Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO JUSTA CAUSA MÁ FÉ | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
Sumário: | I – Constitui um comportamento, para além de ilícito, porquanto claramente violador dos deveres contratuais do empregador, em que assoma um elevado grau de culpa, entregar uma entidade empregadora/entidade responsável (em razão de o contrato de seguro de acidentes de trabalho não cobrir integralmente a retribuição do autor) no âmbito de um processo de acidente de trabalho, uma declaração escrita, supostamente assinada pelo trabalhador/sinistrado, a dizer que este já tinha recebido as prestações infortunísticas que aquela havia sido condenada a pagar-lhe, o que não era verdade, sendo aquela assinatura falsa, e bem assim entregando documentos destinados a provar o pagamento da quantia a que se reporta aquela declaração através de transferências bancárias, mas que na realidade não se destinaram ao pagamento dessa quantia, mantendo-se ainda em dívida as prestações infortunísticas que a ré/empregadora foi condenada a pagar ao autor. II – Tal actuação da ré constitui justa causa para a resolução do contrato, não sendo exigível ao autor que permanecesse vinculado à ré, como seu trabalhador. III - Age de má - fé a ré que assumiu uma posição contrária à verdade, necessariamente por si conhecida, alegando nomeadamente que o autor assinou – na presença do gerente da ré - um documento/declaração de quitação, o qual juntou aos autos, cuja assinatura se provou ser falsa, e bem assim entregando documentos destinados a provar o pagamento da quantia a que se reporta aquela declaração através de transferências bancárias, mas que na realidade não se destinaram ao pagamento dessa quantia. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda., também nos autos melhor identificada, pedindo: “deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, por via dela: a)- ser decretado – e a Ré condenada a reconhecer que o Autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa e, em consequência, ser aquela condenada a pagar a esta a indemnização de € 37.175,75, referida no art.º 67º supra; b)- ser, também, a Ré condenada a pagar ao Autor a importância de € 256,66 reclamada no artigo 69º supra; c) - ser, ainda, a Ré condenada a pagar ao Autor a indemnização por danos patrimoniais provocada pela conduta daquela na impossibilidade de auferir as prestações de desemprego em consequência no atraso na entrega e preenchimento do modelo de desemprego (RP 5044), tal como se expos nos artºs 70º a 73º supra, a que ascendem ao valor total de € 2.588,45; d)- ser a Ré condenada a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor de € 10.000,00 referido no artº 81º supra; e)- ser, ainda, a Ré condenada a pagar ao Autor os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre as importâncias acima referidas, até efetivo e integral pagamento e que, na presente data, ascendem a € 2.472,26;” Alegou, para o efeito e muito em síntese, tal como consta da decisão recorrida, que foi contratado pela ré, em 08.05.1986, para prestar trabalho, por último como oficial de primeira da construção civil, e auferindo a retribuição base de € 700, acrescida de € 5,75 a título de subsídio de alimentação, contrato este que cessou, em 04.10.2021 através da comunicação por si enviada à ré através da qual resolveu o contrato com justa causa, com os seguintes fundamentos: incongruência na declaração de salário base auferido pelo trabalhador para efeitos de “baixa por acidente de trabalho”; falta de pagamento dos créditos laborais devidos na sequência de acidente de trabalho de que foi vítima e falsificação da sua assinatura na declaração entregue ao tribunal através do qual a ré pretendia comprovar o pagamento das quantias em dívida. Mais alegou que a ré não lhe pagou 11 dias de férias vencidas em 01.01.2019 e não gozadas, lhe provocou danos não patrimoniais e bem assim danos patrimoniais consubstanciados na não entrega do modelo de situação de desemprego para ser entregue na Segurança Social com vista ao recebimento das prestações de desemprego. A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, invocando, além do mais, a preterição de formalidades legais para a resolução do contrato de trabalho, por falta de indicação/concretização sucinta dos factos e, bem assim, a caducidade do direito do Autor a resolver o contrato de trabalho, por terem decorrido, aquando da carta remetida, mais de 30 dias sobre o conhecimento dos factos invocados. Por outro lado, alegou não se verificar a justa causa invocada porquanto a falta de pagamento dos montantes respeitantes a indemnizações por incapacidades temporárias e ao capital de remissão correspondente à pensão anual devida nunca poderia servir de causa justificativa à resolução por o autor deter um título executivo e estarmos perante uma quantia módica, que, de resto, o autor recebeu antecipadamente; a assinatura da declaração não foi falsificada pela ré, antes pelo autor, que assinou, propositadamente, a declaração de quitação com recurso a letras maiúsculas, com vista a desvincular-se do seu contrato de trabalho, obter uma indemnização pela resolução do contrato, continuar a prestar o seu trabalho a outras entidades e auferir prestações de desemprego. Pugna, assim, pela improcedência da acção, alegando que o autor alterou a verdade dos factos, utilizando os meios processuais de forma reprovável, com o objectivo de obter uma vantagem indevida, peticionando a sua condenação como litigante de má fé. À matéria de excepção respondeu o autor, pugnando pela sua improcedência, alegando, ademais, que só em 01.10.2021, quando entregou no processo de acidente de trabalho os esclarecimentos solicitados pelo tribunal é que teve a percepção e convicção clara da falsificação da sua assinatura no documento apresentado pela ré. Através do articulado de 09.01.2023, para além de pugnar pela improcedência da sua condenação como litigante de má fé, alegou que é a ré que, com a conduta processual plasmada na contestação, contrariando as informações que transmite a entidades externas, negando os legítimos direitos do autor, e apresentando uma versão que sabe não ser verdadeira, impugnando a factualidade que sabe ter existido e que é insusceptível de ser impugnada, é que tem uma conduta processual censurável, peticionando a condenação da ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização. Mais apresentou petição inicial aperfeiçoada, no seguimento do convite para o efeito, onde alegou o autor que caso a ré tivesse entregue a declaração de desemprego teria recebido, entre ../../2021 e ../../2022, a quantia de € 2.588,45. Prosseguindo os autos, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo: “a) Declara-se lícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor AA; b) Condena-se a Ré “EMP01..., Lda.” a pagar ao Autor AA a quantia de € 24.781,28, a título de indemnização, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; c) Condena-se a Ré “EMP01..., Lda.” a pagar ao Autor AA a quantia de € 286,36, a título de retribuição de férias vencidas em 01.01.2019 e não gozadas, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data da cessação do contrato, e até efectivo e integral pagamento; d) Condena-se a Ré “EMP01..., Lda.” a pagar ao Autor AA a quantia de € 2.588,45, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; e) Condena-se a Ré, como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no montante de 3 (três) UC´s e de uma indemnização a fixar nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código de Processo Civil f) Absolve-se a Ré do demais peticionado; g) Absolve-se o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé. » Custas da acção a suportar pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil) » Valor da acção: já fixado em 31.01.2023. » Notifique, sendo as partes ainda nos termos e para os efeitos do artigo 543.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I - Considerou o Tribunal a quo dar como não provado o facto G dos “factos não provados”, porquanto entende que não foi produzida prova suficiente, firme e segura para que o mesmo seja dado como provado. II - Resulta inequívoco da prova testemunhal transcrita que o Autor/Recorrido tinha o hábito de trabalhar, ou fazer biscates, se assim se pretender referir, quando se encontrava de baixa médica – e, talvez, até quando tal não ocorreria. Certo é que o Autor/Recorrido sempre teve o hábito de trabalhar para pessoas/entidades terceiras, como seja a própria testemunha do mesmo, Sr. BB. III – A referida testemunha do Autor/Recorrido, Sr. BB, afirmou perentoriamente que, quando tem algum problema, liga ao A., do que resulta inequívoco que, encontrando-se este último a trabalhar para outra entidade patronal, continua a fazer biscates. E se o faz atualmente, certo é que conjugado com a inquirição da testemunha CC, decorre claro que tal sempre foi um comportamento habitual do A./Recorrido. IV – Face à prova produzida, terá que ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente do ponto “G” da lista de factos não provados, dando-se assim como provado que o Autor executava serviços para outras pessoas singulares e entidades que não a Ré, quando se encontrava de baixa médica, sem prejuízo de o ter feito em momentos que não aqueles em que se encontrava de baixa, o que expressamente se requer – passando assim o ponto “G” a constar dos factos provados. V – No que concerne ao ponto “H” constante, na sentença, dos factos não provados, uma vez mais, considerou o Tribunal a quo dar como não provado tal facto, com similar fundamento ao supra mencionado facto “G”. VI – Quanto a este ponto, sempre se terá de atender à transcrição do depoimento da testemunha Sr. CC, que expressamente referiu que as motivações do Sr. AA para sair da empresa se terão prendido com o saber das quantias que poderia vir a beneficiar, no caso de a Ré ser declarada insolvente – que efetivamente foi -, e no caso de ter vindo a encerrar a atividade – que não veio a suceder, mantendo-se a empresa a laborar. VII – Tais afirmações são, em tudo, coincidentes com o testemunho do colega do A./Recorrido e sua testemunha, Sr. DD, que confirmou o descontentamento do A./Recorrido há já vários anos, e não recentemente – isto é, o seu descontentamento é claramente anterior a qualquer causa ou fundamento da alegada resolução do contrato de trabalho com justa causa. VIII - Sempre seria no contexto insolvencial da R./Recorrente, que o Autor auferiria de uma indemnização e subsídio de desemprego, que lhe permitisse abandonar a Ré de forma “limpa”, permitindo-lhe algum ganho extra – facto de que o A. era conhecedor, pois foram apurados os seus créditos, no caso de se vir a verificar a extinção do seu posto de trabalho, mas que, efetivamente, nunca se veio a verificar, pois a Ré manteve-se a laborar. IX – E tão claro é que o A./Recorrido pretendia já abandonar a Ré/Recorrente, que procurou local de trabalho junto da testemunha Sr. EE, conforme depoimento transcrito. X – Da conjugação das inquirições das três testemunhas supra mencionadas, decorre claro que o A./Recorrido esperava, há já bastante tempo, que o seu contrato cessasse por qualquer via – mas tentando, o que naturalmente se compreende, que cessasse da forma