Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOAQUIM BOAVIDA | ||
Descritores: | CONDOMÍNIO ABUSO DE DIREITO ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1 – O abuso do direito consiste, grosso modo, no exercício disfuncional de posições jurídicas. 2 – Entre as várias formas de exercício abusivo do direito é geralmente autonomizada a figura da supressio, a qual tem por base a inércia no exercício de uma posição jurídica em certas circunstâncias e durante um período temporal significativo, suscetível de criar fundada convicção de que não mais será exercida. 3 – Constitui abuso do direito a exigência formulada pela assembleia de condóminos no sentido de ser retirada uma roldana que compõe um estendal que serve uma fração autónoma, fixada numa parte comum, num caso em que o estendal foi instalado há pelo menos 30 anos, tal como os estendais das demais frações, todos montados aquando da aplicação de marquises nos apartamentos, numa altura em que o prédio não estava constituído em propriedade horizontal, sendo desde então utilizado de forma pública, pacífica, sem oposição e sem causar dano, incómodo ou estorvo a qualquer pessoa ou bem. 4 – É igualmente abusiva a exigência, objeto de deliberação da assembleia de condóminos, de retirada do revestimento, com função de isolamento térmico, aplicado sem autorização por condómino numa parede exterior comum, com a finalidade de resolver o problema de acumulação de humidades nas paredes interiores da sua fração autónoma, quando a aplicação do revestimento era necessária e não gera incómodos relevantes, e a sua retirada seria seguida de condenação judicial do condomínio na realização dos trabalhos de isolamento da totalidade da aludida parede exterior. Trata-se de obstar ao contrassenso que seria impor ao condómino a destruição da obra por ele realizada e, em simultâneo, condenar o administrador do condomínio a realizar subsequentemente uma obra em tudo idêntica à primeira, a expensas do condomínio, para colmatar o problema que havia sido colmatado com a realização da obra já executada. 5 – A consequência jurídica a determinar é a anulação da deliberação da assembleia de condóminos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.1. AA e mulher, BB, intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Condomínio do Prédio sito na Rua ..., em ..., ..., NIF ...57, representado pelo Administrador CC, deduzindo os seguintes pedidos: «I - serem julgadas ineficazes todas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 25/03/2022, por inexistência de ato de aprovação expressa, nos termos do art. 1º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, 10/01. II – serem anuladas todas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 25/03/2022, com fundamento na não inclusão das matérias decididas na ordem de trabalhos, de forma minimamente concretizada, em violação do disposto no art. 1432º do CC (à exceção da deliberação atinente ao ponto 2 da ordem de trabalhos); III.A – ser reconhecido o direito de servidão atípica de estendal a favor dos Autores, sobre o espaço aéreo do logradouro comum e pontos de fixação, mormente da roldana fixada na cobertura da garagem afeta à fração ..., a qual tem por conteúdo e utilidades a manutenção de corda de secagem de roupas conforme descrito nos arts. 22º, 23º, 24º, 33º, 55º e 56º supra, constituída por destinação de pai de família ou, subsidiariamente, por usucapião; III.B – ou, subsidiariamente a III.A, ser constituída tal servidão por sentença; IV.A – ser anulada a deliberação atinente à “remoção de roldana” por violação do direito dos Autores referido em III.A; IV.B – e, cumulativamente a IV.A, ser anulada a deliberação atinente à “remoção da roldana”, por constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no art. 334º do CC; V.A – ser anulada a deliberação atinente ao ponto “revestimento de capoto” efetuado pelos Autores, por também constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no art. 334º e art. 70º, ambos do CC; V.B.1 – subsidiariamente a V.A, ser o Réu Condomínio condenado a efetuar, à sua custa, todos os trabalhos de isolamento da totalidade da parede exterior situada entre a fração ... e o túnel de acesso ao logradouro e garagens comuns, de forma a criar corte térmico tecnicamente adequado e a impedir fenómenos de condensação na parte interior dessa parede, com utilização dos materiais e técnicas que forem definidos pela prova pericial a produzir (ou, subsidiariamente, outros que o Tribunal repute adequados); V.B.2 – cumulativamente a V.B.1, ser fixado prazo de 60 dias para a execução dos trabalhos referidos nesse pedido, contado do trânsito em julgado da sentença a proferir ou, subsidiariamente, outro que o Tribunal repute adequado; V.B.3 – cumulativamente a V.B.1 e V.B.2, ser o Réu Condomínio condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na conclusão dos trabalhos não inferior a 50,00 € diários ou, subsidiariamente, outro valor que o Tribunal repute adequado». * O Réu contestou, impugnando parte da factualidade alegada na petição e pugnando pela improcedência da ação, alegando que as deliberações tomadas na assembleia não padecem de qualquer vício formal ou substancial.* 1.2. Após o despacho saneador, foi realizada perícia.Realizada a audiência final, o Mmo. Juiz proferiu sentença, onde julgou a ação parcialmente procedente e, no mais, decidiu: «- Determino a anulação da deliberação atinente à “remoção da roldana”, tomada na assembleia de condóminos realizada no dia 25/03/2022, por constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no art. 334º do CC; - Determino a anulação da deliberação atinente ao ponto “revestimento de capoto” efetuado pelos Autores, tomada na assembleia de condóminos realizada no dia 25/03/2022, por constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no art. 334º do CC; - Não conheço dos pedidos indicados em V.B.1, V.B.2 e V.B.3, porque subsidiários e dependentes da não verificação do abuso de direito. - Absolvo o réu do demais peticionado.» * 1.3. Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:«I. Antes de tudo, torna-se apriorístico mencionar que o Recorrente vem interpor o presente Recurso por não se conformar, de forma alguma, com a Sentença proferida nos presentes autos, II. Sentença essa que, erroneamente e sem qualquer fundamento válido e lógico, julgou a ação proposta pelos Autores parcialmente procedente, por parcialmente provada, e nessa conformidade, determinou a anulação da deliberação atinente à “remoção da roldana”, tomada na assembleia de condóminos realizada no dia 25/03/2022, por constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no Artigo 334.º do Código Civil, III. E ainda determinou a anulação da deliberação atinente ao ponto “revestimento de capoto”, efetuado pelos Autores, tomada na assembleia de condóminos realizada no dia 25/03/2022, por constituir expressão de abuso de direito, em violação do disposto no Artigo 334.º do Código Civil, IV. O aqui Recorrente, de modo algum se pode conformar, quer por razões adjetivas, quer por razões substanciais, com a Sentença então proferida, V. Por ser seu entendimento que a mesma vai ao total arrepio do Direito, da Lei e da Justiça. VI. Na verdade, a Sentença recorrida alimenta-se, pura e simplesmente, de uma requintada e inútil complicação de conceitos e teorias não apenas supérfluas, mas também demasiadamente rebuscadas. VII. E quando, como assim sucede com a sentença recorrida, o valor dogmático faz questão de inventar a sua própria complexidade e dela se alimenta, VIII. O julgador olvida por completo a realidade da vida e profere uma decisão totalmente injusta e deliberadamente dissociada da vida e realidade do dia-a-dia, IX. Na verdade, a Sentença proferida, desprovida de fundamento a todos os títulos, “Acentua a necessidade de mediação prudente entre a norma e a situação concreta e que uma deliberação prudente não é nem exclusivamente dedutiva nem indutiva, é fundamentalmente hermenêutica, mediada, dialogada e razoável.” X. A necessidade de interposição do presente recurso surge na sequência da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que infundadamente julgou a presente Ação parcialmente procedente, por parcialmente provada. XI. E diz-se infundadamente porque atenta toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, jamais o Tribunal a Quo poderia considerar, como erradamente fez, decidir pela anulação de duas deliberações tomadas numa assembleia de condóminos, regularmente convocada e realizada, XII. E que produziu duas deliberações eficazes dado a aprovação da respetiva ata, XIII. Uma vez que a mesma foi assinada por todos os intervenientes e condóminos que integram o condomínio. XIV. Em bom abono da verdade, e da justiça, a qual deve imperar em situações como a presente, o Recorrente não consegue, de forma alguma, compreender a linha de raciocínio adotada pelo julgador para concluir pela anulação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25/03/2022, XV. Porquanto, e em bom rigor, e sendo facto assente que não há qualquer ineficácia ou invalidade das deliberações, jamais o julgador de 1.ª Instância podia concluir pela existência de abuso de direito por parte do Réu. XVI. Saliente-se, a este propósito, que o Réu, enquanto condomínio do prédio sito na Rua ..., apenas se limitou a deliberar pela remoção e destruição das obras e construções que os Autores ilegitimamente, e sem autorização do Condomínio, realizaram, XVII. Num total desrespeito e desconsideração pelos valores e diretrizes que impõem a propriedade horizontal e o viver em comunidade, XVIII. E, evidentemente, de um conjunto inegociável de deveres que recaem sobre os condóminos de um edifício constituído em regime de propriedade horizontal. XIX. Realce-se que a Sentença proferida pelo Tribunal a Quo, valida, de forma inqualificável, as obras ilegitimamente realizadas pelos Autores, XX. Que realizarem intervenções construtivas numa área comum do prédio, para a qual careciam de consentimento do condomínio e demais condóminos, XXI. Ainda para mais quando as obras, que ilicitamente realizaram, colidem, frontalmente, com os direitos que os outros condóminos detêm sobre as áreas comuns, XXII. Dado que as obras realizadas pelos Autores, nomeadamente a colocação do capoto, interfere no acesso carral às garagens, XXIII. Causando manifestos prejuízos aos demais condóminos. XXIV. Por tudo isso, e não obstante tudo o que infra se alegará, o Tribunal a Quo, inopinada e surpreendentemente, profere uma sentença dissociada da real e dos bons costumes que devem presidir o viver em comunidade, XXV. De tal forma demagógica que abre a porta a que qualquer condómino realize obras do seu interesse particular, sem pedir autorização ou comunicar ao condomínio, XXVI. Precisamente o que se encontra em causa nos presentes autos. XXVII. Os Autores, de forma engenhosa e hábil, procuram justificar, com a alegada necessidade de realização de obras para combater a humidade, legitimar um comportamento inaceitável no seio de um condomínio, XXVIII. Porquanto, para além do condomínio, todos os condóminos deveriam ter sido consultados e oferecido a respetiva autorização para a realização das obras em causa, XXIX. Sendo que tais intervenções, de relevo, não foram precedidas de qualquer deliberação da assembleia de condóminos ou autorização dos demais proprietários, XXX. Resultando, evidentemente, e a todas as luzes, que a Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a Quo tem, preocupantemente, um efeito derrogatório ou modificativo sobre o regime da definição dos direitos e deveres dos condóminos, dos comproprietários, XXXI. Que, com um injustificado recurso ao instituto do abuso de direito, consagrado no Artigo 334.