Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4/21.0T8CHV-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo -, e a vinculação do mesmo tribunal (e de outros), à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Ao primeiro efeito está ligada a exceção de caso julgado (efeito negativo); e ao segundo, a autoridade de caso julgado (efeito positivo).
II- A Autoridade do caso julgado, prevista especialmente no nº 2 do art.º 580º do CPC, constitui uma imposição ao tribunal, de acatamento de uma decisão anterior, com vista a evitar a contradição ou a repetição de julgados.
III- Uma decisão que julgue a ação improcedente (e absolva os RR do pedido), por falta de alegação de factos essenciais para a pretensão deduzida pelos AA, cujo ónus lhes incumbia, é uma decisão de mérito, em termos de poder constituir caso julgado perante uma ação posterior onde venha a ser discutida novamente a questão já decidida nessa ação.
IV- Por força dos princípios da preclusão e da concentração, impõe-se que todos os fundamentos – da ação e da defesa -, sejam alegados de uma só vez, na fase e no momento processual adequados, cabendo às partes alegar logo nos respetivos articulados todos os fundamentos que se afigurem essenciais para a ação ou para a defesa.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
2ª Adjunta: Paula Ribas                                                     
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Foi instaurado processo de inventário por óbito de AA, falecido em ../../2015, no estado de solteiro, o qual deixou como herdeiros três filhos: BB (cabeça de casal), CC (entretanto falecida, sucedendo-lhe o cônjuge e dois filhos: DD e EE), e FF.
O falecido outorgou ainda escritura de doação a favor de GG, e deixou testamento público a favor de HH, II, e BB (a cabeça de casal).
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Foi junta relação de bens e escrituras de doação e testamento.
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E foi requerida (e deferida) a suspensão do processo de inventário (quando ainda corria termos no cartório notarial), pelo facto de estar a correr termos a ação de processo comum n.º 1346/15.9T8CHV, instaurada pelos herdeiros BB, CC (e marido), e FF (e mulher) contra a donatária GG, e legatários HH e II (e marido), com vista à declaração de inoficiosidade das doações e deixas testamentárias em causa nos autos.
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Nesse processo foi decidida improcedente a ação, por falta de alegação e prova dos factos essenciais para se considerar inoficiosa a deixa testamentária a favor dos legatários.
Interposto recurso dessa decisão, o tribunal da Relação decidiu pela sua revogação, mas interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - do acórdão desta Relação -, o mesmo viria a “julgar o recurso de revista procedente e revogar o acórdão recorrido, com a consequente repristinação da sentença e improcedência da ação.”
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Prosseguidos os autos de Inventário, a cabeça de casal juntou relação adicional de bens, tendo requerido, ante o teor do Acórdão do STJ, que no inventário se proceda à determinação do valor da legitima, da quota disponível, da primeira doação, da segunda doação, e do testamento, e consequentemente o valor da inoficiosidade das liberalidades ocorrida em vida do inventariado.
Foram citados os interessados da relação de bens adicional, bem como os legatários e a donatária (a quem foi nomeado curador especial), e foi ainda citado o MºPº.
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Apenas o interessado HH deduziu reclamação à relação de bens, onde, além do mais, alegou que no Acórdão do STJ, os interessados (filhos de AA) viram a sua pretensão julgada improcedente (de verem declarada a inoficiosidade das deixas testamentárias e doações), pelo que a questão já foi decidida e transitada em julgado, devendo os bens legados/doados ser excluídos da partilha, e os legatários e a donatária serem declarados partes ilegítimas neste processo de inventário.
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A Cabeça de casal veio responder à Reclamação, alegando, além do mais, que da sentença proferida, já transitada em julgado, resulta que o valor da legítima dos herdeiros legitimários ainda não se encontra calculado e determinado, e que a redução das liberalidades inoficiosas ainda não foi operada, o que deverá ser feito no âmbito dos presentes autos, pois ainda não caducou o direito de os herdeiros legitimários requererem a redução das liberalidades inoficiosas.
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Foi marcada Audiência Prévia, com vista, além do mais, à obtenção da conciliação das partes quanto às reclamações apresentadas, não tendo as partes logrado chegar a entendimento.
Foi então proferido o seguinte despacho (do qual se recorre):
“Aqui chegados, importa fazer prosseguir os autos. Assim sendo, e uma vez que na ação judicial referida supra não se entrou no mérito da causa quanto ao cálculo da legitima por inexistência de elementos para o efeito, não tendo sido possível, por isso, apurar da in/existência de inoficiosidades, importa agora fazê-lo e decidir da reclamação de bens apresentada e resposta que se lhe seguiu.
Dito isto, para a inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados e depoimento de parte, designa-se o próximo dia 14 de fevereiro de 2024, pelas 14h00 (…)”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o interessado HH interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O douto despacho, ora, em recurso, é nulo, por falta de fundamentação.
2. Não basta – ressalvada melhor opinião – à M.ma Julgadora a quo decidir que o douto Acórdão, proferido pelo STJ, transitado em julgado, que julgou a acção improcedente, “não entrou no mérito da causa”, para justificar a prossecução dos autos e, a final, proferir uma “nova” decisão sobre a mesma matéria.
3. Impunha-se que a M.ma Julgadora a quo especificasse os fundamentos (de facto e de direito) que justificam a decisão, e que se pronunciasse de forma sustentada sobre as questões que devesse apreciar (cfr. artº. 615º., nº. 1, al.s b) e d) CPC), sob pena de nulidade do douto despacho proferido.
4. O douto Acórdão, proferido pelo STJ, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os RR. (entre os quais o, aqui, Recorrente) do pedido.