mais favorável para si possível. XI – Face à prova produzida, sempre terá que ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto ao ponto “H” da lista de factos não provados, dando-se assim como provado que o Autor já pretendia abandonar a Ré, mas sem abdicar de regalias, como subsídio de desemprego e indemnização – passando a considerar-se como provado o ponto “H”, o que expressamente se requer. XII – Quanto à caducidade: salvo melhor opinião, é entendimento da Recorrente que a douta sentença proferida terá de ser totalmente revogada no que a esta matéria diz respeito. Sendo a própria sentença, em si mesma, contraditória no que à caducidade diz respeito. XIII – A própria sentença recorrida afirma que o A./Recorrido terá resolvido o contrato de trabalho «com os seguintes fundamentos: incongruência na declaração de salário base auferido pelo trabalhador para efeitos de baixa por acidente de trabalho; falta de pagamento dos créditos laborais devidos na sequência de acidente de trabalho de que foi vítima e falsificação da sua assinatura na declaração entregue ao tribunal através do qual pretendia comprovar o pagamento das quantias em dívida». XIV – E tal afirmação é, em tudo, coincidente com o exposto pelo A./Recorrido na sua própria petição inicial, na qual o próprio afirma que o motivo mais relevante terá sido a falsificação da sua assinatura. XV – A própria sentença, na motivação da matéria de facto dada como provada e não provada, refere «teve-se em consideração o depoimento da testemunha FF, filho do Autor, que referiu que o pai, quando tem consciência da falsificação do documento entregue no processo de acidente de trabalho considerou ser inviável a relação laboral» - facto que pode ser atestado pelas transcrições efetuadas supra, no que respeita a esta testemunha. XVI - Dúvidas houvesse, ainda, quanto ao real fundamento da alegada resolução por justa causa – o que não se concede, nem se concebe –, existem outras duas testemunhas que atestam que foi de facto a falta de pagamento e a alegada falsificação de assinatura que conduziram a tal decisão: a Sr.ª GG, familiar do A./Recorrido, que, conforme transcrição supra, refere que o mesmo lhe terá falado na falsificação; e o Sr. HH, colega de trabalho do A./Recorrido, que refere expressamente que o A./Recorrido lhe fez saber os motivos pelos quais se ia despedir, referindo-se à alegada falsificação e ao meio como da mesma tinha tomado conhecimento – por notificação do Tribunal, datada de 5 de julho de 2021, e à qual respondeu com auxílio de advogado, em 12 de julho de 2021 – tudo conforme transcrições supra. XVII – Com o devido respeito que nos merece o Tribunal a quo, e que é muito, não se pode concordar com o facto de se ter considerado não caduco o alegado direito do Autor. Não só resulta inequívoco, das próprias afirmações do Autor e das suas testemunhas, que a relação se tornou inviável com a alegada falsificação, como não se pode legalmente inferir que, tratando-se de factos instantâneos (discordando-se que os aqui em crise tenham efeitos duradouros, mas mesmo que se considere que tivessem), não estaria já caduco o direito do Autor. XVIII – E, sempre se diga, já há vários meses que o Autor/Recorrido sabia do alegado não pagamento das quantias devidas a título do acidente de trabalho. XIX - É certo, e decorre inequívoco da prova produzida, que o Autor tomou conhecimento dos factos muito tempo antes da alegada resolução com justa causa do seu contrato de trabalho, pois que o facto que lhe permitiu aferir a inexigibilidade de manter a relação laboral encontra-se direta e intrinsecamente ligada à alegada falsificação de assinatura. XX – Motivos pelos quais se requer seja revogada a decisão no que à caducidade diz respeito, substituindo-se por uma outra que declare a caducidade do direito do Autor/Recorrido e, em consequência, seja considerada ilícita a operada resolução do contrato de trabalho com justa causa, com todas as consequências legais, como seja a revogação da decisão no que concerne à quantia indemnizatória alegadamente devida e aos montantes de danos patrimoniais respeitantes a subsídio de desemprego – a que nunca teria direito, por tal resolução ser ilícita. XXI - Salvo melhor opinião, também não pode o Recorrente concordar que a quantia de 1.200,44€, numa relação laboral com mais de três décadas, seja uma quantia de especial relevo que possa justificar o término com justa causa de uma relação laboral tão longa. XXII – Ademais, sempre se reforce que a R./Recorrente alegou o pagamento da referida quantia, ainda que, é certo, possa não ter sido paga da forma mais correta e clara possível – e da qual a Recorrente se penitencia -, mas como bem decorre da inquirição do senhor II, as quantias foram pagas por transferências – as que se juntaram no contexto do acidente de trabalho -, sendo certo que os descritivos constantes das mesmas eram os que se encontravam automaticamente gravados na aplicação bancária, além de que, como se viu, as referências a “gasóleo” não eram certamente respeitantes a gasóleo. A este título, veja-se a inquirição do Sr. JJ, que refere que o Autor/Recorrido não necessitava de utilizar quantias próprias, pois o Autor dispunha de cartão frota para o efeito. E tal alegação corresponde, na íntegra, ao também afirmado pelo Sr. II, administrativo da Ré/Recorrente. XXIII – Mais se diga que as quantias foram pagas antecipadamente, porque a R. cedo se apercebeu de que não havia transferido toda a responsabilidade para a seguradora. XXIV – Além do mais, diga-se que a Recorrente fi declarada insolvente há sete anos, tendo honrado todos os seus compromissos com o Recorrido ao longo de todo o período de mais de 30 anos! – facto demonstrado pela ausência de qualquer outro pedido no que concerne a créditos laborais, a não ser os dos autos. XXV – Mais se diga que o crédito de gozo de férias se encontrava pago, conforme recibo de vencimento junto aos autos, pois as férias são pagas no momento do seu gozo. XXVI – E sempre se diga que, tendo-se provado pela perícia que a assinatura não terá sido efetuada pelo A./recorrido, sempre se dirá que tal não pode conduzir à conclusão de que a mesma foi falsificada pela Ré ou seu Gerente, tal como não se encontra provado no âmbito do processo crime que corre termos sob o n.º 2396/21...., o qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, DIAP de Vila Nova de Famalicão. XXVII – Não se pode, assim, concluir pela inexigibilidade da manutenção do contrato de trabalho, pelo que sempre terá de ser dado como não provado o ponto “34” dos factos dados como provados na sentença e deve a sentença recorrida ser revogada no que concerne à decisão relativa à inexigibilidade de manutenção do contrato de trabalho e, bem assim, pela justa causa na resolução, devendo a mesma ser substituída por uma outra que conclua pela inexistência de motivos válidos conducentes à inexigibilidade da manutenção do contrato de trabalho e, bem assim, pela inexistência de motivos consubstanciadores de justa causa de resolução. XXVIII – Em qualquer caso, sendo julgada procedente a caducidade ou sendo julgado procedente a inexistência de fundamentos que possam conduzir à resolução do contrato de trabalho pelo A./Recorrido, nunca poderá ser devida a indemnização fixada pelo Tribunal a quo. XXIX – E mesmo que assim não fosse, sempre se demonstrava excessiva fixar o quantum indemnizatório em 30 (trinta) dias, o que necessariamente conduzirá a uma redução desse mesmo quantum, no caso de improceder qualquer dos pedidos formulados anteriormente. XXX – Quanto ao crédito por falta de gozo de 11 (onze) dias de férias, também a sentença deve ser revogada, substituindo-se por uma outra decisão que conclua pelo efetivo gozo ou seu pagamento e, bem assim, pela inexistência de qualquer crédito laboral, bem como deverá ser dado como não provado o ponto 35 constante na sentença dos factos provados, atenta a prova documental junta aos autos, bem como pelo que supra já se expôs. XXXI – Quando aos alegados danos patrimoniais por não recebimento do subsídio de desemprego, se a caducidade e a ausência de fundamentação para a resolução devem, necessariamente, ser reconhecidas, então também cairá por terra a ilicitude do comportamento da R./Recorrente, pois que se a alegada resolução está caduca e, além disso, sempre careceria de fundamentação plausível para que o A./Recorrido pudesse lançar mão de tal procedimento, então também o A./Recorrido não poderia ter acesso a qualquer tipo de quantia devida a título de subsídio de desemprego, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada no que concerne à alegada indemnização por danos patrimoniais, sendo substituída por uma outra decisão que determine não haver lugar ao pagamento de qualquer quantia a título de danos patrimoniais. XXXII – Em consequência de tudo o que já se requereu, também terá a decisão de ser revogada no que concerne aos juros de mora vencidos e vincendos. XXXIII – Quanto à condenação como litigante de má fé, se o fundamento para condenação em litigância de má fé é o exposto pelo Tribunal a quo, então, sempre que os factos expostos por qualquer parte, num qualquer processo, não se virem a comprovar, então tal conduzirá, necessariamente, à condenação por litigância de má fé. XXXIV – A defesa apresentada pela R./recorrente, ainda que não provada, é lícita, defendendo-se esta com matéria de facto e de direito, sendo certo que, como já se disse, a alegada não assinatura pelo A. não conduz à necessária falsificação pela R./Recorrente. XXXV - Nem sequer se alcança a utilidade da condenação nos termos do art.º 543.º, do C.P.C., no que concerne a honorários e despesas, pois que o A./Recorrido beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como na nomeação e pagamento de patrono, sendo infundada a decisão do Tribunal a quo. XXXVI – Pelo que deve a sentença recorrida ser totalmente revogada no que à condenação da R./Recorrente em litigância de má fé diz respeito, sendo substituída por uma outra decisão que determine a improcedência da condenação em litigância de má fé, o que expressamente se requer.” O recorrido apresentou contra – alegações concluindo: “I. A razão de ser do recurso, assenta, em síntese, em alegado erro na apreciação da prova e em erro na interpretação e aplicação das normas legais atinentes. II. Os autos falam por si e mostram em evidência a ausência de razão do recurso interposto. III. Trata-se de uma sentença notável, sendo evidente o acerto da decisão recorrida. IV. A Recorrida limita-se a reproduzir, de forma descontextualizada, excertos dos depoimentos que não põe em causa a solidez da decisão judicial proferida, a tal título. V. A Recorrente não cumpre com os requisitos formais para pretender alterar a decisão da matéria de facto. VI. O recorrente que discorde da decisão quanto à matéria de facto, deve cumprir o que se encontra determinado no artº 640º do CPC, em especial o vertido nas alíneas a), b) e c) do nº 1 e nº 2, al. a) e b). VII. A Recorrente tem o dever de indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, com a indicação da exatidão das passagens gravadas, bem como a decisão que no seu entender deve ser proferida sobra a matéria em causa, devendo sempre proceder a uma analise critica da decisão recorrida, incluindo no que respeita a sua fundamentação, o qual deve ser realizado de forma individual em relação a cada facto, o qual tem de constar quer nas motivações quer nas conclusões do recurso. VIII. A Recorrente não cumpre com tal ónus! IX. Alega a recorrente que pretende que sejam alterados os factos vertidos nos pontos 34, 35, G e H, no qual, não indica o teor que pretende que lhes seja dado, indica sem nenhuma exatidão as passagens gravadas dos depoimentos das testemunhas, não faz uma análise critica da fundamentação que na decisão recorrida é feita em relação a tal matéria, como nem sequer reproduz a factualidade que no seu entender deve ser dada como assente, bem como com aquela que não discorda, não permitindo, sequer, ter a perceção, no seu todo, de tal segmento decisório e respetiva alteração. X. Não procede a uma análise individual e sustentada dos pontos que pretende ver alterados, apresentando a sua discordância de forma genérica, em que não permite aferir os meios de prova que em concreto e para cada facto são invocados. XI. Impõe-se, assim, a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais que incumbia à Ré, nos termos dos arts. 640º do CPC, aplicável ex vi pelo art. 1º, n.