é nomeado na sentença declaratória da insolvência (art. 36º, n.º 1, al. d)) e inicia as suas funções mal esta lhe seja notificada (art. 54º do CRE), competindo-lhe, entre outras, as funções de: preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existente na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; e prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica (art. 55º, n.ºs 1, als. a) e b)).
Para tal o administrador da insolvência assume imediatamente os poderes de administração e de disposição dos bens que integram a massa insolvente e assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessam à insolvência (art. 81º, n.ºs 1 e 4).
Precise-se que a massa insolvente é integrada por todos os bens e direitos que integram o património do devedor à data da sua declaração de insolvência, que sejam suscetíveis de serem avaliados pecuniariamente e de serem penhorados e que não se encontrem excluídos da massa insolvente por disposição em contrário, bem como por todos os bens e direitos que adquira na pendência do processo de insolvência, desde que igualmente sejam suscetíveis de serem avaliados pecuniariamente e de serem penhorados e não se encontrem excluídos da massa por disposição legal em contrário, acrescidos dos bens e/ou direitos que, embora não sejam penhoráveis, sejam apresentados voluntariamente pelo devedor e cuja impenhorabilidade não for absoluta (art. 46º)[2].
A massa insolvente consubstancia um património autónomo, que tem uma afetação especial, na medida em que se destina, em princípio, a ser liquidada, a fim de com o respetivo produto se dar pagamento, em primeiro lugar, às dívidas da própria massa insolvente e, subsidiariamente, com o remanescente, a dar pagamento aos créditos dos credores da insolvência que tenham visto os seus créditos a serem reconhecidos e graduados na sentença de verificação e graduação, transitada em julgado.
Enfatize-se que são créditos da insolvência as dívidas do devedor declarado insolvente que se constituíram antes da sua declaração da insolvência (art. 47º, n.º 1), enquanto são dívidas da massa insolvente grosso modo as originadas pelo processo de insolvência ou por causa dele, encontrando-se estas elencadas, de modo não taxativo, no art. 51º, n.º 1.
Quanto aos créditos da insolvência, os credores, incluindo os que tenham os seus créditos sobre o devedor reconhecidos por sentença transitada em julgado, têm de reclamá-los junto do administrador da insolvência dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (art. 128º), a quem incumbe, nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações apresentar um lista provisória de créditos reconhecidos (onde deverá incluir mesmo aqueles que não foram reclamados, mas de cuja existência teve conhecimento, nomeadamente, pela análise da contabilidade do devedor – art. 129º, n.º 1, parte final) e não reconhecidos, a qual poderá ser impugnada (art. 130º), abrindo-se, no caso de impugnação, um processo de natureza declarativa, que culminará com a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos (arts. 131º a 140º).
Apenas os créditos da insolvência que tenham sido julgados verificados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, podem ser pagos aos respetivos credores (art. 173º), com o produto da liquidação da massa insolvente, relembra-se, uma vez liquidadas as dívidas da própria massa.
Dada a natureza de património autónomo de afetação especial da massa insolvente, destinado a dar pagamento às dívidas da própria massa e, secundariamente, aos créditos da insolvência que venham a ser julgados verificados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, cumpre ao administrador da insolvência, mal inicie funções (o que sucederá, reafirma-se, com a notificação da sentença declaratória da insolvência àquele): proceder à imediata apreensão de todos os bens que integrem a massa insolvente (art. 149º); e, sem prejuízo de dever proceder imediatamente à liquidação (venda) dos bens da massa insolvente que não possam ou não se devam conservar por estarem sujeitos a deterioração ou depreciação, uma vez feita a comunicação dessa venda antecipada ao devedor, à comissão de credores, sempre que exista, e ao juiz, com uma antecedência mínima de, pelo menos, dois dias úteis sobre a data que designar para a realização dessa venda antecipada (art. 158º, n.ºs 2 a 5), e, quando aos restantes bens que integram a massa insolvente, aguardar a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º, a fim de verificar o que a maioria dos credores venham nela a deliberar quanto ao destino a dar à insolvência.
