Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
204/24.0T9VNF.G1
Relator: PAULO CORREIA SERAFIM
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
FINALIDADES DA PUNIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Não deve ser aplicada a pena de substituição de execução da pena de prisão quando, como sucede no caso, as finalidades da punição, de prevenção geral, na perspetiva de a comunidade não encarar a suspensão como um sinal de impunidade, e, mormente, de prevenção especial, na vertente positiva de apoio e promoção à reinserção social do condenado, não seriam asseguradas por via da pretendida suspensão.
II - São elevadas as necessidades de prevenção geral positiva, de defesa do ordenamento jurídico, atendendo ao acentuado grau de ilicitude dos factos integradores do crime de violência doméstica, ao forte ataque ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora, à indesejada e intolerável frequência com que a violência doméstica é praticada no nosso País e aos nefastos danos que amiúde acarreta para as vítimas, quer ao nível psicológico quer ao nível físico, conduzindo, por vezes, à própria morte.
III – O grau de ilicitude do facto não pode ser considerado reduzido quando: a) o arguido cometeu os factos sobre a sua própria mãe, quando é certo que, face à norma da alínea d) do nº1 do art. 152º do CP, o sujeito passivo do crime, sendo sempre uma «pessoa particularmente indefesa», que coabite com o agente, pode não ter vínculo familiar com este; b) o comportamento do arguido prolongou-se por cerca de dois meses e meio, só cessando com a sua detenção e reclusão prisional, e envolveu, com intensa frequência, várias condutas integradoras do tipo legal, como impropérios, ameaças de ofensas à integridade física e de morte, agressões físicas e o ato bárbaro e medíocre de cuspir na cara da progenitora, tudo sem motivo desculpante ou com valência atenuante.
IV - São acentuadíssimas as exigências de prevenção especial de reintegração quando o arguido pratica os ajuizados factos durante o período de suspensão da execução da pena de prisão cominada no âmbito de outro processo por crime de violência doméstica em que a vítima é a mesma dos presentes autos.
V - As circunstâncias atinentes ao caso, ponderadas em concatenação, inviabilizam a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade do arguido para interiorizar a censurabilidade das suas pretéritas condutas e proceder à necessária alteração do seu comportamento de modo a conformá-lo com as regras vigentes em sociedade, nomeadamente no que respeita às relações interpessoais e ao tratamento a dispensar à família, donde não ser possível concluir pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 204/24...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz ..., por sentença proferida e depositada no dia 10.10.2024 (referências ...90 e ...77, respetivamente), foi decidido:

“1. Condeno o arguido, AA, pela prática, contra a ofendida BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), e 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. Condeno o arguido, AA, nas penas acessórias de: a) proibição de contactar, por qualquer meio – quer pessoalmente e/ou através de telefone, telemóvel, carta, manuscrito, email, internet -, com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, b) de proibição de, no mesmo período de tempo, se aproximar da ofendida num raio inferior a 250 metros, sendo que tal pena acessória inclui, nos termos do art. 152º, n.º 5, do Código Penal, c) da obrigação para o arguido de, no mesmo período de tempo, se afastar, não frequentar e não se aproximar da residência em que a ofendida reside, num raio inferior a 250 metros, e de não frequentar a rua em que tal residência se situa, devendo o cumprimento de tais penas acessórias, nos termos do aludido número 5, do art. 152º do Código Penal, ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância para salvaguarda da ofendida, sempre que o arguido esteja em liberdade no referido período;
3. Condeno o arguido no pagamento das custas criminais, e que fixo em 3´s UC, e nos demais acréscimos legais que fixo no mínimo.”

I.2 Inconformado com a decisão condenatória proferida em primeira instância, dela veio o arguido AA interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...82):