º do Código Civil, anula, inopinada e surpreendentemente, as deliberações eficazmente deliberadas na assembleia de condomínio, XXXII. E legitima, erradamente, o comportamento abusivo dos autores, XXXIII. E diz-se injustificadamente uma vez que, face ao inequívoco carácter ilícito das obras realizadas, e ao limitado interesse que as mesmas tutelam, não se crê que seja manifestamente abusivo o exercício do direito do Réu condomínio à sua remoção. XXXIV. Aliás, face a toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, prova documental, e ainda prova pericial, XXXV. Não se entende como os factos dados como provados nos números 31), 32), 33), 34), 42), 43), 45), 46), 47), 48), 50) e 54) assim o foram. XXXVI. Sendo que, a Sentença recorrida se mostra, clara e notoriamente, violadora da alínea b) do n.º 1 do Artigo 615.º do Código de Processo Civil, XXXVII. Porquanto, o julgador de 1.º Instância em momento algum especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua inopinada decisão XXXVIII. Preceitua-se na alínea b) do n.º 1 do Artigo 615.º do Código de Processo Civil que a Sentença é nula quando a mesma não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. XXXIX. Ora, e quanto a tal matéria, não podem restar dúvidas que a Sentença proferida no âmbito dos presentes autos padece, manifesta e inequivocamente, dessa nulidade, XL. Nulidade essa que se argui, expressamente, para todos os efeitos legais. XLI. Em bom abono da verdade, não aquela que tanto apregoam os Autores, e os que com eles trabalham conjuntamente, em busca do mesmo objetivo, XLII. O julgador da 1.º Instância não cumpriu, como lhe competia, o dever de fundamentar a Decisão – Cfr. Artigo 154.º do C.P.C, XLIII. Muito pelo contrário, o Julgador de 1.º Instância, de forma leviana e iniqua, apenas se limitou a aderir à tese minuciosamente oferecida pelos Autores, e em momento algum procedeu à adequada e correta valoração da demais prova produzida, XLIV. Designadamente e em grave prejuízo do Réu, aqui Recorrente, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, XLV. Pois, a Sentença Recorrida, que enferma de uma real contradição, lógica, lógico-jurídica, lógico-teleológica, valorizou, somente, a perícia efetuada nos autos, XLVI. E, consequentemente, desvalorizou, injustificadamente, toda a prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento. XLVII. Na verdade, a Julgadora de 1.º Instância, na Sentença Recorrida, não fundamentou, de forma alguma, o motivo pelo qual deu a factualidade dada como provada e não provada, XLVIII. Desconsiderando, de modo inusitado e clamoroso, as deliberações válidas e eficazes tomadas na assembleia de condóminos devidamente convocado. XLIX. Porquanto, não pode o Tribunal recorrido, com uma leviandade injustificável, legitimar um comportamento inaceitável no seio de um condomínio, L. Pois, para além do condomínio, todos os condóminos deveriam ter sido consultados e oferecido a respetiva autorização para a realização das obras em causa, LI. Sendo que tais intervenções, de relevo, não foram precedidas de qualquer deliberação da assembleia de condóminos ou autorização dos demais proprietários, LII. Tendo, a Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a Quo, um efeito derrogatório ou modificativo sobre o regime da definição dos direitos e deveres dos condóminos, dos comproprietários, LIII. Na verdade, basta pensar, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que jamais o Tribunal a Quo, poderia, atenta a prova produzida, decidir pelo instituto do Abuso de Direito, disposto no Artigo 334.º do Código Civil, LIV. Abuso de direito que inexiste, uma vez que o Réu, numa assembleia de condomínio, devida e regularmente convocada, limitou-se a deliberar pela remoção das roldanas e destruição das obras ilicitamente realizadas pelos Autores, LV. Que, posteriormente, vieram a justificar com a existência de humidades na parede de um quarto, LVI. Sendo que o relatório perícia junto aos autos confirma a existência de humidades e infiltrações em todas as paredes, e não só na que foi alvo de intervenção por parte dos Autores. LVII. Por tudo isso, resulta, de modo inelutável, que o Tribunal a Quo decide erradamente quando conclui pela existência do abuso de direito na deliberações eficazmente realizadas, LVIII. Pois, doutrinal e jurisprudencialmente, todos os condóminos têm de atuar sobre o prédio com as limitações inerentes a essa especial forma de compropriedade, LIX. Não sendo possível permitir, como inopinadamente, faz o tribunal a quo, legitimar as obras ilegitimamente realizadas pelos Autores, LX. Na medida que em as obras, como as que foram realizadas pelos Autores, necessitam de prévia autorização da Assembleia de Condóminos, aprovadas por 2/3, LXI. O que sucedeu no caso presente, LXII. Pelo que inexiste qualquer razão, muito menos prática, que permita concluir pela anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, por constituírem expressão de abuso de direito, em violação do Artigo 334.º do Código Civil, LXIII. Motivo pelo qual a Sentença recorrida se encontra ao total arrepio da lei, da doutrina e da mais recente jurisprudência, LXIV. Chamando, de modo inusitada, à colação um inexistente abuso de direito por parte do Réu, LXV. Quando, em boa verdade, quem tem um comportamento desviante e abusivo do direito são os Autores, LXVI. Que realizaram obras sem a devida e pertinente decisão sobre ela por parte do Réu condomínio. LXVII. E que pretendem acobertar-se na situação anterior do exclusivo proprietário do prédio constituído, posteriormente, em propriedade horizontal, LXVIII. Não podendo, assim, qualquer condomínio, a seu belo prazer, fazer tábua rasa disso mesmo, agindo, sem mais, como se não tivesse havido essa pedra angular de constituição de propriedade horizontal. LXIX. Invocando numa impertinente situação anterior, para sustentar (de modo insustentável) a sua mais do que individualista conduta, LXX. E muito menos poderia fundamentar, única e exclusivamente, uma Decisão tão demagógica e perigosa, em prejuízo de toda a prova documental e testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, LXXI. Razão pela qual, a Sentença recorrida é nula, LXXII. Já que em momento algum especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram tal inopinada decisão, LXXIII. Nada dizendo sobre a razão de ciência das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento. LXXIV. O que revela também que a sentença recorrida deve de todo o modo ser anulada, por manifestamente dissociada da real factualidade, do particular circunstancialismo, que envolve o caso “sub judice”, revelando-se também contraditória, por ofensiva de toda a lógica, de toda a lógica jurídica, de toda a lógica teleológica. LXXV. Mas mesmo que se entenda que o Julgador da 1.ª Instância nela cumpriu formalmente a análise crítica da prova, sempre tal análise é substancialmente incorreta, LXXVI. Limitando-se naquela a meras considerações genéricas, conduzindo a uma violação da justiça material. LXXVII. E, portanto, nessa conformidade, V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, sufragando todos estes justos entendimentos anularão, com absoluta certeza, a Sentença recorrida, LXXVIII. Na qual num geométrico e puro culto de formalismo a juíza de 1.ª Instância se desligou inteiramente da realidade da vida e do sentido desta decidindo em total violação do Direito e da Justiça o caso “sub judice”. LXXIX. Ou seja, esse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães ao fazer, como se impõe, com autonomia o seu próprio juízo de valoração, se irá pautar, com toda a certeza, pela justiça material, não se pautando por uma avaliação atomista da prova, mas sim por uma avaliação holística da mesma, contextualizada a prova documental e a prova testemunhal. LXXX. Nessa conformidade, tendo na devida consideração tudo o supra exposto, e sendo facto notório que não carece de alegação nem de prova, a existência da nulidade a que alude o Artigo 615.º n.º 1 al. B) do C.P.C, LXXXI. Dado que o Tribunal a Quo, não procedeu, como devia, à fundamentação, de facto e de direito, da Sentença recorrida, LXXXII. Dúvidas não restam que deve a Sentença recorrida ser imediatamente anulada, LXXXIII. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão, LXXXIV. Pois, só assim, farão a devida, habitual e sã Justiça Material, mantendo, na integra, o que foi deliberado na Assembleia de Condóminos realizada a ../../2022. LXXXV. Por outro lado, e em sede de conclusões, o Recorrente discorda, inteiramente, da matéria de facto dada como prova e não provada na Sentença recorrida, LXXXVI. Fundamentou-se o Tribunal a Quo, em tal Decisão, em todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em Audiência de Discussão e Julgamento, sempre no confronto das regras da experiência comum, LXXXVII. Sendo que a sua convicção se fundou, quase em exclusivo, no relatório pericial junto aos autos, a par com os documentos juntos aos autos por ambas as partes. LXXXVIII. Sucede, porém, que percorrida toda a Sentença de que ora se recorre, em lado algum se encontra a fundamentação que esteve na génese de tal factualidade. LXXXIX. Motivo pelo qual não pode, nem deve, o aqui Recorrente aceitar o teor da Decisão recorrida, por se encontrar desprovida de qualquer fundamento válido, XC. Porquanto, em abono da verdade e da justiça, para além da prova já constante dos autos, não foi produzida, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, prova dos factos que inusitada e surpreendentemente o Tribunal a Quo deu como provados na Sentença recorrida. XCI. Ora, o Tribunal a Quo, para dar tais factos como provados, erradamente, fundou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, nos documentos juntos aos autos e nas regras de experiência comum e, alegadamente, da lógica. XCII. Todavia, jamais podia, como fez, o Tribunal a Quo, dar como provados os factos 31, 32, 33, 34, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 da matéria de facto dado como provada. XCIII. O Tribunal a Quo, para dar como provados tais factos, fundamentou a sua convicção apenas e só no relatório pericial junto aos autos e nas declarações de parte do Autor, como também nas declarações de parte do Autor, XCIV. Desconsiderando, por completo, toda a restante prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. XCV. No que concerne aos pontos 31, 32, 33 e 34, respeitante à roldana, o Julgador de 1.ª Instância alicerce-se no relatório pericial e nas declarações de parte dos Autores, XCVI. Concluindo, por força disso, que a roldana se encontra lá instalada há mais de 30 (Trinta) anos, sem que nunca tenha sido requerida a sua remoção até ../../2022, ou seja, data da realização da Assembleia de Condomínio, XCVII. E, por conseguinte, que o referido estendal era e é a única alternativa para os Autores secarem a roupa sem utilizar os espaços comuns é fazê-lo no interior da habitação, XCVIII. Decidindo, o Tribunal a Quo, que não colocava qualquer entrave ou dificuldades à circulação de pessoas e veículos nem o acesso às garagens. XCIX. Sucede, que, ao contrário do que inopinadamente decidiu o Julgador de 1.