5. As questões (todas as questões) que o Recorrido pretende ver (re)analisadas já foram objecto de decisão por Tribunal superior.
6. O Tribunal a quo, ao pretender passar por cima do douto Acórdão proferido pelo STJ e, entretanto, transitado em julgado, viola o princípio ne bis in idem e o preceituado nos artºs 619º. e ss. CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve ser revogada a douta decisão recorrida e, em consequência, a mesma, declarada nula ou substituída por douto Acórdão que julgue a reclamação liminarmente procedente, com todas as legais consequências…”.
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A cabeça de casal veio apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Defende, previamente, a inadmissibilidade do recurso, tendo, no entanto, o mesmo sido admitido (com fundamentação que subscrevemos).
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No despacho de admissão do recurso, a Sra. Juiz pronunciou-se ainda sobre a invocada nulidade da decisão, da seguinte forma:
“…Assim, antes de mais, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir da nulidade invocada.
Importa desde já referir que, no despacho recorrido, o Tribunal, efetivamente, não pretendeu proferir qualquer sentença, mas, sim, designar data para a produção de prova.
De qualquer forma, ainda que não tivesse sido essa a pretensão do Tribunal, a verdade é que, do teor do despacho recorrido, de forma implícita, acabou por se decidir da questão prévia levantada pelo Reclamante na Reclamação de bens apresentada.
Assim, pode aquele despacho ser entendido, em parte, como uma decisão acerca da referida questão prévia.
Ora, as causas de nulidade da sentença estão previstas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que prescreve o seguinte (…)
Ora, ponderado o teor da decisão recorrida, verifica-se que, efetivamente, no tocante à falta de fundamentação, assiste razão ao Recorrente (…).
O Tribunal entendeu (e mal) que a situação era por demais evidente, que não viu necessidade de fundamentar, o motivo pelo qual considerou que na ação judicial de que aqui nos ocupamos, não se entrou no mérito da causa quanto ao cálculo da legitima, por inexistência de elementos para o efeito, não tendo sido assim possível apurar da in/existência de inoficiosidades, e que, importaria fazê-lo agora em sede de inventario.
Porém, efetivamente, considerando que esta era uma questão que havia sido levantada na Reclamação, como questão prévia, impunha-se, naturalmente, que se fundamentasse a decisão que sobre ela se proferiu, o que por lapso, não se fez.
Importa assim, fazê-lo agora.
Cotejados os autos, e analisando a sentença proferida em primeira instância no processo com o n.º 1346/15.9T8CHV, bem como o Acórdão da Relação e do Supremo que se lhe seguiu, temos que:
- BB, JJ e marido KK, FF e mulher LL, intentaram ação de processo comum contra GG, HH, II e MM, formulando o seguinte pedido: - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que os autores são os únicos e universais herdeiros legitimários do falecido AA; - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor total dos bens pertencentes ao falecido AA, tendo em conta os bens deixados, os bens doados e o bem incluído no testamento, perfazem o valor total de € 74.418,74; - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor da legítima dos herdeiros legitimários (descendentes) do falecido AA perfaz o montante de € 49.612,50; - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor da segunda liberalidade (segunda doação a favor da R. GG), é, em parte, inoficiosa porque ofende a dita legítima no montante de € 23.881,75. - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que a deixa testamentária é totalmente inoficiosa. - deve a R. GG ser condenada a repor à herança a quantia de € 23.881,75, a qual deverá ser feita com a verba n.º 3 da segunda doação no valor de € 24.000,00; - devem, ainda, ser os RR. condenados nas custas e demais encargos legais.
As questões a decidir naqueles autos foram: 1) Da inoficiosidade da doação outorgada por AA com referência à Ré GG; 2) Da inoficiosidade da deixa testamentária exarada por AA; 3) Da obrigação imputável à Ré GG de reposição à herança de AA da quantia de 23.881,75€.
- Por sentença proferida naqueles autos, e com o fundamento de que “os Autores não alegaram (e tampouco provaram – ónus imputável aos mesmos) a existência ou inexistência de despesas sujeitas a colação e a existência ou inexistência de dívidas da herança, matéria fáctica imprescindível para a efectivação do cálculo da legítima, limitando-se tão-só a invocar os bens imóveis que integram o acervo hereditário (no art.º 7.º) da petição inicial)”, e de que “os factos vertidos na petição inicial são manifestamente insuficientes para sustentar a efectivação das operações do cálculo da legítima, nos termos plasmados no art.º 2162.º, do Código Civil (vd. Acórdão do TRC de 5.3.2013, proc. n.º 930/11.4T2AVR.C1, in www.dgsi.pt) inviabilizado o cálculo da legítima dos Autores, sucumbe a premissa sine qua non para a aferição da impetrada inoficiosidade”, e, em consequência, foram os Réus absolvidos do peticionado.
- Por sua vez, o Tribunal da Relação de Guimarães revogou a sentença proferida em primeira instância, tendo calculado o valor dos bens da herança, o valor da legitima, e o valor que tem de ser reduzido por ofensa à legitima.
-Finalmente, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o Acórdão do STJ, com a consequente repristinação da sentença e improcedência da ação (por entender, tal como a primeira instância, que não foram alegados os factos constitutivos do direito dos Autores).
Importa agora tecer algumas considerações acerca do caso julgado.
No âmbito dos institutos jurídicos processualmente mais relevantes que a lei consagra temos o do caso julgado, que procura cumprir, no essencial, uma dupla finalidade: de um lado visa garantir o prestígio dos Tribunais - que seria comprometido se a mesma situação concreta, uma vez definida, pudesse ser decidida em sentido diferente por uma sentença posterior -, e, por outro lado, procura assegurar a certeza e segurança jurídicas, impedindo o surgimento de decisões que ponham em causa o acertamento jurídico formulado judicialmente (Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1963, p. 282 e segs).