º 2, al. a) do CPT. XII. O teor das motivações e conclusões apresentadas pela recorrente, esta limita-se a manifestar a sua discordância em relação aos pontos 34, 35, G e H dos factos dados como provados ou não provados, respetivamente, sem que tenha cumprido minimamente o ónus que sobre si recai na sua impugnação. XIII. A recorrente respiga partes de depoimentos prestados pelas testemunhas, por forma descontextualizada, para procurar alicerçar a sua interpretação dos factos, ignorando o conjunto da prova produzida e o seu sentido. XIV. Ora, desde logo a recorrente limita-se a manifestar discordância em relação aos pontos 34, 35, G e H dos factos dados como provados ou não provados, respetivamente, sem que cumpra com as formalidades previstas nos artºs. 640º, nº 1, al. a), b) e c) do C.P.C. XV. A recorrente procura impugnar o ponto G da matéria dada como não assente, o qual terá totalmente de improceder, por se encontrar referido no depoimento da testemunha CC (ata de audiência de julgamento de 09/02/2024, com registo áudio Diligencia_5789-22.3T8VNF_2024-02-09_12-09-17, gravação entre 00:00:00 – 00:12:30), contabilista e amigo do gerente da recorrente, onde demonstrou muita confusão ao não saber identificar no tempo, quando e a que título viu, alegadamente, o recorrido a fazer trabalhos para outras entidades em período de baixa médica, por isso a recorrente não demonstra como pode esta factualidade ser dada como provada. XVI. A recorrente procura impugnar o ponto H da matéria dada como não assente, o qual terá totalmente de improceder, por se encontrar referido no depoimento da testemunha EE (ata de audiência de julgamento de 04/03/2024, com registo áudio Diligencia_5789-22.3T8VNF_2024-03-04_15-20-24, gravação entre 00:00:00 – 00:10:17), empregado de armazém, onde reconheceu que tudo aquilo que disse perante o Tribunal foi de ter ouvido conversas do recorrido com um colega de trabalho, que nunca falou diretamente com o recorrido de qualquer suposta insatisfação, pelo que, não poderia o Tribunal dar como provado um facto em supostas conversas ouvidas por uma testemunha, sem qualquer certeza no que estava a depor. XVII. Mais uma vez, a recorrente não demonstra como poderia ser dada como provada esta factualidade do ponto G. XVIII. Agora, quanto aos factos dados como provados, a recorrente procura impugnar o ponto 34, o qual terá totalmente de improceder, por se encontrar referido no depoimento da testemunha FF (ata de audiência de julgamento de 09/02/2024, com registo áudio Diligencia_5789-22.3T8VNF_2024-02-09_10-36-01, gravação entre 00:00:00 – 00:25:50), sendo esta testemunha filho do Autor, vivenciou de perto a situação vivida pelo pai na empresa, através de um depoimento credível e espontâneo, refere que apoiou e ajudou o pai em todo o processo, sabendo que só em meados de setembro é que o Autor/pai tomou plena consciência que a recorrida teria entregado uma declaração com a sua assinatura falsificada, declarando, alegadamente, que já tinha recebido todos os créditos referentes ao acidente de trabalho! XIX. Destaca-se, o relatório do exame de escrita ao aqui recorrido/autor, em 12/05/2023, realizado pelo Centro Médico-Legal, Lda. Prof. KK, confirmando que se traduz numa declaração falsa, e na qual consta uma assinatura que não é a do recorrido!! XX. Não pode o Tribunal alterar tal factualidade do ponto 34, tendo em conta a prova produzida nos autos, testemunhal e documental, devendo este manter-se na íntegra da factualidade dada como assente. XXI. Já quanto ao ponto 35, a recorrente procura impugná-lo, alegando que os 11 dias de férias foram pagas ao trabalhador, ou pagas, não se compreende bem o que defende a recorrida, o qual terá totalmente de improceder, por se encontrar plasmado no documento junto pela própria, como documento oito da contestação, que esta não tem razão. XXII. No documento 8 (oito) da contestação da recorrente, não se vislumbra o pagamento de nenhum dia de férias! XXIII. No depoimento da testemunha II (ata de audiência de julgamento de 09/02/2024, com registo áudio Diligencia_5789-22.3T8VNF_2024-02-09_11-03-07, gravação entre 00:00:00 – 01:05:07), sendo esta testemunha filho do sócio gerente da recorrente, que prestava serviços administrativos na empresa, e por isso tem conhecimento de todos os créditos devidos e não pagos ao recorrente, ou pelo menos deveria ter, não tendo conseguido demonstrar se efetivamente as férias vencidas em 2019 e não gozadas foram pagas ao recorrido. XXIV. Nem o próprio filho do sócio gerente, que afirmou tratar do processamento de vencimentos dos trabalhadores, tendo em consideração as funções de administrativo que exerce na recorrente desde 2018, soube explicar se foram ou não gozados ou pagos esses dias de férias em causa! XXV. Deve ser mantida na íntegra o ponto 35 dado como provado na douta sentença. XXVI. A recorrente lança ainda mão do recurso quanto à matéria de direito, nomeadamente, quanto a alegada caducidade do direito do recorrido! XXVII. Adere-se na íntegra à fundamentação de direito explanada na douta sentença proferida, mais concretamente, no ponto 2 da fundamentação de direito. XXVIII. Evidencia o Tribunal a quo que, tratando-se de um facto continuado, o prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 395.º só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução. XXIX. Alega também a recorrente a inexistência de motivos de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador/recorrido e, bem assim, a inexistência de todos os créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho! XXX. Mais uma vez, adere-se na íntegra à douta sentença proferida, quando no ponto 3 da motivação de direito, os fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo sustentam a clara falta de razão da recorrente. XXXI. Ora, conforme resulta da factualidade assente, logrou o Autor provar, no essencial, toda a factualidade que alegou, e que invocou na carta de resolução remetida, pelo que a mesma consubstancia justa causa da resolução. XXXII. Nessa conformidade, tem o recorrido o direito e receber todos os créditos laborais devidos pela cessação do contrato de trabalho com justa causa, inclusivamente a indemnização e os 11 dias de férias vencidas em 01/01/2019, não gozadas e não pagas. XXXIII. É manifesto que a recorrente teve uma conduta manifestamente ilícita e violadora dos seus deveres e obrigações contratuais, laborais e legais, sendo lícita a resolução do contrato de trabalho com justa causa operada pelo recorrido trabalhador. XXXIV. Termos em que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com o que V. Exª. farão a habitual justiça.” Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhor Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. O parecer mereceu resposta da recorrente que, discordando integralmente do parecer apresentado reafirmou tudo quanto por si alegado em sede de alegações e conclusões. O recorrido respondeu também a tal parecer, reiterando o vertido nas suas contra - alegações, concordando e aderindo, assim, ao parecer. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Questão prévia da não admissibilidade do recurso quanto à impugnação da matéria de facto: Como resulta do relatório supra, o recorrido questiona a admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto, pugnando pela sua rejeição. Vejamos. Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC[1], sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” (sublinhamos) Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo, proceder à transcrição dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados. Note-se que quanto ao dever de o recorrente indicar em concreto as passagens da gravação das declarações e/ou depoimentos em que se funda a impugnação e que no juízo do recorrente impõem decisão diversa da recorrida, a lei comina tal ónus sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte. E, “Um tal ónus não pode considerar-se satisfeito se, por exemplo, o impugnante se limita a indicar o início e o fim do depoimento dos participantes processuais ouvidos na audiência final, nas quais funda a impugnação.”[2]. Acresce que sempre que impugne a decisão da matéria de facto deve o recorrente procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria (art. 640.º/1 b) do CPC), donde, obrigatoriamente, indicar as razões que, no seu entendimento, evidenciam tal erro. Ademais, “As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”[3], não obstante não se deva exponenciar os requisitos formais a um ponto que sejam violados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.[4] Ora, no caso presente, entendemos que a recorrente, de forma geral, cumpriu minimamente os ónus de, com referência a cada um dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente decididos, indicar as respostas alternativas (integralmente não provados uns, provados outros) e especificar, nos assinalados termos, os meios probatórios que impunham decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido (ressalvando-se, quanto a este último requisito, que quanto ao ponto 34. da matéria de facto não se descortina essa indicação). Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar [sem prejuízo de o conhecimento de alguma(s) ficar prejudicado pela resposta dada a outra(s)]: - Impugnação da matéria de facto; - Caducidade do direito do trabalhador/recorrido operar a resolução do contrato de trabalho; - Inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho; - Apurar os créditos devidos ao recorrido em consequência da cessação do contrato, v.g. a título de indemnização; - Se existe fundamento para a condenação da recorrente como litigante de má-fé. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos que constam da decisão recorrida como provados, e como não provados, são os seguintes: “Discutida a causa e tendo em conta as regras do ónus da prova, mostram-se Provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: 1. A Ré é uma sociedade por quotas, com 2 trabalhadores ao seu serviço, com o NIPC ...89, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., cujo objecto é a construção de edifícios. 