º Instância, foi feita prova suficiente de que o a roldana em causa não se encontrava instalada há 30 (trinta) anos como decidiu o Tribunal a Quo, C. Aliás, tal conclusão apenas resulta do relatório pericial, e das declarações do Autor que tem total interesse na decisão da casual, CI. E tal não se compreende, uma vez que no âmbito da Audiência de Discussão e Julgamento ocorreram diversos depoimentos que contradizem precisamente a matéria de facto dada como provada na parte respeitante à roldana, CII. Depoimentos esses que foram precisos, coerentes, espontâneos e como tal merecedores de credibilidade, CIII. Que comunicaram a inexistência da roldana e, por sua vez, todos os entraves que a referida roldana causa aos restantes condóminos e ao condomínio em particular. CIV. Nessa medida, é injustificável e consequentemente a linha de raciocínio adotada pelo Tribunal a Quo, CV. Já que ficou por demais provado que os Autores têm mais alternativas para secarem a roupa sem utilizar os espaços comuns, e que a presença da mesma dificulta o uso de pátio e acesso às garagens, CVI. Colocando qualquer entrava ou dificuldades à circulação de pessoas e veículos, CVII. Pelo que o Tribunal a Quo, não podia, como erroneamente fez, dar como provados os pontos 31, 32, 33, 34, 42, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 da Factualidade dada como provada. CVIII. Ora, o depoimento da testemunha DD, que como se denota das transcrições, foi totalmente espontâneo e credível, revela, a todas as luzes, a errada apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a Quo, CIX. Pois, de forma inequívoca, refere que a roldana não se encontra instalada há longo tempo, como alegam os Autores, CX. E, acima de tudo que a sua presença dificulta o uso do pátio e o acesso às garagens. CXI. Aliás, a testemunha, explicou ao Tribunal a Quo, ponto por ponto, não só o hiato de tempo em que se encontra instalada a roldana, como também o transtorno e entraves que a mesma coloca, CXII. Desconstruindo, desse modo, de forma clara e inegável, o relatório pericial junto aos autos. CXIII. E ainda a este propósito, atente-se no depoimento da Testemunha EE, coadministradora do Réu, e que conhece o prédio em causa há mais de 50 (Cinquenta) anos, CXIV. Com efeito, atento tal depoimento, claro, despido de interesse e como tal, merecedor de total credibilidade, o Tribunal a Quo, agiu erradamente ao não lhe oferecer credibilidade e não o valorar, CXV. Porquanto, e em bom rigor, a referida testemunha, que conhece o prédio em causa desde os seus primeiros anos de vida, não só fez referência ao estendal e aos entraves que o mesmo coloca, CXVI. Como também ao facto de os Autores terem realizado obras, colocação do capoto, sem qualquer autorização ou conhecimento do Réu condomínio, CXVII. Obras essas que ao invés do inopinado entendimento do Tribunal a Quo, não resolveram, nem resolverão, os problemas de acumulação de humidade nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens, CXVIII. Pois a colocação de capoto de uma parede que está abrigado dos elementos não resolve nem atenua os problemas de uma habitação com uma construção antiga e que toda ela se encontra exposta aos elementos, CXIX. Aplicar capoto numa parede que não se encontra em contacto com a chuva, nem com o frio exterior, por se situar no túnel de acesso à garagem, é totalmente despiciendo e inútil, CXX. Uma vez que a restante habitação continuará a padecer de infiltrações, humidades, CXXI. Dado que a restante casa encontra-se, essa sim, em contacto direto com chuvas e outros tipos de água. CXXII. E o depoimento da referida testemunha é bastante claro nesta parte, CXXIII. Contrariando, e com bastante fundamento, o inusitado relatório pericial que foi valorado pelo Tribunal a Quo, CXXIV. Pois as alegadas infiltrações e humidades visíveis no quarto do filho dos menores não se devem à parede exterior que corresponde à parede lateral do túnel que corresponde acesso para o pátio comum traseiro. CXXV. E diz-se que não se deve a essa parede porque tal parede nunca se encontrou aos elementos, nomeadamente a chuva, CXXVI. Se efetivamente o quarto do filho menor dos Autores possui problemas de humidades e infiltrações, deve-se ao facto de a outra parede do quarto, que corresponde à fachada da moradia, essa sim se encontrar exposto aos elementos. CXXVII. Por tudo isso, e sendo facto notório, que não carece de alegação nem de prova, que os Autores realizaram obras sem o conhecimento e autorização do condomínio e dos restantes condóminos, CXXVIII. Também resulta claro, designadamente do depoimento da Testemunha EE, que os Autores escudaram-se das humidades existentes no quarto do filho, para intervir numa parede exterior que nenhuma relação tem com as possíveis infiltrações, CXXIX. Pelo que o Tribunal a Quo, muito mal andou a dar como provado os pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 da Factualidade dada como provada. CXXX. E tudo isto porque, resulta de toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento que a intervenção para a colocação do capoto não foi precedida de qualquer deliberação da assembleia de condóminos ou autorização dos demais proprietários, CXXXI. E por sua vez, também ficou inequivocamente provado que a parede de acesso ao pátio e à garagem, não era o motivo e a causa das humidades e infiltrações de que padecia a fração ..., CXXXII. Razão pela qual não é verdade que as condições de habitabilidade da fração ..., casa dos Autores, tenha melhorado substancialmente, CXXXIII. Até porque, é cientificamente impossível, de acordo com as regras de experiência comum e da normalidade da vida, que a colocação de uns meros metros de capoto, numa parede que nunca esteve exposta aos elementos, resolva os problemas de humidade por condensação e o desconforto térmico existente nunca casa com mais de 60 (Sessenta) anos, CXXXIV. É absurda a conclusão de que a colocação de tal capoto, de forma abusiva e ilegal, tenha resolvido a humidade de uma habitação que está toda ela exposta às chuvas e intempéries, CXXXV. É bastante irrazoável, senão mesmo impossível, atentas as regras e diretrizes da engenharia, da construção civil e das especialidades de térmica e isolamento, que a mera colocação de alguns metros de capoto, numa parede abrigada, resolva as infiltrações e humidades de uma fração inteira, CXXXVI. E é precisamente tal ilógica conclusão que o relatório pericial retirou, CXXXVII. O que jamais se compreende, CXXXVIII. Tal como não se compreende, em bom rigor, a valoração atribuída pelo Tribunal a Quo, CXXXIX. Porquanto, é evidente, que os Autores, numa frustrada tentativa de se eximirem das responsabilidades pela realização de uma obra ilegal, e sem consentimento do condomínio, vêm-se obrigados a criar uma fantasiosa estória assente em factos falsos e sinologicamente impossíveis, CXL. Já que, primeiro, as infiltrações no quarto do filho não se deviam à parede confrontante com o túnel de acesso ao pátio, CXLI. E segundo, a intervenção naquela parede jamais resolveria, na integra, as infiltrações da fração .... CXLII. Para além de tudo isso, o único resultado visível e palpável de tal colocação foi, e é, a dificuldade de acesso ao pátio e à garagem, CXLIII. Dado que diminui a largura útil do túnel de acesso ao pátio comum e garagem e que aumento a aumentou a dificuldade de trânsito e manobras dos veículos. CXLIV. Assim, atento tudo o supra exposto, a sentença recorrida apenas se limitou a aceitar e dar como credível o relatório pericial em prejuízo da demais prova constante do processo. CXLV. Por tudo isso é que o Réu, através do presente recurso, se insurge contra a infundada Sentença Recorrida, CXLVI. Ou seja, jamais podia, como fez, o Tribunal a Quo, dar como provados os factos 31, 32, 33, 34, 42, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 da matéria de facto dado como provada, CXLVII. O que significa, a todas as luzes, que tal decisão padece, manifestamente, de falta de fundamento, encontrando-se ao total arrepio dos mais elementares princípios que norteiam o direito e a justiça. CXLVIII. Pelo que se impõe concluir, a todos os títulos, que não podia, o Tribunal a Quo, ter dados como provados os factos que deu, CXLIX. Desta feita, lógica é a conclusão, que V/Exas., certamente também, chegarão, de não se entende, de forma alguma, o raciocínio adotado pelo Tribunal a Quo, CL. Não tendo sido atribuído às referidas testemunhas a credibilidade que imperiosamente mereciam, CLI. Que de forma clara e inequívoca prestaram depoimentos que jamais permitiam que o Tribunal a Quo desse como provados os factos que incrivelmente deu. CLII. Nessa conformidade, e face a tudo o supra exposto, não se podia, de forma alguma, ter dados como provados, como foram, os factos31, 32, 33, 34, 42, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 da factualidade dada como provada, na Sentença proferida pelo Tribunal a Quo, CLIII. Pelo que, se tem de julgar como não provados tais factos, CLIV. Conforme V/Exas., Venerandos Desembargadores certamente decidirão, ao revogar a Sentença recorrida, CLV. Pois, só assim, farão a devida, habitual e sã Justiça Material!». * Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, onde requereram a ampliação do âmbito do recurso com os seguintes fundamentos:«DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÃO DA ROLDANA: XXXIV - Não obstante a ação ter sido julgada parcialmente procedente, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido III.A e III.B, requerendo-se a ampliação do objeto do recurso nos termos do art. 636º n.º 1 do CPC, a título subsidiário, caso proceda o recurso do Recorrente, o que apenas por dever de patrocínio se pondera. XXXV - Não existe qualquer fundamento legal que limite a possibilidade de constituição de servidões quanto a partes comuns de frações autónomas, seja por via da usucapião, seja por via de sentença. Na verdade, não existe qualquer diferença substantiva entre um prédio dominante que seja fração autónoma integrada no edifício ou um prédio fora do mesmo, sendo que “cumprindo a posse os requisitos para que se configure aquisição por usucapião nada impede que por via judicial como a presente se possa reconhecer essa aquisição de um dado espaço enquanto parte comum ainda que implique a modificação dos termos em que foi constituída a propriedade horizontal. “ [cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 04/03/2021 (proc. 39/18.0PRG.G1]. XXXVI - Não está em causa a violação do regime do numerus clausus do art. 1306º do CC, como entende douta sentença que, nesta parte, violou o disposto no art. 1543º, 1544º, 1547º e 1548º do CC. Pelo que, à luz dos factos provados, o Tribunal ad quem deve, a título subsidiário e em caso de procedência do recurso quanto à questão da roldana de secagem de roupa, ser julgado procedente algum dos referidos pedidos III.A e III.B. DOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS – DA REGRA DA SUBSTITUIÇÃO – ART. 665º DO CPC – QUESTÃO DO REVESTIMENTO EM CAPOTO: XXXVII - Ainda que se entenda não merecer provimento o recurso, caso tal suceda deverá o Tribunal ad quem apreciar os pedidos subsidiários que a 1ª Instância se absteve de conhecer [“Não conheço dos pedidos indicados em V.B.1, V.B.2 e V.B.3, porque subsidiários e dependentes da não verificação do abuso de direito”]. XXXVIII - Assim, na mera eventualidade de proceder o recurso, requerem os Recorridos, ao abrigo do art. 665º do CPC que o Tribunal de Recurso conheça dos pedidos subsidiários V.B1, V.B2 e V.B3, julgando-os procedentes à luz dos factos provados 41º a 48º ou, se assim não se entender, ordenando a baixa do processo para tal efeito, o que expressamente se requer. Termos em que deve o presente recurso ser rejeitado ou, se assim não se entender, ser convidado o Recorrente ao aperfeiçoamento das suas conclusões e, a final, ser o recurso julgado totalmente improcedente; subsidiariamente, deve ser julgada procedente a suscitada ampliação do objeto do recurso, com a procedência do pedido III.A (ou subsidiariamente, III.B) e, também subsidiariamente, serem decididos os pedidos V.B.1, V.B.2 e V.B.3 formulados na p.i., julgando-os procedentes.» O recurso foi admitido. * 1.4. Questões a decidirAtentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, e ampliação do âmbito do recurso requerida pelos Recorridos, mostram-se suscitadas as seguintes questões: i) Nulidade da sentença por falta de fundamentação – conclusões IX a LXXXIV; ii) Erro no julgamento da matéria de facto – conclusões LXXXV a CLIII; iii) Reapreciação de direito, no sentido de apurar se a ação deve ser julgada totalmente improcedente por não se verificar o abuso do direito; iv) Conhecimento da ampliação do âmbito do recurso deduzida pelos Autores no caso de proceder, total ou parcialmente, o recurso interposto pelo Réu, no sentido de saber se deve ser julgado procedente o pedido III.A (ou subsidiariamente, III.B) e, também subsidiariamente, serem julgados procedentes os pedidos V.B.1, V.B.2 e V.B.3 formulados na petição inicial. *** II – Fundamentos2.1. Fundamentação de facto 2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1.