Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA ROLIM MENDES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO NOTIFICAÇÃO ENTRE MANDATÁRIOS PRAZO PARA RECLAMAR DA RELAÇÃO DE BENS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | - No âmbito de um processo de inventário, tendo a Requerente que não seja o cabeça de casal e que constituiu mandatário no processo, sido notificada da apresentação da relação de bens por parte do cabeça de casal, através da notificação entre mandatários prevista no art. 221º do C. P. Civil, essa notificação é válida, contando-se a partir da sua data o prazo para reclamar dessa relação de bens. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: Relatório No âmbito do processo de inventário para partilha de bens da herança de AA e de BB, requerido pela ora Recorrente, filha dos autores da herança e em que é cabeça-de-casal CC, também filho dos inventariados, por requerimento datado de fls. 34 veio a requerente, DD, dizer que não foi notificada para os efeitos do art. 1104º do CPC, pelo que o despacho datado de 20/02/2024 certamente tratar-se-á de um lapso, e veio requerer a sua notificação para deduzir a competente reclamação à relação de bens. Notificado deste requerimento nos termos do art. 221º do CPC, o cabeça-de-casal nada veio dizer. Por requerimento de fls. 38 veio a mesma requerente arguir a nulidade dos atos (art. 195º do CPC), com base na omissão de uma formalidade legal, uma vez que não foi notificada para impugnar a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal. Sobre este requerimento recaiu despacho que indeferiu a arguição de nulidade. Inconformada veio a Requerente recorrer, formulando as seguintes conclusões: A) O presente recurso tem como objeto matéria de direito do despacho proferido nos presentes autos que considerou regular a notificação da interessada requerente (aqui recorrente) para impugnar a relação de bens, pela via do artigo 221º do CPC, sendo suscetível de afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados e suscetível de influir na partilha. B) O douto Tribunal “a quo” sustenta a sua tese com base na fundamentação do acórdão datado de 23.03.2023 do Tribunal da Relação de Guimarães, entendendo que os interessados estando representados por mandatário judicial são notificados nos termos do artigo 221º, nº1 do CPC. C) O entendimento desse acórdão é referente à matéria de resposta à reclamação de bens (artigo 1105º CPC) e não à matéria em causa. D) A matéria em causa difere porquanto diz respeito à notificação para impugnar a relação de bens de acordo com o artigo 1104º do CPC. E) A interessada requerente (aqui recorrente) deveria ter sido notificada pela secretaria da relação de bens e para efeitos do artigo 1104º, al. d) do CPC nos termos do artigo 220º do CPC. F) O recurso é interposto do douto despacho judicial proferido em 06.03.2024 com a referência ...11 e notificado à mandatária em 08.03.204 (referência ...30) que indeferiu os requerimentos da mandatária da aqui recorrente com as referências ...74 e ...80, datados de 22.02.2024 e 01.03.2024, respetivamente. G) No dia 31 de Outubro de 2023, com a referência ...07, a ora Recorrente deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível de ..., do requerimento de início de processo de inventário para partilha de bens da herança por óbito de EE e BB. H) Por requerimento datado de 14.12.2023, o cabeça de casal juntou aos autos a relação de bens (Ref. ...27). I) Em 20.02.2024, o douto Tribunal a quo proferiu o despacho com a referência ...95, notificando a requerente e requerido para dar forma à partilha no dia 21.02.2024 com a referência ...80, no prazo legal de 20 dias. J) Em 22.02.2024, não conforme, a recorrente requereu o seguinte (ref....74): “1. A requerente não foi notificada para efeitos do artigo 1104º do Código de Processo Civil, 2. Pelo que, o despacho que antecede da qual a requerente foi notificada tratar-se-á de um lapso, salvo melhor opinião. 3. Neste sentido, requer-se a notificação da requerente para deduzir a competente reclamação à relação de bens.” K) Em 01.03.2024, após a forma à partilha proposta pelo cabeça de casal (Ref. ...55), a requerente (aqui recorrente) requereu o seguinte (ref....80): “1.A falta de notificação da interessada/requerente para impugnar a reclamação de bens apresentada pelo cabeça de casal, nos termos do artigo 1104º do Código de Processo Civil, constitui uma nulidade dos atos, com base na omissão de uma formalidade legal, 2. Uma vez que a falta dela influi no exame ou na decisão da causa, de acordo com o artigo 195º do CPC. Vejamos, 3. O cabeça de casal relaciona bens que não existem e olvidou bens que existem! 