Realizada a assembleia, e salvo quando as medidas nela aprovadas pelos credores se oponham à liquidação da massa insolvente, o administrador deverá proceder com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para aquela, independentemente da verificação do passivo, apresentando para o efeito, no prazo de dez dias a contar da sua realização um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar (n.º 1 do art. 158º).
Destarte, atenta a natureza universal do processo de insolvência, em que todos os credores do devedor são chamados ao mesmo para reclamarem os seus créditos, caso pretendam obter pagamento que detinham sobre o devedor antes de ser declarado insolvente (pagamento esse que apenas se processará quanto aos créditos que venham a ser julgados verificados por sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, e de acordo com a graduação nela prevista e do modo fixado no CIRE), e em que integra a massa insolvente todo o património do devedor suscetível de ser avaliado pecuniariamente e de ser penhorado, salvo disposição em contrário, bem como aquele que venha a adquirir durante a pendência do processo de insolvência com iguais características, a declaração da insolvência tem necessariamente relevantes efeitos processuais.
Um desses efeitos processuais é o previsto no art. 85º, n.º 1, onde se estatui que: “Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Prevê-se no mencionado preceito que, como consequência da natureza universal e concursal do processo de insolvência e das suas finalidades - em que primacialmente se prossegue os interesses dos credores e em que a massa insolvente consubstancia um património autónomo afeto à prossecução desses  interesses (os quais serão realizados por uma das duas vias alternativas que acima se deixaram enunciadas) -, uma vez declarada a insolvência, tudo quanto possa influir na composição da massa insolvente é atraído para o processo de insolvência; e, em consequência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens “compreendidos na massa insolvente”, instauradas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, são apensadas ao processo de insolvência, contanto que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo de insolvência.
Neste sentido expendem Carvalho Fernandes e João Labareda que: “um dos efeitos processuais da declaração da insolvência é a apensação, ao processo, de ações relacionadas com a massa insolvente. À semelhança da lei anterior, a apensação não ocorre automaticamente, antes depende de requerimento do administrador da insolvência e da verificação de certos requisitos. (…). Para as ações previstas no n.º 1 do artigo em anotação, a apensação tem de ter por fundamento a sua conveniência para os fins do processo. Entre estes avulta, por certo, a liquidação da massa insolvente (…). Se ele se verificar, a apensação deve fazer-se quanto às ações propostas contra o devedor em que estejam em causa questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente. Se estas ações foram intentadas contra terceiros, então torna-se necessária a verificação de um requisito adicional: o resultado da ação há-de poder influenciar o valor da massa”[3].
Na mesma linha se pronuncia Maria do Rosário Epifânio, ao escrever que a apensação das ações previstas no art. 85º, n.º 1 “é uma consequência do caráter universal e concursal do processo de insolvência: uma vez que são apreendidos e liquidados todos os bens penhoráveis do insolvente (universalidade de insolvência), independentemente da verificação do passivo, todos os credores devem ser chamados ao processo para nele (e só nele – exclusividade da instância) obterem a satisfação dos seus créditos. Por isso, as ações declarativas intentadas contra o insolvente, pendentes à data da declaração da insolvência, poderão seguir uma das seguintes vias: são apensadas ao processo de insolvência, são suspensas ou extinguem-se. Serão apensadas, se o juiz entender que são pertinentes para os fins do processo. A apensação tem a vantagem do aproveitamento da atividade desenvolvida em ações pendentes, por forma a serem consideradas na verificação do passivo. Para além do mais, todas as ações apensadas ao processo de insolvência passam a ser consideradas urgentes, por força do disposto no art. 9º, n.º 1”[4].