“1. O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p, pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), e 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6(seis) meses de prisão efetiva, em meio prisional;
2. O arguido não se conformando com o teor da Douta Sentença, vem interpor o presente recurso e suscitar a seguinte questão:
- Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão
3. Por mera cautela, sempre deixará alegado que a pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos é desproporcional e inadequada para assegurar os fins pretendidos.
4. A finalidade de socialização do agente tem um sentido de evitar a quebra da inserção social e servir a sua reintegração na comunidade, mas igualmente para alcançar uma eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos.
5. As considerações de prevenção especial têm a função de indicar a medida exata da pena que se adeque às exigências de socialização do delinquente, não apenas por contraposição aos efeitos perniciosos de uma pena excessivamente longa mas também por contraposição ao mínimo necessário para que ele interiorize a norma violada e a censura que lhe é dirigida por tal violação.
6. Entende o arguido, com o devido respeito, que o Tribunal a quo interpretou de forma excessivamente rigorosa, as normas atinentes à escolha da pena, uma vez que a pena que lhe foi cominada peca por excessiva, e desproporcional face ao grau de culpa apurado, violando-se dessa forma o disposto nos artigos 70.º, 71.º do Código Penal e artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
7. Não pode o tribunal a quo decidir pela possibilidade de suspender ou não a execução da pena única e exclusivamente pelo passado criminal do arguido, ocorrendo um vício de fundamentação nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
8. O arguido não se conforma com o facto de não se ter tido em conta, em seu benefício, o baixo grau da ilicitude do facto, pelo que a Douta Sentença violou o disposto nos artigos 70.º, 71.º, n.º 2 alínea a) e d) do Código Penal.
9. Assim, no caso em apreço, para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao Recorrente, deveria o Tribunal a quo atender não somente à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, depusessem a favor do mesmo.
10. O facto do Tribunal ter aplicado ao Arguido uma pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, evidencia que na sua determinação, o Tribunal a quo não revelou, positivamente, a situação do Recorrente.
11.O Recorrente está preso preventivamente acerca de 9 (nove) meses, à ordem destes autos, e estamos em crer que manter o mesmo em meio prisional será mais nefasto do que ressocializador.
12.O arguido colaborou com o tribunal, confessando parcialmente os factos pelos quais vinha acusado, demonstrou arrependimento sincero.
13. Explicou o modo e circunstâncias que o fizeram cometer o crime.
14.O Recorrente nos inícios de dezembro de 2023, foi novamente viver para a habitação da ofendida, com a autorização e o consentimento desta.
15. À data dos factos a que aludem os presentes autos, por vezes a ofendida, e quando estava alcoolizada, insultava o Recorrente de “ladrão”, “corno” e “filha da puta”.
16.O Recorrente reconhece que, há uns anos atrás “andou um pouco perdido” devido ao facto de ter crescido em meio familiar hostil, cuja dinâmica foi fortemente conturbada pela problemática aditiva do pai, pessoa difícil e agressivo, e que isso manifestou-se na sua “forma de viver”, nomeadamente na preservação de um trabalho estável e autonomia de vida.
17. Antes de ser preso preventivamente, o Recorrente estava a tentar dar um sentido à sua vida para se inserir socialmente e a nível profissional perspetiva voltar a desempenhar actividade como operário na construção civil junto de uma anterior entidade patronal.
18.Condenar o Recorrente, a uma pena efetiva de prisão, decidindo-se pela sua privação de liberdade, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, é cortar àquele, a possibilidade de refazer a sua vida, destruindo-se todos os esforços que o Recorrente está a empregar para melhorar a vida.
19.Tem apoio da avó materna e de uma prima.
20.A suspensão da execução da pena de prisão não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
21.Com o devido respeito, o Tribunal a quo na sua decisão da pena aplicada ao Recorrente não pode decidir pela possibilidade de suspender ou não a execução da pena única e exclusivamente no facto do arguido ter antecedentes criminais.
22. A Douta Sentença violou o disposto nos artigos 50º, 70º, 71º, n.º 1. N.º 2 alínea a) e d) do Código Penal, artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
23.Nesta conformidade, tendo em conta o sentido das conclusões anteriores, deverá a Douta Sentença ser revogada e substituída, por outra, e a pena de prisão determinada ao Recorrente ser suspensa na sua execução, condicionando, se assim o entender, ao cumprimento de certos deveres ou obrigações.
TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a Douta Sentença impugnada, sendo substituída por outra, em conformidade com a pretensão do Recorrente e a pena de prisão ser suspensa na sua execução, fazendo assim, V.AS EX.AS a habitual JUSTIÇA!”

Na primeira instância, o Ministério Público, notificado do despacho de admissão do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que requer seja negado provimento ao recurso (referência ...81).

Formulou as seguintes conclusões:

“1. O alegado pelo recorrente para a suspensão da execução da pena de prisão, não é suficiente para colocar em crise o vertido na doutra sentença.
2. O arguido apenas confessou uma pequena parte dos factos, tentando sempre contextualizar e desculpabilizar o seu comportamento; não apresentava, até à data da sua reclusão, qualquer vinculo laboral estável, nem tão pouco evidenciava ter qualquer apoio familiar; e, arroga-se ao direito, por herança do seu pai, de viver, futuramente, numa fração da habitação onde reside a sua mãe, aqui ofendida.
3. Tendo-lhe sido apresentadas respostas sociais, o arguido optou por não aproveitar as oportunidades que lhe estavam a ser concedidas e não manifesta juízo critico ou consciência da ilicitude relativamente à criminalidade em causa nos autos, bem como dos danos que podem ser causados nas vitimas, focando a sua atenção nas consequências da sua conduta, nomeadamente atendendo ao seu passado criminal.
4. Além de diversas condenações pela prática de crimes contra o património, que determinou o cumprimento pelo mesmo da pena de 9 anos de prisão, o recorrente foi já condenado uma vez pelo mesmo tipo legal de crime, na pessoa da mesma ofendida, em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo os factos em causa nos autos ocorrido em pleno período de suspensão da execução da referida pena de prisão.
5. Não podemos deixar de considerar que a pena aplicada ao arguido se mostra inteiramente adequada e proporcional às exigências preventivas e sancionatórias do caso vertente.”

I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que defende não merecer provimento recurso (referência ...62).
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, o arguido/recorrente deduziu “resposta” ao sobredito parecer em que se limita a afirmar que «mantém o teor das suas alegações apresentadas no recurso».
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

II – Âmbito objetivo do recurso (questão a decidir):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].
Assim sendo, no caso vertente, a questão que importa decidir incide sobre a peticionada suspensão da execução da pena cominada ao arguido.

III – Apreciação:       

III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão da questão suscitada pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. O arguido AA é filho da ofendida BB (nascida a ../../1972) e de CC, já falecido;
2. A ofendida BB encontra-se reformada por invalidez há cerca de 20 anos por ter sofrido três AVCs, o último dos quais no ano de 2022, sendo que aquando do primeiro AVC sofrido a ofendida ficou incapacitada de andar e de falar;
3. Padecendo, desde então, de dificuldades na fala e na marcha, para além de saúde débil;
4. No âmbito do processo n.º 2475/22...., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J..., foi o arguido, por Sentença transitada em julgado em 22.11.2023, condenado pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al d), n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pessoa da ofendida BB por factos anteriores a 20.01.2023: - na pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 3 anos sujeita a regime de prova, subordinada ao cumprimento, pelo arguido, dos seguintes deveres / obrigações / regras de conduta: a)não frequentar a casa de morada da ofendida durante o período de 3 anos e de não se aproximar num raio inferior a 250metros da casa da ofendida; b) da regra de conduta de, no mesmo período de tempo, 3 anos, cumprir a obrigação de apresentação mensal ao técnico da DGRSP, com vista a acompanhamento próximo do comportamento do arguido; c) da regra de conduta de não contactar por qualquer meio – pessoalmente, por interposta pessoa, por telefone, telemóvel, cata, manuscrito, internet – com a ofendida durante o período de 3 anos, excepto no âmbito de diligências processuais e / ou por intermédio de advogado, procurador, juiz ou solicitador; d) da regra de conduta de obrigação de continuar empregado; - nas penas acessórias de: a)proibição de contactar por qualquer meio – quer pessoalmente e / ou através de telefone, telemóvel, carta, manuscrito, email, internet – com a ofendida, pelo período de 3 anos; b) proibição de se aproximar da ofendida num raio inferior a 250metros; c) obrigação para o arguido de, no mesmo período de tempo, se afastar, não frequentar e não se aproximar da residência em que a ofendida reside, num raio inferior a 250metros e de não frequentar a rua em que tal residência se situa, devendo o cumprimento de tais penas acessórios ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância para salvaguarda da ofendida; d) na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica durante o aludido período de 3 anos e a ministrar pela DGRSP e com a duração, tais programas, a estabelecer pela DGRSP;