Destarte, temos que, proferida uma sentença, esta vincula o futuro Tribunal a não admitir nova discussão e julgamento sobre a relação jurídica nela definida, remetendo as partes para a mesma, sem conhecer do respetivo mérito, absolvendo os demandados da instância (cfr. arts. 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, alínea i), do CPC).
Os requisitos e limites do caso julgado são os previstos nos arts. 580.º e 581.º, do CPC, constituindo ainda uma exceção dilatória de conhecimento oficioso – cfr. art. 578.º, do mesmo diploma legal.
De salientar, que se repete uma causa quando “se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (cfr. art. 581.º, n.º 1, do CPC).
Assim, há caso julgado quando se verifique a tríplice identidade de elementos nas lides - sujeitos, causa de pedir e pedido - e uma delas tenha já sido decidida por sentença transitada em julgado. No que respeita aos limites subjetivos, em regra, a sentença só tem força de caso julgado entre as partes do processo onde a mesma foi proferida, entendendo-se esta identidade como abrangendo as pessoas que sucederam juridicamente na posição daquelas, sendo irrelevante que as partes surjam no novo processo em posição inversa da que participaram no processo primitivo (cfr. art. 581.º, n.º 2, do CPC)2.
No que concerne aos limites objetivos do caso julgado, que se reportam à identidade de pedido e de causa de pedir, realce-se novamente a finalidade subjacente a este instituto, que visa obviar à contradição prática de decisões, obstando a “decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de algumas delas); a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” ou que possa excluir um efeito jurídico definido na primeira sentença - Manuel de Andrade, Ob. Cit., p. 293 e segs. E Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Ed. Lex, 1997, p. 578 e segs. (…).
Dispõe o artigo 581.º, n.º 4, do CPC, que no ordenamento Jurídico Português vigora a teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do ato ou facto jurídico em que se funda o direito afirmado pelo autor, em que consiste a sua pretensão. A extensão objetiva do caso julgado corresponde, assim, ao objeto da ação, constituído este pelo pedido e causa de pedir, devendo a definição dada pela sentença à situação ou relação material apreciada ser respeitada para todos os efeitos em qualquer novo processo, tendo-se por assente que a mesma situação ou relação jurídica subsista tal como aquela a definiu – cf.Manuel de Andrade, Ob. Cit., p. 296 e segs.
A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos jurídicos que, de acordo com os preceitos aplicáveis, sirvam de substrato à pretensão deduzida, sendo que, de acordo com o princípio do dispositivo, aquele que se apresta a formular uma determinada pretensão contra um ou vários sujeitos, tem que deixar claro qual o fundamento ou fundamentos de facto que, a partir da aplicação de determinadas regras de direito, fazem projetar a pretensão ou as pretensões deduzidas. É na petição inicial que o autor deve expor os factos que servem de fundamento à ação. A narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido – cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, p. 351.
O pedido é, assim, “a pretensão do autor (...); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida); o efeito jurídico pretendido pelo Autor” – cf.Manuel de Andrade, Ob. Cit., p. 120.
De reter ainda que, “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito ao autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu8, não apenas quanto aos factos mas também à sua qualificação jurídica – cf. 9Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Ed. Lex, 1997, p. 596 e segs.
O caso julgado abrange, assim, todos os meios que o réu invocou ou podia invocar para colocar em causa o acertamento jurídico reconhecido na sentença.
A exceção de caso julgado, consiste, assim, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida noutro processo e nele apreciada e julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário - cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985,p.702. Porém, a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. De facto, como salienta Lebre de Freitas, em Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 325.,, pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito, sendo que, a questão da autoridade do caso julgado reconduz-nos à controversa questão da extensão ou alcance do caso julgado – sublinhado nosso.
Preceitua o artigo 621.º, do CPC, sob a epígrafe “alcance do caso julgado”, que: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo de preencha ou o facto se pratique.”
Assim, para uns, o caso julgado material só se forma sobre o pedido, ou seja, o efeito jurídico pretendido pelo autor e não sobre a causa de pedir, pelo que a força do caso julgado cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não ao raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta. Por isso, os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final (Antunes Varela).
Contudo, de particular importância, é que, tem vindo a ganhar predominância a corrente que perfilha o entendimento mitigado no sentido de que, muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se ao dispositivo, já é de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquele dispositivo.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/09/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Todas as questões e excepções postas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor (ou do réu), estão compreendidas na expressão «precisos limites e termos em que se julga», do artigo 673º, do Código de Processo Civil, ao definir o alcance do caso julgado”. Ou, como salienta Rodrigues Bastos, “afigura-se-nos que ponderadas as vantagens e inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim da estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva”.
Na síntese do que vai dito temos, por paradigmático, o explicitado no Ac. do TRC de 06/09/201114, onde se lê que “1 - O caso julgado constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância; 2 -A sua verificação depende do preenchimento da tríplice identidade a que o artigo 498º do Código de Processo Civil faz referência. 3 - Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas acções. 4 - A identidade dos pedidos é perspectivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo. 5 – Existe identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas. 6 - Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil (…)”.
Em face do Direito exposto, vejamos o caso dos autos de molde a ponderar se se verifica, ou não, a exceção de caso julgado.