Da mesma forma Marco Carvalho Gonçalves refere que: “(…) a razão de ser da apensação ao processo de insolvências das ações que tenham por objeto bens que integrem a massa insolvente e de ações de natureza patrimonial que tenham sido intentadas pelo devedor prende-se com a proteção do princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum), garantindo-se, dessa forma, que todos os litígios cujo resultado possa afetar a massa insolvente ou o respetivo valor sejam dirimidos no âmbito do processo de insolvência, e evitando-se, simultaneamente, que algum credor fique colocado numa posição mais vantajosa, no que concerne à satisfação do seu crédito, relativamente aos demais credores. Consequentemente, a contrario, a declaração da insolvência do devedor não acarreta a apensação de ações declarativas intentadas contra o devedor, cujo objeto não diga respeito a bens compreendidos na massa insolvente ou cujo resultado não seja suscetível de influenciar o valor da massa. É o que sucede, nomeadamente, com um pedido de indemnização civil que tenha sido deduzido contra o devedor no âmbito de um processo criminal, com uma ação de impugnação da licitude do despedimento, com uma ação tendente a obter a declaração de nulidade ou a anulação de uma deliberação social, ou com um inquérito judicial que corra termos contra a sociedade insolvente, visando garantir o direito dos sócios à informação. Do mesmo modo, se a insolvência tiver sido declarada com caráter limitado, nos termos do art. 39º, e se não tiver sido requerido o complemento da sentença, não se justifica a apensação ao processo de ações pendentes, à luz do art. 85º, pela simples razão de que, nesse caso, não se verifica a apreensão do património do devedor”.  E adianta que “a apensação das ações ao processo de insolvência não decorre automaticamente da simples declaração da insolvência do devedor. Diferentemente, essa apensação tem de ser requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência dessa apensação para os fins do processo. Trata-se, com efeito, de uma prerrogativa ou de um ónus processual a cargo do administrador da insolvência, suportado num juízo de conveniência quanto a essa apensação” [5].
Em suma, a apensação de ação ao processo de insolvência com fundamento no art. 85º, n.º 1, tem como requisitos cumulativos:
a- que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência com fundamento na conveniência da apensação para os fins do processo de insolvência; e
b- que a ação a apensar seja uma ação declarativa em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente; c) que essa ação tenha sido intentada contra o devedor ou contra terceiro, mas neste último caso exige-se adicionalmente que o resultado dela possa influenciar o valor da massa; ou
d- que a ação a apensar seja de natureza exclusivamente patrimonial e tenha sido instaurada pelo devedor[6].
Acresce precisar que, contrariamente ao entendimento propugnada pela recorrente, as ações a apensar não têm de ter por objeto bens que tenham sido efetivamente apreendidos pelo administrador da insolvência para a massa insolvente, mas antes nelas têm de se apreciar “questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente”, ou seja, bens que, nos termos do art. 46º, integrem a massa insolvente, o que, aliás, bem se compreende. 
Na verdade, dado o caráter universal da massa insolvente integram-na todos os bens e direitos que integram o património do devedor à data da sua declaração de insolvência que sejam suscetíveis de serem avaliados pecuniariamente e de serem penhorados e que não se encontrem excluídos daquela por disposição especial, bem como todo o património que o mesmo venha a adquirir durante a pendência do processo de insolvência com as mesmas características, independentemente do administrador da insolvência ter procedido (ou não) à sua apreensão para a massa.
Daí que são ações em que se apreciam “questões relativas a bens compreendidas na massa insolvente” todas as ações declarativas cujo resultado leve à integração ou exclusão da massa insolvente dos bens ou direitos que nelas estão a ser discutidos. As ações instauradas contra o devedor que tenham por objeto bens apreendidos pelo administrador da insolvência para a massa, são, aliás, obrigatoriamente apensadas ao processo de insolvência, nos termos do n.º 2 do art. 85º, independentemente de qualquer requerimento do administrador da insolvência[7].
