Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
97/24.8T8MLG.G2
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse depende da prova dos factos que revelem a posse dos requerentes, a violência e o esbulho e não daqueles de que depende o decretamento de providência no âmbito do procedimento cautelar comum.
2 – Na providência cautelar especificada de restituição provisória da posse a lei estabelece como regra a não audição prévia do requerido, tendo em vista o decretamento da providência, não sendo cometida qualquer nulidade quando a decisão é proferida sem audição prévia da parte contrária.
3 – Optando o requerido apenas por recorrer da decisão cautelar proferida e não impugnando a matéria de facto provada e não provada, apenas podem ser considerados os factos indiciariamente provados na decisão de 1.ª Instância e não quaisquer outros, referidos nas alegações de recurso, que poderiam ter obstado ao decretamento da providência cautelar.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que foi efetuado na 1.ª Instância):

AA e BB apresentaram procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra CC, pedindo que lhe seja restituída a posse do acesso ao prédio rústico que identificam, nessa parte beneficiando de servidão de passagem sobre prédio do requerido, e, bem assim, condenar o réu a retirar cancela e dos pilares em pedra que aí instalou, condenar o réu a que se abstenha de impedir, turbar ou, por qualquer forma, obstaculizar ou dificultar o trânsito e passagem por esse local e por esse caminho, desde a via pública e até ao prédio rústico dos requerentes sob pena de condenação, por cada dia que passe em desrespeito pela restituição da posse que venha a ser decretada, na sanção pecuniária, a seu favor, no valor diário de € 250,00, e, por fim, a decretar a inversão do contencioso.
Para tanto alegam, ainda, que, desde tempos imemoriais, aquele caminho de servidão é a via de acesso àquele seu prédio, que esse direito está reconhecido judicialmente e que o requerido lhes vedou o seu uso.

Foi produzida a prova indicada pelos requerentes, sem audição prévia do requerido, e foi proferida em, 04/06/2024, decisão a:

A. Ordenar a restituição à posse dos requerentes AA e BB o caminho de servidão (consubstanciado em trajeto que parte do caminho público, que lhe passa a nascente, o qual liga a estrada municipal que vem do lugar da ... e segue em direção ao lugar de ..., ambos da, extinta, freguesia ..., e o lugar de ..., e flete, primeiro para nordeste, infletindo depois para poente, sempre a descer, até atingir o prédio dos requerentes, que corre contiguamente aos muros que constituem a delimitação e vedação nascente e norte do prédio do requerido; mas de tal prédio se encontrando delimitado e separado, em parte – a nascente – pelas paredes da construção em si mesma e por uma cancela em ferro e rede de vedação dos respetivos rossios, e noutra parte – a norte – pelo muro de vedação, em pedra, dos mesmos, rossios, e pelo portão metálico da entrada em tal muro interposto; encontrando-se parcialmente implantado nos limites desse prédio urbano) que beneficia o seu prédio (concretamente o prédio rústico, denominado «De ...», composto por terreno de cultivo e vinha, com a área de 490,00 m2, confrontando, do norte com DD, do sul com EE, e do nascente e poente com herdeiros de FF, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...18º) e que onera o prédio do requerido CC (concretamente o prédio urbano, composto por casa de morada e rossios, a confrontar, do norte e do nascente com caminho, do sul com GG e do poente com os requerentes e Outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...75).
B. Condenar o requerido CC a deixar a passagem pelo caminho de servidão supra referido em A. livre e desimpedida, no prazo máximo de 15 (quinze) dias.
C. Condenar o requerido CC a abster-se de impedir, turvar ou, por qualquer forma, obstaculizar ou dificultar o trânsito e a passagem dos requerentes AA e BB pelo caminho de servidão supra referido em A..
D. Condenar o requerido CC no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de violação do determinado supra em A., B. e C..
E. Dispensar os requerentes AA e BB do ónus de propositura da ação principal”.
Tendo sido julgado improcedente o pedido formulado pelos requerentes de remoção dos pilares e portão colocados na parcela de terreno identificada como caminho, os requerentes apresentaram recurso de apelação da decisão proferida.
Nessa apelação foi proferida decisão sumária que a julgou procedente, condenando-se o requerido, além do que resultava já da decisão de 1.ª Instância, “a remover os pilares em pedra e a cancela neles suportada, implantados no caminho que dá acesso ao prédio da herança representada pelos requerentes”.
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Tendo os autos regressado à 1.ª Instância, foi determinado que se desse cumprimento ao decidido em 04/06/2024.
Em 05/09/2024 foi efetuada a restituição provisória da posse, nos termos ordenados, tendo-se feito constar que “mais se procedeu à remoção dos pilares em pedra e da cancela neles suportada, implantados no caminho que dá acesso ao prédio da herança representada pelos requerentes e que se fala nos art.s 32.º a 37.º do requerimento inicial do local onde se encontram, tendo sido depositados nos rossios do prédio urbano do requerido, deixando a passagem livre e desimpedida”.
Foi nessa data efetuada a citação do requerido.