Entre o processo com o n.º 1346/15.9T8CHV a que supra se aludiu, e estes autos, temos que: Existe identidade de partes, que são efetivamente as mesmas destes autos; Inexiste identidade de pedido, porquanto naqueles autos os pedidos reconduzem-se, além do mais, ao cálculo da legitima, ao apuramento de inoficiosidade e na afirmativa à respetiva redução e nestes autos o pedido é mais abrangente e reconduz-se à partilha, partilha esta que jamais seria realizada naqueles autos de processo comum (uma vez que ainda que o apuramento de inoficiosidade possa ser aferido em ação autónoma, não dispensa o inventário).
Ainda, ali estamos perante um processo comum e aqui perante um processo especial.
Mas, sobretudo, importa salientar que, o caso julgado visa evitar que um Tribunal possa proferir uma decisão contraditória àquela que foi proferida por outro Tribunal, e, diga-se, para tal é necessário que tenha havido uma decisão que tenha apreciado o mérito.
Neste caso, naquele processo comum não foi apreciado o mérito da causa, porquanto se entendeu (bem ou mal) que não foram alegados factos essenciais ao cálculo da legitima, motivo pelo qual, não foi sequer calculado o valor da mesma.
Para, neste Tribunal, se proferir uma decisão contraditória à que foi proferida naqueles autos, era necessário que ali se tivesse decidido se houve ao não ofensa à legitima, apurado o valor desta e decidido se havia lugar a redução, e na afirmativa, qual o valor a reduzir, o que não aconteceu.
E, não aconteceu, porque esta questão, não foi sequer apreciada.
Isto dito, temos que, tal como se havia referido, na aludida ação judicial não se entrou no mérito da causa quanto ao cálculo da legítima por inexistência de elementos para o efeito, não tendo sido possível, por isso, apurar da in/existência de inoficiosidades, o que poderá e deverá ser feito agora em sede de inventário, o que se determina.
Ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, esta decisão é agora parte integrante do despacho de que ora se recorre.
Notifique, inclusive o Recorrente, para informar se continua a ter interesse no Recurso interposto…”.
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O recorrente veio informar os autos que mantinha “interesse na apreciação e subida do recurso, e que (…) não obstante a (vasta) fundamentação, agora, expendida – o Tribunal continua a não realizar uma análise razoável e sustentada dos conceitos jurídicos de “improcedência da acção” e do alcance (e efeitos) da “absolvição do pedido”.
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BB, cabeça de casal, veio responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

1- A de saber se a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação;
II- Se existe caso julgado formado pela decisão anterior (proferida na primeira instância, e confirmada pelo Supremo Tribunal), que obste ao conhecimento das questões (ali decididas) suscitadas no presente Inventário.
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I- Da nulidade da decisão:

Argui o recorrente a nulidade da decisão por falta de fundamentação - reportada embora à decisão proferida inicialmente -, com o fundamento de que suscitou a questão do caso julgado em sede de reclamação à relação de bens, e que tal questão foi julgada no despacho recorrido “de forma redutora e simplista”, dando-se apenas conta nesse despacho que o Acórdão do Supremo Tribunal “não entrou no mérito da causa”.
Impunha-se assim, nos dizeres do recorrente, que a Sra. Juiz especificasse os fundamentos (de facto e de direito) que justificam a decisão, e que se pronunciasse de forma sustentada sobre as questões que devia apreciar (art.º 615º, nº 1, alíneas b) e d) do CPC), sob pena de nulidade do despacho proferido, a qual invoca.
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Verificamos no entanto que no despacho a admitir o recurso, a Sra. Juiz pronunciou-se sobre a arguida nulidade – nos termos acima reproduzidos -, suprindo-a, fundamentando, de forma que consideramos muito completa, a decisão tomada, e que foi acatada pelo recorrente, como consta do seu requerimento, de que existe agora, no despacho proferido, uma “…(vasta) fundamentação”, dizendo apenas que o tribunal recorrido continua “…a não realizar uma análise razoável e sustentada dos conceitos jurídicos de “improcedência da acção” e do alcance (e efeitos) da “absolvição do pedido”- o que contende já com o mérito da ação, e não com o seu vício formal, de falta de fundamentação.
Sempre se dirá, ainda assim, que consideramos que perante o despacho agora proferido, a sanar a nulidade – despacho que se considera complemento e parte integrante da decisão proferida inicialmente (art.617º nº2 do CPC) -, que a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, pelo que a mesma não padece, de todo, de falta de fundamentação.
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II- Da existência de caso julgado:

Após ter feito uma exposição exaustiva e muito assertiva, em nosso entender, sobre o instituto do caso julgado, considerou-se na decisão recorrida o seguinte:
“Entre o processo com o n.º 1346/15.9T8CHV a que supra se aludiu, e estes autos, temos que: Existe identidade de partes, que são efetivamente as mesmas destes autos; Inexiste identidade de pedido, porquanto naqueles autos os pedidos reconduzem-se, além do mais, ao cálculo da legitima, ao apuramento de inoficiosidade e na afirmativa à respetiva redução e nestes autos o pedido é mais abrangente e reconduz-se à partilha, partilha esta que jamais seria realizada naqueles autos de processo comum (uma vez que ainda que o apuramento de inoficiosidade possa ser aferido em ação autónoma, não dispensa o inventário). Ainda, ali estamos perante um processo comum e aqui perante um processo especial.
Mas, sobretudo, importa salientar que, o caso julgado visa evitar que um Tribunal possa proferir uma decisão contraditória àquela que foi proferida por outro Tribunal, e, diga-se, para tal é necessário que tenha havido uma decisão que tenha apreciado o mérito.
Neste caso, naquele processo comum não foi apreciado o mérito da causa, porquanto se entendeu (bem ou mal) que não foram alegados factos essenciais ao cálculo da legitima, motivo pelo qual, não foi sequer calculado o valor da mesma.