5. Contudo, no início do mês de Dezembro de 2023, o arguido foi viver novamente para a habitação da ofendida, sita na Travessa ..., ..., em ..., ...;
6. Trata-se de habitação unifamiliar, composta por dois pisos, sem ligação interior, sem quaisquer condições de higiene e salubridade
7. Nos primeiros dias de coabitação, o arguido dormia no piso superior, acabando, depois, por mobilar o piso inferior com alguns móveis e aí passou a dormir;
8. Não obstante, o arguido continuou: - a confeccionar as refeições na cozinha do piso superior; - a deslocar-se ao piso superior sempre que lhe aprazia;
9. Por seu turno, a ofendida deslocava-se diariamente, por mais do que uma vez, ao piso inferior uma vez que é aí que se localiza o motor da bomba de água, que necessita de ligar diariamente para ter água no piso superior;
10. Assim, desde meados do mês de Dezembro de 2023 até ao dia ../../2024 (data em que foi detido para apresentação a primeiro interrogatório), o arguido maltratou verbal e fisicamente a ofendida com regularidade;
11. Com efeito, durante tal período, o arguido, diariamente e no interior da residência comum, apelidou a ofendida de vaca, puta e filha da puta;
12. E dizia-lhe, pelo menos uma vez por semana: Para o fim do ano, morres;
13. E ainda: “eu mato-te, sua puta, sua vaca”; “A casa é minha”;
14. Também durante tal período o arguido, pelo menos uma vez por semana e no interior da residência comum, sem qualquer motivo, desferia estalos na cara da ofendida, causando-lhe dores;
15. Em dia não concretamente apurado do final do mês de Dezembro de 2023, no piso superior da habitação, o arguido e a ofendida iniciaram uma discussão, na presença do menor DD, pelo facto de o arguido estar a cozinhar arroz no fogão e a gastar demasiado gás; então, o arguido desferiu uma bofetada na cara da ofendida;
16. Em dia não concretamente apurado no mês de Janeiro de 2024, no interior da residência comum, o arguido pediu dinheiro à ofendida, ao que esta respondeu que não tinha dinheiro para lhe dar;
17. Então, o arguido desferiu duas chapadas na cara da ofendida e cuspiu-lhe na cara;
18. Em dia não concretamente apurado do mês de Janeiro de 2024, a ofendida confrontou o arguido com o facto de este se ter apoderado de um vale de correio que lhe era destinado;
19. Então o arguido respondeu-lhe: “se dizes que fui eu, eu vou-te foder, para a próxima, roubo-te mais. Eu parto-te toda. Eu dou-te no focinho”;
20. O arguido tem conhecimento das doenças sofridas pela ofendida;
21. O arguido foi consumidor de estupefacientes quando tinha 14 anos de idade;
22. A casa onde residem é propriedade da ofendida e do seu falecido marido;
23. No âmbito do processo n.º 282/14...., por Acórdão transitado em julgado em 05.06.2017, foi o arguido condenado na pena de 9 anos de prisão efectiva pela prática, entre o mais, de crimes de roubo qualificado, tendo o período de liberdade condicional terminado a 01.08.2023;
24. Ao actuar da forma e nas situações descritas, o arguido sabia que estava a maltratar física e psicologicamente, de forma reiterada, a sua mãe, com quem residia, indiferente à idade desta e às doenças de que a mesma padece, assim violando os deveres de protecção, respeito e solidariedade que sabe lhe incumbirem, querendo agir da forma por que o fez;
25. O arguido sabe que por força da sua idade e das doenças de que padece, a ofendida, sua mãe, não tinha capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para levar a cabo os seus intentos;
26. Sabia o arguido: - que ao proferir as expressões injuriosas molestava a honra e consideração da ofendida, o que conseguiu; - que ao proferir as expressões mencionadas criava na ofendida sentimentos de insegurança, medo e inquietação, condicionando-a na sua liberdade de acção e decisão; - que molestava o corpo e a saúde da ofendida, resultado que quis e previu;
27. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