Citado, optou o requerido por apresentar recurso da decisão proferida (não tendo deduzido oposição à providência decretada), apresentando as seguintes conclusões:
(…)
Os requerentes pronunciaram-se pugnando pela manutenção da decisão.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se estão verificados os pressupostos que permitiriam que tivesse sido decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse.

III – Do objeto do recurso:

1 - No recurso de apelação apresentado o requerido não atentou em dois pontos fundamentais da tramitação desta providência cautelar.
Em primeiro lugar, que estamos perante uma providência cautelar especificada, de restituição provisória da posse, e não o procedimento cautelar comum.
Assim, os requisitos para o decretamento desta providência cautelar são os que se enunciam no art.º 377.º do C. P. Civil e não os que decorrem do art.º 362.º do mesmo diploma.
Como decorre da primeira norma citada, no caso de esbulho da coisa, o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
O art.º 1251.º do C. Civil define a posse como o "(...) poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real".
Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos: um elemento material - corpus - que se identifica com os atos materiais (detenção, fruição, ou ambos conjuntamente) praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre a coisa; um elemento psicológico - animus - que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito correspondente aos atos praticados - Mota Pinto in "Direitos Reais", 1970/71, pág. 180.
Para efeitos de restituição provisória de posse, independentemente do tempo porque é exercida, a posse tem de ser útil, portanto desprovida dos vícios da violência, da clandestinidade, da precariedade, salvo os casos excetuados por lei, e da má fé - Moitinho de Almeida citando Cunha Gonçalves, in Restituição de posse e Ocupação de Imóveis, pág. 28.
Por outro lado, são havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem – art.º 1253º do C. Civil.
  
A procedência da providência cautelar de restituição provisória da posse depende, pois, da alegação e prova dos três requisitos indicados:
- a posse;
- o esbulho;
- a violência.

Foram estes os pressupostos que foram afirmados na decisão de primeira instância e são estes aqueles que têm de estar verificados para que a decisão se mantenha e não aqueles que o recorrente refere e que se reportam ao procedimento cautelar comum.
O recorrente apenas coloca em causa que pudesse ser afirmada a existência de esbulho e violência.
Em segundo lugar, que o requerido foi citado para, em alternativa, recorrer, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência cautelar quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida ou deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, nos termos do art.º 372.º do C. P. Civil.
Foi o requerido quem escolheu apresentar recurso de apelação da decisão proferida em vez de deduzir oposição, podendo, se a tivesse deduzido, articular os factos que, em seu entender, determinariam que a providência cautelar não tivesse sido decretada ou indicando provas que permitissem considerar como não indiciados os factos que foram considerados indiciariamente provados (oposição essa que poderia conduzir ao levantamento da providência cautelar decretada).
Tendo o requerido apresentado recurso de apelação sempre poderia ter impugnado a decisão da matéria de facto, alegando e demonstrando que os factos considerados indiciariamente provados não resultavam da prova que foi produzida, sem contraditório prévio do requerido.
Porém, foi também o requerido que optou por não impugnar a decisão da matéria de facto da decisão proferida, pois que não foi cumprido o que dispõe no art.º 640.º do C. P. Civil.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Analisadas as alegações apresentadas, o recorrente não afirma pretender recorrer da matéria de facto, não indica que factos não deveriam ter sido considerados provados ou a prova que permitira que outros fossem dados como provados, razão pela qual não podem ser considerados quaisquer outros factos, referidos nas alegações de recurso, que não constam dos factos indiciariamente provados da decisão de 1.ª Instância.

É o caso das afirmações:
1 – “não havia fechadura, podendo ter acesso pelas laterais do muro da casa do requerido, com uma largura suficiente pedonal, e desta forma, entrar ao caminho e abrir o portão, sem qualquer dificuldade, abrindo de par em par, e permitindo o livre acesso aos imóveis dos requerentes, pelo que, tal circunstância não limitava o acesso dos Requerentes, podendo abrir o portão a qualquer momento ou qualquer pessoa para passagem de veículos a motor, de animais, e pedonal etc. aos imóveis destes”;
2 – “a serventia do caminho sempre se encontrou desimpedida e sem obstáculos”;
3 – “também é manifestamente e inadequado a retirada dos pilares, uma vez que, não obstruía o caminho para os requerentes, nem a entrada de veículos motorizados, animais e pedonal”;
4 - “os danos patrimoniais causados pela remoção do portão e dos pilares, se revelam muito superiores à sua manutenção, o que é do senso comum; uma vez que os requerentes há anos não cultivam, nem usam aqueles imóveis”.
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2 - Consideram-se, assim, como indiciariamente provados os seguintes factos da decisão:
“1) No dia ../../2017 faleceu HH, natural que era da (extinta) freguesia ..., concelho ..., com última residência habitual no referido lugar de ..., da União das Freguesias ..., concelho ....
2) A referida HH faleceu no estado de casada, em primeiras e únicas núpcias de ambos, e sob o regime da comunhão geral de bens, com o requerente AA.
