Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DIRECÇÃO EFECTIVA DE VIATURA COMODATO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/27/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I- O saber se no empréstimo do veículo a direção efetiva deste e o interesse na sua utilização pertencem ao respetivo proprietário depende do que tiver concretamente ocorrido em cada caso. II- Havendo que atentar, in casu, em que esteve em causa um comodato gratuito, que o proprietário fez a cedência da viatura no seu próprio interesse, o de proporcionar um recurso à empresa que lhe pertence, tendo mantido os encargos com o veículo, designadamente, a celebração de seguro e reparações. III- Não é o facto de o réu apelante, enquanto proprietário de um dos veículos intervenientes no acidente dos autos, o ter cedido à empresa que lhe pertence, que o desonera automaticamente dos danos decorrentes de acidente com tal veículo, transpondo a responsabilidade pelo risco para a empresa a quem o cedeu. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIOM. A., na qualidade de mãe de D. C., falecido a ..-06-2013, intentou a presente acção declarativa de condenação (1) contra J. R., Herança Jacente de A. R., falecido no dia ..-01-2018 e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe: 1. Metade da quantia de 120.000,00 €, decorrente da perda do direito à vida do seu filho (€ 90.000,00) e danos morais deste (€ 30.000,00); 2. A quantia de 51.858,00 €, a título de danos morais próprios da Autora (€ 50.000,00) e a título de danos patrimoniais resultantes da despesa suportada com o funeral (€ 1.858,00). Em qualquer dos casos 1. e 2., o quantum indemnizatório deverá ser suportado pela Ré na proporção da culpa que vier a ser atribuída a final ao condutor do veículo TG. Alegou, em síntese, danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude do falecimento do filho, em consequência de acidente de viação cuja ocorrência imputa à conduta culposa concorrente dos condutores dos dois veículos intervenientes no acidente: o pesado de mercadorias TG e o ligeiro de mercadorias ZD, no qual o D. C. era na ocasião transportado como passageiro. Suscitou incidente de intervenção principal provocada de A. C., pai do falecido D. C.. * O Réu J. R. contestou.Excepcionou: - a ilegitimidade activa da Autora por preterição de litisconsórcio necessário na pessoa de A. C.; - que na altura do acidente o veículo TG estava cedido, pelo contestante, em regime de comodato, à empresa “X - Unipessoal, Lda.” e circulava sob a responsabilidade e no exclusivo interesse desta, por conta de quem o condutor A. R. exercia a profissão de pedreiro, razão pela qual não dispunha o Réu J. R. da direcção efectiva do mesmo; - versão do acidente com contornos distintos dos alegados pela Autora, imputando a totalidade da culpa ao condutor do veículo automóvel no qual o filho da Autora era transportado, para além de que este não tinha colocado o cinto de segurança, o que contribuiu para as consequências letais do embate. Impugnou os danos alegadamente sofridos por D. C., já que teve morte imediata, encontrando-se também sob efeito de produtos estupefacientes. * Também o Fundo de Garantia Automóvel contestou.Impugnou, por desconhecimento, a matéria da dinâmica do acidente e dos danos reclamados. Excepcionou que o veículo de matrícula TG tinha a responsabilidade civil transferida para a “Y – Companhia de Seguros, SpA”, através da apólice n.º …..75, válida e eficaz à data de 13-06-2013. * Foi proferido despacho que admitiu a intervenção processual principal provocada de A. C., na qualidade de co-titular de parte do direito indemnizatório arrogado pela Autora.* A. C. Castro interveio com articulado próprio, deduzindo contra os Réus pedido idêntico ao da Autora, reiterando a versão do acidente narrada na p.i. e arguindo danos morais próprios por via da destruição precoce da relação afectiva com o filho.* Respondeu o F.G.A., impugnando a matéria de facto alegada por A. C..* Dispensada a realização da audiência prévia, elaborou-se despacho-saneador no qual se declarou sanada, pela intervenção processual provocada de A. C., a excepção de ilegitimidade activa da Autora M. A., por preterição de litisconsórcio necessário activo, suscitada na contestação do Réu J. R. (fls. 43 v.º), se identificaram o objecto do litígio e os temas da prova e foi proferido despacho de admissão dos meios de prova arrolados pelas partes.* Designada data, procedeu-se ao julgamento com a observância das formalidades legais.* No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:Em face do exposto: A. Julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando solidariamente os Réus J. R., Herança Jacente de A. R. e Fundo de Garantia Automóvel, a pagarem: a) À Autora M. A.: 1. Metade da quantia de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento; 2. A quantia de € 13.429,00 (treze mil, quatrocentos e vinte e nove euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data sobre o montante de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) e de juros vencidos e vincendos contados desde a citação sobre o montante de € 929,00 (novecentos e vinte e nove euros), em ambos os casos até efectivo e integral pagamento. b) Ao Interveniente A. C.: 1. Metade da quantia de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento; 2. A quantia de € 6.250,00 (seis mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento. B. Julgo parcialmente improcedente a presente acção, absolvendo os Réus da parte restante do pedido. * Custas por Autora, Interveniente e Réus na proporção do decaimento (art.º 527º do C.P.C.), sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.Registe e notifique. * Inconformado com essa sentença, apresentou o R. J. R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso da circunstância de o apelante não se conformar com a douta sentença, no segmento em que o condena, ainda que solidariamente, como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo artº 500º nº 1 e ainda nos termos previstos no artº 503º nº 1. II. Com relevo para o segmento decisório de que se recorre importa a matéria de facto provada sob o ponto 41. 