º) Encontra-se registado a favor dos autores, pela AP. ...1 de 1999/10/07, o prédio urbano correspondente à fração ... composta por “..., tipo ..., para habitação, com entrada pelo n.º ...60 – com uma garagem nas traseiras com o número 1”. 2.º) A fração ... é habitada pelos autores e pelo seu filho. 3.º) A referida fração integra-se no edifício, constituído em regime de propriedade horizontal, correspondente ao prédio urbano situado na Rua ..., da freguesia ... (...), concelho ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...08 e inscrito na matriz sob o art. ...93º. 4.º) A constituição de propriedade horizontal operou por escritura pública celebrada em 19/09/1996 na Secretaria Notarial ..., constante de fls. 17 a 18 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º ...65-D. 5.º) O referido edifício conta com três frações autónomas: a) a fração ..., dos Autores, representativa de uma permilagem de 300/1.000; b) a fração ..., representativa de uma permilagem de 360/1.000; c) a fração ..., representativa de uma permilagem de 340/1.000 6.º) Na data da deliberação infra indicada, o Administrador do Réu condomínio era CC (proprietário da fração ...). 7.º) Em 25/03/2022 teve lugar uma reunião da assembleia de condóminos, na qual estiveram representantes das três frações. 8.º) A reunião teve como dois únicos pontos da ordem de trabalhos os seguintes: (i) “Discussão, análise e deliberação de matérias com interesse para o condomínio” e (ii) “Agendamento/Convocação da próxima assembleia geral de condóminos”. 9.º) Da referida reunião foi lavrada ata, junta como doc. 4 da PI e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 10.º) Na reunião foi deliberado, além do mais, o seguinte: “1.6 - Outros assuntos. Neste ponto foram discutidos os seguintes assuntos/problemas: colónia de gatos nos logradouros do prédio, armários pertencentes à fração ... existentes no hall da entrada e no hall do sótão, roldana de roupa que serve a fração ... e ainda a obra não autorizada e realizada pela fração ... no túnel de acesso às garagens, assuntos estes que suscitaram divergências entre os condóminos. Foram também votadas as propostas sugeridas pelos condóminos e levadas a votação. Tomou a palavra a representante da fracção ... que leu um documento/manifesto, expondo de forma argumentativa cada problema que quer ver resolvido pedindo que fosse anexado o documento lido (documento em anexo com 3 páginas). Tomaram também a palavra os representantes da fração ..., contra-argumentando o elencado pela fração ..., pedindo também que fosse anexado o documento de oposição lido (documento em anexo com 1 páginas), referiram ainda assumir o compromisso de limpar regularmente logradouro da garagem até a extinção dos dois gatos ali existentes. Os representantes das frações ... e ... pediram que fossem também anexados à ata, cópias da troca prévia de correspondência entre os respetivos advogados (da fracção ..., documento em anexo com 2 páginas e da fração ... um documento com 3 páginas. Dos documentos referidos, foram ocultados os nomes, sedes ou moradas, cabeçalhos/rodapés e demais informação relativa aos juristas, por não haver autorização prévia dos mesmos, salvaguardando desta forma os seus dados pessoais). Tomou a palavra o representante da fração ... para afirmar a sua posição relativamente aos gatos da colónia do logradouro da garagem, considerando que além da imagem do prédio, a situação é intolerável e inadmissível dado o estado de insalubridade do espaço e cheiro nauseabundo por escassez de limpeza dos dejetos, deu ainda conta que foi já chamado à atenção por vizinhos do prédio para a situação a qual os poderá levar a acionar as entidades competentes por entenderem estar em causa um problema de saúde pública; que relativamente aos armários, do hall de baixo e dos dois no hall do sótão, desde que é proprietário da sua fração, nunca a fração ... lhe teria pedido autorização para a colocação nem o questionaram acerca da concordância para continuidade dos armários lá; que relativamente ao capoto colocado pela fração ..., considera a obra ilegal por ter sido realizada sem a prévia autorização/aprovação exigível, que a obra não foi sequer solicitada ou discutida entre os condóminos, tão pouco foram informados da necessidade da mesma, que considera a obra uma inovação, que a obra veio ocupar uma parte comum do prédio diminuindo significativamente a área do túnel de acesso às garagens tornando-o mais exíguo para a manobra dos veículos e trânsito no seu interior. Propostas sujeitas a votação: 1.6.1-Gatos. Proposta 1: ‘Permitir a manutenção dos 2 gatos existentes no logradouro da garagem até ao prazo limite de 2 anos, tal como a caixa preta existente. Terminado este prazo os sobrevivos serão encaminhados para adoção, não se permitindo fomentar ou criar condições para o estabelecimento de novas colónias’. Votos a favor: fração ..., ... e .... Proposta aprovada por unanimidade (1000/1000). Proposta 2: ‘Permitir a manutenção dos 2 gatos existentes no logradouro da garagem até que morram, mantendo as 2 caixas existentes (1 dormitório e 1 de alimentação)’. Votos a favor da fração .... Votos contra da fração ... e .... Proposta rejeitada por maioria representativa de dois terços (700/1000). Proposta 3: ‘A fração ... deverá retirar do logradouro da frente do prédio, os alimentadores e bebedouros aí existentes’. Votos a favor da fração ... e .... Votos contra da fração .... Proposta aprovada por maioria representativa de dois terços (700/1000). 1.6.2- Armário do hall de baixo. Proposta: ‘A fração ... deverá retirar o móvel/armário que lhe pertence, existente na parte comum do prédio, em concreto debaixo do contador da luz das escadas’. Votos a favor da fração ... e .... Votos contra da fração .... Proposta aprovada por maioria representativa de dois terços (700/1000). 1.6.3-Armários do hall do sótão. Proposta: ‘A fração ... deverá retirar os 2 móveis/armários que lhe pertencem, existente na parte comum do prédio, em concreto no hall do sótão’. Votos a favor da fração ... e .... Votos contra da fracção .... Proposta aprovada por maioria representativa de dois terços (700/1000). 1.6.4-Roldana. Proposta: ‘A fração ... deverá retirar a roldana existente na parte comum do prédio, em concreto no topo da garagem da fração .... Votos a favor da fração ... e .... Votos contra da fração .... Proposta aprovada por maioria representativa de dois terços (700/1000). 1.6.5-Capoto no túnel de acesso às garagens. Proposta: ‘A fração ... deverá retirar o capoto colocado na parte comum do prédio, em concreto no túnel de acesso às garagens, repondo a parede conforme estava’. Votos a favor da fração ... e .... Votos contra da fração .... Proposta aprovada por maioria representativa de dois terços (700/1000). 1.7 Prazo limite. Neste ponto ficou decidido com os votos a favor das frações ... e ... e voto contra da fracção ..., que a fração ..., terá como prazo limite para levar a cabo as ações necessárias à execução das deliberações que constam na proposta 3 do ponto 1.6.1 bem como as dos pontos 1.6.2, 1.6.3, 1.6.4 e 1.6.5, a data da próxima assembleia de condóminos.” ROLDANA 11.º) As duas frações superiores (B e C) apresentam estendais com apoios em perfis metálicos encastrados na face da parede exterior e cordas a unir os perfis formando os estendais. 12.º) A fração do ... (A) apresenta um apoio tipo roldana na caixilharia do vão exterior (da cozinha) ligando a uma estrutura metálica localizada no teto das garagens do edifício (nomeadamente a garagem da fração ...), onde se localiza a segunda roldana, permitindo que as cordas sejam móveis (cfr. fotografias juntas como docs. 6, 7 e 8 da PI). 13.º) A corda da fração ... tem cerca de 8 metros de comprimento. 14.º) Estando uma das extremidades fixada à caixilharia da fachada traseira da fração dos Autores, a cerca de 2,60 metros de altura relativamente ao pavimento do pátio descoberto comum, 15.º) e a outra fixada a uma roldana e respetivo suporte fixo na zona da cobertura da garagem destinada à fração ..., a cerca de 3,30 metros de altura ao mesmo pavimento. 16.º) Nas traseiras do edifício existe um pátio aberto comum, com cerca de 45 m2, o qual serve, também, de acesso às garagens individuais de cada fração. 17.º) A instalação do estendal foi realizada há, pelo menos, 30 anos, aquando da aplicação das marquises traseiras de todas as três frações, 18.º) as quais suprimiram o espaço aberto de cada uma (varanda) que, antes, servia a finalidade de secagem de roupas. 19.º) Nessa altura as frações do prédio encontravam-se todas arrendadas pelo mesmo proprietário. 20.º) Nessa altura, as três frações colocaram os estendais referidos em 11º e 12º. 21.º) O estendal referido em 12º tem vindo a ser utilizado na secagem das roupas dos utilizadores da fração ..., há mais de 20, 30 anos pelos Autores e antecessores, 22.º) que reparavam e faziam a manutenção do estendal sempre que necessário, 23.º) mormente substituindo as cordas que pontualmente rebentavam, 24.º) tudo de forma pública, à vista de toda a gente que podia aceder ao local, 25.º) de forma pacífica, 26.º) sem estorvo ou oposição de ninguém, 27.º) de boa-fé, 28.º) de forma ininterrupta, sem qualquer interrupção ou hiato, 29.º) O parapeito da janela da cozinha da fração ... para a zona do logradouro posterior tem 1,70m. 30.º) A marquise traseira da fração dos autores é mais estreita que as demais, pois parte da parede da fachada é ocupada pela caixa de gás exterior e a parede tem dimensão menor, por existir a passagem de acesso às garagens. 31.º) A única alternativa para os autores secarem a roupa sem utilizar os espaços comuns é fazê-lo no interior da habitação. 32.º) A presença do estendal afeto à fração ... e o seu uso não dificultam o uso do pátio nem o acesso às garagens, 33.º) não colocando qualquer entrave ou dificuldades à circulação e pessoas e veículos, 34.º) nem é visível do exterior do edifício, designadamente a partir da via pública. CAPOTO 35.º) Em fevereiro/março de 2020 os Autores revestiram a parede exterior que serve diretamente a fração ... de uma camada de capoto. 36.º) Essa parede corresponde à parede lateral de túnel através do qual se processa o acesso para o pátio comum traseiro e garagens a partir da via pública, que se encontra fechado por um portão junto à mesma. 37.º) A largura do capoto colocado varia entre os 4,50cm e os 5cm. 38.º) As placas foram coladas à face exterior do edifício. 39.º) Trata-se de uma superfície com cerca de 8 metros de comprimento, por 4 metros de largura. 40.