- Mais resultou provado.
28. À data dos factos, por vezes a ofendida, e quando estava alcoolizada, “respondia” aos insultos do arguido insultando o mesmo de “ladrão”, “corno” e “filho da puta”.
29. No processo n.º 282/14.... o arguido foi condenado, por decisão datada de 28.9.2026 e transitada em julgado aos 5.6.2017, pela prática em 27.7.2014 de um crime de furto qualificado tentado, p. e p. pelos arts. 204º, 22º e 23º do Código Penal, pela prática aos 30.6.2014 de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 23.6.2014 de um crime roubo p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 13.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 23.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 30.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 13.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 19.5.2014 de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 199º, da Lei n.º 1/2001 de 14.8, pela prática em 16.6.2014 de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, pela prática em 27.7.2014 de um crime p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 19.6.2014 de um crime roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, na pena única de 9 anos de prisão.
30. À data dos fatos constantes da acusação, o arguido residia na casa da progenitora, ofendida no processo 2475/22...., situada na morada indicada, infringindo desta forma as regras de conduta e a pena acessória do referido processo referentes a não frequentar a casa da ofendida durante o período de três anos e de não se aproximar num raio inferior a 250 metros da sua casa;
31. O pai do arguido faleceu em outubro de 2022;
32. À data dos factos AA não trabalhava regularmente, registava colocações pontuais, revelando dificuldade na estruturação de rotinas em função da preservação de um trabalho estável e autonomia de vida;
33. O agregado familiar dependia das pensões de reforma da ofendida;
34. A ofendida sofreu três AVC’s, faz tratamentos regulares de fisioterapia, encontra-se fragilizada física e psicologicamente, contexto de saúde que acentua a sua vulnerabilidade;
35. Em momento prévio à data dos factos no presente processo, e a beneficiar de liberdade condicional desde ../../2021, o arguido residiu algum tempo em ..., junto à comunidade de pertença da sua companheira;
36. O referido enquadramento ficou comprometido e o arguido voltou a coabitar com a mãe/ ofendida e com o irmão mais novo, ainda menor, tendo o arguido se feito acompanhar da companheira; 37. A presença da companheira no seio do agregado, não era bem aceite;
38. O relacionamento entre o arguido e esta companheira terminou entretanto;
39. O arguido perspetiva futuramente residir numa fração da casa da mãe, afirmando-se no direito legal de herança ao referido espaço;
40. Acredita que profissionalmente poderá voltar a desempenhar atividade como operário na construção civil junto de uma anterior entidade patronal;
41. Em momento prévio à data dos presentes factos, AA não aceitou o acolhimento numa instituição em ... e, não correspondendo às orientações da assistente social da IPSS Engenho, continuando a morar na rua, em condições precárias, por falta de mobilização e inércia;
42. O arguido beneficiou de ajuda alimentar por parte de uma IPSS local;
43. AA não se encontra conotado com problemas de consumos de álcool e/ou de estupefacientes, antes pela dificuldade de organização pessoal, de gestão e auto controlo emocional e necessidades de se reajustar ao normativo vigente;
44. O arguido tem um irmão mais novo, de 13 anos de idade, que atualmente está institucionalizado no Colégio ... em ...;
45. O arguido e o irmão foram criados em meio familiar hostil, situação do conhecimento público, cuja dinâmica foi fortemente conturbada pela problemática aditiva do pai, pessoa de trato agressivo, como consequência, o arguido preconizou várias fugas de casa, como forma de minimizar os conflitos e agressões de que era alvo, bem como a mãe;
46. Este contexto terá contribuído para uma educação sem regras e permissiva, e pela vivência em contexto permanentes conflitos entre os pais, que se associam ao alcoolismo da figura paterna.
47. O arguido tem como habilitações literárias o 6ºano de escolaridade, com referencia a reprovações e dificuldades de aprendizagem, absentismo escolar e problemas disciplinares;
48. Em meio prisional frequentou curso de eletromecânica, referindo ter concluído e obtido equivalência ao 9º ano;
49. AA é divorciado e pai de um filho de 12 anos, fruto do casamento celebrado aos 19 anos de idade;
50. O divórcio aconteceu durante a sua reclusão;
51. O arguido nunca contribuiu com prestação de alimentos ao menor, nem manteve contactos com o descendente;
52. AA sinalizou a perda da sua liberdade como repercussão maior da presente situação jurídico-penal;
53. Tendo em conta a problemática criminal subjacente ao presente processo, AA não manifesta juízo crítico ou consciência da ilicitude dos mesmos, bem como dos eventuais danos que possam causar às vítimas;
54. Mostra-se preocupado pelas eventuais consequências jurídicas, temendo pelo seu passado criminal e pela execução em curso de uma pena de prisão suspensa cuja vítima é a sua progenitora;
55. Apresenta problemas com o sistema de justiça penal e condenações, nomeadamente por crimes contra o património, que determinou o cumprimento da pena única de 9 anos de prisão, no âmbito do processo n.º 282/14...., Juízo Central Criminal de Guimarães – J..., tendo beneficiado de liberdade condicional até ../../2023;
56. Mostrou-se pouco proactivo na adesão a este acompanhamento.