2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 8 de Maio de 1986, por contrato de trabalho verbal, para exercer, como sempre exerceu, sob a autoridade, fiscalização e direcção desta, as funções correspondentes à categoria profissional de, inicialmente, praticante de terceira, passando por oficial de segunda, pedreiro e, desde ../../2003 oficial de primeira da construção civil, mediante o pagamento de retribuição. 3. No âmbito do contrato de trabalho celebrado, ficou acordado que o Autor cumpriria, como cumpriu, um horário de trabalho semanal de 45 horas, a prestar de segunda a sexta-feira, das 8 horas às 12:30 horas e das 13:30 horas às 18 horas. 4. Como contrapartida pelo trabalho prestado, o Autor auferia por parte da Ré a retribuição base mensal de € 700,00 e a quantia de € 5,75, a título de subsídio de alimentação diário. 5. No dia 27 de Junho de 2019, em ..., quando trabalhava, com a categoria profissional de oficial de primeira, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré “EMP01..., Lda.”, o Autor sofreu um acidente de trabalho. 6. O acidente de trabalho referido em 5. foi participado pela Ré à “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.”, em 03.07.2019, que, por sua vez, participou o acidente a tribunal em 06.01.2020, processo que seguiu os seus termos neste Juízo de Trabalho de Vila Nova de Famalicão, sob o processo n.º 63/20.... e no qual teve lugar tentativa de (não) conciliação em 04.11.2020. 7. No âmbito do processo referido em 6., foi, em ../../2021, proferida a seguinte sentença: “Nestes termos, e pelo exposto, condeno as rés ao pagamento ao autor AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), das seguintes quantias: a) a ré Companhia de Seguros EMP02..., S.A.: i. 20,00€ (vinte euros) a título de transportes ao tribunal; ii. o capital de remição correspondente à pensão anual, devida em 28/12/2019, no montante de 336,35€ (trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos); b) a ré EMP01..., Lda.: i. 445,85€ (quatrocentos e quarenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias; ii. o capital de remissão correspondente à pensão anual, devida em 28/12/2019, no montante de 55,34€ (cinquenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos.)” 8. No âmbito do processo referido em 6., o sinistrado, a Companhia de Seguros EMP02..., S.A. e a entidade empregadora EMP01..., Lda., foram notificados no 11.03.2021, do cálculo do capital de remissão, sendo o devido pela Ré no montante de € 754,62. 9. Em 07.05.2021, foi determinada a notificação da Ré para comprovar nos autos ter efectuado o pagamento ao sinistrado as quantias em que foi condenada, devidas a título de capital de remição e de indemnização por It´s, acrescidas dos correspondentes juros, sob pena de, não o fazendo, vir a ser instaurada a correspondente execução em caso de falta de resposta no prazo de 10 dias, notificação esta que ocorreu em 13.04.2021. 10. No dia 17.05.2021 deu entrada no processo referido em 6., um email, datado de 14.05.2021, através do qual a Ré refere que volta a enviar o email de 23.04.2021 que, por lapso, não foi recebido. 11.O email datado de 24.04.2021 refere o seguinte: “Bom dia Exmos Senhores. Vimos dar resposta a V/Notificação c/ referência n.º ...66 datada de 13/04/2021 e levantada em 20/04/2021, enviando em anexo o comprovativo em que o nosso trabalhador recebeu as quantias devidas, correspondente ao processo supracitado.”. 12.Em anexo ao referido email encontrava-se o documento com o seguinte teor: “DECLARAÇÃO Eu abaixo assinado, AA, contribuinte nº ...35, declaro para devidos efeitos que recebi da firma EMP01..., Lda., contribuinte n.º ...89, com escritórios na Rua ...-... andar, sala ..., freguesia ..., concelho ... o valor de 1.200,47 € (mil duzentos euros e quarenta sete cêntimos). Declaro ainda que a referida quantia recebida, corresponde à retribuição do valor extipulado na setença do processo: 63/20....”. 13.A declaração referida em 12. está assinada com os dizeres AA. 14.A assinatura referida em 12. e 13. não foi realizada pelo punho do Autor. 15.Em 21.05.2021 foi determinada a notificação da Ré para comprovar os pagamentos dos juros com cópia da seguinte promoção: “Verificando-se que a quantia indicada como paga corresponde apenas à soma do que era devido ao sinistrado, a título de capital de remição e indemnização por lt's, pr. Se notifique, de novo, aquela responsável para comprovar o pagamento dos correspondentes juros, indicando a data em que a importância aludida de 1-200,47€ foi liquidada”. 16.A Ré enviou para o processo referido em 6. o email datado de 28.05.2021, com o seguinte teor: “Bom dia Exmos Senhores, Assunto: Processo: 63/20.... Vimos dar resposta a V./Notificação c/referência n' ...82 datada em 10/05/2021 e levantada em 20/05/2021, informando que já se enviou o documento a comprovar que o nosso trabalhador AA já recebeu as quantias devidas instauradas no processo supracitado como podem verificar no histórico dos nossos emails enviados e que voltamos a reencaminhar.” 17. Em 04.06.2021 foi determinada a notificação da Ré para “em 10 (dez) dias comprovar o pagamento dos juros de mora devidos, indicando expressamente a data em que a importância de 1.200,47€ foi liquidada.”. 18. Em 02.07.2021, foi determinada a notificação do Autor, para, em 10 dias, informar em que data ou datas é que a responsável empregadora lhe pagou a quantia de 1.200,47 €, aludida na “Declaração” que acompanhou o expediente remetido por aquela e junto em 31/05/2021, cuja cópia se enviou, para esclarecimento, notificação que veio a ser remetida em 05.07.2021. 19. No dia 12.07.2021, o Autor, por requerimento assinado por si, prestou, no processo referido em 6., os seguintes esclarecimentos: “Assunto – Processo nº 63/20.... AA, casado, residente na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho, vem, em cumprimento da notificação com a referência nº ...24, de 5 do corrente, informar que ainda não recebeu a importância de € 1.200,47 que a entidade patronal foi condenada a pagar-lhe no âmbito do processo acima indicado e que a assinatura constante da declaração que foi junta não é da sua autoria.”. 20. Em 06.09.2021, foi junto ao processo referido em 6., o email datado de 03.09.2021 da Ré, através do qual esta refere o seguinte “Boa tarde, Vimos aos presentes autos, em resposta à vossa notificação recepcionada a 2l.07.202I, entregar comprovativos das transferências que liquidam tal valor.”. 21. Em anexo ao email referido em 20., a Ré junta os seguintes comprovativos de transferências bancárias: 21.1. montante: € 250, data da operação: 05.06.2020; 21.2. montante : € 120, data da operação: 03.07.2020; 21.3. montante : € 200, data da operação: 18.08.2020; 21.4. montante: € 200, data da operação: 02.10.2020; 21.5. montante: € 120, data a operação: 26.11.2020; 21.6. montante: € 120, data da operação: 07.12.2020; 21.7. montante: € 150, data da operação: 12.02.2021; 21.8. montante: € 150, data da operação: 20.04.2021; 22. Em 21.09.2021, foi determinada a notificação do Autor para esclarecer se as contas indicadas nos comprovativos referidos em 21., como contas de destino, são por si tituladas e/ou se recebeu tais quantias e bem assim notificação da Ré/entidade empregadora para, face aos comprovativos de pagamento juntos e respectivas datas, esclarecer a que título foram efectuados tais pagamentos, considerando que a sentença proferida nos autos data de Fevereiro de 2021 e os comprovativos datam, respectivamente, de Junho de 2020, Julho de 2020, Agosto de 2020, Outubro de 2020, Novembro de2020, Dezembro de2020, Fevereiro de2021, e Abril de 2021 (ou seja, apenas um pagamento foi efectuado após a condenação), notificação que veio a ocorrer em 22.09.2021. 23. No dia 01.10.2021, o Autor, por requerimento assinado por si, prestou, no processo referido em 6., os seguintes esclarecimentos: “Assunto – Processo nº 63/20.... AA, casado, residente na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho, vem, em cumprimento da notificação com data de 22 de Setembro informar o seguinte: 1- As contas a que se referem as transferências são minhas. 2- No entanto nenhuma das verbas referidas pela empresa tem qualquer coisa a ver com as verbas que a mesma está obrigada a pagar-me nos presentes autos. 3- Com efeito o signatário trabalha na empresa, conduzindo, para se deslocar de e para o trabalho, uma carrinha da entidade patronal, suportando despesas por conta da mesma entidade, nomeadamente combustível, as quais lhe são posteriormente reembolsadas, conforme a seguir se demonstra pelos extratos juntos, onde, na descrição das transferências feitas, pela empresa ou pelo seu sócio gerente LL, se se verifica a finalidade das transferências: a) Transferência de 13-12-2009 - € 75,00 – Gasóleo; b) Transferência de 6-3-2020 - € 200,00 – AA – 2 Sábados; c) Transferência de 3-7-2020 - € 120,00 – Gasóleo; d) Transferência de 26-11-2020 - € 120,00 – Gasóleo e e) Transferência de 20-4-2021 - € 150,00 – Gasóleo. 4 - Aliás basta ver que, no descritivo da transferência de 18-8-2020, no montante de € 200,00, junta pela empresa, consta no descritivo Sab, ou seja, tal verba destinou-se a pagar sábado ou sábados em que o signatário trabalhou para a empresa quando era ou eram dia ou dias de descanso. 5 - E que, no extrato da conta à ordem, consta, relativamente à transferência de € 120,00 no dia 26-11-2020 a descrição gasóleo. 6 - O mesmo acontecendo na transferência de € 120,00 de 7-12-2020, ou seja, mais uma vez tal transferência se refere a valores por mim adiantados à empresa. 7 - E também na transferência de 20-4-2021, no valor de € 150,00, em que, também consta no descritivo na conta de depósitos à ordem, tal, valor como gasóleo. 8 - Aliás basta ver, do extrato da conta corrente do signatário no Banco 1..., referente ao período de 7-6-2019 a 16-9-2021, que, em muitos dos meses, consta a transferência por parte da empresa do salário do mesmo e uma outra importância, que algumas vezes é designada gasóleo e outra vezes não tem essa denominação mas consta apenas transferência, sem que se indique essa quem a fez, mas que não pode ter outra origem senão o reembolso de despesas da empresa por mim feitas ou qualquer gratificação que a empresa me tenha pago, mas nunca origem nas verbas que a empresa foi obrigada a pagar-me. 9 - Aliás, se as transferências tivessem origem em tal importância o signatário reconhecia tal facto, assinava a declaração com assinatura reconhecida em como já tinha recebido tais importâncias e ainda pedia desculpa ao sóciogerente da entidade patronal. 10- O que não pode é dizer que já recebeu as importâncias a que tem direito quando tal facto não corresponde à realidade.” 24. No dia 16.09.2021, no processo referido em 6., o Ministério Público, promoveu que se extraísse certidão das folhas correspondentes nos autos, e se remetesse ao DIAP de Vila Nova de Famalicão, para eventual instauração de inquérito pela prática da infracção criminal de falsificação de documento, tendo sido proferido despacho nesse sentido, e no dia 22.09.2021, extraída a correspondente certidão pelo tribunal, dando origem ao Inquérito n.º 2396/21..... 25. O inquérito referido em 24., em 16.03.2022, fez um pedido de informação ao processo referido em 6., solicitando se se logrou comprovar nos mesmos o pagamento de € 1.200,47, a que se refere a declaração que deu origem ao inquérito. 26. No dia 17.03.2023, o tribunal informou o inquérito referido em 24. que no Acidente de Trabalho (F. Contenciosa/Requer.), proc. n.º 63/20...., ainda não tinha sido comprovado o pagamento de € 1.200,47 e que em 22/11/2022, foi instaurada a competente execução de sentença, encontrando-se a mesma a aguardar a localização de bens penhoráveis à executada EMP01..., Ldª. 27. Em 04.10.2021, o Autor enviou à Ré uma carta registada para a morada “Rua ..., ..., ..., com o seguinte teor: “EMP01..., Ldª Rua ... – ... andar – Salas ... e ... ... - ... Assunto:- Rescisão do contrato de trabalho com justa causa ... – 04-10-2021- Registada Serve a presente carta registada para notificar essa empresa de que, com base no disposto no artº 394º do Código do Trabalho, rescindo o meu contrato de trabalho com essa empresa, com justa causa, a partir do próximo dia 4 de Outubro, último dia de trabalho, com os seguintes fundamentos: 1 – Conforme tomei agora conhecimento, no âmbito do processo nº 60/20.... do Juízo de Trabalho de Vila Nova de Famalicão, vencendo eu o salário mensal de € 700, conforme recibos por mim assinados e na vossa posse, fiquei a saber que essa empresa, para efeitos de contrato de seguro por acidente de trabalho, na Companhia de Seguros EMP02..., apenas transferia mensalmente a v/ responsabilidade por € 600 por mês. 2.- Por força disso, não recebi, nos períodos em que estive de baixa por acidente de trabalho, os valores a que tinha direito, na base do salário que eu efetivamente recebia. 3 - Como essa empresa bem sabe, a atividade profissional que eu exerço nessa firma, é suscetível da ocorrência de acidentes de trabalho, razão pelo qual muito indignado e preocupado estou com o facto de ter tido conhecimento da disparidade entre o vencimento auferido e valor pelo qual estou seguro. 4 - Para além disso, tendo recebido a decisão do Tribunal de Trabalho, em que essa empresa foi condenada no pagamento da importância acima indicada, aguardei até agora, que tal valor me fosse pago, o que não aconteceu. 5.- Como se não bastasse, verifiquei agora no processo a correr no Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Famalicão acima referido que essa firma entregou nesse Tribunal uma declaração, segundo a gerência dessa empresa, assinada por mim, na qual eu declaro ter recebido a importância a que essa empresa foi condenada a pagar-me, pelo tal motivo de não me ter no seguro com o salário que efetivamente recebia mensalmente. 6.- Ora, eu nunca assinei tal declaração, sendo falsa tal assinatura, o que equivale a dizer que tal declaração foi fabricada pela gerência, com a intenção única de fugir ao pagamento do que me é devido, o que equivale a dizer que foi praticado o crime previsto na alínea a) do nº 1 do artº 256º do Código Penal. 7.– Acresce ainda que, tendo eu respondido ao tribunal, face à notificação do mesmo para eu indicar a data em que tinha recebido tal importância, dizendo que tal assinatura era falsa e que ainda não tinha recebido a importância a que tinha direito, veio essa empresa, posteriormente, comunicar ao mesmo tribunal que já me tinha pago tal importância mediante transferências feitas para a minha conta. 8. – Ora, isso é outra mentira, uma vez que os valores ali assinalados nada têm a ver aquilo que me devem, mas antes com valores que eu tinha suportado do meu património para pagamento de valores adiantados a essa empresa, nomeadamente gasóleo e outros. 9 - Aliás basta ver que, no descritivo da transferência de 18-8-2020, no montante de € 200,00, junta pela empresa, consta no descritivo Sab, ou seja, tal verba destinou-se a pagar sábado ou sábados em que o signatário trabalhou para a empresa quando era ou eram dia ou dias de descanso. 10– E que, no extrato da conta à ordem do signatário, consta, relativamente à transferência de € 120,00 no dia 26-11-2020 a descrição gasóleo. 11 – O mesmo acontecendo na transferência de € 120,00 de 7-12-2020, ou seja, mais uma vez tal transferência se refere a valores por mim adiantados à empresa. 12 – E também na transferência de 20-4-2021, no valor de € 150,00, em que, também consta no descritivo na conta de depósitos à ordem, tal, valor como gasóleo. 13- Os factos atrás apontados, porque atentatórios do meu património e honra, tornam inviável a manutenção da relação de trabalho, sendo motivo para a resolução do contrato de trabalho celebrado com essa empresa, motivo pelo qual comunico tal rescisão com justa causa, com efeitos imediatos, devendo essa empresa pagar-me a indemnização a que se refere no nº 1 do artº 396º do Código do trabalho, equivalente aos 32 anos, 8 meses e 30 dias de trabalho na empresa, o que equivale ao montante global de € 33 600,00 (trinta e seis mil e seiscentos euros). O Trabalhador” 28. A carta referida em 27. não foi reclamada pela Ré. 29. A carta referida em 27. foi envida à Ré, também através de email. 30. Em 07.12.2021, o Autor enviou para a Ré uma carta registada com Aviso de recepção para a Ré, solicitando, para efeitos de instrução do processo de desemprego, que lhe fosse remetido o modelo ...44 devidamente preenchido e assinado para ser entregue na entidade competente. 31. O Autor, no dia 29.12.2021, solicitou à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) a declaração de situação de desemprego, o que conseguiu obter, em 27.01.2022. 32. No dia 22.02.2022, o ACT, remeteu para o Autor, a declaração de desemprego preenchida e assinada pela Ré, com data de 21.02.2022 e indicação como motivo de cessação do contrato de trabalho “denúncia do contrato de trabalho/demissão”. 33. Entre os meses de Agosto de 2020 e Julho de 2021, foram declaradas à Segurança Social as seguintes remunerações do Autor: 33.1.Agosto de 2020: € 1.409,80; 33.2.Setembro de 2020: € 655,94; 33.3.Outubro de 2020: € 720,58; 33.4.Novembro de 2020: € 720,58; 33.5.Dezembro de 2020: € 1.408,82; 33.6. Janeiro de 2021: € 719,60; 33.7. Fevereiro de 2021: € 718,62; 33.8. Março de 2021: € 722,54; 33.9. Abril de 2021: € 614,55; 33.10. Maio de 2021: € 720,43; 33.11. Junho de 2021: € 619,35; 33.12. Julho de 2021: € 721,56. 34. O Autor viu a confiança e a lealdade que sempre teve para com a sua entidade patronal ser traída, não podendo mais confiar e continuar a ir todos os dias tranquilamente para o seu local de trabalho. 35. O Autor não gozou 11 dias de férias vencidas em 01.01.2019. 36. O Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, sempre foi um trabalhador extremamente competente, diligente e empenhado no cumprimento dos seus deveres. 37. O Autor é, assim, extremamente sério e competente, sem nada que lhe possa ser apontado em seu desabono e como tal tido por todos quantos o conhecem e com ele lidam. 38. Até Abril de 2021, o Autor sempre se aplicou na prestação do seu trabalho com enorme dedicação, assiduidade, empenho e prontidão. 39. A Ré assumiu a sua responsabilidade no acidente de trabalho pela retribuição não transferida para a seguradora. Factos Não Provados Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que: A. Toda a situação, afectou gravemente a saúde do Autor, ao ponto de este viver num permanente stress, sem saber o que fazer para dali em diante sustentar a sua família. B. O Autor sentiu-se, como se continua a sentir, triste, revoltado e humilhado pela conduta da Ré. C. A conduta da Ré provocou, ainda, no Autor, entre outros sintomas, dificuldade em dormir, com permanente mau estar, intranquilidade e irritabilidade. D. A Ré pagou ao Autor os 11 dias de férias, vencidas em 01/01/2019 e não gozadas. E. O Autor assinou, propositadamente, a declaração de quitação com recurso a letras maiúsculas, para omitir a sua verdadeira assinatura. F. No momento da sua assinatura, o Autor disse ao gerente da Ré que se encontrava “mal da mão” em virtude de uma operação que tinha realizado, recusando assinar os recibos do vencimento desde Abril de 2021. G. O Autor, no período que se encontrou de baixa médica, prestou serviços a pessoas singulares e outras entidades que não a Ré. H. O Autor já pretendia abandonar a Ré, mas sem abdicar de outras regalias, como subsídio de desemprego e indemnização. I. A Ré procedeu ao pagamento da quantia a que veio a ser condenada no processo referido em 6.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO - Da impugnação da matéria de facto: Quanto a darem-se como provados os factos constantes das al.s G) e H) da lista dos factos não provados, G. O Autor, no período que se encontrou de baixa médica, prestou serviços a pessoas singulares e outras entidades que não a Ré. H. O Autor já pretendia abandonar a Ré, mas sem abdicar de outras regalias, como subsídio de desemprego e indemnização, comecemos por dizer que na motivação da decisão sobre a matéria de facto consignou-se a propósito: “Não foi produzida prova suficiente, firme e segura no sentido da factualidade constante dos pontos G e H., para tanto não sendo suficiente o depoimento das testemunhas CC e EE, indicados pela Ré. Com efeito, a testemunha CC apenas referiu que, volta e meia o Autor metia baia e uma vez viu-o a trabalhar numa obra em ..., quando estava de baixa, desconhecendo-se quando tal aconteceu, a que título estaria o Autor a trabalhar, se estava mesmo de baixa médica, etc. Por sua vez, a testemunha EE apenas referiu conhecer o Autor porque este trabalhava numa obra, ao serviço da Ré, em ..., em 2021, tendo percebido uma insatisfação por parte do Autor, e tendo-o lhe dito que se houvesse um lugar na sua empresa para ele, ele ia para lá.” (realce nosso) Em primeiro lugar, consigna-se que, tendo-se presente quer o pedido formulado pelo autor quer a causa de pedir que alegou, dificilmente se vislumbra algum interesse desta factualidade, e particularmente da que consta da al. G), para a boa decisão da causa. De qualquer modo, tendo-se procedido à audição (integral) dos depoimentos das testemunhas referidas na dita motivação, como também das testemunhas BB e DD, igualmente indicados pela recorrentes como relevantes, não vemos razão para alterar a decisão da 1.ª instância. Com efeito, a testemunha CC, que disse manter uma relação de amizade com o gerente da ré (Sr. LL), quanto à matéria da al. G) tendo principiado por dizer peremptoriamente que viu o autor, numa altura em que este se encontrava de baixa médica, a trabalhar numa obra que não estava a ser levada a cabo pela ré (mas por outra entidade), mais tarde acaba por dizer que não sabe se o autor estava ou não de baixa (“…já não tenho a noção…”), e quanto à matéria da al. H), disse que nunca soube que o autor queria ir embora da empresa, e quando questionado das possíveis motivações do autor para sair da empresa ré afirmou “…poderei saber, pelo Sr. LL…”. A testemunha EE de útil também apenas referiu conhecer o autor porque este, antes do Verão de 2021, trabalhava numa obra, ao serviço da ré, à qual a testemunha se deslocava levando materiais de construção, tendo-se apercebido então, por conversas que ouvia entre o autor e um outro trabalhador, da insatisfação do autor, e tendo-lhe este dito que se houvesse um lugar na empresa para a qual a testemunha trabalhava ele, autor, que ia para lá trabalhar, do que tudo resulta, desde logo, que a eventual insatisfação do autor já se teria passado num contexto em que o autor tinha conhecimento da maioria dos factos que veio a invocar na carta de resolução do contrato de trabalho – cf, por ex., que o acidente de trabalho ocorreu em 27.6.2019, a sentença a determinar as prestações infortunísticas é de ../../2021, o email que a ré enviou ao Tribunal contendo em anexo uma declaração de quitação com a suposta assinatura do autor é de 24.4.2021, declaração esta cuja notificação ao autor foi ordenada em 02.7.2021 e sobre cujo conteúdo o autor se pronunciou por requerimento de 12.7.2021 -, isto é, não se pode de forma alguma concluir, destes depoimentos, que o autor já pretendia abandonar a ré. Dos depoimentos das testemunhas BB e DD também nada de relevante se retira no sentido pretendido pela recorrente, designadamente não referindo qualquer destas testemunhas que o autor estando de baixa médica fizesse “biscates”, e tendo a testemunha DD (que disse ter sido colega de trabalho do autor) mencionado que o autor não andava contente (mas sem conseguir situar no tempo essa situação) disse também que ele não dizia que se ia embora. Relativamente a darem-se como não provados os factos constantes dos pontos 34 e 35 da lista dos factos provados, 34. O Autor viu a confiança e a lealdade que sempre teve para com a sua entidade patronal ser traída, não podendo mais confiar e continuar a ir todos os dias tranquilamente para o seu local de trabalho. 35. O Autor não gozou 11 dias de férias vencidas em 01.01.2019: Também na motivação da decisão sobre a matéria de facto consignou-se a propósito: “Quanto à factualidade constante do ponto 34. teve-se em consideração o depoimento da testemunha FF, filho do Autor, que referiu que o pai, quando tem consciência da falsificação do documento entregue no processo de acidente de trabalho considerou ser inviável a relação laboral, conjugado com o relatório pericial à assinatura da declaração em causa, de onde resulta, que efectivamente não foi o Autor quem assinou a referida declaração, e bem assim com as regras da experiência comum e critérios de normalidade. Não foi, porém, suficiente este depoimento para se dar como provada a factualidade constante dos pontos A. a C., sendo que, as demais testemunhas inquiridas em sede de audiência nada demonstraram saber a este respeito. O documento junto pela Ré sob o número 8 reporta-se ao pagamento do subsídio de férias relativamente às férias vencidas em 2018, não comprovando o pagamento de quaisquer dias de férias não gozados, motivo pelo qual se deu como não provada a factualidade constante do ponto D., por apenas o próprio representante legal da Ré ter dito que pagou as férias, sem que esteja por qualquer forma comprovado o seu pagamento.” “A factualidade constante dos pontos 1. a 4., 33. e 35. foi considerada assente em função do acordo das partes manifestado em sede dos articulados.” (realçamos também os pontos da matéria de facto provada em questão) Relativamente à factualidade constante do ponto 34. dos factos provados o Tribunal a quo teve fundamentalmente em consideração, como se respiga da citada motivação, o depoimento da testemunha FF, filho do Autor, conjugado com o mencionado relatório pericial. A recorrente, de relevante, a propósito apenas refere que do facto de a perícia determinar que a assinatura muito provavelmente não terá sido aposta pelo autor não se poderá inferir que a assinatura tenha sido falsificada pela ré (quanto ao mais limita-se a fazer considerações acerca da existência ou não de justa causa para a resolução do contrato). Ora, para além de no ponto 34. da matéria de facto não se ter (directamente) dado como provado que a ré falsificou o documento/declaração em questão, i. é, que os dizeres “AA” aí foram apostos pela ré, o certo é que, à luz da experiência de vida e dos critérios de normalidade, outra coisa não se pode concluir, que tais dizeres aí foram apostos pela própria ré ou pelo menos com o seu patrocínio, posto que é a ré que apresenta essa declaração e a quem a mesma beneficiaria (note-se que a ré não alegou desconhecer como/quem assinou o documento, antes alegou que no momento da sua assinatura, o Autor disse ao gerente da Ré que se encontrava “mal da mão” em virtude de uma operação que tinha realizado…). Quanto ao n.º 35. dos factos provados - O Autor não gozou 11 dias de férias vencidas em 01.01.2019 -, matéria alegada em 68.º e 69.º da PI, a ré para além de a não impugnar, pelo menos expressamente (cf. art.s 1.º e 2.º da contestação), veio sim a admiti-la de forma expressa, como claramente decorre do art. 75.º da contestação (sem prejuízo de a ré outrossim alegar que pagou esses dias de férias não gozadas). Mantém-se, pois, a matéria de facto tal qual decidida pelo Tribunal recorrido. - Da caducidade do direito do trabalhador/recorrido operar a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa: Na decisão recorrida sustentou-se assim a improcedência da enunciada excepção: “De acordo com o artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho (aplicável ao caso dos autos não obstante o contrato em causa ter início em 1986 – cfr. artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o actual Código do Trabalho) “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2011 – processo 296/07.7TTFIG.C1.S1 – disponível em www.dgsi.pt “O prazo de «trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos» para o exercício do direito de resolver o contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, estipulado no n.º 1 do artigo 442.º, é de caducidade, como decorre do n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, nos termos do qual, «[q]uando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição». Doutra parte, o artigo 329.º do Código Civil determina que «[o] prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».” O prazo dentro do qual deve ser emitida a declaração da resolução do contrato de trabalho é, pois, o de 30 dias subsequentes ao conhecimento, pelo trabalhador, dos factos justificativos da resolução, sendo certo que, como tem sido entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, o que releva não é tanto o conhecimento da materialidade dos factos, mas sim o momento em que, no contexto da relação laboral, os factos assumem gravidade tal que tornam a subsistência do contrato impossível. Assim, tratando-se de um facto continuado, o prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 395.º só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução (cfr. Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, 2.ª edição, pág. 986, a propósito do artigo 34° nº 2 do DL 64-A/89 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Novembro de 2014, disponível em www.dgsi.pt). No caso em apreço, considerando a comunicação emitida pelo Autor, temos como fundamentos da justa causa da resolução por si operada: » o facto de a Ré não transferir para a companhia de seguros responsável por eventuais acidentes de trabalho a remuneração global auferida pelo Autor (pontos 1. a 3. da carta resolutiva); » o facto de a Ré ter sido condenada, no processo de acidente de trabalho, no pagamento de uma quantia monetária, e o mesmo ainda não ter acontecido (ponto 4. da carta resolutiva); » o facto de a Ré ter entregue, no processo de acidente de trabalho, uma declaração através do qual o Autor declarava ter recebido a importância que a Ré havia sido condenada a pagar, sendo que essa assinatura não tinha sido feita por ele, sendo falsa (pontos 5. e 6. da carta resolutiva); » o facto de a Ré ter comunicado ao tribunal que o pagamento havia sido feito através de transferências bancárias efectuadas para a sua conta, o que não é verdade (pontos 7. a 12. da carta resolutiva). Em tal comunicação, o Autor não concretiza temporalmente os factos. Porém, como já havia sido deixado dito em sede de despacho saneador, os factos em causa aconteceram todos no âmbito de um processo judicial de acidente de trabalho, em que Autor e Ré eram (e são) parte tendo perfeito conhecimento da sua temporalidade. Olhando para os factos provados, temos que, o primeiro comportamento que o Autor considerou violador dos seus direitos - o facto de a Ré não transferir para a companhia de seguros responsável por eventuais acidentes de trabalho a remuneração global auferida pelo Autor – terá ocorrido, pelo menos, em ../../2020, isto é, aquando da realização da tentativa de conciliação no âmbito do processo de acidente de trabalho. Sucede que, posteriormente a este facto, outros aconteceram que permitiram ao Autor ajuizar da dimensão da lesão dos seus direitos. Com efeito, depois de ter conhecimento de que a Ré não havia transferido a remuneração global para a Companhia de Seguros, a Ré foi condenada, por sentença proferida em ../../2021, no processo de acidente de trabalho, no pagamento de uma quantia monetária, sendo que, em 11.03.2021 é notificada à Ré a quantia a pagar ao Autor ( € 754,62). Tal quantia, na data da propositura da presente acção (e bem assim actualmente) ainda não foi paga- Depois da condenação notificada à Ré e da sua notificação para a comprovação do pagamento, a Ré ter entregou, em 17.05.2021, no processo de acidente de trabalho, uma declaração através do qual o Autor declarava ter recebido a importância que a Ré havia sido condenada a pagar, declaração esta que é levada ao conhecimento do Autor através de notificação datada de 02.07.2021, e relativamente à qual o Autor responde em 12.07.2021, referindo não ter recebido a quantia e que a assinatura não é da sua autoria, o que, conforme resulta dos factos provados se verifica: a assinatura não foi feita pelo punho do Autor; Na sequência destes esclarecimentos pelo Autor, a Ré, em 06.09.2021, junta ao processo de acidente de trabalho comprovativos de transferências com vista a comprovar o pagamento da quantia em dívida, comprovativos estes que são notificados ao Autor em 21.09.2021 e que, em 01.10.2021, esclarece que os mesmos não tinham por objecto o pagamento da quantia devida na sequência do acidente de trabalho. Com efeito, deste circunstancialismo, podemos concluir que, os fundamentos invocados pelo Autor consubstanciam factos instantâneos, mas com efeitos duradouros: a não transferência da remuneração global para a seguradora, implicou a condenação da Ré no pagamento de determinadas quantias monetárias – indemnização pelas incapacidades temporárias e capital de remissão da pensão anual; a quantia não foi paga; a Ré apresentou um documento comprovativo dessa pagamento através de uma declaração que não foi assinada pelo Autor; mais tarde, para comprovar a veracidade da declaração não assinada pelo Autor, a Ré junta comprovativos de transferências que também não visavam o pagamento daquela quantia. Todos estes factos ocorreram entre ../../2020 e ../../2021, sendo do conjunto dos mesmos que se retira a gravidade que impossibilita a continuidade da relação de trabalho, pelo que, consideramos que a carta enviada pelo Autor em 4 de Outubro de 2021 é tempestiva, assim se julgando improcedente a excepção de caducidade arguida pela Ré.” Embora entendamos que nem todos os factos em causa comungam da natureza de “instantâneos com efeitos duradouros”, natureza que apenas reconhecemos à factualidade a que se reportam os pontos 1. a 3. da carta resolutiva, entendemos também que é tempestiva a comunicação de resolução do contrato, relativamente a todo a actuação que aí é imputada à ré, improcedendo a excepção de caducidade arguida pela ré. Efectivamente, a falta de pagamento das prestações em que a ré foi condenada no âmbito do processo de acidente de trabalho identificado nos autos, e em que o aqui autor figura como sinistrado (ponto 4. da carta resolutiva), é um facto que se renova a cada dia que passa sem tal pagamento ter sido efectuado, ganhando, porém, nesse devir uma maior gravidade; Relativamente ao facto de a ré ter entregue, no dito processo de acidente de trabalho, uma declaração através da qual o autor – supostamente - declarava ter recebido a importância que a ré havia sido condenada a pagar-lhe, sendo que essa assinatura não tinha sido feita por ele, sendo falsa (pontos 5. e 6. da carta resolutiva) e ao facto de a ré ter comunicado ao tribunal que o pagamento havia sido feito através de transferências bancárias efectuadas para a sua conta, o que não é verdade (pontos 7. a 12. da carta resolutiva), trata-se de factos continuados. Com efeito, e como se discorreu em Ac. RC de 28-01-2022, «(…) dispõe o artigo 30º, n.º 2 do Código Penal que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. Numa visão material das coisas, o crime continuado pode definir-se como “uma unidade jurídica construída sobre uma pluralidade efetiva de crimes” (cfr., Figueiredo Dias, in “Jung Jus”, 1989, pág. 291), um só crime, portanto, punível com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação (cfr. artigo 79º do Código Penal), limitando, nesta medida, a continuação criminosa o campo de aplicação do concurso efetivo de crimes. (…) Mas para que se verifique a “unidade jurídica” do crime continuado exige o artigo 30º, n.º 2, a verificação de alguns pressupostos: Assim, de acordo com tal normativo, deve, antes do mais, ser plúrima a realização do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, o que implica, desde logo que se determine o número de crimes praticados pelo agente, para o que se deverá atender no disposto no artigo 30º, n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual “o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Note-se, ainda, que a realização criminosa plúrima, deverá ainda ser “executada por forma essencialmente homogénea”, sugerindo, assim, o legislador, com o indicado pressuposto, que entre as várias atividades não se pode deixar de fora um certo nexo de identidade, uma certa homogeneidade, pelo menos no que respeita aos aspetos temporais e espaciais. A realização criminosa deve ainda ser executada no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente – sendo as repetidas atividades aglutinadas numa única infração por se considerar que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente. Quanto aos elementos subjetivos da continuação criminosa, exige-se também a homogeneidade do dolo, bastando-se a maioria dos autores com o “dolo de continuação” – isto é, aquele que existe quando a nova resolução renova a anterior, como que numa “linha de continuidade psíquica” ou “linha psicológica continuada”, por oposição ao “dolo de conjunto” que abrange “ab initio” a totalidade dos atos individuais que integram o crime continuado. A nossa jurisprudência exige finalmente, para a afirmação do crime continuado, uma proximidade temporal entre as sucessivas condutas, bem como a manutenção da mesma situação externa, apta a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a menor censurabilidade do agente – Cfr., acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 1995, in BMJ, 444, pág. 178.»[5] Reportando ao caso dos autos, e transpondo também aqui as considerações acima tecidas para o domínio das infrações laborais, entendemos que as condutas plasmadas em 5. e 6. e 7. a 12. da carta resolutiva configuram infrações continuadas: verifica-se nomeadamente que está fundamentalmente em causa a protecção do mesmo bem jurídico – veracidade das informações/documentos -, uma conduta no essencial homogénea e executada no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior. Assim, estando em causa um comportamento ilícito continuado, o prazo de caducidade só se inicia quando for posto termo aquela situação, pois apenas após a cessação da conduta ilícita se pode considerar que ocorreu o último acto violador do contrato de trabalho. Acresce que, conforme se sumariou em Ac. RP de17-11-2014, “III – No caso de factos instantâneos com efeitos duradouros, susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo, aquele prazo inicia-se não no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna a partir de então imediatamente impossível.”[6], defendendo-se até que, como se lê na fundamentação de Ac. desta Relação de 23-05-2019: “(…) não se pode olvidar que as causas instantâneas podem ser também conciliáveis na sua sucessiva ocorrência de modo a que faça sentido reflecti-las como de efeito duradouro.”[7] Ou como refere Pedro Furtado Martins, "A contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o conhecimento dos factos que integram a justa causa de resolução invocada pelo trabalhador. A interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais. Significa isto que o prazo «se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação».”[8] Do que vem de dizer-se - e considerando que o autor só teve conhecimento dos factos a que se reportam os n.ºs 7. a 12. da carta resolutiva em data não anterior a 22.9.2021 (cf. pontos 22. e 23. dos factos provados) e que comunicou à ré a resolução do contrato em 04.10.2021 (cf. n.ºs 27 a 29 dos factos provados) -, temos de concluir que o autor observou o prazo de 30 dias previsto no art. 395.º n.º 1 do CT relativamente a todos os factos que invocou como integrantes de justa causa para a resolução do contrato de trabalho. - Da (in)existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho: Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes: “Prevê o artigo 394.º do Código do Trabalho duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador ocorrendo justa causa, cuja gravidade permite concluir deixar de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (artigos 394.º, n.º 2 e 396.º) e a segunda assenta em fundamentos objectivos, não tendo por base um comportamento culposo do empregador (artigo 394.º, n.º 3). Entre os primeiros, conta-se a falta culposa de pagamento pontual da retribuição [alínea a) do n.º 2]; a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhado [alínea b) do n.º 2]; a falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho [alínea d) do n.º 2]; e a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador [alínea e) do n.º 2]. Em todas as situações está subjacente ao conceito de justa causa, conceito que a doutrina e a jurisprudência vem entendendo como a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador (cfr. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, pág. 25 e seg.). A justa causa é apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 351.º (cfr. n.º 4 do artigo 394.º). Assim, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. O n.º 2 do artigo sob análise indica, então, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2011, disponível em www.dgsi.pt “[n]o que diz respeito ao ónus da prova da culpa, quando ocorra violação de qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador – cuja prova compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil –, a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida”. Por outro lado, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 2011, “é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada actuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua actividade”. Ora, conforme resulta da factualidade assente, logrou o Autor provar, no essencial, toda a factualidade que alegou, e que invocou na carta de resolução remetida, pelo que importa saber se a mesma consubstancia justa causa da resolução nos termos acima exposto. A descrita situação representa objectivamente o incumprimento de direitos remuneratórios do Autor, bem como a lesão de interesses patrimoniais sérios do trabalhador e ofensa à sua integridade moral, honra ou dignidade, justificando que o Autor accionasse a faculdade de resolução do contrato independentemente de aviso prévio. É verdade que, como bem refere a Ré, a entidade empregadora não é obrigada a transferir a 100 % para a seguradora a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho. Porém, como resulta do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição e o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção. Foi o que aconteceu no caso em apreço. Sucede que, a entidade seguradora pagou as quantias a que estava obrigada. A Ré, enquanto entidade empregadora, não, violando, assim, desde logo o disposto no n.º 5 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro. Por outro lado, e quanto à quantia em dívida, o facto de ser “módica” como refere a Ré, não significa que não lese os direitos patrimoniais do Autor. O Autor tinha direito a receber da Ré, pelo menos desde ../../2021 a quantia de € 1.200,44, acrescida de juros de mora, e, à data da resolução do contrato (04.10.2021) ainda não tinha procedido a tal pagamento, situação que se manteve à data da propositura da acção e actualmente. O valor em causa, não sendo muito significativo, não é de desconsiderar para uma pessoa com a retribuição auferida pelo Autor. Por outro lado, é certo que o trabalhador tinha à sua disposição um título executivo. Porém, não é despiciendo referir que, a mesma já foi instaurada e nem por isso o Autor recebeu a quantia devida. Acresce que, a Ré, com vista ao comprovativo do pagamento das quantias devidas pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, juntou ao processo de acidente de trabalho uma declaração que não foi assinada pelo Autor e comprovativos de transferência que não titulavam o pagamento das mesmas. A assinatura veio a revelar-se falsa, o que, permite a conclusão da violação da moral, honra e dignidade do Autor, para além de, mais uma vez, lesar interesses patrimoniais sérios do trabalhador. Por sua vez, a Ré não logrou provar que o Autor assinou, propositadamente, a declaração de quitação com recurso a letras maiúsculas, para omitir a sua verdadeira assinatura, e que procedeu ao pagamento da quantia devida. Face ao exposto, atendendo à factualidade dada como provada, não esquecendo que o trabalhador não tem à sua disposição um leque de mecanismos tendentes a fazer o empregador cumprir as obrigações que lhe advém do contrato de trabalho, afigura-se-nos que não era exigível ao Autor a manutenção do contrato celebrado, concluindo-se verificar-se justa causa para o Autor resolver o seu contrato, considerando-se, assim, este cessado em 04.10.2021.” Concordamos com o essencial desta fundamentação (discordamos da afirmação de que a entidade empregadora não é obrigada a transferir a 100 % para a seguradora a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, porquanto é consabido que se trata de um seguro obrigatório que, como tal – cf. art. 79.º/1 da LAT - e naturalmente, deve cobrir a integralidade da retribuição). Mas no contexto da factualidade imputada à ré denota particular censurabilidade, sem dúvida, a atitude da ré de juntar a um processo judicial uma declaração de quitação da quantia que fora condenada a pagar ao autor falsa, porquanto ostentando uma aparente assinatura do autor mas que na realidade ele não fez, e a reiteração da comunicação que já tinha pago o valor em dívida ao autor juntando uma vez mais ao processo documentos, destinados a atestar esse pagamento, que nada tinham a ver com o mesmo, assim tentando não só enganar o Tribunal como, para o que agora interessa, prejudicar o autor, na ocasião seu trabalhador. Estes factos permitem, como se diz na decisão recorrida, “a conclusão da violação da moral, honra e dignidade do Autor”, que se viu confrontado com factos reveladores de uma refinada má-fé da ré, de um descarado e afrontoso desrespeito pelos seus direitos, designadamente o de ser tratado com respeito como expressamente prevê o art. 127.º/1 a) do CT, o que a longa duração do vínculo contratual só acentua. A ré assumiu assim um comportamento em que, para além de ilícito, porquanto claramente violador dos deveres contratuais do empregador, assoma um elevado grau de culpa. Ante o exposto, e atento o elenco, exemplificativo, de situações que nos termos do n.º 2 do art. 394.º do CT constituem justa causa para a resolução do contrato, concordamos, assim, que não era exigível ao autor que permanecesse vinculado à ré, como seu trabalhador. - Dos créditos devidos ao recorrido em consequência da cessação do contrato, v.g. a título de indemnização: Os créditos a que se reportam as al.s c) e d) do dispositivo – retribuição por férias vencidas e não gozadas e o crédito relacionado com a falta de entrega, atempada e regularmente preenchido, do modelo relativo à declaração da situação de desemprego respectivamente -, não merecem grande discussão, dado o acerto da decisão recorrida e os termos da apelação. Quanto à retribuição por férias vencidas e não gozadas, não tendo a ré logrado provar que já pagou o valor correspondente é inquestionável que tem de ser condenada no respectivo pedido – cf. art.s 237.º/1/2 e 264.º do CT. Relativamente ao dano patrimonial sofrido pelo autor com a falta de entrega, atempada e regularmente preenchido, do modelo relativo à declaração da situação de desemprego, a ré assenta a sua alegação, em essência e síntese, na ilicitude da resolução do contrato de trabalho. Mas não é assim, como se viu. Assim, e estando verificados os pressupostos, v.g. o facto ilícito e culposo, o dano e o nexo de causalidade entre aquele e este, como bem se demonstra na decisão recorrida, nada há a alterar neste particular. No que tange ao montante da indemnização explanou-se na decisão em recurso: “Como estabelece o artigo 396.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, em caso de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente. Não existe, no caso concreto, qualquer justificação para nos afastarmos do ponto médio dessa indemnização, ou seja, 30 dias por cada ano completo. Assim, considerando os 35 anos, 4 meses e 25 dias de vigência do contrato em causa nestes autos, e bem assim o valor da retribuição base devida ao Autor (€ 700) temos que a indemnização se fixa em € 24.781,28 (€ 700 x 35 anos) + (€ 700 x 4 meses : 12) + (€ 700 x 25 dias : 365).” Concordamos com esta fundamentação. Em particular a modéstia do valor da retribuição mensal não aconselha que se propenda para um valor inferior ao ponto médio equacionável, sendo que o grau da ilicitude do comportamento do empregador/ré também não determina esse abaixamento. - Do fundamento para a condenação da recorrente como litigante de má-fé: Diz-se na decisão recorrida: “Peticionou as partes a condenação da parte contrária como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor. Como se sabe, o instituto da litigância de má-fé constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa-fé (ou probidade) processual, estando previstas no artigo 542.º do Código de Processo Civil as circunstâncias que determinarão a condenação de certa parte como litigante de má-fé. Dispõe o referido preceito (n.º 2) que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Resulta de tal preceito que a parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos artigos 7.º e 8.º do Código de Processo Civil. Se intencionalmente, ou por falta a diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé. Feito este intróito, temos que, no caso em apreço, inexistem razões para condenar o Autor como litigante de má-fé. De facto, a pretensão do Autor foi julgada procedente, não se tendo concluído que este, como alegava a Ré, alterasse a verdade dos factos, nem que utilizasse os meios processuais de forma reprovável com o objectivo de obter vantagem indevida. O mesmo não se pode dizer da Ré. Com efeito, como resulta da análise da contestação, para fundar a defesa, alegou a Ré, para além do mais, que procedeu ao pagamento ao Autor das quantias a este devidas no âmbito do processo de acidente de trabalho, que pagou os créditos laborais referentes aos 11 dias de férias não gozados, que o Autor assinou, propositadamente a declaração que foi junta ao processo de acidente de trabalho para omitir a sua verdadeira assinatura. Tal factualidade, veio a afinal apurar-se não ser verdade, estando ainda em dívida a quantia devida ao Autor pela reparação do acidente de trabalho de que foi vitima, as férias que não foram gozadas, resultando, ainda, que a assinatura aposta na declaração junta pela Ré no processo de acidente de trabalho não foi feita pelo punho do Autor e que os comprovativos ali juntos não visassem pagar as quantias em dívida. Tal realidade não só não era verdadeira, como a sua falsidade era do conhecimento da Ré, que alegou factos falsos e cuja falta de fundamento não podia ignorar. Ora, perante tal factualidade resulta evidente que a Ré deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo para tanto alegado factos que sabia não corresponderem à verdade, ou seja, defendeu-se em juízo estando perfeitamente consciente de que não tinha fundamento para se opor à pretensão do Autor, pelo menos com aqueles factos, e ousando desvirtuar a realidade, o que patenteia um uso abusivo do direito a que alude o artigo 20.º da Constituição da República, e integra o estatuído nas citadas alíneas a) e b) do artigo 542.º do Código de Processo Civil, estando assim preenchidos os requisitos para se concluir pela litigância de má-fé por parte da Ré. A litigância de má-fé implica a condenação em multa (a fixar entre 2 e 100 Uc´s – cfr. artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais) e indemnização (desde que seja pedida), sendo que esta pode corresponder ao reembolso das despesas originadas pela má-fé, honorários dos mandatários inclusive acrescida dos demais danos sofridos pela parte contrária em consequência directa ou indirecta da má-fé – cfr. artigo 543.º do Código de Processo Civil. Cumpre assim apreciar o valor de multa a ser fixado. Tradicionalmente entende-se que “a fixação do montante da multa por litigância de má fé depende do prudente arbítrio do julgador, entre os limites estabelecidos no Código das Custas Judiciais, tendo em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenha agido a parte, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta” (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de Julho de 1986 Bol.361/627). Noutra formulação, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 1987 Bol.368/611, “deve atender-se não só ao valor do pedido, mas também ao facto de a multa por litigância de má fé não dever ser tão exígua que se torne permissiva, isto é, que não constitua uma condenação simbólica, que incite os litigantes de má fé a reincidir ou outros litigantes a actuar da mesma forma reprovável”. A multa prevista na norma tem um carácter sancionatório para um comportamento fortemente censurável, o que quer dizer que deve constituir um sacrifício para o seu autor, sob pena de não cumprir as suas finalidades, de prevenção geral e especial, sendo que a sua medida concreta deve ser encontrada de acordo o grau e culpa. Face ao circunstancialismo supra referido, considerando, então, a qualidade da Ré e a sua actuação processual, decido fixar a multa por si devida em 3 Ucs, e inexistindo por ora elementos que habilitem à fixação da indemnização devida ao Autor, devem as partes ser notificadas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 543.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.” Diz a recorrente que a proceder este entendimento, então, sempre que os factos alegados por qualquer parte no processo não se vierem a provar tal conduzirá, necessariamente, à condenação dessa parte como litigante de má-fé. Podemos concordar com esta alegação quanto à dívida pela falta de pagamento das férias que não foram gozadas – o não se ter provado que a ré procedeu ao pagamento dessa retribuição é um puro problema de prova e das suas contingências. Mas quanto ao pagamento da quantia reportada às prestações infortunísticas – aqui em causa atenta a relevância dessa matéria para efeitos da invocada justa causa – já assim não é. É, pelo contrário, manifesto que a ré assumiu uma posição contrária à verdade, necessariamente por si conhecida, alegando nomeadamente que o autor assinou – na presença do gerente da ré! - um documento/declaração (v. art. 31.º da contestação) o que se revelou ser falso, e bem assim um pagamento que não efectuou. Também nesta parte nenhuma razão temos para censurar a decisão recorrida. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da recorrente. Notifique. Guimarães, 14 de Novembro de 2024 Francisco Sousa Pereira (relator) Vera Maria Sottomayor Leonor Barroso [1] Artigo este, como os restantes do CPC que vão mencionar-se, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT. [2]Cf. https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel3_recursos_henriqueantunes.pdf, pág.s 22/23, onde também se lê: “Com a Reforma dos recursos, aquele ónus – que transitou, qua tale, para o Código de Processo Civil vigente - tornou-se mais exigente: não basta a localização dos depoimentos no registo, pela simples indicação do seu início e do seu fim: reclama-se a indicação, precisa, exacta, das passagens da gravação – o mesmo é dizer dos depoimentos – que, no ver do recorrente, inculcam, para os pontos de facto que reputa mal julgados, uma decisão diferente da que foi achada pelo decisor de facto da 1ª instância.”. [3] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª Ed., pág. 159. [4] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Ob. Citada pág. 160, e, a título de ex. (e para além do já citado), Ac. do STJ de 06.7.2022, Proc. 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Mário Belo Morgado, também em www.dgsi.pt. [5] Proc. 591/18.5T8CTB.C3, Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt [6] Proc. 739/12.8TTMTS-A.P1, Maria José Costa Pinto, www.dgsi.pt ; no mesmo sentido, Ac. RC de 29-01-2021, Proc. 1937/18.6T8GRD-A.C1, Ramalho Pinto, e Ac. RC de 28-09-2022, Proc. 1512/21.8T8LRA.C1, Azevedo Mendes, ambos in www.dgsi.pt [7] Proc. 960/17.2T8BRG-A.G1, Eduardo Azevedo, www.dgsi.pt [8] Cessação do Contrato de Trabalho, Ed. Principia, 4.ª edição, pag. 579. |