º) O revestimento de capoto ocupa uma zona que se estende do teto exterior até uma altura entre 44cm a 54cm acima do pavimento do logradouro. 41.º) A parede preexistente não possuía qualquer tipo de isolamento. 42.º) A fração ... tinha problemas de acumulação de humidade nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens. 43.º) A parede objeto da colocação de capoto não se encontra em contacto direto com chuvas ou outro tipo de águas. 44.º) Essa parede encontra-se protegida pela parede superior do túnel. 45.º) A falta de isolamento na parede onde foi colocado o capoto levava a que se formassem bolhas de condensação no interior da habitação dos autores por falta de proteção térmica. 46.º) O espaço exterior de passagem, embora protegido pelo sol, atinge temperaturas baixas no inverno, que baixam a temperatura na parede, formando bolhas de condensação de água do ar interior da habitação pela face exterior dessa parede. 47.º) o que provocava o enegrecimento geral dessa parede, com a presença constante de bolores e fungos, 48.º) E humidade, sobretudo numa divisão utilizada como quarto do filho do dos autores. 49.º) A colocação do capoto não foi precedida de qualquer deliberação da assembleia de condóminos ou autorização dos demais proprietários. 50.º) Desde a colocação do capoto, deixou de haver humidade por condensação na fração dos autores. 51.º) A largura mínima do túnel de acesso ao pátio traseiro comum do edifício na parte da sua extensão em que existe revestimento lateral em capoto é de 2,26m. 52.º) Na zona em que não existe revestimento, na zona do pilar saliente até à parede, antes da curva, o túnel tem 2,35m de largura. 53.º) A zona do portão de acesso às garagens o túnel apresenta uma largura livre entre os perfis das ombreiras laterias de 2,265m. 54.º) A zona de colocação do capoto fica afastada da zona da curva existente no túnel de acesso às garagens, não interferindo nas manobras a realizar nessa curva. 55.º) O capoto foi colocado num troço do túnel totalmente reto. 56.º) A organização dos órgãos do condomínio apenas foi constituída após a colocação do capoto.» * 2.1.2. Factos não provadosO Tribunal a quo considerou que não se provaram os seguintes factos: «a) A ata da assembleia realizada em 25/03/2022 apenas foi entregue aos Autores, na sua versão com assinaturas, em 17/05/2022. b) Essa versão não continha quaisquer anexos. c) Os Autores votaram contra a “Gatos / Proposta 1”. d) O estendal referido em 12º foi instalado pelos então inquilinos da fração ... (Pais do Autor marido), com o consentimento do então único proprietário de todo o edifício. e) Os autores e antecessores utilizavam a roldana na convicção de estarem a exercer um direito de servidão sobre o espaço aéreo do logradouro comum e sobre o ponto de fixação na cobertura da garagem afeta à fração .... f) As roupas colocadas no estendal não pingam por se encontrarem previamente torcidas. g) Os Autores não possuem qualquer outro local próprio para secagem de roupas, sendo que o espaço interior da sua a sua fração é muito exíguo, com cerca de 50 m2, h) vivendo aqueles com fortes constrangimentos de espaço, i) A exposição à humidade, bolores e fungos provocavam no agregado familiar alguns fenómenos alérgicos, em especial à Autora mulher. j) Os autores utilizavam permanentemente aparelhos de desumidificação para combater a humidade. k) A humidade originada na parede exterior da fração dos autores causava o apodrecimento de armários e o estrago dos bens neles guardados, l) a par de grande desconforto térmico, tornando o interior da casa particularmente frio nos meses de inverno, m) sobretudo ao nível do quarto do casal. n) O revestimento de capoto possui uma espessura efetiva de 4,8 cm, o) A largura mínima existente na zona em que foi aplicado o capoto é de 2,30 metros. p) A largura mínima na zona do túnel em que não existe capoto é de 2,26 metros, coincidente com a linha de transposição do portão de acesso aberto. q) Na zona em curva do túnel a largura mínima útil é não superior a 2,30 metros na passagem de qualquer tipo de veículo automóvel normal de quatro rodas, por efeito do respetivo comprimento e da sua inscrição na curva. r) O capoto inicia-se a cerca de 30 cm de altura do pavimento, até ao teto, s) A colocação do capoto não mereceu oposição até ../../2021.» ** 2.2. Do objeto do recurso2.2.1. Nulidade da sentença Invocando o Recorrente a nulidade da sentença por falta de fundamentação, cumpre apreciar tal fundamento do recurso. Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[1]. Segundo Alberto dos Reis[2], «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Como referem, igualmente, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Por conseguinte, enquanto vício da sentença, ou seja, como fundamento da sua nulidade, apenas releva a ausência de qualquer fundamentação e não quaisquer outras patologias. Na previsão da alínea b) só está incluída a falta absoluta de fundamentação e não a insuficiente, errada, incompleta ou deficiente. No nosso entendimento, ainda constitui falta de fundamentação uma motivação impercetível, sem relação compreensível com o objeto discutido, enquanto vício paralelo à ininteligibilidade do objeto do processo como motivo de ineptidão da petição inicial[4]. Analisada a decisão recorrida, constata-se que contém tanto os fundamentos de facto como a fundamentação de direito. A diretriz sobre a fundamentação de direito consta do artigo 607º, nº 3, do CPC, na parte em que se estabelece que o juiz deve «indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes». Verifica-se que o Tribunal recorrido cumpriu tal imposição nas páginas 19 a 37 da sentença, onde indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas que considerou relevantes. É, aliás, uma fundamentação extensa e exaustiva, contendo a justificação da aplicação do regime jurídico que alicerçou o dispositivo. Quanto à fundamentação de facto, impõe o mesmo artigo 607º, nº 4, do CPC, que, «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção». O Mmo. Juiz a quo cumpriu a referida diretriz sobre a especificação factual, pois, descreveu os factos provados e os não provados, conforme se pode ver nas páginas 7 a 14 da sentença. Também motivou a decisão sobre a matéria de facto, o que fez nas páginas 15 a 19 da sentença; se o fez bem ou mal, é questão diferente, a qual será abordada aquando da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto. A errada, deficiente ou medíocre motivação da decisão sobre a matéria de facto não é causa de nulidade da sentença, pois apenas o é a falta de fundamentação no sentido já exposto. O mesmo se diga da insuficiência ou incompletude da motivação, relativamente às quais, tal como no que concerne ao erro em matéria de facto em geral, a lei consagra um meio processual específico de reação, que é a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, suscetível de conduzir à revogação ou anulação da sentença em recurso, mas não produz a sua nulidade.[5] Portanto, ao contrário do afirmado nas conclusões das alegações, seguramente a sentença não é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão, nem padece de falta de fundamentação. Termos em que improcedem as extensas conclusões formuladas sobre esta questão. * 2.2.2. Impugnação da decisão da matéria de facto Segundo indica nas conclusões XCII e CLII das suas alegações, o Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne aos pontos 31, 32, 33, 34, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 dos factos provados. Note-se que na conclusão XCII indica os pontos 31, 32, 33, 34, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54, enquanto na conclusão CLII apenas especifica os pontos 31, 32, 33, 34, 42, 45, 46, 47, 48, 50 e 54, ou seja, não há uma inteira coincidência, pois o ponto 43 só é indicado na conclusão XCII. Quanto ao resultado da impugnação, entende que todos esses pontos de facto devem ser julgados não provados (v. conclusão CLIII). Com vista a poder apreciar a aludida impugnação, procedemos à audição integral da gravação da audiência final e à análise de tudo quanto consta do processo, em especial os documentos, o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo Sr. perito. Na apreciação dos fundamentos do recurso, relativamente aos pontos de facto objeto da impugnação, seguiremos a sistematização do Recorrente, ou seja, a ordem pela qual expõe os seus argumentos nas alegações. * 2.2.2.1. Pontos 31, 32, 33 e 34 dos factos provados Estes quatro pontos de facto respeitam à matéria relativa à “roldana” (trata-se de um estendal, o qual é composto por duas roldanas e pela corda que circula entre aquelas), nos quais o Tribunal a quo julgou provado que: 31 – A única alternativa para os autores secarem a roupa sem utilizar os espaços comuns é fazê-lo no interior da habitação. 32 – A presença do estendal afeto à fração ... e o seu uso não dificultam o uso do pátio nem o acesso às garagens, 33 – não colocando qualquer entrave ou dificuldades à circulação e pessoas e veículos, 34 – nem é visível do exterior do edifício, designadamente a partir da via pública. O Recorrente começa por invocar o depoimento da testemunha DD, prima da atual administradora do condomínio, EE (v. pontos 127 a 146 da motivação das alegações), concluindo, nos pontos 144 e 145, que «a testemunha, explicou ao Tribunal a Quo, ponto por ponto, não só o hiato de tempo em que se encontra instalada a roldana, como também o transtorno e entraves que a mesma coloca» e que desconstruiu, «desse modo, de forma clara e inegável, o relatório pericial junto aos autos.» Sucede que a testemunha em momento algum afirmou «o hiato de tempo em que se encontra instalada a roldana» e muito menos «o transtorno e entraves que a mesma coloca». O alegado pelo Recorrente não tem qualquer suporte no depoimento da testemunha. Aliás, basta ler as passagens do depoimento que o Recorrente transcreve para concluir que a testemunha não produziu as alegadas afirmações sobre tais matérias. Na verdade, como o Sr. Juiz escreveu na sentença, em inteira consonância com a realidade, a testemunha «DD, funcionária pública, que viveu no prédio nos anos 1990, no ... andar», «[d]esconhece a existência do estendal dos autores nos moldes atuais». Esta é que é a verdade. Daí que o depoimento desta testemunha em caso algum permitiria considerar não provados os pontos 31, 32, 33 e 34. Seguidamente, o Recorrente socorre-se do «depoimento da Testemunha EE, coadministradora do Réu, e que conhece o prédio em causa há mais de 50 (Cinquenta) anos», nos termos que explicita nos pontos 146 a 148 da motivação das alegações. Para começar, EE não é testemunha nem depôs nessa qualidade. É coadministradora do Réu, pelo que prestou declarações de parte e é nessa qualidade que têm de ser analisadas, tal como, da mesma forma, as declarações de parte prestadas pelo Autor. Ambos têm interesse em que a causa seja decidida num ou noutro sentido. Por outro lado, lidas as passagens das declarações de parte que o Recorrente transcreve (que se teve a oportunidade de confrontar com a própria gravação), verifica-se que a declarante EE não se pronunciou sobre a matéria constante dos pontos 31, 32, 33 ou 34. Com efeito, nada disse sobre se é verdade ou não que «a única alternativa para os autores secarem a roupa sem utilizar os espaços comuns é fazê-lo no interior da habitação»; em momento algum, nas passagens transcritas, que pretensamente alicerçam a impugnação, afirmou que o estendal dificulta o uso do pátio ou o acesso às garagens, se coloca algum entrave ou dificuldade à circulação de pessoas e veículos ou se o estendal é visível a partir da via pública. Nesta conformidade, o declarado por DD e EE é inábil para pôr em causa a convicção do Tribunal recorrido sobre a realidade destes quatro pontos de facto. No ponto 127 da motivação o Recorrente alega: «No que concerne aos pontos 31, 32, 33 e 34, respeitante à roldana, o Julgador de 1.