4. Para além disto, a requerente é possuidora de todas as provas de bens existentes e que não foram relacionados, ao contrário do cabeça de casal que não junta qualquer documento. 5. Face a isto, dúvidas não restam que o conteúdo da relação de bens irá ser alterado drasticamente. 6. Para tal, à requerente tem que lhe ser concedido o direito ao contraditório. 7. Por conseguinte, todos os atos subsequentes deverão ser anulados como é a forma à partilha apresentada pelo cabeça de casal. 8. Posto isto, requer-se a anulação dos atos e a notificação da requerente para impugnar a relação de bens.” L) O Tribunal a quo procedeu à notificação do dia e a hora para a conferência de interessados e proferiu o despacho de que se recorre (...11), determinando que a interessada requerente (aqui recorrente) foi notificada pela mandatária do cabeça de casal da relação de bens e para efeitos do artigo 1104º do CPC de acordo com o artigo 221º, nº1 do CPC. M) A ora recorrente não se pode conformar, porquanto a Meritíssimo Juiz omitiu a formalidade prevista no artigo 1104.º, n.º 1, alínea d) e nº2, do CPC, produzindo a nulidade dos atos de acordo com o artigo 195º do CPC olvidando a competência da secretaria (artigo 220º do CPC). N) Os efeitos que a não reclamação da relação de bens produzem são equiparáveis aos efeitos da não contestação (artigo 567º e 574º ambos do CPC), isto é, os factos não reclamados são considerados confessados. O) A fase da contestação é, por isso, uma fase com um elevado grau de importância, nomeadamente é a fase onde o direito ao contraditório é exercido na sua forma mais plena. P) Perante tal, não pode o Tribunal a quo olvidar da notificação da recorrente para exercer o direito mais elementar para defesa dos seus direitos como é o direito ao contraditório e como legalmente se impõe. Q) A impugnação da relação de bens deve ocorrer sob cominação, conteúdo e advertências previstas no artigo 1104º do CPC com remição aos artigos do processo declarativo comum no que concerne aos efeitos preclusivos: efeito que só resulta da notificação oficiosa (entenda-se da secretaria), o que não sucedeu in casu, pelo que não tendo a notificação cumprido as formalidades legais, jamais a não resposta à relação de bens pode ter o efeito cominatório da confissão. R) Nos presentes autos, não se verificou a fase da oposição ou do contraditório, dado que, a Recorrente não foi notificada pelo Tribunal nos termos do artigo 1104.º e 220º ambos do CPC, formalidade legal que foi omitida e que, prejudica os direitos da recorrente que, se viu privada de apresentar a Reclamação à Relação de Bens. S) Acresce ainda que, as notificações entre mandatários estão previstas no processo declarativo comum para os atos que se pratiquem posteriormente à notificação da contestação (conforme artigo 221º nº1 do CPC), o que não é o caso nos presentes autos. T) E mesmo que assim se entendesse, o que não se concede, sempre se diga que, a reclamação à relação de bens equivale a uma contestação. U) O despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz, viola as disposições legais previstas no artigo 1104.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, e artigo 220º, nº2, ambos do CPC, o qual, deve ser substituído por outro, que determine a notificação da ora Recorrente para exercer o seu direito de Reclamação da Relação de Bens apresentada pelo Cabeça de Casal. V) De acordo com a fundamentação do despacho de que se recorre do Tribunal a quo, a recorrente considera-se notificada com o despacho que ordene as citações ao cabeça de casal, de acordo com o artigo 1100º nº3 do CPC. W) O prazo de 30 dias para apresentar reclamação à relação de bens não pode começar a correr da notificação ao requerente do despacho que ordene a citação do cabeça de casal que, uma vez citado, há de apresentar a relação de bens no prazo de 30 dias (conforme o artigo 1102.