Por outro prisma, sendo a massa insolvente integrada por todos os bens e direitos que constituem o património do devedor, bem como por todos aqueles que venha a adquirir na pendência do processo de insolvência, contanto que esses bens e direitos gozem das características já supra enunciadas (suscetibilidade de serem avaliados pecuniariamente e de serem penhorados e não se encontrarem excluídos da massa por disposição especial), naturalmente que, e ao contrário do pretendido pela recorrente, não são apenas apensáveis ao processo de insolvência, a requerimento do administrador da insolvência, com fundamento na conveniência da apensação para os fins do processo de insolvência, as ações declarativas acima referidas que se encontrem pendentes  à data da declaração da insolvência do devedor, mas também as que venham a ser instauradas após a declaração da insolvência e no decurso deste processo, posto que, “os fundamentos que justificam a apensação existem quer a ação seja instaurada antes ou depois da declaração da insolvência”[8].
Descendo ao caso dos autos, a ação que a administradora da insolvência requereu que fosse apensada ao processo de insolvência respeita a uma ação declarativa, instaurada em 23/05/2023, pela Massa Insolvente da devedora AA, representada pela administradora da insolvência, contra a sociedade EMP01..., Lda., em que pede que se declare a nulidade de três contratos de compra e venda, por simulação, tendo por objeto dois prédios que foram vendidos pela devedora AA antes de ter sido declarada insolvente.
A declaração da nulidade dos contratos de compra e venda tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio jurídico nulo ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º, n.º 1 do CC).
Daí que, em caso de procedência dessa ação, os prédios vendidos pela devedora AA que foram objeto dos contratos de compra e venda cuja invalidade, por simulação, nela está a ser discutida e pedida, reintegrarão o seu património; e, por força do art. 46º, n.º 1, passarão a integrar a massa insolvente.
Está-se, assim, perante uma ação declarativa, instaurada pela Massa Insolvente da devedora  contra um terceiro (a sociedade comercial EMP01..., Lda.), em que se apreciam “questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente” e cujo “resultado pode influenciar o valor da massa insolvente”, posto que a sua procedência determinará que os prédios objeto dos contratos de compra e venda nela discutidos reintegrem o património da vendedora AA e passem, consequentemente, a integrar a massa insolvente, por força do art. 46º, n.º 1, pelo que a  apensação dessa ação declarativa ao presente processo de insolvência revela-se conveniente para a liquidação da massa insolvente que nele eventualmente venha a ser efetuada.
Destarte, a alegação da recorrente de que apenas seriam apensáveis ao processo de insolvência, nos termos do n.º 1, do art. 85º, ações que tivessem por objeto bens ou direitos que já tivessem sido apreendidos pelo administrador da insolvência para a massa insolvente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não tem fundamento jurídico, conforme supra já sobejamente se demonstrou; assim como  não tem fundamento jurídico aquele outro argumento que expende de que apenas seriam apensáveis ações que já se encontrassem pendentes aquando da declaração da insolvência do devedor.
Decorre do excurso antecedente improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela recorrente, impondo-se julgá-lo improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
1- Como consequência da natureza universal e concursal do processo de insolvência, tudo o quanto possa influir na composição da massa insolvente é atraído para o processo de insolvência, pelo que, nos termos do art. 85º, n.º 1 do CIRE, devem ser a ele apensadas todas as ações declarativas em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, instauradas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas neste caso, cujo resultado possa influenciar o valor da massa, assim como todas as ações declarativas de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, contanto que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo de insolvência.
2- Por ações declarativas em que se apreciem questões compreendidas na massa insolvente compreendem-se aquelas cujo resultado possa levar à integração ou exclusão na massa insolvente dos bens ou direitos que nelas estão a ser discutidos.
3- As ações a apensar são tanto as que foram instauradas antes da declaração da insolvência do devedor, como as que foram instauradas após a declaração da sua insolvência, mas que sejam instauradas na pendência do processo de insolvência.
4- É de deferir o pedido formulado pela administradora da insolvência de apensação de ação declarativa instaurada pela Massa Insolvente contra uma sociedade, em que é pedida a declaração da nulidade, por simulação, de três contratos de compra e venda celebrados pela devedora antes de ter sido declarada insolvente, mediante os quais declarou vender dois prédios de que era proprietária, uma vez que, em caso de procedência dessa ação, os prédios reintegrarão o seu património e, por força do art. 46º do CIRE, passarão a integrar a massa insolvente; e, por isso, a apensação revela-se conveniente para a liquidação.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
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Custas do recurso pela recorrente uma vez que nele ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 11 de julho de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Maria João Marques Pinto de Matos – 2ª Adjunta


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 292, onde expendem que: “Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 (do art. 46º) resulta que, em rigor, a massa insolvente não abrange a totalidade dos bens do devedor suscetíveis de avaliação pecuniária mas tão só os que forem penhoráveis, e não excluídos por disposição em contrário, acrescidos dos que, não sendo embora penhoráveis, sejam voluntariamente oferecidos pelo devedor, conquanto a impenhorabilidade não seja absoluta”.
[3] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 427.
[4] Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, págs. 183 e 184; no mesmo sentido, Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, abril de 2018, págs. 196 a 199, em que adianta que a aplicação da norma do art. 85º, n.º 1 “se restringe às ações de tipo declarativo, dado que o art. 85º, n.º 1, se refere literalmente às “ações em que se apreciem questões”. Conclui-se, assim, que são apensadas ao processo de insolvência as ações declarativas pendentes relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, e cujo resultado possa influenciar o valor da massa, as ações exclusivamente patrimoniais intentadas pelo devedor e as ações que envolvam atos de apreensão ou detenção de bens integrantes da massa insolvente. (…). Ficam de fora, ou seja, sem destino aparente, as ações de impugnação pauliana e as ações declarativas de condenação do insolvente, sociedade comercial, no pagamento de um crédito (as chamadas ações para cobrança de dívidas contra sociedades comerciais”. 
[5] Marco Carvalho Gonçalves, “Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais”, Almedina, págs. 311 a 313.
[6] Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, 4ª ed., Almedina, págs. 210 e 211.
[7] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 427, nota 6: “O n.º 2 do art. 85º alarga a possibilidade de apensação de outras ações, além das referidas no número anterior. Trata-se, agora de ações de que o insolvente seja parte e em que tenham sido apreendidos ou detidos bens abrangidos na massa insolvente. Neste caso, a apensação é obrigatória e dá-se por requisição do juiz ao tribunal ou entidade competente – onde corra o processo a apensar, entenda-se”.
Ac. R.E., de 28/06/2017, Proc. 1793/11.5TBLLE-AA.E1, em que se decidiu que, nos termos do n.º 1 do art. 85º do CIRE, impõe-se deferir o pedido do administrador da insolvência em que requereu a apensação ao processo de insolvência de ação declarativa instaurada pelo devedor contra terceiros e em que é pedida a declaração de inexistência de contratos de hipoteca e de compra e venda de um imóvel, “por estar em causa uma ação em que se apreciam questões relativas a um bem (imóvel) compreendido na massa insolvente, intentada pelo devedor contra terceiros e cujo resultado pode influenciar o valor da massa, sendo essa apensação conveniente para os fins do processo, em particular para a liquidação da massa insolvente, pois como refere o AI, a procedência da ação acarreta a possível reintegração do imóvel no património da massa insolvente”. E em que se adianta: “Repare-se que no n.º 1 se fala de “questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente” e não de “ações em que tenham sido apreendidos bens”, caso em que essa apensação é obrigatória nos termos do seu n.º 2”. 
[8] Ac. STJ., de 09/12/2021, Proc. 1380/21.0T8VCT.G1.S1; R.C., de 10/05/2022, Proc. 2227/16.4T8VIS-D.C1, lendo-se neste que: “Não se compreenderia que ele (legislador) tivesse determinado a apensação das ações previstas no citado art. 85º que se encontrassem pendentes – ainda que a requerimento do administrador da insolvência e desde que haja conveniência para os fins do processo – e que tivesse inviabilizado/impedido a apensação dessas mesmas ações que viessem a ser instauradas após a declaração da insolvência. Na verdade, nenhuma justificação encontramos para o tratamento diferenciado dessas situações”.