ª Instância alicerce-se no relatório pericial e nas declarações de parte dos Autores». Se bem interpretamos o alegado, o Recorrente sustenta que o Sr. Juiz a quo deu como provados tais factos apenas com base no relatório pericial e nas declarações de parte do Autor (a referência a “Autores” constituirá um lapso material, pois apenas o Autor AA foi ouvido em declarações de parte), o que, no seu entender, não será suficiente. A simples circunstância de existir um relatório pericial, cujas conclusões não se mostram infirmadas por qualquer outro tipo de prova, já seria suficiente para dar como provados os pontos 31, 32, 33 e 34 da factualidade provada e considerar bem fundada a convicção formada pelo Tribunal recorrido. Mas, para além de o Autor ter confirmado o que consta destes quatro pontos de facto, a mera observação das fotografias relativas ao estendal e ao enquadramento do prédio permite a esta Relação concluir que a decisão do Sr. Juiz está em conformidade com a realidade que resulta dos aludidos documentos. Mas ainda existem outros meios de prova que corroboram o que se deu como provado nestes pontos de facto. Estamos a referir-nos aos depoimentos das testemunhas FF, primo do Autor e que morava a cerca de 300 metros do prédio, e GG, amigo do Autor e residente então na zona do prédio, os quais frequentavam regularmente a casa que agora pertencente ao Autor, tendo conhecimento da roldana, do estendal e da respetiva função. Pelo exposto, improcede a impugnação relativamente aos pontos nºs 31, 32, 33 e 34 dos factos provados. * 2.2.2.2. Pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 dos factos provados Nestes pontos o Tribunal a quo julgou provado: 42 – A fração ... tinha problemas de acumulação de humidade nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens. 43 – A parede objeto da colocação de capoto não se encontra em contacto direto com chuvas ou outro tipo de águas. 45 – A falta de isolamento na parede onde foi colocado o capoto levava a que se formassem bolhas de condensação no interior da habitação dos autores por falta de proteção térmica. 46 – O espaço exterior de passagem, embora protegido pelo sol, atinge temperaturas baixas no inverno, que baixam a temperatura na parede, formando bolhas de condensação de água do ar interior da habitação pela face exterior dessa parede. 47 – o que provocava o enegrecimento geral dessa parede, com a presença constante de bolores e fungos, 48 – E humidade, sobretudo numa divisão utilizada como quarto do filho do dos autores. 50 – Desde a colocação do capoto, deixou de haver humidade por condensação na fração dos autores. 54 – A zona de colocação do capoto fica afastada da zona da curva existente no túnel de acesso às garagens, não interferindo nas manobras a realizar nessa curva. Analisada criticamente a prova produzida, segundo as regras da experiência comum, não se deteta qualquer erro de julgamento. O resultado probatório, expresso nos pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 dos factos provados mostra-se conforme com uma análise racional dos diversos elementos probatórios. No nosso entender, o Tribunal a quo julgou bem tais factos e fundamentou devidamente por que adquiriu a convicção sobre a respetiva realidade, como se pode ver na motivação constante da decisão recorrida. Em primeiro lugar, verifica-se que o Recorrente não faz uma correlação entre cada um dos referidos pontos de facto e os específicos meios de prova que alicerçam a impugnação: utiliza exatamente as mesmas passagens do depoimento da testemunha DD e das declarações de parte de EE, que serviram de base à impugnação da decisão sobre os pontos nºs 31, 32, 33 e 34 dos factos provados. Por conseguinte, fica-se sem saber que concretas passagens dos aludidos depoimento e declarações de parte servem de suporte à impugnação de cada um desses concretos pontos de facto. Além disso, o Recorrente, em vez de se apoiar nos concretos meios probatórios que imporiam decisão diversa da recorrida, tece um conjunto de considerações subjetivas (transpostas para as conclusões CXVII a CXLV, que correspondem quase ipsis verbis ao que consta da motivação das alegações), as quais, por si, não permitem infirmar o juízo probatório do Sr. Juiz, o qual encontra-se devidamente fundamentado e não se pode esquecer que a prova sem um valor fixado pela lei é livremente apreciada pelo tribunal segundo a sua prudente convicção (artigo 607º, nº 5, do CPC). É que não basta transcrever a generalidade de um depoimento ou de umas declarações de parte e afirmar que o juiz decidiu mal; é necessário demonstrar que o juízo probatório por ele formado está errado, aduzindo a respetiva fundamentação. E a fundamentação, à semelhança do que sucede com a sentença, tem de ser congruente, isto é, tem de fundamentar, de forma lógica, a impugnação. Essa fundamentação tem de ser suficiente, ou seja, tem de fornecer os concretos elementos probatórios («os concretos meios probatórios» na expressão da al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC) e as razões extraídas dos mesmos que justificam uma decisão diversa da recorrida, ou seja, tem de demonstrar por que se deve decidir num certo sentido uma determinada questão factual. Em segundo lugar, partindo da constatação de que o Recorrente baseia a impugnação dos pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 dos factos provados no depoimento da testemunha DD e nas declarações de parte de EE, verifica-se que aquela testemunha, como facilmente qualquer pessoa pode constatar através da mera leitura da transcrição dos excertos da gravação constante das alegações, nem sequer abordou qualquer uma dessas oito questões factuais. Sobram as declarações de parte de EE. Sucede que nos excertos transcritos no ponto 146 da motivação das alegações a declarante poucos esclarecimentos prestou relativamente a estes oito pontos de facto, os quais podemos sintetizar que consistiram no seguinte: - Não sabe a data ou sequer o ano em que foi aplicado o capoto (00:10:22: «Não posso precisar. Eu, eu, vou ser sincera, aquilo está sempre fechado por um portão»; mais à frente - 00:10:56: «Está-me a fazer perguntas difíceis, que eu não tenho memória para nada»). - Houve conversas prévias à 2ª assembleia de condóminos sobre o capoto (00:11:19: «Não, houve conversas antes. Houve conversas antes em relação ...impercetível... em relação aos armários, em relação ao sótão, em relação ao capoto.»). - A parede onde foi aplicado capoto não apanha sol ou chuva (perguntado se «aquela parede (…) não apanha sol, não apanha chuva», respondeu - 00:12:03: «Não, nada.» - O túnel onde se situa parede com capoto «funciona como caixa de água» (sic) (00:12:19: «este túnel na realidade funciona como caixa de água.»). - No túnel não circula ar do exterior (perguntado – 00:12:59 – se no túnel «deve circular ar do exterior», respondeu – 00:13:04: «Não. Circula o ar porque, o capoto até nos impediu de por lá um vidro, supostamente devia estar atrás do ar, e não conseguimos enfiar lá»; perguntado – 00:13:11 – se «é ou não verdade que aquele túnel está exposto ao ar livre. Se estiverem 0 graus na rua, estão 0 graus no túnel, correto?», respondeu – 00:13:23: «Nunca tive noção disso»). - O túnel não é aberto em ambas as extremidades, mas entra lá ar (00:13:49: «Não é aberto em ambas as extremidades.»; 00:14:03: «de qualquer forma, entra lá ar»). Por conseguinte, dos excertos transcritos pelo Recorrente apenas podemos retirar que a representante do Réu confirma o que consta do ponto nº 43 (A parede objeto da colocação de capoto não se encontra em contacto direto com chuvas ou outro tipo de águas.), o que até contraria a pretensão do Recorrente no sentido de considerar tal facto como não provado. A representante do Recorrente não se pronunciou sobre o ponto nº 42 (A fração ... tinha problemas de acumulação de humidade nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens), 45 (A falta de isolamento na parede onde foi colocado o capoto levava a que se formassem bolhas de condensação no interior da habitação dos autores por falta de proteção térmica), 47 (o enegrecimento geral dessa parede, com a presença constante de bolores e fungos), 48 (E humidade, sobretudo numa divisão utilizada como quarto do filho do dos autores), 50 (Desde a colocação do capoto, deixou de haver humidade por condensação na fração dos autores) e 54 (A zona de colocação do capoto fica afastada da zona da curva existente no túnel de acesso às garagens, não interferindo nas manobras a realizar nessa curva). É de notar que não visitou a casa dos Autores imediatamente antes ou depois da colocação de capoto, pelo que desconhece o estado em que estava e o que se verifica atualmente, depois daquela intervenção. Apenas aduziu que no túnel não circulava ar do exterior e que a parede em causa não apanha chuva ou sol. Também nada consta nos transcritos excertos sobre se a colocação do capoto interfere ou não com as manobras dos veículos que passam pelo dito túnel. Dito isto, as declarações de parte da representante do Réu não infirmam o que se deu como provado nos pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54. Aliás, nem sequer permitem pôr em dúvida a convicção formada pelo Tribunal a quo sobre a realidade de tais factos. Em terceiro lugar, a decisão do Tribunal recorrido sobre os pontos 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50 e 54 mostra-se devidamente motivada, em inteira consonância com os meios de prova produzidos relativamente a essa matéria, como resulta patente nos seguintes excertos da decisão recorrida: - «Os pontos 41º a 48º resultam do teor do relatório pericial (e seus esclarecimentos), conjugado com as declarações de parte do autor AA e dos depoimentos das testemunhas GG e FF. Todos confirmaram a existência de humidades na habitação dos autores, sobretudo num quarto onde dormia o seu filho, mas também noutras zonas da habitação. A perícia veio confirmar a existência desses problemas de humidade e de falta de isolamento, explicando criteriosamente os motivos que levam ao aparecimento da humidade. Apesar de protegida do sol, o senhor perito explicou cabalmente o motivo pelo qual a humidade surge. Também resultam das regras da experiência, nomeadamente os problemas causados pela humidade na fração. Percebeu-se que aquela parede ganhava muita humidade e que essa humidade é perniciosa para os habitantes da fração. É possível verificar que a parede se encontra enegrecida na parte onde não foi colocado capoto (doc. 10 da PI e fotos juntas com o relatório pericial).» - «O ponto 50º resulta das declarações de parte do autor, conjugadas com o relatório pericial junto aos autos. Percebe-se que a solução adotada acabou por resolver os graves problemas de humidade existentes. Conforme resulta do teor do relatório pericial, a solução adotada é aquela que se revela mais adequada em termos de preço/qualidade para resolver os problemas de humidade.» - «Os pontos 51º a 55º resultam sobretudo do teor do relatório pericial, conjugados com as fotos constantes do relatório e das declarações de parte do autor. Com o relatório ficou claro que a colocação do capoto não dificulta a realização de manobras no túnel de acesso às garagens e que é a melhor solução para os problemas de humidade existentes.» Em quarto lugar, considerando agora em concreto os meios de prova produzidos, quanto ao ponto 42º, tendo presente as declarações de parte do Autor, que referiu o que consta deste ponto, verifica-se que as mesmas são secundadas pelo relatório pericial. Partindo da observação da composição da parede, da sua localização e da antiguidade do prédio, considerou possível a formação de humidades nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens. Também as testemunhas GG (00:06:10 a 00:06:30), FF (00:07:20 a 00:08:12) e HH (de 00:02:07 em diante) confirmaram a existência de tais humidades. Em quinto lugar, quanto ao ponto 43, no nosso entender a sua realidade desde logo emerge das declarações de parte da representante do Réu, como já referimos. Consideramos pacífico que a parede objeto da colocação de capoto não se encontra em contacto direto com chuvas ou outro tipo de águas, pois isso também é percetível nas fotografias e também resulta do depoimento da testemunha HH, pessoa que realizou as obras para os Autores, designadamente a colocação de capoto. Em sexto lugar, os factos constantes dos pontos nºs 45 e 46 estão diretamente relacionados com o ponto nº 42, pelo que em parte alicerçam-se nos meios de prova já referidos. No ponto 42 alude-se genericamente a humidades, enquanto que no ponto 45 especifica-se o aparecimento de “bolhas de condensação” e estabelece-se uma relação de causa-efeito entre a falta de proteção térmica e as bolhas. O relatório pericial aponta no sentido de ser provável tal facto: «Verificou-se no local que a parede referida será constituída por bloco de cimento/tijolo de 20cm de espessura, rebocado e pintado em ambas as faces, dado que a espessura da parede é de cerca de 22cm. Deste modo, não é expectável existir qualquer elemento de protecção térmica na parede, tendo também em consideração a antiguidade da construção (mais de 50 anos) pelo que, é possível que se formassem bolhas de condensações no interior da habitação por não existir qualquer protecção térmica, sendo o espaço exterior de passagem embora protegido do sol, mas com temperaturas baixas no inverno, que baixam a temperatura da parede, podendo formar-se condensações de água do ar interior da habitação (mais quente) pela face interior dessa parede.» Também o depoimento da testemunha HH aponta em igual sentido, atento o que observou no quarto do filho dos Autores (00:02:07 e segs.), designadamente a existência de caruncho, o enegrecimento (“preto”) e que as costas do roupeiro estavam podres. Em sétimo lugar, a matéria dos pontos nºs 47 e 48 resulta provada em face do depoimento da testemunha HH. Além disso, também o Autor afirmou tal facto, bem como as testemunhas GG e FF. Também o relatório pericial secundava a tese factual da presença de humidade e das suas consequências. Em oitavo lugar, quanto ao ponto nº 50, além de resultar das declarações do Autor, as testemunhas FF e GG descreveram as melhorias ocorridas depois da colocação do capoto, em especial no quarto da criança. Em nono lugar, é diretamente observável nas fotografias, desde logo nas que ilustram o relatório pericial (fotos das páginas 10, 11 e 12) que a zona de colocação do capoto fica afastada da zona da curva existente no túnel de acesso às garagens. Por esse motivo não interfere nas manobras a realizar nessa curva. Também consta do relatório pericial, no seu item 2.4., que «[a] zona de aplicação do capoto fica afastada da zona da curva (considerando um veículo automóvel a percorrer o espaço), pouco ou nada interferindo nas manobras a realizar». Mais, apesar do conflito, a representante do Réu em momento algum referiu que a utilização do capoto dificulta as manobras. Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. ** 2.2.2. Reapreciação de DireitoNa parte relevante para apreciação do recurso em matéria de direito, os Autores, enquanto condóminos proprietários da fração ..., pediram a anulação de duas deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25.03.2022, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., em ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...08 e inscrito na matriz sob o artigo ...93º. Essas duas deliberações foram aprovadas com os votos favoráveis dos condóminos das frações ... e ... do prédio e consistiram no seguinte: a) Sob a epígrafe «1.6.4-Roldana», «A fração ... deverá retirar a roldana existente na parte comum do prédio, em concreto no topo da garagem da fração ...; b) Sob a epígrafe «1.6.5-Capoto no túnel de acesso às garagens», «A fração ... deverá retirar o capoto colocado na parte comum do prédio, em concreto no túnel de acesso às garage[ns], repondo a parede conforme estava». Na sentença considerou-se que as duas deliberações configuram uma situação de abuso do direito, razão pela qual determinou a sua anulação. O Recorrente sustenta que o abuso do direito «inexiste, uma vez que o Réu, numa assembleia de condomínio, devida e regularmente convocada, limitou-se a deliberar pela remoção das roldanas e destruição das obras ilicitamente realizadas pelos Autores». Vejamos separadamente as duas deliberações. * 2.2.2.1. Da retirada da roldana que integra o estendal da roupa Nos termos do artigo 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Para Manuel de Andrade[6] o abuso do direito verifica-se quando os direitos são «exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça» e nas «hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição». Numa formulação mais atual, como aquela que consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.12.2008 (proc. 08B2688 – Santos Bernardino)[7], «a figura do abuso do direito surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo». O abuso do direito é, ao fim e ao cabo, o exercício disfuncional de posições jurídicas[8]. É um instituto que se baseia em conceitos genéricos (boa-fé, bons costumes, fim social ou económico do direito e respetivos limites), mas que se destina a resolver problemas concretos, estando aberto à concretização casuística do que constitui o exercício abusivo de um direito, tarefa essa que tem sido levada a cabo pela jurisprudência, como bem o demonstra o caso dos autos. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a individualizar várias formas de exercício abusivo, autonomizando figuras jurídicas como o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a suppressio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício[9]. Essas designações tanto partem da caraterização do ato ou situação (por exemplo, o venire contra factum proprium) como da consequência jurídica aplicada ao ato abusivo (v.g., a supressio). No que respeita à deliberação que determinou a retirada da «roldana existente na parte comum do prédio, em concreto no topo da garagem da fração ..., o Tribunal recorrido considerou que essa deliberação «configura uma situação de abuso de direito na modalidade de suppressio.» Como a fundamentação da decisão está submetida à proibição da prática de atos inúteis (art. 130º do CPC), importa apenas apreciar se se verifica o abuso do direito na modalidade da supressio. As decisões judiciais não são atos recreativos e têm uma finalidade específica, pelo que não podem abordar questões irrelevantes para a resolução do caso concreto. A supressio ou supressão é uma figura que tem por base a inércia no exercício de uma posição jurídica em certas circunstâncias e durante um período temporal significativo, suscetível de criar fundada convicção de que não mais será exercida[10]. A consequência dessa especifica forma de comportamento abusivo é a que consta da sua designação: a supressão do direito. Trata-se de tutelar a confiança do sujeito contra o qual o direito não foi oportunamente exercido. Também aqui o fundamento da supressão radica na boa-fé: o comportamento assumido contraria a boa-fé, atenta a confiança ou expectativa gerada no sujeito passivo. A situação dos autos, no que respeita à imposição da retirada da roldana, é um típico e manifesto caso de abuso do direito na modalidade de supressio, como bem qualificou o Tribunal recorrido. A aludida roldana integra o estendal da fração dos Autores: existe uma primeira roldana encastrada na caixilharia do vão exterior da cozinha e uma segunda roldana, que é aquela cuja retirada foi determinada, fixada numa estrutura metálica localizada no teto das garagens do edifício; entre as duas roldanas circulam as cordas do estendal, sob o pátio aberto comum. Essa é a única solução possível para os habitantes da fração ... secarem a roupa no exterior, pois as duas outras frações (... e ...), situadas nos dois andares superiores beneficiam de estendais com apoios em perfis metálicos encastrados na face da parede exterior, o que não é viável na fração dos Autores por ser um ... e se verificarem os condicionalismos referidos nos pontos 18, 29 e 30. Por outro lado, a instalação do estendal foi realizada há, pelo menos, 30 anos, aquando da aplicação das marquises traseiras de todas as três frações, as quais suprimiram o espaço aberto de cada uma (varanda) que, antes, servia a finalidade de secagem de roupas. Nessa altura as frações do prédio encontravam-se todas arrendadas pelo mesmo proprietário e em todas elas foram colocados os estendais nos termos que já se referiram. Note-se que os três estendais – o do ..., o do ... andar e o do ... andar – foram todos instalados na mesma altura, aquando da aplicação das marquises nos três apartamentos. Portanto, estamos perante um estendal que há mais de 30 anos é utilizado na secagem das roupas dos utilizadores da fração ... do prédio, tanto pelos Autores como pelos seus antecessores. É este estendal que o Réu pretende suprimir, o qual existe desde data anterior à constituição do prédio em propriedade horizontal, operada por escritura pública de 19.09.1996 (v. doc. 3 junto à p.i.). Sendo certo que o estendal foi implementado quando ainda não existia condomínio, são destituídas de sentido útil as alegações do Réu, na parte em que se referem à roldana, sobre a obra ter sido realizada «sem autorização do Condomínio», ou quando imputam aos Autores um «total desrespeito e desconsideração pelos valores e diretrizes que impõem a propriedade horizontal» ou que realizaram «intervenções construtivas numa área comum do prédio, para a qual careciam de consentimento do condomínio e demais condóminos». Pura e simplesmente, quando foi instalado o estendal, não havia “valores e diretrizes impostos pela propriedade horizontal” e, como inexistia condomínio, não careciam do consentimento de um ente que ainda não existia ou de pessoas que não tinham a qualidade de condóminos. Não era, à data, uma intervenção construtiva numa “área comum” do prédio. Tratando-se de uma situação anterior à constituição do prédio em propriedade horizontal e que não sofreu entretanto qualquer alteração, verifica-se ainda que o estendal é utilizado há mais de 30 anos, tanto pelos Autores como pelos antecessores, que reparavam e faziam a manutenção do estendal sempre que necessário, mormente substituindo as cordas que pontualmente rebentavam, tudo de forma pública, à vista de toda a gente que podia aceder ao local, de forma pacífica, sem estorvo ou oposição de ninguém, de boa fé e de forma ininterrupta, sem qualquer interrupção ou hiato. Mais, o estendal afeto à fração ... e o seu uso não dificultam o uso do pátio nem o acesso às garagens, não colocando qualquer entrave ou dificuldade à circulação de pessoas e veículos, nem é visível do exterior do edifício, designadamente a partir da via pública, uma vez que se situa nas traseiras. Perdurando a apontada situação de facto há mais de 30 anos, estamos perante um não exercício prolongado do direito por parte quer do proprietário do prédio, até à constituição deste em propriedade horizontal, quer do subsequente condomínio, inação essa que é acompanhada de circunstâncias adjuvantes que levam a concluir pela fundada confiança dos Autores de que aquela posição jurídica – retirada da roldana implantada numa parte comum – não mais seria exercida. Essa confiança era justificada em face da pacífica instalação e utilização do estendal há mais de 30 anos, reforçada pela circunstância objetiva de que não incomodam ou prejudicam alguém com essa utilização. Por isso, obrigar os Autores, neste concreto circunstancialismo, a retirar uma roldana e com isso impossibilitá-los de secar roupa, constitui um ato que atenta contra o princípio da boa-fé. Pautar a conduta pela boa-fé é agir com lisura, correção e lealdade, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros, atento o sentido ético-objetivo que lhe é conferido pelo Código Civil. Impossibilitar os Autores do uso de um estendal que existe há mais de 30 anos, do qual necessitam e que não causa dano ou incómodo a quem quer que seja, atenta contra os ditames da boa-fé, pois defrauda a legítima confiança que os Autores fundaram. * 2.2.2.2. Da retirada do capoto da parede exterior Em fevereiro/março de 2020, os Autores, sem para isso terem autorização do condomínio, revestiram com uma camada de capoto a parede exterior da sua fração ..., a qual corresponde a parte da parede lateral do túnel de acesso ao pátio comum traseiro e garagens a partir da via pública. Como o capoto foi aplicado numa parte comum do prédio, à assembleia de condóminos assistia o direito de deliberar no sentido de ser retirado esse revestimento. Na sentença considerou-se o exercício desse direito abusivo, posição contra a qual se insurge o Recorrente, argumentando sobretudo que se trata um inequívoco direito da assembleia de condóminos reagir contra obras que «colidem, frontalmente, com os direitos que os outros condóminos detêm sobre as áreas comuns» e que «a colocação do capoto interfere no acesso carral às garagens», «[c]ausando manifestos prejuízos aos demais condóminos.» O abuso do direito pressupõe que quem o exerce tenha algum direito ou, genericamente, uma posição jurídica ativa. Se à conduta não subjaz qualquer direito, poderá até ser ilícita, nunca poderá ser considerada abusiva no exercício de um direito: se não tem o direito, não abusa do respetivo exercício. Daí que a argumentação baseada na existência do direito seja inconsequente; apenas demonstra um dos elementos de verificação necessária para que seja ponderado o instituto do abuso do direito. Depois, ao contrário do alegado pelo Recorrente, a colocação do capoto não «interfere no acesso carral às garagens» e não causa «manifestos prejuízos aos demais condóminos». Com efeito, está demonstrado, sob os pontos 54 e 55, que a zona de colocação do capoto fica afastada da zona da curva existente no túnel de acesso às garagens, não interferindo nas manobras a realizar nessa curva, e que o capoto foi colocado num troço do túnel totalmente reto. Tem alguma relevância a circunstância de a organização dos órgãos do condomínio apenas ter sido constituída após a colocação do capoto (ponto 56), sem prejuízo de se considerar que os Autores sempre poderiam suprir a necessidade de autorização da assembleia de condóminos mediante contato direto com os proprietários das outras duas frações, pois o prédio só integra três frações. Por outro lado, há que considerar que a obra era inequivocamente necessária e que cumpre a respetiva finalidade. A parede em causa não possuía qualquer tipo de isolamento e a falta de proteção térmica causava a formação de bolhas de condensação no interior da habitação dos Autores, razão pela qual a fração ... tinha problemas de acumulação de humidade nas paredes interiores confrontantes com o túnel de acesso às garagens. A parede apresentava-se enegrecida, com a presença constante de bolores e fungos. Desde a colocação do capoto, deixou de haver humidade por condensação na fração dos Autores. Se levanta dúvidas o sentido útil da retirada do revestimento de parte da parede exterior, na zona do túnel de acesso às garagens, numa situação em que o capoto é indispensável e não gera incómodos ou inconvenientes relevantes, o cumprimento da deliberação leva a um contrassenso dificilmente aceitável. Os Autores pediram, a título subsidiário, que «o Réu Condomínio condenado a efetuar, à sua custa, todos os trabalhos de isolamento da totalidade da parede exterior situada entre a fração ... e o túnel de acesso ao logradouro e garagens comuns, de forma a criar corte térmico tecnicamente adequado e a impedir fenómenos de condensação na parte interior dessa parede, com utilização dos materiais e técnicas que forem definidos pela prova pericial a produzir (ou, subsidiariamente, outros que o Tribunal repute adequados)». Por conseguinte, caso se concluísse que deveria ser executada a deliberação sobre a retirada do capoto colocado na parte comum do prédio (art. 1421º, nº 1, al. a), do Código Civil), repondo a parede conforme estava anteriormente, o aludido pedido subsidiário tinha necessariamente que ser julgado procedente, condenando-se o Réu a efetuar exatamente a obra que os Autores já realizaram, consistente no isolamento da totalidade da parede exterior situada entre a fração ... e o túnel de acesso ao logradouro e garagens comuns. Estaríamos perante uma situação caricata e incompreensível para qualquer pessoa estranha ao litígio: impunha-se aos Autores a destruição da obra por eles realizada e, em simultâneo, condenava-se o Réu a realizar subsequentemente uma obra em tudo idêntica à primeira, a expensas deste, para colmatar o problema que havia sido colmatado com a realização da obra anterior. Isto porque, como bem se salienta na sentença, o relatório pericial conclui que a solução executada é a melhor em termos de preço/qualidade para resolver o problema das humidades: «Para assegurar o “corte térmico relativamente à fracção ..., terá de ser utilizada uma solução pelo exterior da parede, sendo que a solução adoptada será a solução preferencial e mais comummente utilizada em situações em que se pretende aumentar á resistência térmica das paredes, e eliminar a formação de pontes térmicas. Existem outras soluções possíveis, mas serão menos eficazes, mais onerosas e a sua secção ocuparia um espaço semelhante ao utilizado. Poderiam ser aplicadas placas de 3cm de espessura de XPS em vez dos 4cm, ganhando 1cm no espaço disponível, mas a solução adoptada é a mais equilibrada. Uma solução pelo interior seria bastante dispendiosa (uma vez que a instalação sanitária teria de ser intervencionada), haveria uma perda de espaço interior em compartimentos já em si de pequenas dimensões, na mesma ordem de grandeza ou mesmo superior, e não seria uma solução eficaz para corte térmico. Também haveria a hipótese de destruir e refazer toda a parede, mas seria demasiado dispendiosa e também menos eficaz que a solução actual, que cobre a face dos pilares de fachada.» Determinar a destruição de uma obra para depois se ordenar a realização de outra obra em tudo idêntica à primeira, é percorrer um caminho jurídico, uma sequência de atos, para no final se voltar exatamente à situação que atualmente se verifica. É um desfazer e um, subsequente, refazer sem sentido. Ora, o instituto do abuso do direito existe precisamente para fazer face a situações como a dos autos, em que o exercício do direito se apresenta como disfuncional. Considerando o interesse tutelado pelo direito exercido e a consequência que se impunha depois de tal exercício, que era a realização da obra que o exercício do direito destruíra, o ato deliberativo é abusivo. Por isso, o exercício do direito não é permitido, devendo anular-se tal deliberação da assembleia de condóminos. Nesta conformidade, é de manter a decisão recorrida também na parte em determinou a anulação da deliberação atinente ao ponto “revestimento de capoto” efetuado pelos Autores, tomada na assembleia de condóminos realizada no dia 25.03.2022, por constituir expressão de abuso do direito, em violação do disposto no artigo 334º do Código Civil. Decaindo totalmente no recurso, o Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC). * 2.2.2.3. Da ampliação do âmbito do recurso Os Autores requereram a ampliação do âmbito do recurso, para o caso de proceder o recurso interposto pelo Réu. Como não procede a apelação do Réu, não se toma conhecimento da dita ampliação do objeto do recurso. *** III – Decisão Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença. Custas a suportar pelo Recorrente. * * Guimarães, 20.06.2024 (Acórdão assinado digitalmente) Joaquim Boavida José Carlos Dias Cravo Carla Maria da Silva Sousa Oliveira [1] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (v. 4/2024), in Blog do IPPC, em anotação ao artigo 154º do CPC. [2] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, (Reimp.), Coimbra Editora, pág. 140. [3] Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 670-672. [4] Ou seja, uma fundamentação disparatada ou absurda, sem qualquer relação com o que se discute, ou ininteligível, no sentido de que a generalidade das pessoas não a consegue compreender. [5] Apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença. A alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC não versa sobre a falta de motivação da decisão sobre a matéria de facto, mas sim sobre a ausência de indicação de factos provados ou dos fundamentos de direito. Portanto, há que distinguir entre vícios da decisão da matéria de facto e vícios da sentença, pois os primeiros não constituem causa de nulidade da sentença. Nesta conformidade, não se verifica uma nulidade da sentença quando os fundamentos de facto constam da sentença, mas o tribunal não especifica as razões pelos quais esses fundamentos são considerados adquiridos ou provados. Esta específica falta de fundamentação não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A invocação dos vícios da decisão sobre a matéria de facto é feita nos termos do artigo 640º do CPC, não decorrendo necessariamente do reconhecimento dos mesmos a anulação da decisão. Em regra, a Relação, em recurso que verse sobre a matéria de facto, substitui-se ao tribunal recorrido, sendo que nas restantes situações rege o artigo 662º, nºs 2 e 3, do CPC. Por conseguinte, fora dos casos previstos no artigo 662º, nº 2, do CPC (necessidade de renovação da prova, anulação da decisão por não constarem do processo todos os elementos que permitam à Relação a reapreciação, necessidade de ampliação da matéria de facto e anulação para o tribunal de 1ª instância fundamentar a decisão sobre facto essencial), o reconhecimento de um alegado vício de falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto só pode ter lugar quando o recorrente reage contra a mesma de uma forma processual específica, que é através da impugnação da decisão da matéria de facto, sujeita ao regime do artigo 640º do CPC. O recorrente tem de alegar o vício, concretizar os pontos de facto incorretamente julgados (incluindo os que deveriam ter sido carreados para a decisão e não o foram), indicar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre os pontos de facto em causa e especificar os meios probatórios que impõem essa decisão. [6] Teoria Geral das Obrigações, pág. 63, e RLJ, nº 85, pág. 253. [7] Disponível, tal como todos os demais que se citam, em www.dgsi.pt. [8] António Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 76. [9] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, tomo 1, Almedina, págs. 411 e segs. [10] Ana Prata, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), vol. I, Almedina, pág. 409. |