Para, neste Tribunal, se proferir uma decisão contraditória à que foi proferida naqueles autos, era necessário que ali se tivesse decidido se houve ao não ofensa à legitima, apurado o valor desta e decidido se havia lugar a redução, e na afirmativa, qual o valor a reduzir, o que não aconteceu. E, não aconteceu, porque esta questão, não foi sequer apreciada.
Isto dito, temos que, tal como se havia referido, na aludida ação judicial não se entrou no mérito da causa quanto ao cálculo da legítima por inexistência de elementos para o efeito, não tendo sido possível, por isso, apurar da in/existência de inoficiosidades, o que poderá e deverá ser feito agora em sede de inventário, o que se determina”.
É contra este segmento da decisão recorrida que o recorrente se insurge, dizendo que o Acórdão do STJ julgou a ação improcedente, e em consequência absolveu os RR do pedido, e que todas as questões que a Recorrida pretende ver reanalisadas no processo de Inventário foram já objeto de decisão por Tribunal superior.
Pelo que, o tribunal a quo, ao pretender “passar por cima” do Acórdão proferido pelo STJ, transitado em julgado, viola o princípio ne bis in idem e o preceituado nos artºs 619º. e ss. do CPC.
Vejamos:
Como bem se considerou no despacho recorrido, o caso julgado procura cumprir, no essencial, uma dupla finalidade: de um lado visa garantir o prestígio dos tribunais - que seria comprometido se a mesma situação concreta, uma vez definida, pudesse ser decidida em sentido diferente por uma sentença posterior -, e, por outro lado, procura assegurar a certeza e a segurança jurídicas, impedindo o surgimento de decisões que ponham em causa o acertamento jurídico formulado judicialmente (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1963, p. 282 e ss.).
Destarte, temos que, proferida uma sentença, esta vincula o futuro tribunal a não admitir nova discussão e julgamento sobre a relação jurídica nela definida, sem conhecer do respetivo mérito, absolvendo os demandados da instância (arts. 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, alínea i), do CPC).
A exceção de caso julgado, consiste, assim, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida noutro processo, e nele apreciada e julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, p.702).
Porém, a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. De facto, pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
Consabidamente, o caso julgado material vincula as partes no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, como estabelece o art.º 619.º do CPC, e dele decorrem dois efeitos essenciais: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, de voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo -, e a vinculação do mesmo tribunal (e de outros), à decisão proferida - efeito positivo.
Ao primeiro efeito está ligada a exceção de caso julgado (efeito negativo); e ao segundo, a autoridade de caso julgado (efeito positivo).
A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), 2ª parte, 580.º e 581.º do CPC, expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, e supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe a “repetição de uma causa”, a qual ocorre “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (nº 1 do artigo 581.º do CPC e Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar online, novembro 2018, p. 13 e ss).
A Autoridade do caso julgado, prevista especialmente no nº 2 do art.º 580º, constitui uma imposição ao tribunal, de acatamento de uma decisão anterior, com vista a evitar a contradição ou a repetição de julgados (Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, 3.ª edição, Lisboa, 2001, p. 45; Francisco Ferreira De Almeida, “Direito processual civil”, vol. II, Almedina, 2015, p. 639-641; Castro Mendes e Miguel Teixeira De Sousa, “Manual de processo civil”, vol. I, AAFDL, 2022, p. 661 e ss.; Castro Mendes, “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Edições Ática, pp. 38-39; Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354; Ac. STJ de 13-09-2018 e Acs. RP de 11-10-2018 e de 11-5-2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tal imposição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao seguinte enunciado: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida e transitada em julgado (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC).
Comos se decidiu no Ac. RC de 11-06-2019 (disponível em www.dgsi.pt) “O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da exceção de caso julgado, no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada, e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas…”.
E esclarece-se naquele acórdão, de uma forma que consideramos muito assertiva, a distinção das duas vertentes: “Quando o objeto da segunda ação é idêntico e coincide com o objeto da decisão proferida na primeira ação, o caso julgado opera por via de exceção (a exceção de caso julgado), impedindo o tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o tribunal limitar-se-á a julgar procedente a exceção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação, mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da (segunda) ação, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação (sem nova apreciação ou discussão), os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão”.
 Esta nos parece ser a pedra de toque da distinção entre as duas vertentes do caso julgado, e da máxima importância, porquanto “Ao contrário do que acontece com a exceção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir” (Ac. citado) – podendo formar-se caso julgado mesmo em ações em que se deduzem pedidos distintos, e se invocam causas de pedir também distintas.

Isto posto:
Comparando a decisão proferida nos autos de processo comum n.º 1346/15.9T8CHV com a tramitação destes autos (de Inventário), verificamos que inexiste neles identidade de pedidos, porquanto naqueles autos os pedidos formulados reconduzem-se essencialmente ao cálculo da legitima dos herdeiros legitimários, ao apuramento de inoficiosidade, e, em caso de verificação da mesma, à respetiva redução; e nestes autos o pedido reconduz-se à partilha de todo o acervo hereditário, que abrange não só os bens doados e legados (discutidos naquela ação), mas todos os bens (ativo e passivo) que faziam parte da herança do falecido à data da sua morte.
Ora, a falta de identidade de pedidos seria motivo para excluir, desde logo, o caso julgado formado naquela ação, por via de exceção, que demanda, como o impõe o art.º 581º nº 1 do CPC, a identidade de pedidos (assim como de sujeitos e de causas de pedir).