III.2Da peticionada suspensão da execução da pena:

No seu recurso, o arguido/recorrente, AA, defende que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, al. d), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, deve ser suspensa na sua execução suspensa na sua execução, condicionada ao cumprimento de certos deveres ou obrigações (que não concretiza).
Isto porque, alega, em súmula:
- A pena aplicada é desproporcional e desadequada para assegurar os fins pretendidos.
- A decisão recorrida apenas tomou em consideração o passado criminal do arguido, os seus antecedentes criminais, ocorrendo um vício de fundamentação nos termos do disposto no art. 374º, nº2, do CPP, sendo que não foi tido em conta o baixo grau de ilicitude do facto.
- Esteve preso preventivamente cerca de 9 meses e é de crer que a sua permanência em meio prisional será mais nefasto do que ressocializador.
- Confessou parcialmente os factos, demonstrou arrependimento sincero, explicou o modo, circunstancialismo e motivos que o fizeram cometer o crime, com responsabilidade também da ofendida.
- Tem apoio da avó materna e de uma prima.
- Foram violadas as normas constantes dos arts. 50º, 70º, 71º, nºs 1 e 2, als. a) e d), do Código Penal, 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, e 374º, nº2, do Código de Processo Penal.    
Conhecendo.
Nos termos do art. 50º, nº 1, do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como resulta deste normativo legal, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material.
A propósito deste segundo requisito, expende Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgts.: «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto»[2].

Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:
«A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação [...].» - negrito nosso
E adiante: «Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.».
Há que referir também, na esteira de Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica, consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.
Inexiste um dever de suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, mas há um poder-dever, funcional e vinculado, de determinar essa suspensão com fundamento nos factos decorrentes do prognóstico favorável que o julgador tenha efetuado.

No caso vertente, o Tribunal a quo fundamentou a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos seguintes termos (transcrição):

«2.2.3. Da (não) suspensão da execução da pena privativa da liberdade.    
De acordo com o preceituado no n.º 1, do art. 50º, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tendo presentes os efeitos que normalmente se encontram associados à execução de penas de prisão de curta duração, designadamente a desinserção familiar e profissional do condenado e a inevitável exposição do mesmo ao contágio prisional, o legislador manifestou clara preferência pelas penas não detentivas da liberdade, impondo, no domínio da pequena e média criminalidade, a opção pela pena não privativa da liberdade sempre que através da mesma se revele possível a realização adequada das finalidades da punição.
E, porque as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, serão sempre e só considerações de prevenção geral e especial que decidirão da possibilidade de preferir, em concreto, uma reacção não detentiva à aplicação de uma pena de prisão.
Por isso, o Tribunal só pode recusar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão quando, através dela, não seja possível realizar a desejável e necessária ressocialização ou, sendo embora possível, resulte de todo o modo comprometida a confiança da comunidade na validade do Direito e na vigência das instituições.
Pois bem.
Atendendo ao aludido preceito legal e ponderados os seus requisitos entendemos que in casu as exigências de prevenção especial e da prevenção geral obstam à aplicação da citada pena de substituição a que vimos de fazer referência.
Com efeito, in casu, as exigências de prevenção especial positiva (ou de socialização) são muito elevadas.
Na verdade, o arguido ostenta uma grande carência de socialização uma vez que antes dos factos em apreço nos autos já tinha sofrido duas condenações – uma delas no processo n.º 282/14...., no qual por decisão datada de 28.9.2026 [trata-se de um manifesto lapso de escrita, querendo afirmar-se “2016”] e transitada em julgado aos 5.6.2017, foi condenado, pela prática em 27.7.2014 de um crime de furto qualificado tentado, p. e p. pelos arts. 204º, 22º e 23º do Código Penal, pela prática aos 30.6.2014 de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 23.6.2014 de um crime roubo p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 13.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 23.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 30.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 13.6.2014 de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 19.5.2014 de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 199º, da Lei n.º 1/2001 de 14.8, pela prática em 16.6.2014 de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, pela prática em 27.7.2014 de um crime p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, pela prática em 19.6.2014 de um crime roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 2, do Código Penal, na pena única de 9 anos de prisão, e no processo n.º 2475/22...., por sentença transitada em julgado aos 22.11.2023, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al d), n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, e precisamente na pessoa da ofendida BB por factos anteriores a 20.01.2023, tendo-lhe ali sido aplicada a pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 3 anos sujeita a regime de prova, subordinada ao cumprimento, pelo arguido, dos seguintes deveres/obrigações/regras de conduta: a)não frequentar a casa de morada da ofendida durante o período de 3 anos e de não se aproximar num raio inferior a 250metros da casa da ofendida; b) da regra de conduta de, no mesmo período de tempo, 3 anos, cumprir a obrigação de apresentação mensal ao técnico da DGRSP, com vista a acompanhamento próximo do comportamento do arguido; c) da regra de conduta de não contactar por qualquer meio – pessoalmente, por interposta pessoa, por telefone, telemóvel, cata, manuscrito, internet – com a ofendida durante o período de 3 anos, excepto no âmbito de diligências processuais e/ou por intermédio de advogado, procurador, juiz ou solicitador; d) da regra de conduta de obrigação de continuar empregado; - nas penas acessórias de: a)proibição de contactar por qualquer meio – quer pessoalmente e / ou através de telefone, telemóvel, carta, manuscrito, email, internet – com a ofendida, pelo período de 3 anos; b) proibição de se aproximar da ofendida num raio inferior a 250metros; c) obrigação para o arguido de, no mesmo período de tempo, se afastar, não frequentar e não se aproximar da residência em que a ofendida reside, num raio inferior a 250metros e de não frequentar a rua em que tal residência se situa, devendo o cumprimento de tais penas acessórios ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância para salvaguarda da ofendida; d) na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica durante o aludido período de 3 anos e a ministrar pela DGRSP e com a duração, tais programas, a estabelecer pela DGRSP; - e sendo que o arguido praticou o crime ora em consideração no decurso da referida suspensão da execução daquela pena de prisão!
E, ainda neste segmento – das exigências de prevenção especial – e militando contra o arguido, e como acima referido, há a salientar que o mesmo no julgamento, e no uso de um direito processual que lhe assiste, pretendeu prestar declarações quanto aos factos em causa nos autos e apenas admitiu ter desferido e por uma vez um estalo na cara da ofendida, ter cuspido na cara da mesma e ter, a partir de Janeiro de 2024, insultado a mesma mas defendendo que o fez “em resposta” a insultos que a mesma lhe dirigia, não assumindo os demais factos que resultaram provados o que demonstra que o mesmo não se mostra arrependido pelo cometimento dos aludidos factos e, ainda, que não interiorizou a censura e reprovação da sua conduta.
Destarte, forçoso é concluir que, pese embora a primeira condenação e por vários crimes (em pena de prisão efectiva) e a segunda condenação (em pena de prisão suspensa na sua execução), condenações sofridas antes da prática destes factos, as aludidas condenações não o conseguiram socializar para o Direito nem afastá-lo da prática de novos crimes (o em causa nos autos).
Ou seja, não estamos perante um agente que não carece de socialização, como acontece com os agentes ocasionais ou situacionais.
Entendemos estar demonstrado que o mesmo não foi sensível às penas que (ali) lhe foram aplicadas, pelo que aplicar-lhe, aqui, a pena de substituição prevista no art. 50º do Código Penal seria entendido pela comunidade como uma indulgência por parte do Tribunal, e iria colocar em causa as finalidades da punição na sua vertente de prevenção especial, como acima se deixou exarado, e na sua vertente de prevenção geral – de defesa da sociedade, de protecção da norma violada, e de prevenção da prática de novos crimes.
Assim, o Tribunal entende que a suspensão da execução da prisão aplicada ao arguido coloca em causa as finalidades da punição (elencadas no art. 40º do Código Penal).
Pelo exposto, julga-se necessário o cumprimento efectivo da pena de prisão de 2 anos e 6 meses, não podendo, pois, a mesma ser alvo de suspensão da sua execução, sob pena de se frustrarem as finalidades que presidem à aplicação das sanções criminais.»