42. e 43. da sentença recorrida. III. Foi a seguinte a motivação que deu tais factos como provados: “Os factos provados números 41 e 42, resultam do teor da declaração de cedência junta pela “W Ld.ª” (requerimento do dia 08.07.2019) a fls. 162 e guias de transporte e facturas juntas de fls. 172 a 229, bem como do testemunho de A. I. (TOC da “X” pertencente ao Réu J. R.) que disse que esta sociedade só usava este camião por empréstimo do Sr. J. R., seu proprietário. A declaração de fls. 162 feita para efeitos fiscais e de contabilidade, sendo todos os custos de circulação suportados pela empresa. Relativamente ao facto provado número 43, para além dos supra aludidos, relevaram também os documentos juntos: comunicação de funcionário à Segurança Social, contrato de trabalho e recibos de vencimento juntos pela “W, Ld.ª” a 08.07.2019 – fls. 163 e ss..” IV. Da factualidade dada como provada, resultam as seguintes conclusões: o A. R. conduzia o TG, enquanto funcionário da empresa X, sob ordens e direção e no exclusivo interesse desta; que o A. R. agia como comissário e a empresa X correspondentemente, como comitente e que quem tinha a direção efetiva do veículo TG, no momento do acidente era a empresa X, Unipessoal, Lda. V. O condutor do TG era à data do acidente funcionário da empresa X e atuava sob ordens e direção desta empresa, mantinha com ela um contrato de trabalho e à data do acidente estava a exercer as suas funções no âmbito desse contrato de trabalho, conforme facto provado 43. cuja fundamentação da decisão de facto foi a seguinte: “Relativamente ao facto provado número 43, para além dos supra aludidos, relevaram também os documentos juntos: comunicação de funcionário à Segurança Social, contrato de trabalho e recibos de vencimento juntos pela “W, Ld.ª” a 08.07.2019 – fls. 163 e ss..” VI. O facto de o apelante ser gerente da entidade empregadora a quem o A. R. prestava serviço, não lhe dá a qualidade de comitente perante o trabalhador dessa sociedade. VII. O sócio-gerente constituindo um órgão diretivo e sendo representante de uma sociedade, participa na sua vontade social, contudo, esse desígnio não identifica a vontade psicológica do gerente com a vontade da sociedade, pessoa coletiva de direito próprio. VIII. Não há qualquer relação de comissão entre o Réu J. R. e A. R., mas antes entre este e a empresa X no âmbito de um contrato de trabalho e os factos provados 42. e 43. confirmam essa conclusão. IX. Quem determinava, quem conduzia o veículo TG ao seu serviço, nos diversos transportes pesados entre fornecedores e clientes era a X. X. A sociedade X, Unipessoal, Lda, enquanto sujeito de direito goza de personalidade e capacidade judiciária, o que decorre do artº 5 do CSC. XI. O apelante, enquanto gerente da sociedade X, tinha como função praticar todos os atos que forem necessários e convenientes para a realização do objeto social da sociedade e foi na prossecução desse fim e nessa função, que determinou o transporte naquele fatídico dia, sempre investido nesse papel de gerente. XII. Nos termos do artigo 252º nº 1 do CSC, o órgão de representação da sociedade por quotas e a quem impende a expressão da vontade da sociedade perante terceiros é a Gerência. XIII. A decidir-se pela condenação do Réu J. R. como comitente, violou a sentença recorrida o artº 500º nº 1 do Código Civil, artºs 5º e 252º do Código das sociedades comerciais. XIV. O tribunal recorrido em total erro de julgamento condenou ainda o Réu J. R. nos termos do artº 503º nº 1 CC. XV. Releva neste ponto o seguinte excerto decisório: - J. R., enquanto proprietário do veículo pesado, responde nos termos previstos pelos artigos 500º, n.º 1 e 503º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que o condutor do veículo automóvel – funcionário da empresa “X” também pertencente ao Réu J. R. – se encontrava na ocasião a agir no interesse deste Réu que, beneficiário directo de toda a actividade exercida pela “X”, havia autorizado a circulação daquele pesado no giro industrial/comercial desta, tendo sido ele quem, enquanto sócio- gerente determinou o serviço realizado na ocasião pelo condutor.” XVI. A sentença recorrida, condenou erradamente o Réu J. R. nos termos do 503º nº 1 CC: enquanto proprietário do veículo e enquanto beneficiário direto da atividade da X. XVII. A responsabilidade pelo risco, tipificada no artº 503º n º1 do CC, depende de dois pressupostos, que sejam: a direção efetiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse. XVIII. A base fundante desta responsabilidade pelo risco prende-se assim com o aproveitamento das vantagens proporcionadas pela coisa – quem tem os benefícios, deve suportar o risco próprio da utilização do bem. O responsável é assim aquele a quem incumbe providenciar para o bom funcionamento do bem, sem causar danos a terceiros, é a pessoa que deve controlar o seu funcionamento. XIX. É um facto que a propriedade do veículo faz presumir a sua direção efetiva, contudo essa presunção, como resulta dos factos provados 41 e 42 e 43, foi ilidida pelo apelante. XX. Pese embora, o M. Juiz por lapso, tenha referido nos factos 41, 42 e 43 entre parênteses que seriam factos da p.i., a realidade é que a factualidade correspondente foi alegada em sede de contestação do Réu J. R. nos seus artigos 5, 7 e 8 desse articulado. XXI. A fundamentação de facto dos pontos 41, 42 e 43 é a seguinte: “Os factos provados números 41 e 42, resultam do teor da declaração de cedência junta pela “W Ld.