Ainda assim, como bem se dissertou no despacho recorrido, o caso julgado material pode ser visto na sua vertente positiva, de Autoridade de Caso Julgado, a qual, como tem sido defendido (cremos que de modo uniforme na doutrina e na jurisprudência), não exige identidade de pedidos nem de causas de pedir – podendo formar-se mesmo sobre factos jurídicos diversos.
O que sobressai na “Autoridade de caso julgado”, é o respeito e o acatamento de uma decisão proferida anteriormente, evitando a contradição ou a repetição dessa decisão (art.º 581º nº 2 do CPC), e daí a desnecessidade da verificação da tríplice identidade, nomeadamente da identidade de pedidos e de causas de pedir.
Ora, é nessa perspetiva – de autoridade de caso julgado – que deverá ser apreciada e decidida a questão colocada nos autos, a qual passa desde logo por aferir se a decisão proferida nos autos n.º 1346/15.9T8CHV conheceu do mérito da causa, sendo que, a questão da autoridade do caso julgado reconduz-nos à controversa questão da extensão ou alcance do caso julgado.
Preceitua efetivamente o artigo 621.º, do CPC, sob a epígrafe “alcance do caso julgado”, que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo de preencha ou o facto se pratique.”
Decorre do preceito legal transcrito (e da corrente predominante na doutrina e na jurisprudência), que a autoridade ou eficácia do caso julgado, não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se ao dispositivo, é de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquele dispositivo.
Como se refere no acórdão do STJ de 15/09/2010 (acessível em www.dgsi.pt.), proferido ainda na vigência do Código anterior, mas com atualidade, face à nova redação do preceito em análise,“Todas as questões e exceções postas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor (ou do réu), estão compreendidas na expressão «precisos limites e termos em que se julga», do artigo 673º, do Código de Processo Civil, ao definir o alcance do caso julgado” (no mesmo sentido se pronunciaram os Acs. do STJ de 23/11/11 e de 22/9/16, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Como salienta também Rodrigues Bastos (“Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, 3.ª edição, Lisboa, 2001, p. 45), “afigura-se-nos que (…) a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim da estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva”.
De referir ainda que a extensão objetiva do caso julgado afere-se face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ela define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na ação.
Daí que, a determinação dos limites e a eficácia do caso julgado passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos, que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado (Ac. do STJ, de 12/7/11, disponível em www.dgsi.pt).
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Volvendo novamente ao caso dos autos, e apelando aos princípios acima enunciados, temos que naquela ação (n.º 1346/15.9T8CHV) foi decidido o seguinte:
“…. para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança, sendo que não é atendido para o cálculo da legítima o valor dos bens que, nos termos do artigo 2112.º, não são objecto de colação (art.º 2162.º, do Código Civil).
Densificando o regime jurídico do cálculo da legítima, primo, atesta-se que o mesmo exige a computação quer do património existente no momento da morte do autor da sucessão, os relicta, quer dos valores objecto de disposição inter vivos, os donatum, sendo consideradas todas as doações, independentemente dos donatários serem sucessíveis ou terceiros, não relevando se estão ou não sujeitas a colação (…).
Secundo, o cálculo da legítima postula a determinação das despesas feitas pelo Autor da sucessão em favor de sucessíveis a quem a colação é imposta, em convergência com o plasmado no art.º 2110.º/1, do Código Civil (…).
Tertio, demanda-se a equação das dívidas da herança, incluindo as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentaria, a administração e liquidação do património hereditário, o pagamento das dívidas do falecido, e exceptuando-se os legados, à luz do elenco vertido no art.º 2068.º, do Código Civil (ibidem) (…).
Ademais, inferindo-se que inexiste cônjuge sobrevivo, infere-se que a legítima se indexa à quota de 2/3 da herança (art.º 2159.º, do Código Civil), sendo que o cálculo da mesma deve ser efectivado nos termos sobreditos, i.e., a quota indisponível apura-se com o abatimento do passivo ao relictum, seguindo-se a soma do donatum, e indexando-se o resultado ao cálculo da quota legitimária (…).
1) Da inoficiosidade da doação e da deixa testamentária outorgadas por AA e da obrigação imputável à Ré GG de reposição à herança de AA da quantia de 23.881,75€:
Em conformidade com o prescrito no art.º 2168.º, do Código Civil, dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários. As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art.º 2169.º, do Código Civil). A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão (art.º 2171.º, do Código Civil) (…).
Na situação sub judice, equacionando-se a factualidade assente como provada em 5) a 7), afere-se que a mesma se reconduz à outorga pelo de cujus de duas doações inter vivos e de um testamento (…).
Subsumindo os enunciados supra, afere-se que as doações indicadas em 5) e 6) e os legados descritos em 7) prefiguram cristalinas liberalidades.
Ademais, a factualidade referenciada em 10) a 22) contempla quer os imóveis que integram a herança de AA, quer os valores dos mesmos e dos prédios que foram objecto das sobreditas doações e legados.
Porém, os Autores não alegaram (e tampouco provaram – ónus imputável aos mesmos) a existência ou inexistência de despesas sujeitas a colação e a existência ou inexistência de dívidas da herança, matéria fáctica imprescindível para a efectivação do cálculo da legítima, limitando-se tão-só a invocar os bens imóveis que integram o acervo hereditário (no art.º 7.º) da petição inicial).
Consequentemente, afere-se que os factos vertidos na petição inicial são manifestamente insuficientes para sustentar a efectivação das operações do cálculo da legítima, nos termos plasmados no art.º 2162.º, do Código Civil (…).
Destarte, inviabilizado o cálculo da legítima dos Autores, sucumbe a premissa sine qua non para a aferição da impetrada inoficiosidade, pelo que se demanda a improcedência dos 2.º) a 6.º) pedidos formulados nos autos…”.
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Sustentou-se no tribunal recorrido, que “…naquele processo comum não foi apreciado o mérito da causa, porquanto se entendeu (bem ou mal) que não foram alegados factos essenciais ao cálculo da legitima, motivo pelo qual, não foi sequer calculado o valor da mesma. Para neste Tribunal se proferir uma decisão contraditória à que foi proferida naqueles autos, era necessário que ali se tivesse decidido se houve ao não ofensa à legitima, apurado o valor desta e decidido se havia lugar a redução, e na afirmativa, qual o valor a reduzir, o que não aconteceu…”.
Mas, salvo melhor entendimento, não podemos concordar com o decidido, existindo na base do mesmo, cremos, uma distinção (inexistente) entre uma decisão de mérito, que conheceu da pretensão da parte submetida a juízo, e uma decisão que julgou improcedente essa mesma pretensão.
Como se pode ver da parte dispositiva da sentença, a mesma julgou a ação improcedente, e em consequência absolveu os RR dos pedidos, estatuindo-se no final da fundamentação, o seguinte: “…Destarte, inviabilizado o cálculo da legítima dos Autores, sucumbe a premissa sine qua non para a aferição da impetrada inoficiosidade, pelo que se demanda a improcedência dos 2.º) a 6.º) pedidos formulados nos autos…”.
 E os pedidos formulados foram os seguintes: “devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor total dos bens pertencentes ao falecido AA, tendo em conta os bens deixados, os bens doados e o bem incluído no testamento, perfazem o valor total de € 74.418,74; - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor da legítima dos herdeiros legitimários (descendentes) do falecido AA perfaz o montante de € 49.612,50; - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que o valor da segunda liberalidade (segunda doação a favor da R. GG), é, em parte, inoficiosa porque ofende a dita legítima no montante de € 23.881,75. - devem os RR. ser condenados a reconhecer - e isso mesmo ser declarado e reconhecido - que a deixa testamentária é totalmente inoficiosa. - deve a R. GG ser condenada a repor à herança a quantia de € 23.881,75, a qual deverá ser feita com a verba n.º 3 da segunda doação no valor de € 24.000,00…”
Ora, como é bom de ver pela análise da fundamentação da sentença proferida, os pedidos foram analisados, assim como a respetiva causa de pedir, tendo sido decidido, a final, a improcedência da ação, com a absolvição dos RR dos pedidos.
Aliás, foram erigidas como questões a decidir as seguintes:
“1) Da inoficiosidade da doação outorgada por AA com referência à Ré GG; 2) Da inoficiosidade da deixa testamentária exarada por AA; 3) Da obrigação imputável à Ré GG de reposição à herança de AA da quantia de 23.881,75€”.
Cremos não restarem dúvidas de que a decisão proferida no processo nº 1346/15.9T8CHV conheceu do mérito da causa, mesmo que se tenha concluído, a final, que “…os factos vertidos na petição inicial são manifestamente insuficientes para sustentar a efetivação das operações do cálculo da legítima, nos termos plasmados no art.º 2162.º, do Código Civil…” – o que levou à improcedência da ação.
No que respeita ao ónus de alegação das partes, dispõe o artigo 552.º nº1, alínea d) do CPC, que na petição com que propõe a ação, deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir, vigorando no nosso ordenamento jurídico, em matéria de alegação factual, a teoria da substanciação, que exige a indicação do ato ou facto jurídico em que se funda o direito afirmado pelo autor.
A causa de pedir é assim integrada pelo facto ou factos jurídicos que, de acordo com os preceitos aplicáveis, sirvam de substrato à pretensão deduzida, sendo que, de acordo com o princípio do dispositivo, aquele que formula uma determinada pretensão, tem que deixar claro qual o fundamento ou fundamentos de facto, que a partir da aplicação de determinadas regras de direito, fazem projetar a pretensão ou as pretensões deduzidas.
É na petição inicial que o autor deve expor os factos que servem de fundamento à ação. A narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa, e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido (José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, p. 351).
Ora, uma decisão que se baseia na ausência de factos essenciais pela parte a cujo ónus incumbia, tal como a que foi proferida no âmbito da ação nº 1346/15.9T8CHV (confirmada pelo STJ), é indiscutivelmente uma decisão de mérito, em termos de poder constituir caso julgado perante uma outra ação onde venha a ser discutida novamente a questão já decidida nessa ação.
Ou seja, e em rigor, a decisão acima referida consubstancia um típico julgamento de mérito, tendo o julgador daquela ação rejeitado o pedido dos AA, julgando-os improcedentes, emitindo sobre os mesmos um juízo de valor, e assentando tal juízo numa averiguação jurisdicional de falência de alegação de factos essenciais (e de prova dos mesmos), porque não carreados para os autos em momento e no local próprio.
Donde termos por adquirido, que declarar inviável/improcedente a ação é conhecer do mérito da causa, quer por falência de factos – por não os ter apresentado/oferecido -, quer porque, tendo-o feito, não os provou. Trata-se efetivamente de uma decisão de mérito, e não de forma, ou de cariz meramente processual (José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, anotado, vol. V, 1984, pág. 393/393).