3) Não deixou testamento, doação ou qualquer outra disposição de sua última vontade.
4) Tendo deixado a suceder-lhe, para além do cônjuge sobrevivo, uma filha, a requerente BB, casada, sob o regime da comunhão de bens adquiridos, com II.
5) Da herança, ainda ilíquida e indivisa, aberta por óbito da mencionada HH, faz parte integrante o seguinte bem imóvel, sito no lugar ..., ou ..., da indicada União das Freguesias ..., concelho ...: prédio rústico, denominado «De ...», composto por terreno de cultivo e vinha, com a área de 490,00 m2, confrontando, do norte com DD, do sul com EE, e do nascente e poente com herdeiros de FF, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...18º (correspondente ao artigo 497º da, extinta, freguesia ...).
6) A propriedade e posse sobre o imóvel identificado supra em 5) adveio ao ora 1.º requerente e sua falecida esposa por o terem eles adquirido, por sucessão da progenitora e antecessora do primeiro, BB, falecida.
7) À data do seu decesso, a antecessora dos requerentes, HH, e o marido, aqui 1.º requerente, eram os donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no supra em 5), por o haverem adquirido por sucessão, há mais de 20 e de 30 anos;
8) Acrescendo que desde a data dessa aquisição, e até à data do seu decesso, sempre a antecessora dos requerentes e marido o possuíram, conservando-o, limpando-o, cortando-lhe as ervas, cultivando-o, designadamente com milho e feijões, podando, sulfatando e cuidando da vinha, colhendo e fazendo seus os respetivos frutos, o que sempre aconteceu à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, continuadamente, com exclusividade e na fé e ânimo de se encontrarem a exercer direito próprio.
9) Também os requerentes, por si e antecessores, se encontram, desde há mais de 20, 30 e 35 anos, na posse do dito prédio, identificado supra em 5), o que fazem de forma pública, pacífica, contínua, exclusiva, de boa fé e na firme convicção de se tratar de coisa sua.
10) Sempre se tendo aproveitado de todas as suas utilidades, designadamente limpando-o e conservando-o, cortando-lhes as ervas, plantando-lhes vinha, podando e sulfatando, cultivando-o, designadamente com milho e feijões, colhendo e fazendo seus os respetivos frutos, fazendo a sua regular manutenção e conservação, pagando as devidas taxas e contribuições legais.
11) Atos que sempre praticaram à vista de toda a gente,
12) Continuadamente,
13) Sem oposição de quem quer que fosse e, nomeadamente, do Requerido e/ou seus antecessores,
14) Na fé e ânimo de se encontrarem eles a exercer, sobre tal imóvel, os plenos poderes e faculdades correspetivos do direito de propriedade;
15) Qualidade de proprietários que sempre lhes foi reconhecida por toda a gente, ao longo de tão dilatado período de tempo.
16) O requerido é dono e legítimo possuidor do seguinte bem imóvel, sito no lugar ..., da União das Freguesias ...: prédio urbano, composto por casa de morada e rossios, a confrontar, do norte e do nascente com caminho, do sul com GG e do poente com os requerentes (herdeiros de HH) e Outros, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...75º (correspondente ao artigo 202º da, extinta, freguesia ...).
17) Prédio esse que pelo requerido foi adquirido, por contrato de compra e venda, à sua anterior companheira, JJ.
18) O acesso de e para o prédio rústico identificado supra em 5) (entre outros) faz-se por um caminho, que parte do caminho público, que lhe passa a nascente (o qual liga a estrada municipal que vem do lugar da ... e segue em direção ao lugar de ..., ambos da, extinta, freguesia ..., e o lugar de ...) e flete, primeiro para nordeste, infletindo depois para poente, sempre a descer, até atingir o referido prédio;
19) Caminho esse que corre contiguamente aos muros que constituem a delimitação e vedação nascente e norte dos rossios do prédio urbano identificado supra em 16);
20) Mas de tal prédio se encontrando delimitado e separado, em parte (a nascente) pelas paredes da construção em si mesma e por uma cancela em ferro e rede de vedação dos respetivos rossios, e noutra parte (a norte) pelo muro de vedação, em pedra, dos mesmos rossios, e pelo portão metálico da entrada em tal muro interposto;
21) Encontrando-se, no entanto, até que se atinja a dita entrada (carral) norte da casa, implantado nos limites desse urbano, neste particular se revelando o prédio do Requerido serviente e onerado com uma servidão de passagem a favor (entre outros) do imóvel pertença da herança aberta por óbito da antecessora dos requerentes;
22) Sendo que desde essa entrada carral para o prédio urbano do requerido, e prosseguindo em direção a poente, até se atingir a testeira ou extremo nascente do prédio identificado supra em 5), o dito caminho assume a natureza de caminho de comproprietários, de consortes ou de «herdeiros».
23) Trata-se de um caminho com largura variável, delimitado e separado dos demais prédios que com ele confinam, que desemboca no prédio rústico identificado supra em 5), com o respetivo leito bem demarcado, em parte (nas zonas de maior declive, e até pouco abaixo do dito portão da entrada norte para a casa do requerido) cimentado, e daí para baixo, em direção a poente, sulcado, calcado e trilhado pelo trânsito que, desde tempos ancestrais, ou seja, desde há mais de 40, 60, 80 e 100 anos, por ele se efetua,
24) Por ele se fazendo todo o tipo de trânsito, ou seja, de pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, soltos, presos ou aparelhados, carros de tração animal, tratores e outras máquinas agrícolas, com ou sem cargas, durante todo o ano e em cada um dos dias do ano, seja de dia seja de noite, a qualquer hora;
25) Sendo esse, aliás, o único caminho de que o prédio da herança da antecessora dos Requerentes dispõe e o único acesso para ele possível.
26) Nos autos da ação sumária n.º 97/13...., do (extinto) Tribunal da Comarca de Melgaço, em que o aqui 1.º requerente e a sua falecida mulher assumiram a posição de «4ºs Autores/Reconvindos» e o requerido a posição de «2º Réu/Reconvinte», foi em Ata de Audiência de Discussão e Julgamento (Continuação), do dia 17-06-2014, lavrada transação, homologada por sentença transitada em julgado em 16-10-2014, por via da qual foi acordado o seguinte:
«1º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes declaram e reconhecem que o 1.º Autor, KK, é dono e legítimo possuidor do bem imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial, que os 2.ºs Autores, LL e mulher, DD, são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artigo 6º do dito articulado, que o 3.º Autor, MM, é dono e legítimo possuidor do imóvel descrito sob o artigo 8º da mesma peça processual e que os 4.ºs Autores, AA e mulher, HH, são donos e legítimos possuidores do prédio rústico mencionado no artigo 13º, também da petição inicial.
2º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes declaram e reconhecem que o acesso para os prédios de que os primeiros são proprietários, e a que se alude nos referidos artigos 1º, 6º, 8º e 13º da petição inicial, se faz pelo caminho identificado nos artigos 33º e 34º da petição inicial.
3º- Declaram e reconhecem os Autores/Reconvindos e os Réus/Reconvintes que esse acesso e trânsito, a que se alude no precedente ponto 2º, para os prédios dos Autores e em benefício e proveito deles, se faz (e fica estabelecido) ao abrigo do existente direito de servidão de passagem, bem como do peticionado alargamento do âmbito temporal de tal servidão, em virtude do(s) qual(ais) se encontra onerado o prédio urbano da 1.ª Ré, servidão essa que se prolonga até à entrada carral que se encontra aberta no muro de vedação, a norte, dos rossios de tal prédio urbano, sendo que, daí em diante, e até à cabeceira ou extremo nascente do prédio rústico pertença dos 4.ºs Autores (identificado no artigo 13º da petição inicial) de tal caminho são comproprietários ou consortes os donos dos prédios que com ele confinam a norte e a sul.
4º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes declaram que o direito de servidão de passagem a que se alude no precedente ponto “3º” inclui, no seu âmbito, o trânsito de pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, soltos, presos ou aparelhados, carros de tração animal, tratores e outras máquinas agrícolas, com ou sem reboque, com ou sem cargas, durante todo o ano e em cada um dos dias do ano, de dia ou de noite, tal trânsito se podendo processar desde o corrente dia 17 de junho de 2014.
5º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes acordam, ainda, no seguinte:
5.1- Na manutenção, no local, da estrutura de ferro, fixa ao chão com cimento, da rede e da cancela ou portão em ferro, referidos no artigo 58º da petição inicial, que vedam e delimitam o prédio urbano da 1ª Ré do caminho que lhe passa a nascente;
5.2- Na manutenção, no local, tal como atualmente se encontra (já no seguimento das obras ali feitas pelos Réus na pendência desta ação), isto é, com a extensão dos “travessos” de ferro da latada (posicionada no extremo norte da parte do prédio da 1.ª Ré que se encontra afeto ao cultivo e vinha) a ocupar metade do espaço aéreo do caminho, na parte em que o mesmo constitui caminho de comproprietários, e com a altura necessária ao não estorvo da circulação que por tal caminho se processe;
5.3- Na manutenção, no local, da latada referida no artigo 65º da petição inicial, sempre e desde quando os Réus nela introduzam as seguintes obras e/ou modificações:
5.3.1- Em a altear, de forma a que a mesma fique, em toda a extensão e largura do leito ou plataforma do caminho, com a altura mínima de 2,80 metros, devendo a estrutura de tal latada, bem como as videiras que a cobrem, manter-se bem conservadas e tratadas, com os arames bem esticados, e com níveis de segurança e resistência, de forma a que a mesma não baixe ou “apande”, diminuindo o espaço do trânsito que sobre ela se processa, ou dificultando-o, ou a que a mesma venha a oferecer o risco de cair;
5.3.2- Em substituir os dois primeiros postes de granito existentes (provindo-se do caminho público que dá ligação ao lugar de ..., daquela freguesia ..., em direção aos prédios dos Autores) do lado esquerdo da plataforma do caminho (plataforma essa em cimento), por estacas de ferro que evitem o risco de quebra, e de queda da latada, afastando a primeira das referidas estacas da dita plataforma (em cimento) 35 centímetros e a segunda 40 centímetros, de forma a facilitar a passagem e a manobra de circulação dos veículos de tração animal, tratores e máquinas agrícolas, com ou sem reboque, com ou sem cargas;
5.3.3- Em afastar da referida plataforma do caminho (tendo presente o mesmo sentido de circulação, isto é, caminho público de ... - prédios dos Autores), na medida de 50 centímetros, a estaca de ferro que constitui, do lado direito de tal plataforma, o segundo ponto de suporte da estrutura aérea da latada.
5.4- Na retirada ou remoção, do local onde se encontram, dos dois postes ou pilares de ferro, de quatro faces cada, referidos no artigo 76º da petição inicial;
5.5- Na retirada ou remoção do amontoado de pedras que se encontram aglomeradas sobre o lado ou extremo direito da plataforma do referido caminho de servidão, concretamente no seu ponto de curvatura (à esquerda), deixando tal plataforma do caminho livre e desimpedida, por forma a que por ela se possa fazer, sem dificuldades, o trânsito e circulação;
5.6- Na poda dos ramos da cerejeira existente na margem direita do referido caminho (tendo em conta o seu sentido descendente), posicionada mais precisamente no alinhamento do barracão pertença da1ª Ré, na parte em que os mesmos (ramos) pendem sobre tal caminho, de forma a deixar livre e desimpedida a passagem e a circulação, mormente com veículos de tração animal e tratores ou máquinas agrícolas, com ou sem cargas.
6º- Acordam Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes em que as obras ou modificações referidas nos precedentes pontos 5.3.1, 5.3.2, 5.3.3, 5.4, 5.5 e 5.6, sejam efetuadas pelos Réus até ao dia ../../2014.
7º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes acordam em desistir de tudo o mais (que não previsto nesta transação) por eles reclamado e peticionado nos presentes autos, quer por via da ação, quer por via da reconvenção.
8º- Autores/Reconvindos e Réus/Reconvintes acordam ainda em que as custas da presente ação ficarão a cargo de ambas as partes, em partes iguais e declaram que prescindem das custas de parte.».
27) O requerido vem, ao longo dos últimos meses, executando no caminho identificado supra em 18) a 25), várias obras, que culminaram agora com o seu tapamento e o impedimento da passagem para o prédio da herança representada pelos requerentes.
28) Na sua parte inicial, a escassos metros do entroncamento do dito caminho com o caminho público que lhe passa a nascente e segue em direção ao lugar de ..., o Requerido colocou dois pilares de pedra nas extremidades nascente e poente da plataforma do caminho,
29) Suportada nos ditos pilares, o requerido colocou uma cancela.
30) A dita cancela é formada por uma estrutura em madeira, revestida com chapa metálica.
31) Nas «costas» ou lado norte da dita cancela, impedindo a sua abertura, entrincheirado entre o solo e a estrutura de madeira, encontra-se colocado uma escora metálica, designada «IT».
32) Sobre a dita cancela, e prosseguindo em direção a norte, cobrindo todo o dito caminho, o requerido levantou uma latada.
33) Existindo um pé de videira, que se encontra seco, e que se encontra direcionado e a pender sobre o caminho, estorvando a passagem.
34) O requerido destruiu um acesso, servido por um cancelo, que existia junto ao extremo poente da entrada carral para o prédio urbano, e que dava acesso aos seus rossios, alargando essa entrada, o que fez num espaço que já confina e voltado para a parte do caminho que é de comproprietários, consortes ou «herdeiros», em ordem a possibilitar o trânsito com tratores e máquinas, o que nunca antes aí havia existido, e, bem assim,
35) No espaço do caminho para o qual vota essa nova abertura, sobre o seu leito, colocou o requerido um amontoado de saibro e de entulho, que elevou a cota da plataforma do caminho e não possibilita a circulação, ou a dificulta sobremaneira, pelo declive ou diferença de cotas que fruto da colocação de tais materiais passou a existir no leito do caminho.
36) Em data não concretamente apurada, mas na primeira quinzena de Abril de 2024, a 2.ª requerente, pretendendo aceder ao prédio identificado supra em 5), viu-se impedida de o fazer, em função da existência, tapando o caminho na sua totalidade, da identificada cancela supra em 29) a 31);
37) Razão pela qual chamou ao local o seu mandatário, assim como pessoas que pudessem testemunhar a obra feita e a impossibilidade de se transitar pelo caminho e de aceder ao imóvel identificado supra em 5);
38) Ocasião em que se tentou empurrar a cancela, forçando a sua abertura, mas sem sucesso, tendo presente que a mesma se encontra firmemente presa ao pilar nascente e que tal abertura é também impedida pela escora em metal posicionada do seu lado norte, entre a mesma e o solo.
39) Os requerentes, máxime a 2.ª requerente (uma vez que), por si ou por outrem a seu mando, encontram-se impossibilitados de aceder ao prédio identificado supra em 5), seja a pé, com animais, com tratores e/ou máquinas agrícolas;
40) Assim como se encontram impedidos de o limparem (com o inerente risco da deflagração e propagação de incêndios), de apascentarem com os animais de raça ovina que possuem, de o lavrarem, semearem, agricultarem, e de colherem e fazerem seus os respetivos frutos, sofrendo, consequentemente, os prejuízos resultantes de tal privação de uso e impossibilidade de frutificação.
41) O requerido é uma pessoa agressiva, de feitio irascível, que se encontra de relações cortadas com a maior parte dos vizinhos.
42) A 2.ª requerente apresentou queixa-crime contra o requerido, nos Serviços do Ministério Público junto do Juízo de Competência Genérica de Melgaço, que corre sob o n.º 179/23...., acusando-o de, aquando da tentativa de trânsito no caminho identificado supra em 18) a 25), no dia 01-08-2023, o requerido de tal a ter impedido, agarrando numa pá de trolha, levantando-a no ar, empunhando-a e brandindo-a em direção à 2.ª requerente, aproximando-se dela e encostando-lha ao pescoço, ao mesmo tempo que, de viva voz, e em tom agressivo e ameaçador, proferiu as seguintes palavras: «hei-de-te cavar com ela»”.
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3 – Começa por dizer o recorrente que não foi observado o prazo de 15 dias definido na decisão proferida e que permitiria ao requerido cumprir voluntariamente a providência cautelar.
Aqui, nenhuma errada decisão está a ser invocada pelo requerido recorrente.
O que está afinal a alegar o recorrente é que a decisão não foi cumprida nos termos que constavam do seu dispositivo.
O Tribunal determinou a restituição provisória da parcela de terreno sobre a qual os requerentes tinham direito de servidão, tendo condenado o requerido a deixar essa passagem livre e desimpedida no prazo máximo de 15 dias.
Este Tribunal da Relação determinou ainda a condenação do requerido a remover os pilares em pedra e a cancela neles suportada, implantados no referido caminho, mantendo-se, quanto ao mais, o já decidido.
Daqui resulta que ordenou a restituição provisória da posse do caminho, que teria de ser efetuada nos termos determinados na decisão, mas concedeu ao requerido o prazo de 15 dias para deixar a passagem livre e, assim, remover os pilares e a cancela.
Ora, como resulta do auto de restituição provisória da posse referido neste relatório, no momento em que a posse foi restituída, foram removidos os pilares e a cancela.
Ou seja, o requerido não se insurge contra a decisão proferida, mas contra os termos em que esta foi executada, inexistindo assim qualquer decisão da 1.ª Instância, sobre a matéria, que este Tribunal de recurso possa reapreciar.
A questão da errada execução da decisão proferida teria sempre de ser colocada perante o Tribunal de 1.ª Instância, não podendo este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre questão que não foi suscitada perante aquele e sobre a qual, afinal, inexiste qualquer decisão.
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4 – Alega ainda o recorrente que a dispensa da citação do requerido constitui uma nulidade por violação do disposto no n.º 1 do art.º 366.º do C. P. Civil.
Esta norma não foi violada porque a mesma não é aplicável.
Esta norma regula os termos em que pode ser dispensado o cumprimento do contraditório, permitindo que, no procedimento cautelar comum, este seja deferido para momento posterior à concretização da providência cautelar decretada sempre que a audição prévia do requerido possa colocar em causa o fim ou a eficácia da providência cautelar.
Ora, como se disse supra, não estamos perante procedimento cautelar comum.
Na restituição provisória da posse aquela é ordenada se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que se verificam os três pressupostos acima referidos – posse, esbulho e violência – “sem citação nem audiência do esbulhador”, nos termos do art.º 378.º do C. P. Civil.
Ou seja, neste específico procedimento cautelar, é o legislador que dispensa a audição prévia do requerido, não sendo, assim, cometida qualquer nulidade quando, perante a petição inicial e a alegação dos factos que permitem a afirmação daqueles três pressupostos, o Juiz determina a produção da prova indicada pelo requerente e profere decisão, sem audição prévia do requerido.
Não foi assim cometida qualquer nulidade pela não audição do requerido em momento anterior ao decretamento da restituição provisória da posse. 
 Alega ainda o recorrente que se tivesse tido essa oportunidade – de exercício do contraditório – a decisão teria sido diferente.
Ora, esse exercício do contraditório, nos exatos termos previstos no art.º 372.º do C. P. Civil, foi-lhe concedido com a notificação que lhe foi efetuada em 05/09/2024, e o requerido optou por não o exercer, não deduzindo oposição à providência cautelar decretada, tendo em vista o seu levantamento.
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5 – O recorrente alega ainda que “o decretamento da providência é manifestamente extemporâneo na medida em que não veio impedir a realização as obras reputadas pelos requerentes, uma vez que as mesmas se encontravam já totalmente concluídas e rematadas”, invocando, mais uma vez, o regime dos art.sº 362.º e 363.º do C. P. Civil, ou seja, do procedimento cautelar comum.
Como resulta do que se escreveu já, não estamos perante procedimento cautelar comum.
Para que esta providência cautelar fosse decretada bastava que tivessem resultado provados os factos que integravam os pressupostos acima referidos: a posse dos requerentes, o esbulho e a violência.
Ou seja, o estado em que estava a obra de colocação da cancela e dos pilares – concluída ou não – sempre seria irrelevante para o desfecho da providência cautelar, desde que estivesse indiciariamente demonstrada a posse dos requerentes sobre a parcela denominada de caminho, o esbulho e a violência.
O estado da colocação dos pilares não obstava, assim, ao deferimento da providência cautelar, nem determina o seu levantamento.

6 – Reitera o recorrente a sua alegação relativa à não verificação dos pressupostos que permitem que seja decretada providência cautelar comum (seja o periculum in mora, seja a probabilidade séria da existência do direito).
Não são, como se referiu já, estes os pressupostos que tinham de verificar-se para que a providência cautelar especificada de restituição provisória da posse fosse decretada, pelo que a sua não verificação não impedia o seu indeferimento, nem determina o seu levantamento.

7 – Concretamente sobre os fundamentos da providência cautelar efetivamente decretada de restituição provisória da posse alega apenas o requerido que os requerentes, “para justificarem o esbulho e a violência”, “lançaram mão de uma queixa-crime contra o requerido, do qual, este é suspeito do facto alegado e não condenado, até prova em contrário. Deste modo, há limitação para as acusações infundadas contra o Requerido”.
Não se logra sequer perceber o raciocínio do requerido, considerando a matéria de facto que resultou indiciariamente provada e que supra se elencou nos pontos 36 a 42 e que permitiram afirmar a violência e o esbulho, nos exatos termos tão bem decididos pela 1.ª Instância:
O esbulho verifica-se quando a pessoa é privada da posse, abrangendo os atos que implicam a perda da posse contra a vontade do possuidor e que assumam proporções de tal modo significativas que impeçam a sua conservação, ficando o esbulhado impedido do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse (cf. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil», Vol. I, 3.ª reimpressão da edição de 1998, Almedina, 2010, p. 46).
Nos termos do art. 1283.º do Código Civil, «é havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente», o que significa que a restituição provisória da posse será injustificada, por inexistência de esbulho, quando a coisa possuída tenha sido apreendida por via do cumprimento de uma ordem judicial ou no âmbito de uma ação executiva para entrega de coisa certa, bem como nos casos em que se verifique uma mera turbação da posse, isto é, quando os atos de um terceiro apenas dificultam o exercício do poder de facto sobre uma coisa, poder esse que, no entanto, se mantém na esfera do possuidor (cf. MARCO CARVALHO GONÇALVES, op. cit., p. 276).
O procedimento pode ser instaurado não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas também contra terceiro que esteja na posse da coisa esbulhada e tenha conhecimento do esbulho (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 37/20.3T8PTL.G1, de 01-10-2020, relator JOAQUIM BOAVIDA, disponível in www.dgsi.pt).
In casu, da factualidade sumariamente assente resulta que, em data não concretamente apurada, o requerente cravou dois pilares de pedra, um de cada lado do caminho, construiu um portão em chapa de zinco nesses pilares, fechado com uma tranca metálica e a impedir a passagem de quem quer que seja (tal como os requerentes). Mais colocou o requerido pedras e terra a bloquear o caminho em questão.
Destarte, os requerentes perderam o controlo material sobre a detenção e fruição do sobredito caminho (ou seja, perderam o seu pleno uso), concluindo-se que foram esbulhados da sua posse.
Em face do que se deixou dito, considera-se que a atuação do requerido consubstancia um ato de esbulho com características capazes de fundamentar a providência, concluindo-se, assim, pela verificação do segundo pressuposto do decretamento da providência”.
(…)
A restituição provisória só tem cabimento quando o esbulho haja sido perpetrado com violência.
O conceito de violência referenciado pelos arts. 1279.º do Código Civil e 377.º do Código de Processo Civil é explicitado no art. 1261.º, n.º 1, do Código Civil, o qual define como violenta a posse adquirida através de coação física ou de coação moral nos termos do art. 255º do mesmo Código.
Conforme sustentam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE «é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador», não relevando se o esbulho é direcionado à pessoa do esbulhado ou aos seus bens (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Almedina, 2017, pp. 47 e 94).
Não se negligencia a divergência existente entre os que apenas relevam a violência exercida contra a pessoa do esbulhado e os que relevam, de igual modo, a violência exercida sobre a coisa, contudo afigura-se que apenas o segundo entendimento se revela consentâneo com o conceito de violência plasmado no aludido art. 1261.º, n.º 1, do Código Civil, por referência ao art. 255º do mesmo Código (cf. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 487/14.4T2STC.E2.S1, de 19-10-2016, relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA, disponível in www.dgsi.pt).
Até porque, conforme entendimento propugnado pelo Supremo Tribunal de Justiça, «A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, atuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.» (ibidem).
Neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães quando entendeu que «não pode afastar-se liminarmente a relevância da ação do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afeta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no art. 1279º do CC, não se limita ao uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de ação violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.» (cf. processo n.º2722/20.0T8BCL.G1, de 13-07-2021, relator JOSÉ CRAVO, disponível in www.dgsi.pt).
Todavia, no respeitante à violência sobre as coisas, enquanto uma posição mais lata apenas exige uma atuação sobre a coisa esbulhada desde que impeça a continuação da posse por parte do esbulhado, outra mais restrita impõe que a atuação sobre a coisa esbulhada seja apta, ainda que indiretamente, a constranger ou intimidar a pessoa do esbulhado (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 99/17.0T8AMR.G1, de 14-09-2017, relator ESPINHEIRA BALTAR, disponível in www.dgsi.pt).
O colendo Supremo Tribunal de Justiça, no enunciado acórdão de 19-10-2016, sufragou a posição mais abrangente, sustentando que a «violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia» (no mesmo sentido, acórdãos dos Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 69/11.2TBGMR-B.G1, de 03-11-2011, relator ANTÓNIO SOBRINHO, Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1880/13.5TBSTS.P1, de 18-10-2013, relator CARLOS QUERIDO, Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 89/14.5TBBNV.L1-7, de 23-09-2014, relator DINA MONTEIRO, Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 99/17.0T8AMR.G1, de 14-09-2017, relator ESPINHEIRA BALTAR, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Sendo certo que não é possível enunciar um conceito preciso de violência, haverá que ponderar, em cada caso concreto, as circunstâncias em que o esbulho foi praticado, isto é, se o esbulhado se viu impedido contra a sua vontade e em consequência de um comportamento que lhe é alheio do exercício da posse ou do direito como até então.
Destarte, afigura-se que para a verificação da violência do esbulho é suficiente que o ato seja dirigido à coisa esbulhada e seja de molde a impedir a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de obstáculos à sua utilização pelo possuidor, sendo este constrangido a suportar esta situação contra a sua vontade (como sucederá nos seguintes exemplos jurisprudenciais: substituição de fechaduras, colocação de cadeados, vedação de prédio com arame e colocação de cadeado num portão, vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50 metro).
(…)
No caso sub judice, não se suscitam dívidas que a violência exercida pelo requerido é relevante para efeitos da restituição provisória da posse, pois que se conclui pela constituição de obstáculos físicos, a cancela, as pedras e a terra, e que inviabilizam a passagem pelo traço de terreno em relevo.
A imprevisibilidade desta atuação e os meios utilizados não podem ter outro significado que não um intuito patente do requerido em intimidar os requerentes, de forma a impossibilitá-los de usar e fruir do imóvel em toda a sua plenitude. Conclui-se, assim, pela verificação do terceiro pressuposto”.
Ou seja, perante a matéria de facto que foi considerada indiciariamente provada, sem que aqui tenha sido colocada em causa, não restam quaisquer dúvidas que se se verificavam os pressupostos substantivos que permitiam que fosse decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse, fossem os dois aqui contestados, do esbulho e da violência, fosse a posse dos requerentes, com animus do exercício do direito de servidão que, em rigor, não foi contestada pelo recorrente.
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8 – Cumpre, por último, tomar posição sobre a alegada incorreção da decisão proferida no que se refere à retirada dos pilares e cancela colocados pelo requerido no acesso dos requerentes ao caminho - conclusões 21 a 22 das alegações de recurso –, invocando o recorrente a existência de um conflito de interesses, presumindo-se que se refere ao seu interesse como proprietário do prédio onerado com a servidão e ao interesse dos requerentes de exercerem o seu direito real de servidão.
Este segmento da decisão resulta da decisão sumária proferida por este Tribunal da Relação, sendo certo que, como vimos, o requerido foi notificado para estes autos nos termos do art.º 372.º do C. P. Civil.
Sem prejuízo de ser, no mínimo, duvidoso que este mesmo Tribunal da Relação pudesse, agora, sem mais, alterar o que então foi decidido (perante aquela decisão sumária deste Tribunal da Relação, quando dela foi notificado, impunha-se ao recorrente que dela reclamasse para a conferência, nos termos do art.º 652.º, n.º3, do C. P. Civil), certo é que a alegação do recorrente pressupunha a prova dos factos que estavam por si a ser alegados na conclusão 21, factos esses que, como vimos, este Tribunal não pode considerar, atenta a ausência de impugnação sobre a matéria de facto.
Não existe, assim, fundamento para alterar a decisão proferida, sendo a apelação improcedente.
O requerido, ora recorrente, suportará as custas desta apelação, atenta a sua improcedência, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.

IV – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto.
Custas do recurso pelo requerido recorrente, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 23/01/2025

Relator: Paula Ribas
1º Adjunto: José Manuel Flores
2ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves

(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)