ª” (requerimento do dia 08.07.2019) a fls. 162 e guias de transporte e facturas juntas de fls. 172 a 229, bem como do testemunho de A. I. (TOC da “X” pertencente ao Réu J. R.) que disse que esta sociedade só usava este camião por empréstimo do Sr. J. R., seu proprietário. A declaração de fls. 162 feita para efeitos fiscais e de contabilidade, sendo todos os custos de circulação suportados pela empresa.” XXII. O decidido entra em contradição de forma clara com a factualidade provada e com o raciocínio lógico que levou à sua fixação. XXIII. Segundo o Acórdão STJ de 18/05/2006 in www.dgsi .pt: “A direção efetiva envolve um poder material de uso e destino do veículo e não depende do domínio jurídico sobre este, podendo existir sem esse domínio, da mesma forma que tal domínio pode existir sem ela, pois essa direção intencional e expressamente qualificada pela lei como efetiva se identifica com o poder real (de facto) sobre o veículo em causa.” XXIV. Também referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed, pag.485, 486: “A fórmula, aparentemente estranha, usada na lei – ter a direção efetiva do veículo – destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objetiva por se tratar de pessoas a quem especialmente incumbe pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiros .Tem correntemente a direção efetiva do veículo o proprietário, o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade, o comodatário, o locatário, o que furtou, o condutor abusivo e, de um modo geral, qualquer possuidor em nome próprio.” XXV. Do circunstancialismo fático apurado é inegável, designadamente os arts 41, 42 e 43 (factos provados), que o veículo TG circulava no interesse da sociedade X, pois fazia um transporte comercial ao serviço dessa empresa, além do que, quem o conduzia era o seu funcionário A. R.. XXVI. Por outro lado, existia um contrato de cedência/comodato entre o J. R. e a X, datado de 12/12/2011, junto aos autos com a refª citius 8877568 em 08/07/2019, pela contabilidade da empresa, que foi ainda confirmado em audiência de julgamento pela TOC testemunha A. I. para cujo teor se remete. XXVII. Acresce ainda que dos documentos juntos nesse requerimento de 08/07/2019, constam faturas, guias de transporte entre clientes / fornecedores e a X, desde janeiro de 2013 à data do acidente, que demonstram transportes quase diários do veículo TG ao serviço da X. XXVIII. Quem retirava assim todos os proveitos, quem beneficiava da circulação daquele veículo TG era a empresa X. XXIX. Por isso toda essa factualidade apurada e que levou à prova dos factos 41 e 42, só poderia ser conclusiva de que quem detinha a direção efetiva do veículo era a empresa X, afastando-se assim a presunção de que essa direção efetiva pertencia ao seu proprietário. XXX. A propriedade faz presumir a direção efetiva e o interesse na utilização do veículo, por presunção natural, contudo, ilidindo o proprietário essa presunção, deve o julgador decidir em conformidade com o artº 349º CC. Nesse sentido vai, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2001, disponível em www.dgsi.pt XXXI. Ora, o proprietário J. R., logrou provar que essa direção efetiva não lhe pertencia e a matéria de facto provada, designadamente os factos 41 e 42 e até 43 assim o confirmam. XXXII. Desde logo, os factos provados 41, 42 e 43 deitam por terra o 1º pressuposto do artº 503º nº 1 – de que o Réu J. R. tinha a direção efetiva do veículo. Não poderia o M. Juiz considerá-lo preenchido. XXXIII. O 2º pressuposto previsto no artº 503º nº 1 CC – utilizar o veículo no seu próprio interesse, não poderia considerar-se preenchido, porque contraditório até com a própria sentença, pois como dai resulta o apelante “havia autorizado a circulação daquele pesado no giro comercial/industrial desta, tendo sido ele quem, enquanto sócio gerente determinou o serviço realizado na ocasião pelo condutor.” XXXIV. Refere ainda o M. Juiz no segmento decisório que o Réu J. R. estava a utilizar o veículo no seu próprio interesse, na medida é “beneficiário direto da empresa X”. XXXV. Salvo o devido respeito, é completamente desacertado confundir aquilo que é o interesse de uma sociedade comercial com o interesse de um sócio gerente, ademais, não existe qualquer facto alguma vez alegado, muito menos provado nos autos, que comprove que o J. R. é beneficiário direto da empresa X, pois a empresa como pessoa jurídica autónoma que é, poderá ter vários beneficiários, desde logo o próprio Estado, os trabalhadores, os credores, etc. XXXVI. Como ficou provado, o Réu atuava como gerente da X e não em nome próprio, por isso, nunca poderia o M. Juiz concluir que o Réu era beneficiário direto da X. XXXVII. Como refere PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª Edição, Coimbra, 2004, p. 24, “as sociedades comerciais não se limitam a constituir um mero corpo unitário de bens, um património autónomo, uma unidade objectiva, mas são verdadeiramente uma unidade subjectiva, um novo sujeito de direito, em si, uma individualidade diferente de cada um dos seus sócios”. XXXVIII. Por isso estamos perante erro de julgamento na medida em que o vertido nesses factos provados não comunga com o segmento condenatório em crise. XXXIX. Ao condenar o J. R. como responsável civil ao abrigo do artº 503º nº CC, considerando-o detentor da direção efetiva do veículo em total atropelo à lei, e ainda ao considerá-lo como utilizador do veículo em interesse próprio, violou o M. Juiz o disposto no 349º CC, artº 1305º nº 1 do Código Civil, 252º do CSC e 503º nº 1 CC. XL. Parece tornar-se claro que a sentença recorrida, ao condenar o Réu J. R. em responsabilidade civil objetiva ao abrigo dos institutos previstos no artº 500 nº1 e 503º nº 1 do Código Civil, fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto nos citados preceitos conjugados com os artºs 5 e 252º do CSC e 1305º e 349º do C Civil devendo, como tal, o Réu ser absolvido. TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e absolvendo-se o apelante do pedido, com o que se fará JUSTIÇA! * Foram apresentadas contra-alegações pela A. recorrida M. A. e interveniente recorrido A. C., nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida. * Também o R. recorrido Fundo de Garantia Automóvel apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida. * O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto. * Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3, 