Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2174/17.2T9VNF.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
GERENTE
PROVA
ARTº 107º
Nº1
POR REFERÊNCIA AO ARTIGO 105º
NºS 1 E 4
DO RGIT
APROVADO PELA LEI Nº15/2001 DE 05 DE JUNHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade dos gerentes, não bastando a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.

II) Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente nominal ou de direito, o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre o estado, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (art.º11º do Código do Registo Comercial) de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º350º, nº 1, do Código Civil).

III) No caso em apreço, o facto de a arguida ter contratado para trabalharem na empresa, pelo menos duas pessoas e ter com elas negociado os respetivos contratos de trabalho, os ordenados que iam receber, descontado nestes as contribuições pelos mesmos devidos à Segurança Social é revelador do exercício de cargo de gerência.

IV) Deste modo, provando-se que a recorrente praticou de modo continuado e reiterado actos próprios e típicos de gerência, efectuando ainda descontos para a Segurança Social como membro de órgão estatutário da sociedade, não pode ele ver afastada a sua responsabilidade.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

1. No processo comum (tribunal singular) supra identificado, a arguida M. C. foi condenada nos seguintes termos [fls. ]:

B) Condeno a arguida M. C., pela prática, em co-autoria material de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punível pelos artigos 107º, nº1, por referência ao artigo 105º, nºs 1 e 4, do RGIT (Regime Geral para as Infrações Tributárias), aprovado pela Lei nº15/2001 de 05 de Junho, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1200,00€ (mil duzentos euros).
E) Condenar os demandados arguidos …………….. e M. C., a pagar, solidariamente, ao requerente cível Instituto da Segurança Social. I.P., a titulo de danos patrimoniais, a quantia de €28.761,06. (vinte e oito mil setecentos e sessenta e um euros e seis cêntimos) referente aos valores deduzidos das remunerações dos trabalhadores e dos corpos gerentes ainda não pagas, acrescida de juros de mora vencidos e calculados nos termos do art.º 211º e 212º da Lei 110/2009, conjugado com o art.º 3º do DL 73/99, de 16 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3 B/2010, de 28 de Abril e do Aviso n.º 27831-F/2010, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 31 de Dezembro de 2010, e ainda dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento.
(…)»

2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:

CONCLUSÕES

1. A RECORRENTE M. C. NUNCA FIGUROU NO REGISTO COMERCIAL, NOMEADAMENTE NA CERTIDÃO COMERCIAL DE FLS. 43 A 48, COMO GERENTE DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA, LOGO NUNCA PODE SER CONSIDERADA COMO GERENTE DE DIREITO E, CONCOMITANTEMENTE, NÃO FUNCIONA CONTRA SI QUALQUER PRESUNÇÃO DE QUE EXERCEU EFECTIVAMENTE A GERÊNCIA.
2. A SENTENÇA RECORRIDA INCORRE EM ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA QUANDO AFIRMA O CONTRÁRIO COM BASE NESSE DOCUMENTO.
3. O ARGUIDO M. F. ASSUMIU SER O ÚNICO GERENTE DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA E A TESTEMUNHA S. M., TÉCNICA SUPERIOR DA SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA, AFIRMOU QUE SEGUNDO OS REGISTOS QUE POSSUI, A RECORRENTE M. C. SÓ ERA MEMBRO DE ÓRGÃO ESTATUTÁRIO DA SOCIEDADE F. C. CONFECÇÕES, LIMITADA.
4. ESTES DOIS ELEMENTOS CONSTITUEM MEIO DE PROVA BASTANTES PARA SE CONSIDERAR QUE A RECORRENTE M. C. NÃO ERA GERENTE DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA.
5. A RECORRENTE M. C. SEMPRE FOI ENCARREGADA TÊXTIL NA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA, CABENDO-LHE A ADEQUADA PROGRAMAÇÃO, QUALIDADE E SUPERIOR ORIENTAÇÃO DAS PEÇAS A PRODUZIR, E POR ISSO, ERA ELA QUE DAVA AS INSTRUÇÕES DIÁRIAS ÀS TESTEMUNHAS P. A. E M. S., COSTUREIRAS DE PROFISSÃO.
6. NAS EMPRESAS FAMILIARES É NORMAL EXISTIR ALGUMA CONFUSÃO SOCIAL ENTRE O CONCEITO DE PATRÃO, MULHER DO PATRÃO E GERENTE, MAS O TRIBUNAL NÃO PODE INCORRER NESSA CONFUSÃO E SEPARAR CONCEITOS SOCIAIS DE CONCEITOS JURÍDICOS.
7. A ESTRUTURA NÃO PRODUTIVA DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA ERA COMPOSTA APENAS PELO ARGUIDO M. F. E PELA RECORRENTE M. C., PELO QUE NENHUMA RELEVÂNCIA ASSUME O FACTO DE ESTA TER ALGUM PODER NA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS, COMO A JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS, POIS JAMAIS UM GESTOR DE RECURSOS HUMANOS, SÓ POR ISSO, SE TRANSFORMA EM GERENTE DE UMA SOCIEDADE COMERCIAL.
8. MESMO QUE SE CONSIDERE QUE A RECORRENTE M. C. ADMITIA FUNCIONÁRIOS, ACORDAVA O RESPECTIVO SALÁRIO, PAGAVA O MESMO E AUTORIZAVA FALTAS, TAIS FACTOS SÃO INSUFICIENTES PARA A CONSIDERAR COMO GERENTE DE FACTO, POIS DOS MESMOS NÃO DECORRE QUALQUER DOMÍNIO FUNCIONAL DOS FACTOS REFERENTES AO EXERCÍCIO DAS OBRIGAÇÕES FISCAIS DA EMPRESA.
9. QUER A TESTEMUNHA P. A., QUER A TESTEMUNHA M. S., DE FORMA ESPONTÂNEA, SÉRIA E TOTALMENTE CREDÍVEL, DIFERENCIAM O PATRÃO (O ARGUIDO M. F.) DA PESSOA QUE ESTÁ À FRENTE DO TRABALHO (A RECORRENTE M. C.) O QUE, JURIDICAMENTE, CORRESPONDE À IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO COMO RESPONSÁVEL DA EMPRESA, LOGO GERENTE.
10. AS INTERVENÇÕES DA RECORRENTE M. C. TÊM SEMPRE A PARTICIPAÇÃO PERMANENTE DO ARGUIDO M. F., SEU MARIDO, O QUE DEMONSTRA QUE A MESMA NÃO DETINHA PODERES DE GESTÃO, POIS NÃO DECIDIA SOZINHA, APENAS ACOMPANHADA PELO ARGUIDO.
11. O DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS INQUIRIDAS É NO SENTIDO DE QUE A RECORRENTE M. C. NÃO DETINHA QUALQUER PODER PRÓPRIO NA CONDUÇÃO DOA DESTINOS DA EMPRESA, ACTUANDO SEMPRE NA PRESENÇA DO ARGUIDO M. F. OU ENTÃO SUPRINDO AS SUAS AUSÊNCIAS.
12. A SENTENÇA RECORRIDA INCORRE EM VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DE FACTO PROVADA, POIS O ADVOGADO SENTIDO DOS DEPOIMENTOS É DIFERENTE, ATÉ MESMO ANTAGÓNICO, DO QUE É DADO COMO PROVADO.
13. O ARGUIDO NUNCA AFIRMOU, AO CONTRÁRIO DO AFIRMADO NA DOUTA SENTENÇA, QUE A RECORRENTE M. C. PRESTOU AVAIS BANCÁRIOS À SOCIEDADE M. C. UNIPESSOAL, LIMITADA.
14. A SENTENÇA RECORRIDA INCORRE EM ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA QUANDO AFIRMA O CONTRÁRIO COM BASE NESTE DEPOIMENTO.
15. MESMO QUE TAL TIVESSE OCORRIDO, O AVALISTA NÃO SE TRANSFORMA EM GERENTE, POR PRESTAR AVAL A UMA SOCIEDADE COMERCIAL, SENDO QUE, NO CASO EM APREÇO, A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DA RECORRENTE M. C. DECORRE DE SER ESPOSA DO ARGUIDO M. F., UMA VEZ QUE AS ENTIDADES BANCÁRIAS NÃO ACEITAM GARANTIAS PRESTADAS POR APENAS UM CÔNJUGE.
16. NÃO SE VISLUMBRA COMO NECESSÁRIO O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO, UMA VEZ QUE É POSSÍVEL DECIDIR A QUESTÃO EM CRIDE NESTE MOMENTO, OU SEJA, SE A RECORRENTE M. C. ALGUMA VEZ FOI GERENTE DE FACTO DA SOCIEDADE M. C. UNIPESSOAL, LIMITADA.
17. A RESPOSTA A SER DADA TEM DE SER NEGATIVA, POIS A CERTIDÃO REFERIDA NÃO TEM OS ELEMENTOS REFERIDAS NA SENTENÇA, O DEPOIMENTO REFERIDO NÃO FOI NO SENTIDO REFERIDO NA SENTENÇA, A PROVA TESTEMUNHAL NÃO FOI REALIZADA NO SENTIDO REFERIDO NA SENTENÇA, ALIÁS FOI, ATÉ MESMO, CONTRÁRIA.
18. NÃO EXISTE PROVA BASTANTE PARA SE APURAR PELO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE FACTO POR PARTE DA RECORRENTE.
19. RAZÃO PELA QUAL SER DADO COMO NÃO PROVADO QUE A RECORRENTE M. C. EXERCIA A GERÊNCIA DE FACTO DA SOCIEDADE R. C., UNIPESSOAL LIMITADA E EM CONSEQUÊNCIA DEVEM SER RECTIFICADOS OS PONTOS DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA N.ºS 2 A 10, DELA SE RETIRANDO TODAS AS REFERÊNCIAS AO EXERCÍCIO CONJUNTO DA GERÊNCIA ENTRE A RECORRENTE M. C. E O ARGUIDO M. F..

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO E SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ SER O PRESENTE RECURSO SER HAVIDO COMO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE M. C. SER ABSOLVIDA DO CRIME PELO QUAL SE ENCONTRA ACUSADA REPONDO-SE, ASSIM, NO CASO EM APREÇO, A MAIS ELEMENTAR JUSTIÇA.
(…)»

3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido, passando-se a transcrever as suas conclusões:

1.- A factualidade dada como provada na Douta Sentença, encontra-se devidamente fundamentada na prova produzida em sede de audiência de Julgamento, a qual foi correctamente apreciada pela M.ma Juiz, fazendo uso do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Cód. Processo Penal.
2.- O recurso em apreço, faz apenas referência a depoimentos parciais, sendo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a fundamentação da prova dos factos dados como provados, pelos quais foi condenada a arguida recorrente, não teve apenas por base o depoimento de uma testemunha, uma vez que este foi conjugado com os demais elementos de prova testemunhal, bem como com as declarações do arguido e com os documentos juntos aos autos.
3.- O erro notório só existe quando determinado facto provado é incompatível, ou contraditório, com outro facto contido no texto da decisão, o que conduz a que as conclusões desta surjam como intoleravelmente ilógicas, não se verificando este vício na Douta Sentença recorrida.
4.- A matéria dada como assente encontra-se devidamente fundamentada e resulta de uma correcta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência.
5.- De acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Cód. Processo Penal, o Tribunal apenas considerou provados os factos constantes da sentença, com a fundamentação expressa na mesma, a qual se dá por integralmente reproduzida.
6.- A conduta da arguida é ilícita e culposa, integrando a prática do crime pelo qual vinha acusada e foi condenada, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude da sua conduta.
7.- Nestes termos, a actual Sentença deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.
8.- Nenhuma norma foi violada na Sentença recorrida, não se verificando nenhuma nulidade na mesma.
Nestes termos e noutros, que Vossas Excelências doutamente saberão suprir, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Sentença recorrida na íntegra e nos seus termos, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA.


4. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso [fls. ].

5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

6. A sentença/acórdão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. ]:

II. – Fundamentação

A) De facto

1. Factos provados

Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. A sociedade comercial por quotas R. C., Unipessoal, Lda, com o NIPC …, entretanto já extinta a 26/9/2016, desde a sua constituição a 11/7/2011 e até aquela data teve sede na Rua …, VN Famalicão, tendo como objecto o fabrico, comércio, importação e exportação de vestuário, a que corresponde o CAE …-R3, e inscrita na SS com o n.º …, estando vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabem perante a Segurança Social.
2. Desde a constituição daquela sociedade e até à sua extinção, os arguidos foram os únicos sócios e gerentes, de facto, da mesma, sendo que, desde o início da actividade da sociedade, e ao longo de todo o período em que a mesma foi exercida, a administração e gestão daquela esteve a cabo dos arguidos, os quais sempre chamaram a si a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões tomadas, celebrando os contractos inerentes, cobrando e pagando débitos, como salários aos trabalhadores, efectuando pagamentos a fornecedores, recebendo os lucros, e assumindo os prejuízos relativos aos exercícios.
3. No período referido infra, os arguidos, actuando em representação e no interesse da sociedade e no seu próprio interesse, e nas respectivas datas os únicos responsáveis pela condução da vida da sociedade, colocaram ao seu serviço diversos trabalhadores, em regime de trabalho subordinado, pagando regularmente os salários aos mesmos, bem como descontado nestes as contribuições pelos mesmos devidos à Segurança Social, auferindo ainda o arguido M. F., ele próprio, enquanto gerente de direito, as respectivas remunerações.
4. Por determinação dos arguidos, nos períodos de referência, foram descontadas na retribuição dos trabalhadores ao seu serviço, bem como na retribuição do próprio arguido M. F., como gerente, enquanto membro dos órgãos estatutários, as contribuições devidas por estes à Segurança Social, em conformidade com a imposição legal decorrente, nos montantes respectivos:

Mês Referência Totais não entregues (em €)
Out. 2012 211,13
Nov. 2012 792,34
Dez. 2012 1.516,69
90,21
Abr. 2013 909,25
Mai. 2013 909,34
Jun. 2013 933,59
Jul. 2013 1.011,21
Ago. 2013 907,28
Set. 2013 1.074,24
Out. 2013 2.200,06
Nov. 2013 928,28
Dez. 2013 2.124,32
Jan. 2014 1.093,22
Fev. 2014 1074,15
Mar. 2014 1.048,30
Abr. 2014 1.001,67
Mai. 2014 1.013,28
Jun. 2014 974,75
Jul. 2014 966,50
Ago. 2014 965,58
Set. 2014 2.406,00
Out. 2014 964,81
Nov. 2014 992,21
Dez. 2014 2.017,58
Jan. 2015 995,09
TOTAL 28.761,06

5. Porém, os arguidos nunca entregaram qualquer quantia respeitante àquelas cotizações, cuja obrigação surge no final de cada mês de prestação de trabalho efectivo.
6. Não o fizeram nem mensalmente, nem entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que as cotizações diziam respeito, nem nos 90 dias posteriores a tal data.
7. E, apesar de notificados, respectivamente, os arguidos M. F. e M. C., a 6/11/2017 e 15/11/2017, para procederem ao pagamento, no prazo de 30 dias, das prestações comunicadas às instituições de Segurança Social, acrescidas dos respectivos juros de mora e coima, os arguidos não procederam ao pagamento de qualquer montante relativo àquelas quantias acima descritas.
8. Ao agir da forma descrita, os arguidos previram e quiseram, na qualidade de sócios e gerentes responsáveis pela gestão da sociedade referida, no interesse desta e no seu próprio, com o propósito concretizado, único e reiterado de prejudicar o erário da Segurança Social, seu beneficiário directo, não lhe entregar as quantias devidas e retidas pelas cotizações acima referidas que descontaram do salário dos trabalhadores e das remunerações dos órgãos estatutários, sabendo que estavam obrigados a fazer tais entregas, que aquelas quantias não eram suas, e assim obter vantagem patrimonial a que não tinham direito, resultado esse que representaram, integrando tais quantias no giro comercial da sociedade arguida.
9. Agiram sempre os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, de forma concertada entre si e mediante uma resolução única, que se protelou temporalmente ao longo de todo o referido período, com o propósito de ver enriquecido o património da sociedade da qual eram sócios e gerentes de facto, bem conhecendo o carácter proibido e criminalmente punível de tal conduta e, mesmo assim, não se coibiram de a praticar.
10. Os arguidos não procederam ao pagamento em causa à Segurança Social face às dificuldades económicas que a sociedade atravessava, e às penhoras aos créditos sofridas por parte da Administração Fiscal, tendo, contudo, sempre pago os salários aos trabalhadores.
11. A arguida M. C. não tem averbado antecedentes criminais no seu registo criminal
12. O arguido M. F. tem averbados antecedentes criminais no seu registo criminal, designadamente:

- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 98/05.5IDBRG, por decisão datada de 23/04/2008, transitada em julgado no dia 05/05/2008, por um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em 02/2003, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 15,00€. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 306/10.0TAVNF, por decisão datada de 30/11/2011, transitada em julgado no dia 20/12/2011, por um crime de abuso de confiança fiscal e um crime de abuso contra a Segurança Social, por factos ocorridos em 2009 e 06/2007, respectivamente, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de 6,00?. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 400/11.0IDBRG, por decisão datada de 12/02/2013, transitada em julgado no dia 04/03/2013, por um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em 08//02/2011, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 5,00€. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum nº 241/12.8IDBRG, por decisão datada de 10/03/2014, transitada em julgado no dia 09/04/2014, por um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em 2011, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 5,00€. Tal pena já se encontra extinta. Esta condenação abrangeu os factos e o período temporal em causa neste processo e no processo comum singular nº 400/11.0IDBRG, cuja pena perdeu autonomia.
13. O arguido M. F. é colaborador da sociedade ..., auferindo mensalmente cerca de 750,00?, e a esposa co-arguida M. C. exerce as funções de encarregada de produção na referida sociedade, auferindo mensalmente cerca de 750,00€.
14. Os arguidos têm 2 filhos, vivem na casa destes e com os netos.
15. O arguido M. F. tem o 9º ano de escolaridade e a arguida M. C. tem o 6º ano de escolaridade.
16. Os arguidos foram declarados insolventes.

2. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos), designadamente:

- a arguida M. C., apenas exercia as funções de encarregada têxtil.

3. Motivação da convicção do Tribunal

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento.

Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente:

- Participação de fls. 1 a 7 e 60 a 64
- Certidão de registo comercial de fls. 43 a 48
- CRCs de fls. 311 e ss.
- Notificação de fls. 159, 160, 171 e 172
- Extractos e mapas de remuneração de fls. 81 a 97, 174 a 185
- Recibos e documentos de fls. 135 a 140, 144, 148 a 150
- Informação de fls. 186
- Parecer de fls. 189 a 200.

Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.

Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.

Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.

Concretizando, quanto ao arguido M. F., em sede de declarações referiu que era o gerente da sociedade em causa, e que efectivamente não procedeu ao pagamento das cotizações em dívida face às dificuldades económicas que a sociedade atravessava, e em virtude da AT lhe ter penhorado os créditos da sociedade, sendo que sempre primaram pelo pagamento aos trabalhadores. Mais referiu que a esposa e co-arguida M. C. era encarregada de confecção. Acrescentou que ambos foram declarados insolventes, por dívidas assumidas com avais bancários no âmbito da sociedade.

A testemunha S. M., Técnica Superior da Segurança Social, de forma objectiva, isenta e credível relatou ao Tribunal, quais os montantes em dívida pelos arguidos, e a que meses é que respeitam. Mais referiu que os mesmos fizeram dois acordos prestacionais por dívidas à Segurança Social, sendo que o primeiro pagaram 23 de 24 prestações e o segundo acordo pagaram 16 de 60 prestações.

A testemunha P. M., costureira, ex-trabalhadora da R. C., Unipessoal, Lda, e actualmente operária da sociedade ..., sociedade em que o arguido M. F. até cerca de Agosto de 2018 era o gerente, sendo agora colaborador, e onde a arguida M. C. é encarregada de produção. Não obstante tal testemunha ter prontamente referido que o patrão era o Sr. M. F. e a Srª. M. C. era encarregada de produção, questionada em concreto, referiu que foi pedir emprego à sociedade em causa, sendo recebida por aquela, com quem negociou o contrato de trabalho, bem como o vencimento a receber. Mais referiu que no âmbito das suas funções recebe ordens da D. M. C., e que quando precisa de faltar ao trabalho, chegar mais tarde ou sair mais cedo do mesmo, é com aquela que fala e pede permissão. Quanto ao pagamento do salário, referiu que normalmente é o Sr. M. F. que lhes pagava o vencimento.

A testemunha M. S., costureira, ex-trabalhadora da R. C., Unipessoal, Lda, e actualmente operária da sociedade ..., sociedade em que o arguido M. F. até cerca de Agosto de 2018 era o gerente, sendo agora colaborador, e onde a arguida M. C. é encarregada de produção. Tal testemunha de forma objectiva e clara relatou ao Tribunal que eram os arguidos (e não apenas um) que estavam à frente (sic) da sociedade R. C., Unipessoal, Lda. Relatou que foi contratada pela arguida M. C. e que negociou o vencimento com esta e o arguido M. F.. Mais referiu que no âmbito das suas funções recebe ordens da D. M. C., e que quando precisa de faltar ao trabalho, chegar mais tarde ou sair mais cedo do mesmo, é com aquela que fala e pede permissão. Quanto ao pagamento do salário, referiu que normalmente era arguida M. C. que lhes pagava.

Relativamente à gerência de facto da sociedade R. C., Unipessoal, Lda, a mesma decorre, desde logo da certidão comercial da sociedade, da qual consta como gerentes, os aqui arguidos, pelo que de tal registo há uma presunção que os gerentes de direito são os gerentes de facto da sociedade, sendo estes para todos os efeitos legais os legais representantes da sociedade. Do cotejo dos documentos e dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, tal presunção não foi afastada. Quanto ao arguido M. F. o mesmo confessou que era gerente de tal sociedade, tomando decisões quanto à gestão da sociedade. No que toca à arguida M. C., tal presunção também não foi afastada. Não obstante, a tentativa do arguido M. F. e da testemunha P. M. terem querido passar a ideia ao Tribunal que a referida arguida apenas era uma encarregada de produção, o Tribunal disso não ficou convencido, pois desde logo, uma encarregada de produção não contrata trabalhadores, negociando o respectivo contrato e vencimento, nem tampouco procede ao pagamento dos vencimentos ou dá autorizações aos funcionários para faltar ao trabalho ou chegar mais cedo/sair mais tarde, tal como ficou demonstrado pelas testemunhas P. M. e M. S., as quais foram contratadas pela arguida em causa e negociaram com esta o seu contrato de trabalho, era com ela que falavam caso necessitassem de faltar ou chegar mais cedo/sair mais tarde, e também era ela que procedia ao pagamento dos vencimentos. Acresce que segundo as declarações do arguido M. F. ambos foram declarados insolventes, por dívidas assumidas com avais bancários no âmbito da sociedade. Ora, uma mera encarregada de produção não presta avais bancários n âmbito da sociedade. Tais factos demonstram desde logo, que a arguida em causa também tomava parte nos actos de gestão da empresa.

A respeito da existência/inexistência de antecedentes criminais averbados, foi determinante o teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos.

A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos, bem como a situação económico-financeira e dos seus encargos pessoais e decorreu das declarações do arguido M. F., que se consideraram genuínas e sérias, tanto mais que inexistem nos autos elementos que as contrariem.

(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
14.
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DE FACTO, erro de julgamento;

A aqui recorrente, a propósito, invoca que nunca exerceu funções de gerente da sociedade R. C. Unipessoal Limitada.

O tribunal consignou, em sede de factualidade apurada “Desde a constituição daquela sociedade e até à sua extinção, os arguidos foram os únicos sócios e gerentes, de facto, da mesma, sendo que, desde o início da actividade da sociedade, e ao longo de todo o período em que a mesma foi exercida, a administração e gestão daquela esteve a cabo dos arguidos, os quais sempre chamaram a si a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões tomadas, celebrando os contractos inerentes, cobrando e pagando débitos, como salários aos trabalhadores, efectuando pagamentos a fornecedores, recebendo os lucros, e assumindo os prejuízos relativos aos exercícios.”

Na sua motivação consigna que o arguido, a propósito referiu “ Mais referiu que a esposa e co-arguida M. C. era encarregada de confecção.” A testemunha P. M., “costureira, ex-trabalhadora da R. C., Unipessoal, Lda, e actualmente operária da sociedade ..., sociedade em que o arguido M. F. até cerca de Agosto de 2018 era o gerente, sendo agora colaborador, e onde a arguida M. C. é encarregada de produção. Não obstante tal testemunha ter prontamente referido que o patrão era o Sr. M. F. e a Srª. M. C. era encarregada de produção, questionada em concreto, referiu que foi pedir emprego à sociedade em causa, sendo recebida por aquela, com quem negociou o contrato de trabalho, bem como o vencimento a receber. Mais referiu que no âmbito das suas funções recebe ordens da D. M. C., e que quando precisa de faltar ao trabalho, chegar mais tarde ou sair mais cedo do mesmo, é com aquela que fala e pede permissão. Quanto ao pagamento do salário, referiu que normalmente é o Sr. M. F. que lhes pagava o vencimento.” A testemunha M. S., costureira, ex-trabalhadora da R. C., Unipessoal, Lda, e actualmente operária da sociedade ..., sociedade em que o arguido M. F. até cerca de Agosto de 2018 era o gerente, sendo agora colaborador, e onde a arguida M. C. é encarregada de produção. Relatou que foi contratada pela arguida M. C. e que negociou o vencimento com esta e o arguido M. F.. Mais referiu que no âmbito das suas funções recebe ordens da D. M. C., e que quando precisa de faltar ao trabalho, chegar mais tarde ou sair mais cedo do mesmo, é com aquela que fala e pede permissão. Quanto ao pagamento do salário, referiu que normalmente era arguida M. C. que lhes pagava.”

Relativamente à gerência de facto da sociedade ”R. C., Unipessoal, Lda”, a mesma decorre, desde logo da certidão comercial da sociedade, da qual consta como gerentes, os aqui arguidos, pelo que de tal registo há uma presunção que os gerentes de direito são os gerentes de facto da sociedade, sendo estes para todos os efeitos legais os legais representantes da sociedade. Do cotejo dos documentos e dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, tal presunção não foi afastada. Quanto ao arguido M. F. o mesmo confessou que era gerente de tal sociedade, tomando decisões quanto à gestão da sociedade. No que toca à arguida M. C., tal presunção também não foi afastada.

A tentativa do arguido M. F. e da testemunha P. M. terem querido passar a ideia ao Tribunal que a referida arguida apenas era uma encarregada de produção, o Tribunal disso não ficou convencido, pois desde logo, uma encarregada de produção não contrata trabalhadores, negociando o respectivo contrato e vencimento, nem tampouco procede ao pagamento dos vencimentos ou dá autorizações aos funcionários para faltar ao trabalho ou chegar mais cedo/sair mais tarde, tal como ficou demonstrado pelas testemunhas P. M. e M. S., as quais foram contratadas pela arguida em causa e negociaram com esta o seu contrato de trabalho, era com ela que falavam caso necessitassem de faltar ou chegar mais cedo/sair mais tarde, e também era ela que procedia ao pagamento dos vencimentos. Acresce que segundo as declarações do arguido M. F. ambos foram declarados insolventes, por dívidas assumidas com avais bancários no âmbito da sociedade. Ora, uma mera encarregada de produção não presta avais bancários n âmbito da sociedade. Tais factos demonstram desde logo, que a arguida em causa também tomava parte nos actos de gestão da empresa.

Analisemos a questão

Efetivamente a recorrente alerta que “O ARGUIDO M. F. ASSUMIU SER O ÚNICO GERENTE DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA E A TESTEMUNHA S. M., TÉCNICA SUPERIOR DA SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA, AFIRMOU QUE SEGUNDO OS REGISTOS QUE POSSUI, A RECORRENTE M. C. SÓ ERA MEMBRO DE ÓRGÃO ESTATUTÁRIO DA SOCIEDADE F. C. CONFECÇÕES, LIMITADA. Acrescenta “ESTES DOIS ELEMENTOS CONSTITUEM MEIO DE PROVA BASTANTES PARA SE CONSIDERAR QUE A RECORRENTE M. C. NÃO ERA GERENTE DA SOCIEDADE R. C. UNIPESSOAL LIMITADA.”

A responsabilidade é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.

Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente nominal ou de direito, o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre o estado, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (art.º11º do Código do Registo Comercial) de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º350º, nº 1, do Código Civil).

Não constituindo a mera nomeação (ou inscrição no registo) como gerente base factual bastante para se concluir pelo exercício da gerência, importa verificar que actos de gerência se retiram da matéria factual assente como praticados pela recorrente dentro do período de tempo em que estaria inscrita como gerente da sociedade e se tiveram lugar em período concomitante com aquele a que se reporta a matéria delituosa.

É, pois, com base na matéria factual vertida que importa entrar na apreciação do erro de julgamento diagnosticado à sentença recorrida.

«A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros» - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, “Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, cit. no acórdão deste TCAN, de 18/11/2010, proferido no proc.º00286/07.0BEBRG.

Como se escreveu no recente acórdão do TCA Sul, de 19/11/2015, proferido no proc.º05690/12, com pertinência para a questão dos autos, «Repare-se que numa estrutura empresarial existem várias áreas funcionais: financeira, recursos humanos, gestão de stocks, técnica, etc., e por conseguinte, é natural que havendo mais que um gerente haja uma repartição de responsabilidades no exercício das várias funções. Agora será que essa divisão funcional importa, necessariamente a não gerência de quem pratica actos nos sectores não financeiros da empresa? Claro que não. Também consubstanciam actos de gerência todos aqueles que consubstanciam decisões condicionadoras do rumo da sociedade, todos aqueles que são praticados com animus decidendi no exercício de uma gerência de direito devidamente formalizada, ainda que esses actos sejam praticados em áreas não financeiras da empresa. Com efeito, gerir uma empresa não implica apenas uma gestão financeira. Estar à frente na área técnica é também uma forma de gerir a empresa, de condicionar o destino empresarial, porquanto o exercício dessas funções também implica um impacto directo na situação financeira da empresa. Uma gestão descuidada ou até mesmo errada na área técnica, ou em qualquer outra área funcional da empresa, conduz directa ou indirectamente, com maior ou menor grau, à diminuição de proveitos. Todos os actos praticados nas diversas áreas funcionais de uma empresa são susceptíveis de se repercutir na sua saúde financeira».

No caso em apreço, e conforme referido, mesmo não concordando com a posição de direito, enunciada pelo tribunal em relação à presunção, sucede, de qualquer forma, que o facto de a arguida ter contratado para trabalharem na empresa, pelo menos as testemunhas P. M. e M. S. e ter com elas negociado os respetivos contratos de trabalho, os ordenados que iam receber, descontado nestes as contribuições pelos mesmos devidos à Segurança Social é revelador do exercício de cargo de gerência.

Deste modo, provado que a recorrente praticou de modo continuado e reiterado actos próprios e típicos de gerência, efectuando ainda descontos para a Segurança Social como membro de órgão estatutário da sociedade, não pode ele ver afastada a sua responsabilidade.

Improcede, deste modo, a sua pretensão
III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente M. C.
· Condená-la em taxa de justiça que se fixa no mínimo

[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães,25 de junho de 2019

[Ana Maria Martins Teixeira]
[Maria Isabel Cerqueira]