A entender-se de outro modo – como pretende a recorrida -, seria permitir a um interessado, a possibilidade de, para corrigir uma inadequada condução de um processo (em sede de alegação de factos essenciais para sustentar os pedidos formulados), e ao arrepio do principio da auto responsabilidade das partes, vir posteriormente, noutra ação (no caso, em processo de inventário), invocar a mesma factualidade, pretendendo da mesma prevalecer-se, “corrigindo” assim nesta última ação a sua “negligência ou inépcia”, revelada na tramitação da ação intentada em primeiro lugar (cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processual Civil”, Coimbra Editora, 1979, vol. III, pág. 378; Ac. STJ de 12/7/2007; e Ac desta RG de 21/1/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Aliás, não podemos deixar de apontar, que na situação em análise, foram os próprios AA (entre eles a própria recorrida) que decidiram intentar a ação nº 1346/15.9T8CHV, na qual falharam na alegação dos factos essenciais para a pretensão deduzida, pretendendo ver agora reapreciada a questão em sede de Inventário, usando, em bom rigor, de uma segunda oportunidade para os alegar e provar, o que não deixa de contribuir, em última análise, para o desprestígio e desautorização dos tribunais, fomento de insegurança e incerteza jurídicas, e postergação da paz social, para cujo incremento aqueles devem contribuir (Ac. do STJ, de 15/1/2013, disponível em www.dgsi.pt).
Estão aqui em causa, ademais, os princípios da auto responsabilidade das partes, e da preclusão processual.
O princípio da preclusão traduz-se no reconhecimento de que o direito adjetivo tem ciclos processuais, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques, dentro dos quais os atos respetivos devem ser praticados, sob pena de ficarem precludidos (M. Teixeira de Sousa, “Preclusão e caso julgado” – artigo disponível on line).
E este princípio não é apenas aplicável à defesa.
Tal como a sentença que reconhece, no todo ou em parte, o direito do A, faz precludir todos os meios de defesa do R., mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, também a sentença que julgue improcedente a ação faz precludir a possibilidade de o A, em novo processo, invocar outros factos ou outras razões de direito não produzidas nem consideradas oficiosamente no processo anterior.
Consabidamente, por força dos princípios da preclusão e da concentração, impõe-se que todos os fundamentos - da ação ou da defesa -, sejam alegados de uma só vez, cabendo às partes alegar logo nos respetivos articulados, todos aqueles que se afigurem essenciais, para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, mesmo os que se afigurem secundários, desde que, porventura num segundo plano, também possam vir a ser tidos por relevantes (art.º 552.º, n.º 1 al d), 572.º e 573.º do CPC).
Daqui decorre, que transitada em julgado uma decisão de mérito, com ela fica precludida a possibilidade de, em acção subsequente, poderem vir a ser utilizados fundamentos que na primeira ação poderiam ter sido invocados – e não foram.
Com efeito, por decorrência do princípio do dispositivo, incumbe ao autor o ónus de alegação dos factos integrantes da causa de pedir - o facto ou factos que fundamentam o pedido -, estando a atividade processual limitada a esses factos, - sem prejuízo da inclusão de outros que desses sejam instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios -, sendo que, a ausência de uma causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial (al. a) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC), e a causa de pedir invocada condiciona o desenvolvimento da instância, sendo limitadas as situações da sua alteração ou ampliação (art.º 264.º e n.º 1 do art.º 265.º).
Isso mesmo decorre, aliás, da interpretação “a contrario” do que se dispõe no art.º 621.º do CPC, sobre o “alcance do caso julgado”, no qual se estipula que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo de preencha ou o facto se pratique.”
A lei reporta-se sempre, como se vê, à ocorrência posterior das situações nela contempladas: da verificação da condição, do decurso do prazo, ou da prática do facto.
Os factos passados, que poderiam ter sido invocados aquando da propositura da ação (constitutivos do direito do A), ou da apresentação da defesa, devem ser alegados no momento próprio, sob pena de ficar precludido à parte, o direito da sua invocação em momento posterior, o que se funda em razões atinentes à boa administração da justiça, à funcionalidade dos tribunais, e à salvaguarda da paz social, salvaguardando-se a possibilidade de confrontar o tribunal com toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
Dito de outro modo, com o princípio da preclusão obsta-se a que tais factos – não alegados -, possam servir de causa de pedir em ações cujo desfecho possa conduzir a uma decisão em contradição com a já proferida.
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Resulta assim evidente, que a decisão de mérito proferida na ação nº 1346/15.9T8CHV (transitada em julgado), constitui caso julgado – na sua vertente positiva, de autoridade de caso julgado –, impedindo que as questões nela definitivamente resolvidas possam ser novamente discutidas no processo de inventário em curso.
Procede, assim, a Apelação do recorrente.
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III- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se procedente a Apelação, e revoga-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que salvaguarde os efeitos já produzidos na ação nº 1346/15.9T8CHV.
Custas da Apelação pela recorrida (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Sumário do Acórdão:

I- Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo -, e a vinculação do mesmo tribunal (e de outros), à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Ao primeiro efeito está ligada a exceção de caso julgado (efeito negativo); e ao segundo, a autoridade de caso julgado (efeito positivo).
II- A Autoridade do caso julgado, prevista especialmente no nº 2 do art.º 580º do CPC, constitui uma imposição ao tribunal, de acatamento de uma decisão anterior, com vista a evitar a contradição ou a repetição de julgados.
III- Uma decisão que julgue a ação improcedente (e absolva os RR do pedido), por falta de alegação de factos essenciais para a pretensão deduzida pelos AA, cujo ónus lhes incumbia, é uma decisão de mérito, em termos de poder constituir caso julgado perante uma ação posterior onde venha a ser discutida novamente a questão já decidida nessa ação.  
IV- Por força dos princípios da preclusão e da concentração, impõe-se que todos os fundamentos – da ação e da defesa -, sejam alegados de uma só vez, na fase e no momento processual adequados, cabendo às partes alegar logo nos respetivos articulados todos os fundamentos que se afigurem essenciais para a ação ou para a defesa.
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Guimarães, 18.12.2024