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que se reaprecie a decisão de mérito da acção, que o condenou, ainda que solidariamente, como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo artº 500º nº 1 e ainda nos termos previstos no artº 503º nº 1. * 3 – OS FACTOSFactos Provados * 1. Cerca das 6.45 horas do dia 13.06.2013 ocorreu um acidente de viação na rua ..., em ... – Famalicão, em que intervieram os veículos: TG, pesado de mercadorias, propriedade do demandado J. R. e conduzido pelo demandado A. R.; e ZD, ligeiro de mercadorias, propriedade de M. F. e conduzido por R. F. (artigo 9º da p.i.).2. No local onde ocorreu o acidente, a Rua ... é composta por duas vias de trânsito, uma para cada sentido, separadas entre si por linha longitudinal contínua e, no entroncamento, zona zebrada com raias oblíquas (marca M17a), tem uma inclinação descendente de 9,3% no sentido da Rua ..., e é entroncada à direita por um arruamento (artigo 10º da p.i.). 3. O local do acidente é uma localidade e a faixa de rodagem tem casas de habitação de um e do outro lado, cujas entradas deitam directamente para esta (artigo 14º da p.i.). 4. O veículo ligeiro de mercadorias ZD circulava pela referida Rua ..., no sentido descendente, em direcção à Rua ... (artigo 12º da p.i.). 5. O veículo ZD era de marca Mitsubishi, modelo Space Cargo, com lotação de 2 lugares (artigo 19º da contestação do Réu J. R.). 6. Na ocasião do acidente, o ZD era ocupado pelo R. F. que seguia no lugar destinado ao condutor, e pelo D. C. e por J. G., que seguiam ambos no outro lugar da frente do veículo (artigo 20º da contestação do Réu J. R.). 7. D. C., era passageiro, transportado gratuitamente no veículo ligeiro de mercadorias ZD (artigo 38º da p.i.). 8. A presença dos passageiros D. C. e J. G. no banco da frente ao lado do condutor, limitava a visibilidade e a liberdade de movimentos de R. F. (artigos 21º, 26º e 55º da contestação do Réu J. R.). 9. Na ocasião do acidente, D. C. e J. G. circulavam sem o cinto de segurança colocado (artigos 20º e 55º da contestação do Réu J. R.). 10. À hora em que ocorreu o acidente, o condutor do ZD, R. F., ainda não tinha dormido (artigo 18º da contestação do Réu J. R.). 11. O condutor do ZD apresentava, no momento do acidente, uma taxa de alcoolemia de 1,39 gr/l e metabolitos de cocaína no organismo (artigo 16º da p.i.). 12. O condutor do ZD seguia desatento à sua condução, ao traçado da via naquele local e ao restante trânsito, com uma velocidade superior a 55 Kms por hora (artigos 13º e 14º da p.i. e 24º e 27º da contestação do Réu J. R.). 13. Momentos antes do acidente, o veículo pesado de mercadorias TG circulava pelo arruamento que entronca a Rua ..., pelo lado direito desta, atento o sentido Rua ... – Rua ..., pretendendo, na respectiva confluência mudar de direcção para a sua esquerda, para passar a circular pela Rua ... no sentido ascendente - Rua ... – Rua ... (artigos 17º a 20º da p.i.). 14. Na confluência aludida no facto provado anterior, existe um sinal de STOP que se apresenta a quem pretende aceder pelo arruamento à Rua ... (artigo 10º da p.i.). 15. O TG seguia, na ocasião, carregado com 10 toneladas de areão (artigo 48º da contestação do Réu J. R.). 16. O condutor do TG não imobilizou o veículo pesado em obediência ao sinal de STOP (artigos 21º da p.i. e 44º da contestação do Réu J. R.). 17. Quando se aproximou do entroncamento, o condutor do TG abrandou a marcha (artigo 45º da contestação do Réu J. R.). 18. O condutor do TG entrou na Rua ... a uma velocidade entre 10 e 20 Kms/hora, barrando a passagem ao veículo ligeiro de mercadorias ZD que circulava na direcção do entroncamento (artigos 22º e 23º da p.i. e 48º da contestação do Réu J. R.). 19. O condutor do veículo ZD dispunha de mais de 50 metros de visibilidade para o entroncamento e de 30,5 metros de visibilidade para a linha de STOP, atento o seu sentido de marcha (artigo 24º da p.i. e 32º da contestação do Réu J. R.). 20. Devido à velocidade a que circulava, à taxa de alcoolemia e aos metabolitos de cocaína que apresentava no organismo, à presença dos dois passageiros no outro lugar da frente e à desatenção à condução, o condutor do ZD não parou no espaço livre e visível à sua frente (artigos 25º e 30º da p.i. e 25º e 27º da contestação do Réu J. R.). 21. O condutor do ZD não travou antes do embate (artigos 28º e 29º da contestação do Réu J. R.). 22. Quando se apercebeu da presença do TG, o condutor do ZD transpôs a linha longitudinal contínua existente no eixo da via, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, transpondo, igualmente, a zona zebrada de raias obliquadas existente no entroncamento (artigos 31º a 33º da p.i. e 38º e 39º da contestação do Réu J. R.). 23. Acabando por embater com a parte da frente e lateral direita do veículo ZD no lado esquerdo da parte da frente do veículo pesado de mercadorias TG (artigo 34º da p.i.). 24. O embate ocorreu na metade esquerda da Rua ..., considerando o sentido de marcha do ZD, Rua ... – Rua ... (artigo 35º da p.i.). 25. No local do acidente a largura da faixa de rodagem é de 8,74 metros (artigo 32º da contestação do Réu J. R.). 26. D. C. nasceu a - de Setembro de 1991, filho de A. C. e de M. A., e faleceu -.06.2013, sem descendentes e sem testamento ou disposição de última vontade (certidões de nacimento e de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, juntas a fls. 29 v.º e ss. e 31 v.º e ss. dos autos, respectivamente). 27. Em consequência do acidente, D. C. sofreu infiltração sanguínea ao nível da solução de continuidade, fractura cominutiva dos 6º, 7º, 8º e 9º arcos costais anteriores, com infiltração sanguínea dos respectivos bordos e fractura cominutiva dos 6º, 7º e 8º arcos costais anteriores, com infiltração sanguínea dos respectivos bordos, lesões traumáticas torácicas que foram a causa directa, necessária e imediata da sua morte (artigos 39º e 40º da p.i.). 28. Em consequência do acidente, D. C. ficou encarcerado no veículo ZD (artigo 42º da p.i.). 