Concordamos na íntegra com a exemplar fundamentação aduzida pelo tribunal a quo para não suspender a execução da pena de três anos e um mês de prisão aplicada ao arguido EE.
As finalidades da punição, de prevenção geral, na perspetiva de a comunidade não encarar a suspensão como um sinal de impunidade, e, mormente, de prevenção especial, na vertente positiva de apoio e promoção à reinserção social do condenado, conforme superiormente concretizadas na decisão recorrida, não seriam asseguradas por via da pretendida suspensão.
São elevadas as necessidades de prevenção geral positiva, de defesa do ordenamento jurídico, atendendo ao acentuado grau de ilicitude dos factos integradores do crime de violência doméstica, ao forte ataque ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora, à indesejada e intolerável frequência com que este tipo de criminalidade é praticado no nosso País e aos nefastos danos que amiúde acarreta para as vítimas, quer ao nível psicológico quer ao nível físico, conduzindo, por vezes, à própria morte.
Assim, o arguido cometeu os factos dados como provados, subsumíveis ao tipo legal de crime de violência doméstica, sobre a sua própria mãe, quando é certo que, face à norma da alínea d) do nº1 do art. 152º do CP, o sujeito passivo do crime, sendo sempre uma «pessoa particularmente indefesa», que coabite com o agente, pode não ter vínculo familiar com este.   
Por outro lado, o comportamento ilícito do arguido prolongou-se por cerca de dois meses e meio, só cessando com a sua detenção e reclusão prisional, e envolveu, com intensa frequência, várias condutas integradoras do tipo legal, como impropérios, ameaças de ofensas à integridade física e de morte, agressões físicas e o ato absolutamente bárbaro e medíocre de cuspir na cara da progenitora, tudo sem motivo desculpante ou com valência atenuante.   
Donde, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o grau de ilicitude do facto não é baixo. 
Concomitantemente, são acentuadíssimas as exigências de prevenção especial de reintegração.
Desde logo, pelos antecedentes criminais do arguido, integrados por uma condenação em pena de nove anos de prisão efetiva, cujo período de liberdade condicional findou em 01/08/2023, pela prática, no ano de 2014, de dez crimes, de gravidade considerável, e outra condenação em pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos, subordinada ao cumprimento pelo condenado de deveres/obrigações/regras de conduta, e penas acessórias, pela prática, em data anterior a 20/01/2023, sobre a mesma ofendida, de crime de igual natureza ao agora ajuizado nos autos.
Ademais, o crime em apreço no presente processo foi cometido pelo arguido durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada naqueloutro processo, sendo que o início da sua execução remonta até ao mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Acresce que, como corretamente observado na douta decisão recorrida, o arguido não demostrou arrependimento nem sentido de responsabilização, de autocrítica, antes revelando uma atitude de não reconhecimento da esmagadora maioria parte dos seus censuráveis comportamentos e de menosprezo pelo sentimento da vítima e não aceitação da causação de relevantes danos à mesma. Procurou desculpabilizar as suas condutas declarando que perpetrou os factos (os que confessou) “em resposta” a insultos que a mãe lhe dirigia, quando o que se provou foi que «À data dos factos, por vezes a ofendida, e quando estava alcoolizada, “respondia” aos insultos do arguido insultando o mesmo de “ladrão”, “corno” e “filho da puta”» [facto nº 28].
Conclui-se, dessarte, que as condenações anteriormente sofridas pelo arguido não lograram atingir o desiderato ressocializador da punição e afastá-lo da prática de novos crimes.
Além disso, como sagazmente nota o ministério público na douta resposta que apresentou, «Tendo-lhe sido apresentadas respostas sociais, o arguido optou por não aproveitar as oportunidades que lhe estavam a ser concedidas».
Não obstante a degradação do meio em que vive juntamente com a ofendida e antecedente má vivência familiar causada em larga medida pelo alcoolismo do progenitor, entretanto falecido, nada justifica o comportamento do arguido, sendo que tais circunstâncias não contribuem para mitigar o risco de cometimento de novos factos ilícitos típicos.  
Saliente-se ainda que não surge retratada na factualidade apurada a circunstância alegada no recurso de um pretenso apoio ao arguido por parte da avó materna e de uma prima.
São prementes as necessidades de prevenção especial, nomeadamente na vertente positiva de carência de reintegração social do agente. 
Resumindo.
As preditas circunstâncias, ponderadas em concatenação, impedem a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade do arguido para interiorizar a censurabilidade das suas pretéritas condutas e proceder à necessária alteração do seu comportamento de modo a conformá-lo com as regras vigentes em sociedade, nomeadamente no que respeita às relações interpessoais e ao tratamento a dispensar à família.
Como vimos, a suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes. Destarte, ao tempo da condenação em primeira instância, já não era viável formular um juízo imbuído da probabilidade de que o arguido iria sentir a condenação como uma solene advertência, mostrando-se a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (mesmo com imposição de deveres, regras de conduta e/ou regime de prova – cfr. art. 34º-B da Lei nº 112/2009, de 16.09).
Logo, não era possível concluir pela viabilidade da socialização do condenado em liberdade.
Não deve ser conferida ao arguido, por ora, nova oportunidade de, em meio livre, poder ofender bens jurídicos relevantes, designadamente com novos atos atentatórios dos direitos da sua progenitora.
Por conseguinte, a pena de prisão, a executar em estabelecimento prisional, é a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial que se verificam in casu.
A culminar a presente apreciação, cabe notar que, distintamente do que alega o recorrente, ainda que sem arguir qualquer invalidade legal, a decisão recorrida não padece, neste conspecto, de “um vício de fundamentação nos termos do disposto no art. 374º, nº2, do CPP”, possuindo aquela, como vimos, suficiente e idónea fundamentação; a divergência que o recorrente assume perante tal motivação, sendo legítima, não suporta a alegação.      
A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal ou constitucional, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.
Em suma, improcede o recurso formulado pelo arguido AA.

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a sentença recorrida.
*
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal).
*
Atento o disposto no art. 215º, nº6, do CPP, comunique desde já o presente aresto à primeira instância.

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães, 28 de janeiro de 2025,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Júlio Pinto (1º Adjunto)
[assinatura eletrónica]
Isilda Pinho (2ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]

(Acórdão processado e revisto pelo signatário, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.
[2] No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2001, in CJ(STJ), ano IX, 2001, II, p. 202, entendendo que pressuposto material da suspensão «[…] é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um «prognóstico favorável» relativamente ao comportamento do delinquente; trata-se de um juízo para o qual concorrem, necessariamente e em conjugação, a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto; prognóstico que terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão».