Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8324/12.8TBBRG-E.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: VENDA EM LEILÃO ELETRÓNICO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Não basta a mera existência de irregularidades para inquinar a venda em leilão eletrónico e levar à sua anulação; apenas será de anular a venda realizada quando as irregularidades cometidas sejam de molde e viciar o resultado final da licitação (art. 835º, n.ºs 1 e 2 “ex vi” do art. 837º, n.º 3, ambos do CPC).
II - Evidenciando-se um lapso cometido na indicação do valor base do imóvel penhorado – que era de 80.000,00 €, tendo na plataforma e-leiloes sido indicado o de 68.000,00 € –, mas verificando-se que foram apresentadas várias propostas, sendo a mais elevada no valor de 176.219,59 €, é de concluir que a irregularidade cometida no anúncio de publicação da venda não influiu no resultado final da licitação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

A 30 de novembro de 2012, a exequente Banco 1... intentou execução para pagamento de quantia certa contra os executados AA e BB, no valor de 16.092,38€, acrescido de juros (compulsórios e moratórios) vincendos à taxa mencionada no requerimento de injunção (20%), desde a propositura da execução até integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida de 10.705,54€.
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Os executados aduziram duas reclamações de atos da Agente de Execução (em 04-11-2024, sob a ref.ª ...38; e em 01-12-2024, sob a ref.ª ...59).
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Sobre as mesmas, mediante despacho de 07-01-2025 (ref.ª ...60), o Tribunal “a quo” decidiu nos seguintes termos:

“Reclamações de acto apresentadas pelos Executado(a)(s) em 04-11-2024 sob a ref.ª ...38 e em 01-12-2024 sob a ref.ª ...59
Pedido de destituição do Sr. (ª) Agente de Execução sob a ref.ª ...16
No que se refere à alegada falta de notificação da data e hora do início do leilão electrónico à Credora Reclamante, não se vislumbra que tenham os Executado(a)(s) legitimidade para arguir tal falta de notificação.
De todo o modo como responde a Sr. (ª) Agente de Execução (em 06-07-2014) no dia 22 de Outubro de 2024, notificou a Dra. CC através do Documento visível a todos os intervenientes processuais do leilão electrónico.
Quanto ao lapso na indicação do valor base que é de €80.000,00, tendo na plataforma e-leiloes sido indicado o de €68.000,00, lapso esse que a Sr. (ª) Agente de Execução admitiu e que terá, entretanto corrigido. Considerando que foram apresentadas várias propostas sendo a mais elevada no valor de 176219,59 € que é bem superior ao mínimo fixado mostra-se totalmente ultrapassado o erro inicial da Sr. (ª) Agente de Execução.
De resto o valor da melhor proposta ultrapassa em mais do dobro o valor de base oportunamente fixado para a venda, revelando o actual valor de mercado do imóvel.
Relativamente ao contacto telefónico dos Executado(a)(s), enquanto fieis depositários do imóvel penhorado nos autos, compete aos mesmos, querendo facultar outro contacto telefónico se tal lhes for mais prático.
O número de telemóvel facultado pelos executados para colocação na plataforma e-leilões é imperativo/necessário para a prossecução das atribuições e competências do agente de execução, porquanto por força do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, nomeadamente o artigo 6.º n.º 2 alínea K), a inserção na plataforma e-leilões tem, obrigatoriamente, de indicar o contacto telefónico do fiel depositário, sendo que os executados, nos termos do artigo 756. n.º 1 do a) do Código de Processo Civil, por habitarem o imóvel em venda, são necessariamente os seus fiéis depositários.
Sem prejuízo, caso os Exequentes pretendam deixar de ser fieis depositários, poderá ordenar-se a tomada de posse efectiva do imóvel pelo Sr. (ª) Agente de Execução.
Em sede de execução não te lugar a realização de qualquer tentativa de conciliação entre Exequente e Executado(a)(s), sem prejuízo de, sendo esse o interesse de ambas as partes (e requerido tanto por Exequente como Executado(a)(s)) o Tribunal poder designar uma diligência ad hoc nesse sentido.
Quanto à destituição do Sr. (ª) Agente de Execução, não é da competência deste Tribunal a destituição e nem a substituição do AE, nem se vislumbra nos autos qualquer razão para fazer qualquer comunicação à respectiva Câmara no sentido da destituição da mesma.
Acresce que a apresentação da reclamação de acto do Sr. (ª) Agente de Execução não suspende a realização das diligências de venda.
Nestes termos, improcedem as reclamações apresentadas pelos Executado(a)(s), mais se indeferindo o pedido de substituição da Sr. (ª) Agente de Execução
(…)”.
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Inconformados, os executados interpuseram recurso dessa decisão (ref.ª ...99) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - O Tribunal a quo pronunciando-se sobre questão que não podia decidir, nem lhe fora pedido decidir (pedido de destituição da Agente de Execução), inquina o despacho ora sub judice de vício de nulidade – o que se invoca – por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, al. d) in fine.
II - O Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre múltiplas questões que lhe foram apresentadas, a saber quanto à tempestividade da comunicação do leilão, necessidade de reavaliação do valor de venda/mercado,            as consequências da verificação do erro sobre o valor base, a irregularidade invocada quanto à aceitação de proposta, a inconstitucionalidades invocadas, pelo que verifica-se o vício da nulidade por omissão de pronúncia – o que se invoca – nos termos do que dispõe o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
III - O Tribunal a quo não fundamentou de direito a sua decisão quanto a irregularidade concernente ao valor base, bem assim do efeito da reclamação que os Executados entendem como suspensivo, donde é omissão que importa a nulidade da decisão, o que se invoca – artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
IV - Sem prejuízo da falta de fundamentação de direito, a decisão quanto à questão do valor base indicado em leilão labora em erro manifesto quanto aos factos, alicerçando aquela num facto não verdadeiro.
V - O valor base é elemento essencial para a formação da vontade dos potenciais licitantes e, sendo apresentado de forma errónea, não pode deixar de possibilitar um potencial vício no resultado.
VI - A consequência jurídico-processual da decisão sobre a determinação do valor base é a que, uma vez este fixado, só pode ser reduzido quando a lei o permita ou por decisão judicial o que veio a ser violado.
VII - Permitir-se contornar uma irregularidade quanto a um elemento essencial, invocando licitações a posteriori acima do valor base decidido nos termos em que se verificou, corresponderia uma fraude à lei ao reduzir o valor base – como se reduziu – imediatamente no início do leilão.
VIII - Não é possível perceber qual seria o comportamento do leilão e do mercado nas circunstâncias que estavam decididas, ou seja, com outro valor base pois que aquele é um ato de natureza compósita, cujos vários elementos heterogéneos que o compõem, ocorridos num determinado tempo, são indissociáveis uns dos outros não fazendo sentido manter um leilão nestes termos.
IX - O facto de ter havido propostas acima desse valor base não pode camuflar a irregularidade grave que coloca em perigo e em causa a transparência do resultado e da sua certeza, para mais quando estão em jogo interesses conflituantes e que é caucionado pelo que dispõe o artigo 5.º, n.º 3 do anexo ao Despacho 12624/2015 de 9-11 que dissipa qualquer dúvida quanto à essencialidade do valor base, das consequências do erro e forma de atuar da Agente de Execução.
X - Não fora a lei, os princípios da transparência e justiça no procedimento em causa assim reclamariam – e reclamam - a anulação do leilão e todos os atos que lhe tenham seguido, também tendo em consideração o que dispõe o n.º 2 do artigo 835.º do CPC aqui aplicável.
XI - A interpretação conjunta dos artigos 837.º , 817.º, n.º 3, 816.º, n.º 2, estes do CPC, do artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29-8 e artigo 6.º, n.º 2, al. d) do anexo ao Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça, publicado no D. R. n.º 219/2015, Série II, de 9/11/2015 no sentido de que, verificando-se erro na publicitação do valor base do bem penhorado a licitar em leilão eletrónico o mesmo não gera a anulação deste se houver licitações superiores ao valor real fixado na decisão de venda, por violação dos artigos 17.º, 18.º, n.º2, 20.º e 62.º da Constituição.
XII - Ao invés do que a decisão defende, e em razão da publicitação de número telefónico do Executado AA, contra a sua vontade e sem a sua permissão ou apresentação comprovada, este não é fiel depositário porque de tal não foi investido ou lhe foi afirmado e comunicado quaisquer direitos e obrigações decorrentes dessa função.
XIII - Não poderia ser imposto ao Executado a indicação nestes termos de n.º de contacto ou, pelo menos, sempre deveria ter sido notificado a cedê-lo.
XIV - A reclamação apresentada que se centra no âmago da venda executiva tem de ter efeito suspensivo, sob pena, aliás, daquela reclamação não ter efeito útil ou prejudicar gravemente os Executados através de atos que tendem para a adjudicação do imóvel que, não se ignore, é casa de morada de família daqueles.
XV - Há necessidade de se impedir o consumar a venda anunciada e cuja legalidade foi submetida a montante a escrutínio judicial, sendo esse efeito suspensivo imprescindível para assegurar a tutela judicial efetiva dos direitos ou interesses dos Reclamantes.
XVI - A interpretação do artigo 723.º, n.º 1, alínea c) do CPC no sentido de que o ato de reclamação sobre decisão de agente de execução de abertura ou início de leilão on line ou atos subsequentes de venda executiva de casa de morada de família de Executado por erro no valor base de venda publicitado, não tem efeito suspensivo na tramitação da Agente de Execução, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva ínsito no artigo 20.º da Constituição, bem assim os artigos 62.º, 65.º e 67.º daquela lei fundamental, o que se invoca.
XVII - Nada obsta, uma vez que está em causa a Casa de Morada de Família dos Executados de, ao abrigo do Princípio da Cooperação – artigo 7.º do CPC – a que o Tribunal possa promover diligência de tentativa de acordo nestes autos.
XVIII - O Tribunal pode, ainda, fazer uso do princípio da adequação formal e adotar a tramitação processual adequada, assegurando um processo equitativo e agilizar procedimentos para aquela composição – assim artigos 6.º e 547.º do CPC.
XIX - Pelo que atentas as razões avançadas, documentadas e não contestadas a este respeito pela Exequente quanto às mesmas, não se veria óbice à diligência com o patrocínio do Tribunal.

NESTES TERMOS,
- Deve o presente recurso merecer provimento com as consequências legais, designadamente a revogação do decidido procedendo, assim, as reclamações dos Executados,
COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Por despacho de 31/03/2025 (ref.ª ...05), a Mm.ª Juíza “a quo”, ao abrigo do disposto no art. 617º, n.º 1, do CPC, apreciou as nulidades por excesso e omissão de pronúncia, tendo decidido que, no que concerne ao pedido de destituição do Sr.(ª) Agente de Execução, não se vislumbrar o interesse em agir dos executados na arguição de tal nulidade; concluiu pela tempestividade da comunicação aos Executados da data e hora do início do leilão; não ser justificada a realização de uma nova avaliação ao imóvel a vender; considerou que «a não atribuição de efeito suspensivo à reclamação dos Executado não ofende qualquer preceito constitucional, designadamente os citados artigos 20.º, 62.º, 65.º e 67.º da CRP».
Mais considerou o aludido «despacho como complemento e parte integrante da decisão de 07-01-2025, ficando o recurso interposto a ter como objecto esta decisão também – cfr. art. 617.º, n.º 2, do C.P.C.».
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Na sequência desse despacho, em 22/04/2025, os Recorrentes ampliaram o recurso apresentado (ref.ª ...43), tendo formulado as seguintes conclusões:

«I - O Tribunal a quo defende a desnecessidade para uma nova avaliação do imóvel penhorado de forma conclusiva e injustificada.
II - O Tribunal a quo ignora o fenómeno do mercado imobiliário no período considerado no que concerne aos preços que aumentaram de forma expressiva, o qual é facto público e notório e por demais evidente e não pode ter-se desprezível.
III - Não pode achar-se que a venda em leilão pode corrigir o valor mais atual do mercado contrariando regras de experiência comum, bem assim o que dispõe o n.º 3 do artigo 812.º do CPC.
IV - A interpretação do artigo 812.º n.º 3 do CPC no sentido que o valor base de imóvel em venda executiva possa não corresponder a um valor de mercado atual por feita mediante leilão que permitirá pelas ofertas encontradas acertar o valor mais atual do mercado, viola os artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º e 62 da Constituição, logo inconstitucional.
V - A interpretação do artigo 812.º n.º 3 do CPC no sentido de inexistir necessidade de nova avaliação do valor de mercado de imóvel penhorado transcorridos mais de 3 anos da inicial, sendo fato público e notório um aumento exponencial e significativo dos preços viola os artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º e 62 da Constituição, logo inconstitucional.
VI - O Tribunal a quo reforça que interpretou os artigos 837.º , 817.º, n.º 3, 816.º, n.º 2, estes do CPC, do artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29-8 e artigo 6.º, n.º 2, al. d) do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça, publicado no D. R. n.º 219/2015, Série II, de 9/11/2015 no sentido de que, verificando-se erro na publicitação do valor base do bem penhorado a licitar em leilão eletrónico o mesmo não gera a anulação deste se houver licitações superiores ao valor real fixado na decisão de venda, numa visão inconstitucional pois que, como já aventado, viola os artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º e 62.º da Constituição.
VI - O Tribunal a quo cauciona que interpretou o artigo 723.º, n.º 1, alínea c) do CPC no sentido de que o ato de reclamação sobre decisão de agente de execução de abertura ou início de leilão on line ou atos subsequentes de venda executiva de casa de morada de família de Executado por erro no valor base de venda publicitado, não tem efeito suspensivo na tramitação da Agente de Execução, o que viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva ínsito no artigo 20.º da Constituição, bem assim os artigos 62.º, 65.º e 67.º daquela lei fundamental, o que se invoca.
VII - Seria uma incongruência processual inusitada aceitar que o recurso sobre decisões que têm incidência sobre a propriedade beneficiassem de efeito suspensivo – artigo 643, n.º 3, alínea b) do CPC – e a reclamação de um ato de agente de execução que tem consequências nesta sede, e é como que uma primeira instância de impugnação, o não absorvesse nos mesmos termos.

NESTES TERMOS,
- Deve o presente aditamento ao recurso merecer provimento com as consequências legais,
COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!»
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...10).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:         

1. Das nulidades da decisão recorrida;
2. Do erro quanto ao valor base;
3. Do contato telefónico;
4. Do efeito suspensivo da reclamação.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem as seguintes incidências fáctico-processuais:
1) No dia 30 de Novembro de 2012, a exequente Banco 1... intentou execução para pagamento de quantia certa contra os executados AA e BB, no valor de 16.092,38€, ao que acrescem juros (compulsórios e moratórios) vincendos à taxa mencionada no requerimento de injunção (20%), desde a propositura da execução até integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida de 10.705,54€;
2) No dia 26 de Abril de 2021, foi penhorado o quinhão hereditário que BB detém na herança aberta por óbito de DD (seu pai);
3) São herdeiros DD: EE (mulher daquele, com que foi casado segundo o regime de comunhão de adquiridos) e FF, GG, BB, HH, II E JJ (seus filhos);
4) Integram a herança de DD, segundo declaração efetuada para efeitos de participação de transmissões gratuitas ocorrida a 14 de Novembro de 2014, os seguintes bens:
i. Prédio urbano inscrito na matriz predial do Serviço de Finanças ... sob o art.º ...68-..., com o valor patrimonial tributário de 108.747,10€;
ii. Veículo de matrícula ..-..-MN, no valor de 1.000,00€;
iii. Veículo de matrícula ..-..-TZ, no valor de 6.000,00€, e;
iv. Veículo de matrícula RH-..-.., no valor de 400,00€.
5) No âmbito da execução, foi penhorada aos executados a fração autónoma designada pela letra ... integrante do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o n.º ...31....
6) A agente de execução decidiu colocar à venda a fração autónoma referida em 5), mediante leilão electrónico, pelo valor base de 80.000,00€ e com um valor anunciado para a venda de 68.000,00€.
7) No anúncio de publicação, o valor base indicado no site www.e-leiloes.pt, foi de 68.000,00€.
8) Foram apresentadas várias propostas, sendo a mais elevada no valor de 176.219,59 €.
9) O imóvel referido em 5) acha-se onerado com duas hipotecas constituídas a favor da Banco 2... (Ap n.º 35 de 31 de Agosto de 2000 e n.º 23 de 17 de Outubro de 2007), para garantia, respetivamente, dos seguintes créditos
i. Crédito reclamado pela Banco 2... no valor de 48.208,19€, acrescido de um agravamento diário correspondente a juros calculados à respetiva taxa contratual atualizada de 4,662%, contabilizado desde a notificação dos executados/reclamados para a reclamação de créditos, e;
ii. Crédito reclamado pela Banco 2... no valor de 5.958,15€, acrescido de um agravamento diário correspondente a juros calculados à respetiva taxa contratual atualizada de 4,491%, contabilizado desde a notificação dos executados/reclamados para a reclamação de créditos.
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V. Fundamentação de direito.                       

1. Nulidades da decisão recorrida (art. 615º, n.º 1, al. d), do CPC).
1.1. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[1].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[2].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3, do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC. 

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:
«(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)».

A primeira das enumeradas nulidades está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do mesmo preceito).
Acresce que, nos termos do art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (n.º 4), mas só relativamente aos provados manda que o juiz os discrimine (n.º 3). A referência aos factos não provados pode, assim, ser feita por remissão, declarando o tribunal que julga não provados, por exemplo, os factos constantes dos arts. 1º a 5º do articulado da contestação, sem os transcrever[3].
O vício da alínea b) do n.º 1 do art 615.º do CPC supõe o silenciar dos seus fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”, não ocorrendo perante uma motivação aligeirada, não exaustiva, menos eivada de erudição ou tirada com menor minúcia e cuidado formal[4].
Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina[5] e jurisprudência[6], só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada. A insuficiência ou mediocridade da motivação pode afetar «o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»[7].
Por sua vez, como vício de limites, a nulidade de sentença enunciada na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Na primeira vertente, a nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[8]
Doutrinária[9] e jurisprudencialmente[10] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)[11].
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[12]. De igual modo, o juiz não deverá conhecer questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução já dada a outras.
Como regra geral, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
O excesso de pronúncia gerador da nulidade «só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento»[13].
Isto porque se encontra vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que estão na exclusiva disponibilidade das partes e que estas não invocaram. Ou seja, proíbe-se ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC). De igual modo, o juiz não deverá conhecer questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução já dada a outras.
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1.2. No caso sub júdice, os executados fundaram a nulidade por excesso de pronúncia no facto de o Tribunal “a quo” se ter indevidamente pronunciado sobre um pedido de destituição de agente de execução que não formularam.
Desde já se diga que nos revemos por inteiro na fundamentação aduzida no despacho de 31/03/2025 (ref.ª ...05), proferido ao abrigo do disposto no art. 617º, n.º 1, do CPC.
Aí se explicitou – e bem – que, no que respeita ao pedido de destituição do Sr.(ª) Agente de Execução, o Tribunal “limita-se a declarar que «não é da competência deste Tribunal a destituição e nem a substituição do AE, nem se vislumbra nos autos qualquer razão para fazer qualquer comunicação à respectiva Câmara no sentido da destituição da mesma.», posição com a qual os Executados/ recorrentes concordam, pelo que não se vislumbra o seu interesse em agir, arguindo tal nulidade”.
Com efeito, pugnando o Tribunal recorrido pela sua incompetência para apreciação da questão atinente ao pedido de destituição do Sr.(ª) Agente de Execução, posto que a destituição do agente de execução compete à CAAJ (arts. 3º, n.º 1, al. i) e 28º, n.ºs 2, als. f), 4 e 5, al. c) da Lei 77/13, de 21/11) – o que merece a anuência dos executados –, não se vislumbra o seu interesse em agir na arguição dessa nulidade.
Termos em que improcede tal pretensão.
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1.3. Vejamos, agora, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

i) Tempestividade da comunicação do leilão – ponto 5 da Reclamação de 4/11/2024.
Além de alegarem a falta de notificação da data e hora do início do leilão electrónico à Credora Reclamante, os Executados aduziram ainda que apenas foram notificados do número e data e hora de termo do leilão, no dia 22-10-2024, passados 2 dias do início deste, questão sobre a qual, afirmam, o Tribunal não se debruçou.

Tendo reconhecido tal insuficiência da decisão, a Mm.ª Juíza “a quo” supriu-a aquando da prolação do despacho de 31/03/2025 (ref.ª ...05), proferido nos termos do disposto no art. 617º, n.º 1, do CPC.

Como aí se decidiu:
“Dispõe o art. 4º, n.º 12, do Despacho n.º 12624/2015 de 9-11 (diploma que define como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologa as regras do sistema aprovadas por essa entidade) que «12 - Uma vez atribuído o número único de identificação do leilão, cabe ao agente de execução, titular do processo, notificar as partes processualmente relevantes do seguinte:
a) Número de identificação do leilão;
b) Data e hora de termo;
c) Bens em leilão».

Demonstram os autos que a Sr. (ª) Agente de Execução, no dia 22 de Outubro de 2024, notificou a todos os intervenientes processuais do leilão electrónico, conforme alegam os Executados.
Sucede, todavia, que conforme expõe a Sr.(ª) Agente de Execução (na resposta de 06-11-2024) e comprova com o email junto com essa resposta como doc. 1, aquela apenas foi notificada pelo site e-leilões do início do Leilão Online, com atribuição do n.º ...24 no dia 19 de outubro de 2024 – sábado.
Assim, tendo em conta ainda o disposto no artigo 720.º n. º 7 do Código de Processo Civil - “Na falta de disposição especial, o agente de execução realiza as notificações da sua competência no prazo de 5 dias e pratica os demais atos no prazo de 10 dias” – tem de concluir-se pela tempestividade da comunicação aos Executados da data e hora do início do leilão”.
Porque o juízo decisório se mostra correto, resta reafirmá-lo.
*
ii) Necessidade de reavaliação do valor de venda/mercado – ponto 13 da Reclamação de 4/11/2024.
Os Executados alegaram na reclamação de acto que o leilão não poderia prosseguir uma vez que a definição daquele valor base como de mercado reporta a maio de 2021, portanto há quase 3 anos e meio, e terminam requerendo se anule o leilão e se determine a reavaliação do imóvel.
O Tribunal “a quo” reconheceu não se ter pronunciado, de facto, sobre a necessidade de reavaliação do imóvel, uma vez que concluiu que não havia outro motivo para se anular o leilão electrónico.
Fê-lo posteriormente, no aludido despacho de 31/03/2025 (ref.ª ...05).
Como aí se explicitou, “tendo a avaliação do imóvel ocorrido há 3 anos e meio (tendo em conta as datas em apreço) cremos não ser justificada, de forma alguma a realização de uma nova avaliação ao imóvel a vender, pois não se trata de um período de tempo tão longo que faça pressupor que os valores de mercado foram significativamente alterados, por outro lado sempre a venda mediante leilão permitirá, pelas ofertas encontradas acertar o valor mais actual do mercado”.

Prescreve o art. 812º, n.ºs 2 e 3 do CPC, que a decisão de venda tem como objeto o valor base dos bens a vender, sendo que o valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado.

Nos casos da alínea b) do n.º 3 e do n.º 4 do art. 812º, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda (n.º 5 do art. 812º do CPC).
Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão – tanto em relação à modalidade da venda, como no que concerne ao valor mínimo a anunciar –, cabe ao juiz decidir, sendo que da decisão deste não há recurso (arts. 812º, n.º 7, e 723º, n.º 1, al. c) ambos do CPC).
Importa dizer que a invocada nulidade por omissão de pronúncia mostra-se suprida mercê do referido despacho.
Quanto ao mais, dir-se-á estar vedado a este Tribunal de recurso a apreciação do mérito da decisão proferida sobre a referida reclamação no tocante ao valor base do bem a anunciar para venda, visto essa decisão não ser passível de recurso (arts. 812º, n.º 7, e 723º, n.º 1, al. c) ambos do CPC).
Consequentemente, fica prejudicada a apreciação das conclusões I a V da ampliação do recurso de apelação.
*
2. Do erro quanto ao valor base.

Sustentam os recorrentes que deverá anular-se o leilão tendo em consideração o que dispõe o n.º 2 do art. 835º do CPC.
Resumidamente, referem que a decisão quanto à questão do valor base indicado em leilão labora em erro manifesto quanto aos factos.
O valor base indicado no leilão e, consequentemente, o valor correspondente ao valor mínimo de 85% daquele estão errados, posto que aquele valor base (€68.000,00) não é o que se encontra na decisão da venda (€80.000,00).
Não só o Agente de Execução violou o que se lhe impunha, como o Tribunal caucionou a ilegalidade, comprometendo a integridade daquele.
Pugna, por isso, pela anulação do leilão e todos os atos que lhe tenham seguido.
A decisão recorrida, sobre a matéria em apreço, apresenta o seguinte conteúdo:
“Quanto ao lapso na indicação do valor base que é de €80.000,00, tendo na plataforma e-leiloes sido indicado o de €68.000,00, lapso esse que a Sr. (ª) Agente de Execução admitiu e que terá, entretanto corrigido. Considerando que foram apresentadas várias propostas sendo a mais elevada no valor de 176219,59 € que é bem superior ao mínimo fixado mostra-se totalmente ultrapassado o erro inicial da Sr. (ª) Agente de Execução.
De resto o valor da melhor proposta ultrapassa em mais do dobro o valor de base oportunamente fixado para a venda, revelando o actual valor de mercado do imóvel”.
Pois bem, afora a menção da efetivação da correção do apontado lapso pela Sr. (ª) Agente de Execução – pois que a indicação do valor base da venda é de €80.000,00, tendo na plataforma e-leiloes sido indicado o valor de €68.000,00 –, que se tem por não verificada, toda a demais fundamentação, assim como o juízo decisório, é de sufragar e confirmar plenamente.
Note-se que a conclusão firmada não se mostra abalada pelo erro cometido na indicada premissa.
Justificando, ainda que concisamente.
Toda a argumentação aventada pelos executados parte do pressuposto de que a indicação errónea do valor base constante do anúncio de publicitação de venda mediante leilão é suscetível de comprometer os seus interesses, pois só assim se efetiva a responsabilidade patrimonial do devedor, mas simultaneamente o seu direito a um processo justo e equitativo.
No caso, tendo sido estipulado o valor base de 80.000,00 para a venda do bem penhorado, certo é que no anúncio da venda por leilão passou a constar o valor base de 68,000,00, cifrando-se, portanto, o valor mínimo em 56.000,00€.

Nessa decorrência advogam os executados que:
«V - O valor base é elemento essencial para a formação da vontade dos potenciais licitantes e, sendo apresentado de forma errónea, não pode deixar de possibilitar um potencial vício no resultado.
VI - A consequência jurídico-processual da decisão sobre a determinação do valor base é a que, uma vez este fixado, só pode ser reduzido quando a lei o permita ou por decisão judicial o que veio a ser violado.
VII - Permitir-se contornar uma irregularidade quanto a um elemento essencial, invocando licitações a posteriori acima do valor base decidido nos termos em que se verificou, corresponderia uma fraude à lei ao reduzir o valor base – como se reduziu – imediatamente no início do leilão.
VIII - Não é possível perceber qual seria o comportamento do leilão e do mercado nas circunstâncias que estavam decididas, ou seja, com outro valor base pois que aquele é um ato de natureza compósita, cujos vários elementos heterogéneos que o compõem, ocorridos num determinado tempo, são indissociáveis uns dos outros não fazendo sentido manter um leilão nestes termos.
IX - O facto de ter havido propostas acima desse valor base não pode camuflar a irregularidade grave que coloca em perigo e em causa a transparência do resultado e da sua certeza, para mais quando estão em jogo interesses conflituantes e que é caucionado pelo que dispõe o artigo 5.º, n.º 3 do anexo ao Despacho 12624/2015 de 9-11 que dissipa qualquer dúvida quanto à essencialidade do valor base, das consequências do erro e forma de atuar da Agente de Execução.
X - Não fora a lei, os princípios da transparência e justiça no procedimento em causa assim reclamariam – e reclamam - a anulação do leilão e todos os atos que lhe tenham seguido, também tendo em consideração o que dispõe o n.º 2 do artigo 835.º do CPC aqui aplicável.
XI - A interpretação conjunta dos artigos 837.º , 817.º, n.º 3, 816.º, n.º 2, estes do CPC, do artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29-8 e artigo 6.º, n.º 2, al. d) do anexo ao Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça, publicado no D. R. n.º 219/2015, Série II, de 9/11/2015 no sentido de que, verificando-se erro na publicitação do valor base do bem penhorado a licitar em leilão eletrónico o mesmo não gera a anulação deste se houver licitações superiores ao valor real fixado na decisão de venda, por violação dos artigos 17.º, 18.º, n.º2, 20.º e 62.º da Constituição».

Vejamos como decidir.
A regulamentação adjectiva da venda executiva – com a qual se obterá produto para ser entregue ao exequente – insere-se na denominada Subsecção VI, Divisão I – Disposições gerais (que, por isso, tendencialmente, se aplicarão a todas as modalidades da venda ali previstas), sendo que, no n.º 1 do art. 811.º do CPC, se consagram as modalidades que a venda pode revestir, entre elas, a venda em leilão eletrónico [al. g)].
A venda de bens imóveis é feita preferencialmente em leilão eletrónico «nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça», exceto nos casos referidos nos arts. 830.º e 831.º (art. 837º, n.º 1, do CPC).
As vendas em leilão eletrónico “são publicitadas, com as devidas adaptações, nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 817.º” e aplicam-se às mesmas «as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no n.º 1» (art. 837º, n.ºs 2 e 3 do CPC).
A Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto (retificada pela Retificação n.º 45/2013, de 28 de Outubro, atualizada pelas Portarias n.ºs 233/2014, de 14 de Novembro, n.º 349/2015, de 13 de Outubro, n.º 267/2018, de 20 de Setembro e n.º 239/2020, de 12 de Outubro), a que se refere o n.º 1 do art. 837º do CPC, regula alguns aspetos das ações executivas, nomeadamente os termos da venda executiva em leilão eletrónico de bens penhorados (art. 1º, n.º 1, al. j) da referida Portaria), em relação à qual refere no seu preâmbulo: «Passa agora a estar igualmente regulamentada a venda de bens penhorados em leilão eletrónico. As vantagens do leilão eletrónico são claras, permitindo obter a máxima transparência do ato de venda e criar as condições para a valorização máxima dos bens, ao mesmo tempo que se obtém maior celeridade na tramitação. São, por esta via, beneficiados todos agentes processuais e a generalidade dos potenciais interessados na aquisição dos bens, à semelhança do que tem sucedido nas execuções fiscais».
A Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto (retificada pela Retificação n.º 45/2013, de 28 de Outubro, atualizada pelas Portarias n.ºs 233/2014, de 14 de Novembro, n.º 349/2015, de 13 de Outubro, n.º 267/2018, de 20 de Setembro e n.º 239/2020, de 12 de Outubro), a que se refere o n.º 1 do art. 837º do CPC, que regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis, estabelece no seu preâmbulo que, dada «a multiplicidade de diplomas regulamentares que regem aspetos da ação executiva, que proliferam na nossa ordem jurídica», optou-se «por condensar na presente portaria as disposições constantes de grande parte desses diplomas, regulamentando numa só portaria os aspetos essenciais do processo executivo»; e que, desse modo, se procurou «simplificar o quadro normativo atualmente existente, em linha com a simplificação e agilização que se pretende operar em matéria de ação executiva por via da aplicação do novo Código de Processo Civil, de forma a garantir aos destinatários das normas não apenas o seu conhecimento mas também a sua simples e rápida aplicação».
A aludida Portaria n.º 282/2013 regulamenta, quanto às acções executivas cíveis, os termos «da venda em leilão eletrónico de bens penhorados»; e entende-se por leilão eletrónico «a modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça» (art. 20.º da dita Portaria).
O Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça (publicado no DR, n.º 219/2015, II Série, de 09 de Novembro de 2015) (3), veio definir, no seu art. 1.º, «as regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico desenvolvida e administrada pela Câmara dos Solicitadores, de aqui em diante identificada por www.e-leiloes.pt, nos termos previstos no artigo 837.º do CPC e nos artigos 20.º e seguintes da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto» (n.º 1); e a dita plataforma tem «por principal objetivo a venda, em leilão eletrónico, de bens penhorados no âmbito de processos de execução em que tenha sido designado agente de execução» (n.º 2).
Prevendo sobre a publicidade da venda, o art. 6.º, n.º 1, do Despacho n.º 12624/2015, prescreve que os «leilões são publicados na plataforma www.e-leiloes.pt, podendo ainda proceder-se, por decisão da Câmara dos Solicitadores, à difusão de informação, parcial ou integral, noutros sítios da Internet, na imprensa escrita e através de correio eletrónico, sem prejuízo de o agente de execução titular do processo poder também divulgar a venda através de outros meios que entenda relevantes».
Contudo, estes outros meios de divulgação, por iniciativa do agente de execução, serão sempre adicionais (cumulativos), e não substitutivos daqueles outros[14].
O anúncio de venda contém: o número «de processo judicial, tribunal e unidade orgânica»; a data «do início do leilão» e a data «e hora limite do leilão»; o «valor base do bem (ou conjunto de bens) a vender»; o «valor da última licitação»; tratando-se «de bem móvel, fotografia do bem ou conjunto de bens que integram o lote a licitar»; a «identificação sumária do bem» e a natureza «do bem»; tratando-se «de imóvel, a sua localização e composição, artigo matricial e descrição predial, distrito, concelho, freguesia e coordenadas geográficas da localização aproximada, fotografia do exterior do imóvel e, sempre que possível, tratando-se de prédio urbano ou fração autónoma, do seu interior»; a identificação «do fiel depositário ou do local de depósito»; os local «e hora em que os bens podem ser vistos e contactos do fiel depositário»; a «Identificação do agente de execução titular do processo, incluindo nome, cédula profissional, número de telefone e telemóvel, fax, e-mail e horário de atendimento»; quaisquer «circunstâncias que, nos termos da lei, devam ser informadas aos eventuais interessados, nomeadamente a pendência de oposição à execução ou à penhora, a pendência de recurso, a existência de ónus que não devam caducar com a venda e de eventuais titulares de direitos de preferência manifestados no processo»; e o nome «do executado ou executados a quem pertencem os bens a vender» (n.º 2 do art. 6.º do Despacho n.º 12624/2015).
Quanto ao valor de venda, o art. 812.º, n.º 3, do CPC (disposição geral aplicável a qualquer modalidade de venda) estabelece que o «valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado».
Contudo, o «agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda» (n.º 5 do art. 812.º); e, discordando o executado, o exequente ou um credor reclamante dessa decisão, «cabe ao juiz decidir», sem recurso (n.º 7 do mesmo preceito).
Como já vimos, o art. 2.º, als. o), p) e q), do Despacho n.º 12624/2015, especifica que: valor base é «o valor do bem, ou do conjunto de bens que integram um lote, tal como foi determinado no âmbito do processo a que respeita a venda, designadamente, na execução regulada nos termos do CPC»; valor de abertura, é «o valor que é fixado para abertura do leilão e que corresponde a 50 /prct. do valor base», e valor mínimo é «o valor, inclusive, a partir do qual o bem pode ser vendido que corresponde, nos termos do n.º 2 do artigo 816.º do CPC, a 85 /prct. do valor base».
Relativamente ao funcionamento do leilão electrónico, a entidade gestora da plataforma electrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público previamente definido, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão electrónico, só podendo efetuar ofertas de licitação os utilizadores que se encontrem registados, após autenticação efetuada de acordo com as regras do sistema; e que a dita plataforma electrónica, dispondo de um módulo de acesso restrito aos ditos utilizadores registados no sistema, processa no mesmo a negociação dos bens a vender, estando permanente e publicamente visível em cada leilão o preço base dos bens a vender, o valor da última oferta e o valor de venda efetiva dos bens leiloados (art. 21.º da Portaria n.º 282/2013).
Sendo «o dia e a hora de abertura e de termo de cada leilão eletrónico estabelecidos pela entidade gestora da plataforma electrónica», e divulgados na plataforma eletrónica, «pelo menos, com cinco dias de antecedência face ao seu início» (art. 22.º da Portaria n.º 282/2013), as «ofertas de licitação para aquisição dos bens são introduzidas na plataforma (…) entre o momento de abertura do leilão e o dia e hora designados (…) para o seu termo», só podendo ser aceites «ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda» (art. 23.º da dita Portaria).
Logo, e no caso de venda em leilão electrónico, a lei não permite a alienação do bem por preço inferior ao valor mínimo anunciado[15] [16], ao contrário do que se prevê no CPC para a venda mediante propostas em carta fechada (art. 821.º, n.º 3, com o acordo do exequente, do executado e de todos os credores com garantia real sobre os bens a vender), ou para a venda por negociação particular (art. 832.º, als. a) e b), com o acordo do exequente, dos executado e dos demais credores).
Quando assim suceda (apresentação de uma licitação de valor inferior ao mínimo), «a plataforma alerta o utente de que se trata de uma licitação condicional» (art. 7.º, n.º 8, do Despacho n.º 12624/2015), isto é, uma «licitação de valor inferior a 85 /prct. do valor base do bem ou lote de bens a vender e igual ou superior a 50 /prct. do respetivo valor base» (art. 2.º, al. i), do mesmo Despacho); e esta licitação condicional «não é considerada em termos imediatos para efeitos de adjudicação, mas pode ser posteriormente aproveitada no processo de execução como se se tratasse de uma proposta de compra de um bem em venda por negociação particular» (art. 2.º, n.º 2, do dito Despacho).
Após a conclusão do leilão eletrónico:
- O resultado do leilão eletrónico é disponibilizado «no sítio da Internet de acesso público a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º» (art. 24º da Portaria n.º 282/2013).
- Os dados de identificação do(s) licitante(s) já podem ser revelados mas nas condições previstas no Despacho n.º 12624/2015: os do licitante da proposta mais elevada, «quando o bem lhe seja adjudicado, só são disponibilizados após a certificação da conclusão do leilão, nos termos do artigo seguinte» (art. 7º, n.º 12, em referência ao art. 8º do Despacho n.º 12624/2015); os dos demais licitantes «só podem ser disponibilizados mediante decisão judicial que o determine» (art.7º, n.º 13 do Despacho n.º 12624/15).
Apesar do regime da venda em estabelecimento de leilão, passível de aplicação ao leilão eletrónico com as adaptações necessárias, permitir que os «credores, o executado e qualquer dos licitantes podem reclamar contra as irregularidades que se cometam no ato do leilão», prevê-se também que o leilão só é anulado quando «as irregularidades cometidas hajam viciado o resultado final da licitação» (art. 835º, n.ºs 1 e 2 “ex vi” do art. 837º, n.º 3, ambos do CPC).
Resulta destes normativos que não basta a mera existência de irregularidades para inquinar a venda em leilão eletrónico e levar à sua anulação. Apenas será de anular a venda realizada quando as irregularidades cometidas sejam de molde e viciar o resultado final da licitação.
As vendas em processo executivo podem, ainda: i) ser anuladas a pedido do comprador, se «depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado» (art. 838º, n.º 1, do CPC); ii) ficar sem efeito «a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono» (art. 839º, n.º 1, do CPC).
Concretizando o caso dos autos: i) foi penhorado aos executados a fração autónoma designada pela letra ... integrante do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o n.º ...31...; ii) a agente de execução decidiu colocar a mesma à venda, mediante leilão electrónico, pelo valor base de 80.000,00€ e com um valor anunciado para a venda de 68.000,00€; iii) no anúncio de publicação, o valor base indicado no site www.e-leiloes.pt, foi de 68.000,00€; iv) foram apresentadas várias propostas, sendo a mais elevada no valor de 176.219,59 €.
Dos enunciados factos evidencia-se, é certo, o lapso cometido no anúncio de publicação na indicação do valor base do imóvel penhorado que era de €80.000,00, tendo na plataforma e-leiloes sido indicado o de €68.000,00.
Contudo, como bem ajuizou a Mm.ª Juíza “a quo” considerando que foram apresentadas várias propostas, sendo a mais elevada no valor de 176.219,59 € – o que corresponde a um aumento de 159.15% do efetivo valor mínimo da venda (68.000,00€) –, mostra-se totalmente ultrapassado o erro inicial da Sr.ª Agente de Execução. Dito por outras palavras, a irregularidade cometida no anúncio de publicação da venda não influiu no resultado final da licitação.  
A argumentação desenvolvida pelos executados olvida – ou parece olvidar – quer o desenvolvimento das propostas que foram sendo realizadas no decurso da duração do leilão, quer, sobretudo, a proposta final que foi aceite e que excede em muito o valor mínimo da venda.
No caso em apreço, não resulta que o facto de o imóvel ter sido colocado à venda por um valor inferior a 12.000,00€ ao que era da lei tenha influído no desenvolvimento das propostas apresentadas,
A possibilidade de serem afastados licitantes ou propostas superiores aquando da abertura do leilão mostra-se no caso inviável, atento o resultado final da licitação.
Os elementos apurados infirmam a alegação de que a irregularidade cometida inquinou necessariamente o leilão e teve um efeito de alterar as condições do mesmo.
O facto de o imóvel ter sido anunciado por um valor inferior ao devido não desmobilizou os interessados na sua aquisição, ao ponto de ter proporcionado uma proposta final de aquisição no valor de 176.219,59 €.
Inexiste comprovado que, a inexistir a apontada irregularidade, a receita decorrente da venda do aludido bem pudesse ser superior à que foi alcançada.
Aliás, num exercício abstrato e hipotético, não é de excluir que, no caso de anulação da venda, o resultado final da nova venda pudesse vir a situar-se em montante inferior ao que agora foi alcançado, o que se traduziria numa afectação dos interesses quer da exequente (e credores reclamantes), como dos próprios executados.
Por conseguinte, o exercício argumentativo desenvolvido acerca da essencialidade do valor base do bem a publicitar em leilão – cujo princípio se reconhece – mostra-se, no caso concreto, destituído de fundamento, atento o resultado final da licitação, do qual se extrai que a cometida irregularidade nele não influiu.
Como é sabido, a anulação da venda, resultante do cometimento da irregularidade em apreço, não dispensa uma apreciação casuística tendente a aferir se houve ou não afetação do resultado final da licitação e, neste ponto, nos termos expostos, a resposta não pode deixar de ser negativa.
*
3. Do contato telefónico.

Sustentam os executados de que, ao invés do que é defendido na decisão recorrida e em razão da publicitação de número telefónico do Executado AA, contra a sua vontade e sem a sua permissão ou apresentação comprovada, este não é fiel depositário porque de tal não foi investido ou lhe foi afirmado e comunicado quaisquer direitos e obrigações decorrentes dessa função, pelo que não poderia ser imposto ao Executado a indicação nestes termos de número de contacto ou, pelo menos, sempre deveria ter sido notificado a cedê-lo.

A esse respeito a decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:
«Relativamente ao contacto telefónico dos Executado(a)(s), enquanto fieis depositários do imóvel penhorado nos autos, compete aos mesmos, querendo facultar outro contacto telefónico se tal lhes for mais prático.
O número de telemóvel facultado pelos executados para colocação na plataforma e-leilões é imperativo/necessário para a prossecução das atribuições e competências do agente de execução, porquanto por força do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, nomeadamente o artigo 6.º n.º 2 alínea K), a inserção na plataforma e-leilões tem, obrigatoriamente, de indicar o contacto telefónico do fiel depositário, sendo que os executados, nos termos do artigo 756. n.º 1 do a) do Código de Processo Civil, por habitarem o imóvel em venda, são necessariamente os seus fiéis depositários.
Sem prejuízo, caso os Exequentes pretendam deixar de ser fieis depositários, poderá ordenar-se a tomada de posse efectiva do imóvel pelo Sr. (ª) Agente de Execução».
Estabelece o art. 756º, n.º 1, do CPC, que é constituído depositário dos bens o agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, pessoa por este designada, salvo se o exequente consentir que seja depositário o próprio executado ou outra pessoa designada pelo agente de execução ou (no que à economia do recurso releva) o bem penhorado constituir a casa de habitação efetiva do executado, caso em que é este o depositário (al. a)).
Estabelecendo a 1ª parte do n.º 1 do citado normativo a regra geral de que o depositário dos bens penhorados deverá ser o agente de execução, a respetiva al. a) afasta a referida regra geral, pelo que se o bem penhorado constituir a casa de habitação efetiva do executado o depositário será o executado.
A referida excepção justifica-se pelo facto de o executado já se encontrar a fruir do imóvel e ter nele instalado o centro da sua vida familiar, pelo que o seu desapossamento nesta fase do processo, apenas com a finalidade de o entregar a um depositário, por desproporcionado, poderia ser considerado ofensivo do disposto nos arts. 65º, n.º 1 e 67º, n.º 1 da CRP[17].
No caso em apreço, tendo presente que o bem penhorado constitui a casa de habitação dos executados – estes expressamente referem ser a sua casa de morada de família –, são os mesmos, por força da lei, depositários do referido bem.
Quanto à inclusão – indevida, ou não – do contacto telefónico do co-executado na publicitação da venda do leilão eletrónico, diremos que essa questão extravasa da competência do Tribunal, posto que, podendo acarretar responsabilidade do agente de execução, está a mesma adstrita ao CAJ.
Mas mesmo que se concluísse pela indevida inclusão do contacto telefónico do executado, jamais seria apta a determinar a anulação da venda.
Termos em que se julga improcedente o referido fundamento da apelação em apreço.
*
4. Do efeito suspensivo da reclamação.

Defendem os executados que a reclamação apresentada, por se centrar no âmago da venda executiva, tem de ter efeito suspensivo, sob pena, aliás, daquela reclamação não ter efeito útil ou prejudicar gravemente os Executados através de atos que tendem para a adjudicação do imóvel que, não se ignore, é a casa de morada de família daqueles.
Acrescentam haver «necessidade de se impedir o consumar a venda anunciada e cuja legalidade foi submetida a montante a escrutínio judicial, sendo esse efeito suspensivo imprescindível para assegurar a tutela judicial efetiva dos direitos ou interesses dos Reclamantes».
Aduzem ainda que «a interpretação do artigo 723.º, n.º 1, alínea c) do CPC no sentido de que o ato de reclamação sobre decisão de agente de execução de abertura ou início de leilão on line ou atos subsequentes de venda executiva de casa de morada de família de Executado por erro no valor base de venda publicitado, não tem efeito suspensivo na tramitação da Agente de Execução, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva ínsito no artigo 20.º da Constituição, bem assim os artigos 62.º, 65.º e 67.º daquela lei fundamental».
Com o respeito devido, cremos que na decisão datada de 31/03/2025 a Mm.ª Juíza “a quo” ajuizou proficientemente a referida questão.

Socorrendo-nos da referida fundamentação, explicitou para o efeito:
 «Das decisões/actos do Sr. Agente de Execução cabe reclamação para o juiz, no prazo de 10 dias – cfr. art.º 723º, n.º 1, al. c) e 149.º, ambos do C.P.C.).
A reclamação de acto do Sr. (ª) Agente de Execução constitui um mero incidente da instância, não constituindo uma causa de suspensão do acto reclamado.
Com efeito, as causas de suspensão estão previstas na lei e a reclamação de acto do agente de execução não se enquadra em nenhuma delas, ainda que o acto em causa se prenda com  a venda do imóvel penhorado que constitua a casa de família do executado. De resto, atribuir-se esse efeito suspensivo à mera reclamação de acto corresponderia a munir-se o executado de uma forma simples de entorpecimento dos autos e de eternização da venda.
Tal interpretação mostra-se consentânea com os princípios constitucionais, designadamente, com o direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no art. 65.º da CRP. Destaca-se que o direito à habitação do cidadão e da família não se confunde com o direito a ter casa própria, sendo que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem àquele direito, a impenhorabilidade da casa de morada de família.
Termos em que se julga que a não atribuição de efeito suspensivo à reclamação dos Executado não ofende qualquer preceito constitucional, designadamente os citados artigos 20.º, 62.º, 65.º e 67.º da CRP».
Revendo-nos por inteiro na referida fundamentação, apenas acrescentaremos, em jeito de modesto complemento, que a reclamação da decisão atinente ao valor base dos bens a vender não tem efeito suspensivo[18], mas é julgada em 10 dias (arts. 812º, n.ºs 7 e 723º, n.º 1, al. c), do CPC)[19].
 Não sendo revogado, por a reclamação improceder, o agente de execução executará o seu próprio despacho.
Resta reiterar a que a não atribuição de efeito suspensivo à reclamação dos Executado não ofende qualquer um dos mencionados preceitos constitucionais, designadamente, do direito de acesso aos tribunais.
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5. Pedido de diligência.

Aduzem os recorrentes que, por estar em causa a casa de morada de família dos executados e atento o princípio da cooperação – art. 7.º do CPC – nada obsta a que o Tribunal possa promover diligência de tentativa de acordo nestes autos, podendo, ainda, fazer uso do princípio da adequação formal e adotar a tramitação processual adequada, assegurando um processo equitativo e agilizar procedimentos para aquela composição (cfr. arts. 6.º e 547.º do CPC).
Igualmente nesta parte, temos como infundada a questão colocada pelos recorrentes.
Com efeito, no estrito campo da ação executiva, que tem por objeto a cobrança coerciva com vista ao pagamento do crédito exequendo, não está contemplada a realização de qualquer tentativa de conciliação.
Note-se que não estamos perante um excerto ou incidente declarativo (como seja a oposição à execução), mas sim em sede de acção executiva para pagamento de quantia certa.
Acresce que as partes não formularam requerimento conjunto – ou mediante adesão de uma à outra – no sentido de solicitarem a intervenção do tribunal com vista a mediar ou a patrocinar a outorga de um alegado acordo de pagamento, nem tão pouco se vislumbra que a sua realização se mostre oportuna ou adequada, com o objetivo de resolver o litígio por acordo.
Sempre se dirá que as partes, querendo, são livres de alcançarem extrajudicialmente um acordo que ponha termo ou suspenda a acção executiva, mas esse propósito não carece na sua proposição e formação do patrocínio do tribunal, embora careça de homologação ou decisão judicial.
Pelo exposto, improcede este fundamento da apelação.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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IV. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo dos apelantes.
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Guimarães, 18 de setembro de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira (1ª adjunta)
José Carlos Dias Cravo (2º adjunto)


[1] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
[3] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 586.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 16/02/2016 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
[5] Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pp. 735/736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603.
[6] Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, Código …, vol. V, p. 140.
[8] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[9] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 713.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, obra citada, pp. 69/70.
[13] Cfr. Ac. do STJ de 6/12/2012 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. da RG de 6/05/2021 (relatora Maria João de Matos), in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. da RG de 6/05/2021 (relatora Maria João de Matos), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Junho de 2018, p. 872, referindo expressamente que só «podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender».
[17] Cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 4ª ed., Almedina, 2025, p. 376.
[18] Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 863.
[19] A reclamação de atos executivos e a impugnação das decisões do agente de execução (art. 723º, n.º 1, al. c) do CPC) estrutura-se como um incidente, convocando a aplicação dos artigos 293º e ss com as devidas adaptações, embora não esteja condicionado ao pagamento de taxa de justiça (cfr. Abrantes Geraldes e outros, obra citada, p. 61, citando Delgado de Carvalho, Jurisdição e Caso Estabilizado, p.201). A iniciativa incumbe ao interessado que deverá deduzir a reclamação no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato ou do seu conhecimento (art. 149º, nº 1 do CPC), podendo arrolar meios de prova quando tal se mostrar pertinente (art. 293º, n.º 1 do CPC).