29. D. C. foi assistido pelo INEM no local do acidente, onde veio a falecer (artigos 41º e 42º da p.i.). 30. Na fracção de segundos que antecedeu o acidente, durante o mesmo e no período de tempo que se seguiu, D. C. sentiu a iminência da morte, o que lhe causou agonia, amargura e angústia (artigos 43º e 44º da p.i.). 31. D. C. encontrava-se, no momento do acidente com uma taxa de alcoolemia de 0,67 gramas por litro de sangue e com metabolitos de cocaína no organismo (artigo 63º da contestação do Réu J. R.). 32. D. C. era saudável, fisicamente bem constituído, sociável, gozando da estima de familiares próximos (artigo 50º da p.i.). 33. A Autora amava intensamente o seu filho D. C., no que era correspondida (artigos 64º e 65º da p.i.). 34. D. C. sentia que tinha na Autora, com quem sempre residiu, o seu porto de abrigo, a palavra amiga, o ombro carinhoso (artigo 66º da p.i.). 35. A Autora sentiu de forma intensa, profunda e amargurada a morte do seu filho D. C. (artigos 64º e 67º da p.i.). 36. Jamais, até ao fim da sua vida, a Autora esquecerá o filho D. C. (artigo 68º da p.i.). 37. Após a morte do D. C., a Autora passou a ser seguida no Hospital de Guimarães, a partir do mês de Julho de 2013, na sequência de episódio depressivo major, em contexto de luto pela morte do seu filho (artigos 69º e 70º da p.i.). 38. Em virtude da morte do D. C., o Interveniente A. C. viu-se privado da sua companhia durante férias e visitas esporádicas e da assistência na velhice (artigos 5º e 6º §). 39. Sofreu desgosto, tristeza e insónias (artigos 8º e 10º §). 40. A Autora gastou no funeral do seu filho D. C. a quantia de 1.858,00 € (artigo 72º da p.i.). 41. O uso veículo TG estava, à altura do acidente, cedido a título gratuito, pelo Réu J. R., à “X - Unipessoal, Lda.” de que aquele era sócio-gerente (artigo 5º da p.i.). 42. A “X - Unipessoal, Ld.ª” utilizava o TG no seu giro industrial/comercial, determinava, por intermédio do seu sócio-gerente J. R., quem o conduzia ao seu serviço, nos diversos transportes pesados, entre fornecedores e clientes (artigos 7º e 8º da p.i.). 43. O Réu A. R., conduzia o TG na ocasião do acidente, no exercício da sua atividade profissional de pedreiro, por conta, sob as ordens e direção da “X - Unipessoal, Ld.ª” (artigo 9º da p.i.). 44. Na sequência de proposta de seguro subscrita a 06.06.2013, foi emitido pela “Y” o certificado provisório de seguro de responsabilidade civil automóvel n.º ………8, de apólice em emissão, válido das 17:50 horas do dia 06.06.2013 até às 24 horas do dia 21.06.2013, tendo por tomador J. R. e por objecto o veículo com a matrícula TG (artigos 32º e 33º da contestação do Réu FGA). 45. O prémio inicial não foi pago, por insuficiência de saldo, por ocasião da tentativa de débito realizada pela “Y” a 18.06.2013, na conta da Caixa … indicada para o efeito pelo tomador do seguro (artigo 38º da contestação do FGA). 46. Por douto acórdão proferido a 22.03.2018 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 16797/16.3T8LSB.L1, foi integralmente revogada a sentença que julgou procedente o pedido formulado pelo aí Autor J. R. contra a aí Ré “Y – Companhia de Seguros S.A.”, declarando …a nulidade da resolução efectuada pela R. relativamente ao contrato de seguro celebrado com o A. em 06/06/2013, referente ao veículo de matrícula TG, pelo período de 1 ano. * Factos Não Provados* 1. O condutor do ZD encontrava-se há mais de 24 horas sem repouso (artigo 18º da contestação do Réu J. R.).2. Quando se aproximou do entroncamento, o condutor do TG verificou que ninguém circulava na Rua ... em qualquer dos sentidos (artigos 46º e 49º da contestação do Réu J. R.). 3. O ZD tornou-se visível ao condutor do TG quando tinha a frente do camião toda na metade esquerda da faixa de rodagem (artigos 51º a 53º da contestação do Réu J. R.). 4. O ZD saiu da curva já em despiste (artigo 30º da contestação do Réu J. R.). 5. O condutor do ZD não avistou o TG (artigo 31º da contestação do Réu J. R.). 6. Em consequência do embate, D. C. bateu com a cabeça e com o tórax na parte frontal interior do veículo (artigo 57º da contestação do Réu J. R.). 7. Se levasse cinto de segurança, D. C. não teria sofrido as lesões traumáticas torácicas que sofreu e que determinaram a sua morte (artigos 57º e 58º da contestação do Réu J. R.). 8. D. C. sofreu morte imediata (artigo 62º da contestação do Réu J. R.). 9. D. C. não sentiu a iminência da morte com intensidade normal (artigo 63º da contestação do Réu J. R.). 10. A “X” pagava as reparações do TG e deduzia as respectivas despesas contabilisticamente (artigo 7º da contestação do Réu J. R.). * Motivação da Decisão da Matéria de Facto* I.O facto provado número 26 está assente por documentos autênticos – certidões de assento de nascimento e de habilitação de herdeiros – juntos aos autos. II. Relativamente aos demais factos, provados e não provados, o tribunal teve em consideração o conjunto da prova testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento. Concretamente: a) Quanto à dinâmica dos acontecimentos que resultaram no acidente, bem como as respectivas características de tempo e lugar: i. Os factos provados números 1 a 7, 11, 13, 14, 19, 22 a 25 e 28, foram consensuais na prova produzida em julgamento e que, sintetizando, consistiu no seguinte: Testemunhos de: - J. A., proprietário de posto de combustível que se encontra nas imediações, do lado direito do sentido de marcha do camião, e que disse ter ouvido o trabalhar do motor deste e olhado, vendo o pesado enquanto se aproximava do entroncamento vindo de Vermoim. Estava de costas quando ouviu o estrondo da colisão, vendo então o camião e a viatura parados em posição semelhante à representada na participação da GNR e ouvindo gritos de pessoas que ficaram encarceradas dentro do ligeiro. Disse que o condutor do veículo automóvel conseguia ver o camião a entrar no entroncamento, entre 30 a 50 metros antes; - B. R., motorista de transportes públicos, residente na moradia em frente ao local do sinistro. Não viu o acidente, mas apercebeu-se do ruído do embate quando estava na cozinha. Disse que o camião estava carregado de gravilha e que se encontrava num ponto com acentuada inclinação ascendente. Não ouviu pneus a chiar, nem ficaram sinais de derrapagem na estrada. Mal se apercebeu do estrondo, veio cá fora e viu o ligeiro apertado contra a soleira de uma porta que fica mesmo ao lado da sua casa. O camião teria 6 metros de comprimento. Confirmou as posições e características descritas no croquis de fls. 25 v.º. A recta que antecede o entroncamento, no sentido de marcha do ligeiro, tem visibilidade a mais de 50 metros, talvez mesmo 100 metros. Disse que viu o camião na aproximação ao entroncamento e que este não vinha com velocidade. Disse ainda que só conseguiu ver dois ocupantes da viatura ligeira porque o terceiro – o falecido D. C. - estava debaixo do camião e não se via; - H. P., militar da GNR que se deslocou ao local depois do acidente, confirma os elementos que fez constar do auto de notícia que elaborou, junto como documento número 2 da p.i. (fls. 23 v.º e ss.); - R. F., condutor da viatura onde seguia o D. C., confirmou que estavam a regressar de um café onde estiveram a consumir bebidas alcoólicas na sequência de uma saída nocturna, que não tinha dormido e que seguiam três ocupantes nos dois lugares da viatura. Quanto ao embate, manteve que, apesar da estrada ter muita visibilidade para quem vem no sentido de marcha do automóvel ligeiro, só avistou o camião quando se encontrava muito perto, a cerca de 10 / 15 metros, do entroncamento, surgindo-lhe da direita, razão pela qual fugiu para a esquerda. Disse ainda que talvez circulasse a uma velocidade de 60 ou 70 kms / hora, não travou quando viu o pesado e, depois de se desviar para a direita, embateu e só acordou no hospital. Teor da participação elaborada pela GNR, Posto Territorial de Joane, junta como documento número 2 da p.i. (fls. 23 v.º e ss.) e, bem assim, por ofício remetido pela GNR a 10.09.2019 (fls. 277 e ss.). Teor da sentença condenatória do arguido R. F. pela prática dos crimes de homicídio por negligência, condução em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes, transitada em julgado, proferida no processo crime n.º 195/13.3GBVNF que correu termos pelo Juiz 3 do Juízo Local Criminal de V.N. de Famalicão, constante da certidão junta pela Autora com o requerimento datado de 08.07.2019 – fls. 231 e ss. Inspecção realizada ao local do acidente pelo tribunal, no decurso da qual foi possível confirmar a visibilidade de que o condutor do ligeiro de mercadorias – R. O. – dispunha da faixa de rodagem e do local do entroncamento, constatando-se que a visibilidade da quase totalidade da largura da faixa de rodagem no entroncamento se alcança mais de 50 metros antes, considerado o sentido de marcha do ZD, sendo a marca de STOP que se apresenta no pavimento do entroncamento a quem faz o percurso do veículo pesado, visível a mais de 30 metros. ii. Para o facto provado número 9, referente à não colocação do cinto de segurança pelos passageiros D. C. e J. G., teve-se em consideração a fotografia anexa como documento 1 da contestação do Réu J. R., demonstrativa de que o cinto de segurança frontal direito se mostrava bloqueado na posição de enrolado – fls. 45 v.º dos autos. Que o veículo pesado TG seguia, na ocasião, carregado com 10 toneladas de areão e não foi imobilizado pelo seu condutor na marca de STOP existente, decorre da descrição das testemunhas J. R. e B. R. que, tendo-se apercebido da aproximação do TG ao entroncamento deram conta de que seguia em marcha lenta e de uma continuidade no ruído e no tempo até ao momento do embate que não se coaduna com a imobilização total do TG na linha de STOP. Na verdade, se tivesse detido totalmente a sua marcha naquele local de forte inclinação ascendente, com o enorme peso transportado, o camião teria uma relevante diminuição, seguida de um aumento muito significativo do ruído e da produção de gases do motor no momento da retoma da sua marcha, muito audível e notório a quem estivesse nas imediações. Por outro lado, decorre da fundamentação da douta sentença de primeira instância proferida no processo crime n.º 195/13.3GBVNF do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de V.N. de Famalicão, confirmada pelo T.R. de Guimarães (cfr. certidão – fls. 235) …da análise do tacógrafo do veículo pesado, depreende-se que o mesmo não parou no entroncamento, tendo somente parado aquando do embate no veículo ligeiro quando prosseguia a uma velocidade aproximada de 20 km/h. Assim se justificam os factos provados números 16 a 18 e não provado número 2. A inspecção realizada ao local, permitiu verificar também que a visibilidade do condutor do pesado TG para a faixa de rodagem da Rua ..., no sentido de onde provinha o ZD, se alcança 2 metros à frente da linha de STOP desenhada no pavimento. Caso aí tivesse detido a marcha do TG, poderia não só ver o ZD aproximar-se, como também, tendo por base distância de 8,74 metros entre o muro do lado oposto e linha de STOP (cfr. auto de notícia da GNR – fls. 25 v.º), deixaria 6,74 metros livres para a passagem do ZD. Razão para o teor do facto não provado número 3. A testemunha R. F. admitiu que não tinha ainda dormido na ocasião do acidente (embora se não tenha apurado a que horas acordou na manhã do dia anterior ou se dormiu durante a tarde – facto não provado número 1) e que não travou antes do embate, o que também decorre de não existirem no local quaisquer rastos de travagem (factos provados números 10 e 21). Os factos provados números 8, 12 e 20, atinentes à condução desenvolvida por R. F. no momento do acidente, baseiam-se nos elementos objectivos vindos de elencar, resultando da experiência que a presença de dois adultos no banco do passageiro da frente, numa viatura de apenas dois lugares, para além de prejudicar a liberdade de movimentos do condutor (sobretudo no volante, na caixa de velocidades e no travão de mão), constitui um grande obstáculo à visibilidade lateral direita, lado de onde provinha o pesado TG. Crê-se, por isso, que associada a circunstância de o condutor R. estar, na ocasião, sob os efeitos misturados de álcool com cocaína, o que interferia com as suas capacidades psico-motoras, está encontrada a justificação para que, podendo ver o camião à entrada do entroncamento a mais de 30 metros de distância, o condutor do ZD mantenha que só o viu a 10/15 metros de distância e já atravessado na faixa de rodagem, não tendo sequer a reacção de travar. Acresce que se a velocidade imprimida ao ZD fosse inferior, de mais tempo disporia para realizar uma manobra de travagem ou mudança de direcção. Ainda assim, a inflexão da marcha à esquerda revela que o R. F. viu, embora muito próximo, o TG à sua frente (facto não provado número 5). iii. Não foi produzida qualquer prova do teor do facto não provado número 4. b) As lesões sofridas, a causa da morte, o álcool e as substâncias estupefacientes encontrados no organismo e, bem assim, a constituição física de D. C. (factos provados números 27, 31 e 32 primeira parte) decorrem do relatório de autópsia médico-legal elaborado pelo IML, junto como documento número 3 da p.i. – fls. 23 e ss. dos autos. Também o momento do óbito (factos provado número 29 e não provado número 8) se encontra assinalado no mesmo relatório, assim como na auto de notícia da GNR, ocorrido na via pública, pelas 8:06 horas. Com relevo para os factos provado número 30 e não provados números 6, 7 e 9, constata-se que D. C. agonizou até à sua morte, durante mais de uma hora depois do acidente, com lesões internas ao nível do tórax, resultantes da compressão do corpo na parte do ligeiro que ficou debaixo do veículo pesado (segundo Bernardino Ribeiro, nem se conseguia ver), razão pela qual nenhuma prova indicia que as lesões tenham sido agravadas por não ter o cinto de segurança posto. Por outro lado, a taxa de alcoolemia que apresentava no sangue – 0,67 g/l – não produzia estado de inconsciência relativamente ao que o rodeava e ao sofrimento resultante das graves lesões internas que, para além do mais, não produziram morte imediata. c) Sobre as características de personalidade e de relacionamento de D. C. com a Autora e com o Interveniente A. C., assim como o sofrimento de cada um pela perda do filho – factos provados números 32 segunda parte, 33 a 36, 38 e 39 – relevaram, sobretudo, os relatos das testemunhas E. A. (costureira, prima do D. C.) e A. T. (agente imobiliário, tio do D. C. e irmão do pai A. C.) que deram conta da relação muito próxima do D. C. com a mãe, com quem sempre viveu, sendo que o pai não residiu com eles desde os 4 anos de idade do falecido, tendo havido um afastamento de anos relativamente ao filho, embora nos últimos tenha havido alguma reaproximação, assim como das testemunhas A. P. (amiga do Interveniente A. C. desde antes de 2013) que disse que o mesmo estava a trabalhar em França, na ocasião da notícia da morte do filho que o deixou muito em baixo de forma e triste, e de D. R. (coordenador de obras na M.) que conhece o A. C. há 20 anos e disse que, após a morte do filho ficou um pouco diferente, abatido. Os factos provados números 37 e 40 resultam, respectivamente, dos seguintes documentos: - declaração médica assinada pelo Dr. T. R., médico psiquiatra assistente do Centro Hospitalar do Médio Ave - documento número 6 junto com a p.i., fls. 32 dos autos; - factura da funerária junta como documento 7 da p.i. – fls. 32 v.º e ss.. d) Os factos provados números 41 e 42, resultam do teor da declaração de cedência junta pela “W Ld.ª” (requerimento do dia 08.07.2019) a fls. 162 e guias de transporte e facturas juntas de fls. 172 a 229, bem como do testemunho de A. I. (TOC da “X” pertencente ao Réu J. R.) que disse que esta sociedade só usava este camião por empréstimo do Sr. J. R., seu proprietário. A declaração de fls. 162 feita para efeitos fiscais e de contabilidade, sendo todos os custos de circulação suportados pela empresa. Não se provou que fosse a “X” a suportar as despesas com reparações, IUC, seguros, entre outras do veículo porque não foram juntos quaisquer documentos comprovativos da realização desses pagamentos (facto não provado número 10). Relativamente ao facto provado número 43, para além dos supra aludidos, relevaram também os documentos juntos: comunicação de funcionário à Segurança Social, contrato de trabalho e recibos de vencimento juntos pela “W, Ld.ª” a 08.07.2019 – fls. 163 e ss.. e) A celebração do contrato de seguro e a emissão do respectivo título provisório decorre do certificado junto como documento número 1 da contestação do FGA a fls. 58 v.º dos autos e da proposta de seguro junta pela Y a fls. 266 v.º e ss. dos autos (facto provado número 44). Quanto aos factos provados números 45 e 46 teve-se em conta o teor do acórdão proferido a 22.03.2018 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 16797/16.3T8LSB.L1, reproduzido no documento juntos pela “Y” a fls. 269 e ss. dos autos. [transcrição dos autos]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Reapreciação da decisão de mérito da acção Pretende o apelante R. J. R. que se reaprecie a decisão de mérito da acção na parte em que também o responsabiliza, pelos danos decorrentes do acidente em apreciação nestes autos, pois entende que o tribunal a quo aplicou mal o direito aos factos dados como provados (apesar da recorrida M. A. vislumbrar, nas suas contra-alegações, impugnação da decisão sobre a matéria de facto por parte do recorrente, tal não ocorre). Isto porque, atendendo aos factos dados como provados em 41., 42. e 43., não podia ele ter sido condenado, ainda que solidariamente, como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo artº 500º nº 1 e ainda nos termos previstos no artº 503º nº 1. Ou seja, questiona o seguinte parágrafo da sentença: - J. R., enquanto proprietário do veículo pesado, responde nos termos previstos pelos artigos 500º, n.º 1 e 503º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que o condutor do veículo automóvel – funcionário da empresa “X” também pertencente ao Réu J. R. – se encontrava na ocasião a agir no interesse deste Réu que, beneficiário directo de toda a actividade exercida pela “X”, havia autorizado a circulação daquele pesado no giro industrial/comercial desta, tendo sido ele quem, enquanto sócio-gerente determinou o serviço realizado na ocasião pelo condutor. Suscitando 2 questões, a saber: a) coloca em causa a qualidade de comitente que lhe foi conferida relativamente ao condutor do veículo TG, pois era a empresa “X” que tinha contrato de trabalho com ele, pelo que nunca poderia ter sido condenado como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo art. 500º/1 do CC; b) quem tinha a direcção efectiva do veículo TG era a empresa “X” e não o seu proprietário, pelo que nunca poderia ter sido condenado como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo art. 503º/1 do CC. Ora, antecipando desde já a decisão, podemos dizer que não assiste qualquer razão ao apelante, que pretende colocar em causa a qualidade de comitente que lhe foi conferida relativamente ao condutor do veículo TG e refutar ter a direcção efectiva deste veículo. Argumentando para tanto que, apesar de ser o proprietário do TG, à altura do acidente o mesmo tinha sido por si cedido à “X - Unipessoal, Lda.”, sendo esta que o utilizava no seu giro industrial/comercial e determinava, por intermédio do seu sócio-gerente J. R., quem o conduzia ao seu serviço, nos diversos transportes pesados, entre fornecedores e clientes. Ora, não é o facto de o apelante, enquanto proprietário do TG, o ter cedido à “X - Unipessoal, Lda.”, que o desonera automaticamente dos danos decorrentes de acidente com tal veículo, transpondo a responsabilidade para a empresa a quem o cedeu. Desde logo, não sendo qualquer cedência bastante para tal desoneração do proprietário. Atentando-se que, in casu, esteve em causa um comodato gratuito, cuja cedência foi efectuada no próprio interesse do proprietário - o de proporcionar um recurso à empresa que lhe pertence -, tendo mantido os encargos com o veículo, designadamente, a celebração de seguro e reparações. Efectivamente, a questão tem sido discutida na jurisprudência, ou seja, tem-se discutido se, no caso de existir um contrato de comodato entre o dono do veículo e o comodatário, qual dos dois responde perante terceiros pelos danos decorrentes de acidente de viação que caibam na previsão normativa do art. 503º/1 do CC. A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e têm-na correntemente o proprietário, o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade, o comodatário, o locatário, o que furtou, o condutor abusivo e, de um modo geral, qualquer possuidor em nome próprio (2). No tocante à utilização no próprio interesse, não tem a mesma “que ser necessariamente uma utilização proveitosa ou lucrativa, em sentido económico; pode haver nela um mero interesse de gentileza, como quando se cede a viatura a um amigo, um interesse meramente recreativo, o que não deixa de constituir aquela “posição favorável à satisfação de uma necessidade”, na definição dada por Carnelutti (3). Normalmente, quem empresta a viatura a um amigo, fá-lo no seu próprio interesse e, porque não deixa de manter a direcção efectiva responde solidariamente com aquele por danos causados nessa viagem (4). O saber se no empréstimo do veículo a direcção efectiva deste e o interesse na sua utilização pertencem ao respectivo proprietário depende do que tiver concretamente ocorrido em cada caso” (5). O certo é que, está sempre em causa saber quem responde pelos danos causados a terceiros, no âmbito da responsabilidade pelo risco: se o proprietário, o comodatário, ou ambos, solidariamente. Antunes Varela (6) refere que, no caso de aluguer do veículo conduzido ou às ordens do locatário, o interesse na circulação é de ambos e, por tal, “qualquer deles se pode dizer que tem a direcção efectiva do veículo, devendo por isso aceitar-se que ambos respondem solidariamente pelo dano”. Depois, o mesmo autor considera tal asserção aplicável mesmo no caso de comodato, desde que o comodatário não tenha tomado sobre si o encargo da manutenção da viatura, para, ainda aí, co-responsabilizar, o comodante. (7) Mas sempre perante terceiros lesados, como é o caso. Afigura-se-nos, pois, face à matéria apurada, ter sido assertiva a decisão recorrida, que nenhuma censura nos merece. Consequentemente, improcede o recurso. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – O saber se no empréstimo do veículo a direcção efectiva deste e o interesse na sua utilização pertencem ao respectivo proprietário depende do que tiver concretamente ocorrido em cada caso. II – Havendo que atentar, in casu, em que esteve em causa um comodato gratuito, que o proprietário fez a cedência da viatura no seu próprio interesse, o de proporcionar um recurso à empresa que lhe pertence, tendo mantido os encargos com o veículo, designadamente, a celebração de seguro e reparações. III – Não é o facto de o réu apelante, enquanto proprietário de um dos veículos intervenientes no acidente dos autos, o ter cedido à empresa que lhe pertence, que o desonera automaticamente dos danos decorrentes de acidente com tal veículo, transpondo a responsabilidade pelo risco para a empresa a quem o cedeu. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Notifique. * Guimarães, 27-05-2021 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Maria Cristina Cerdeira) 1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães - JC Cível - Juiz 5 2. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, págs. 485 e 486 3. No sentido exposto, cfr. Ac. RC de 11-09-2012, proferido no Proc. nº 862/04.2TBPMS.CI e publicado in www.dgsi.pt. 4. Cfr. Dário Martins de Almeida, Manual dos Acidente de Viação, 3ª ed., pág. 317. 5. Cfr. Vaz Serra, in RLJ, Ano 111, pág. 286. 6. In “Das Obrigações em Geral”, 6ª ed., 1º, pág. 659. 7. Cfr. ainda o Ac. da RE de 4/3/98, in www.verbalegis.net/evora.html. |