º do CPC). X) Não pode estar a correr prazo para exercício do contraditório relativamente a ato que não foi ainda praticado no processo! Y) Pelo que tal fundamentação do Tribunal a quo não pode ser legalmente admissível, na medida em que o contraditório não pode ser exercido naqueles termos. Z) Entende-se, porém, que a requerente (aqui recorrente) deveria ter sido notificada oficiosamente pela secretaria e não se considerar notificada pela mandatária judicial do cabeça de casal, em razão da fase do pleno exercício do contraditório e dos efeitos que daí advêm. AA) Veja-se que o artigo 220º nº1 do Código Processo Civil dispõe sob a epígrafe “Notificações Oficiosas” o seguinte: “(…) devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes.” BB) Prescreve ainda o nº 2 o seguinte: “Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas, ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem prévia citação”, pelo que, a secretaria em face da relação de bens apresentada tinha e tem de oficiosamente notificar a requerente e a mandataria da requerente nos termos e para os efeitos dos artigos 1104º CP Civil, o que não fez, omitindo assim um ato previsto na lei. CC) Com a leitura deste artigo torna-se nítido que a secretaria deve oficiosamente notificar as partes quando os despachos lhes possam causar graves prejuízos ou simplesmente quando possam responder a requerimentos! DD) A recorrente, no caso em apreço, não foi notificada da relação de bens (que é um requerimento) e em consequência da possibilidade de apresentar reclamação à relação de bens. EE) Por fim, diga-se ainda, que o procedimento adotado pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local cível de ... para a questão agora em causa nos presentes autos, sempre foi a de ser a própria secretaria a proceder à notificação dos ilustres mandatários nos termos dos artigos 1104º CPC independentemente de os mesmos já terem sido ou não notificados pelo mandatário que apresentou a relação de bens nos termos do artigo 221º do CPC. FF) Demonstrativo desse facto foi entre outras a notificação realizada pelo Tribunal a quo à aqui mandatária no âmbito do processo de inventário 379/23...., em que apesar da notificação eletrónica efetuada pelo mandatário da parte contrária precisamente da relação de bens apresentada mediante requerimento com a referência ...34 de 06/10/2023 desses autos, o Tribunal a quo notificou a mandatária da requerente em 02/11/2023 para o cumprimento do 1104º do CPC com a referência ...47 desses autos e cuja certidão se requererá afinal afim de instruir os presentes autos: [Imagem] GG) Veja-se que as até as datas da prática dos atos são coincidentes, ao contrário dos atos praticados, de maneira que a diferença é flagrante nem se pode compreender, HH) Porquanto defrauda os direitos de todos os cidadãos! II) A omissão da secretaria de um ato que vem desde sempre praticando, e que está previsto na lei – artigo 1104º e 220º do CPC- violou o princípio da certeza e segurança jurídica, o princípio da confiança e ainda o princípio de igualdade de armas previsto no artigo 4º do CPC, sendo que é jurisprudência unânime dos tribunais de primeira instância que a notificação aqui em causa no presente recurso seja levada a cabo pela secretaria. JJ) O douto despacho viola, ao absorver a omissão de um ato legalmente devido, o disposto nos artigos 1104º, nº1, al. d) e nº2 e 220º, nº2 do CPC. KK) Assim e face ao supra exposto deve ser revogado e, portanto, anular-se o douto despacho ora posto em crise, e ser ordenada a notificação da mandatária da requerente nos termos do artigo 1104º do CPC, ato este a realizar pela secretaria. LL) Mas mesmo que assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite sem conceder, sempre se diga que é inconstitucional o artigo 1104º do CPC na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal de 1ª Instância ao entender que a notificação à interessada requerente da relação de bens e por conseguinte apresentar reclamação à relação de bens não é uma ato oficioso da secretaria, e viola o disposto nos artigos 2º, 13º e 20º da CRP, sendo, por isso materialmente inconstitucional, e fere o disposto em Convenções Internacionais a que Portugal aderiu – leia-se o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. MM) A única interpretação compatível com a Constituição da República Portuguesa é aquela segundo a qual a notificação à recorrente da relação de bens e em consequência apresentar a competente impugnação contra a relação de bens é um ato oficioso da secretaria. NN) Pugna a Recorrente que, cabe à secretaria a notificação da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal e a consequente notificação para apresentar reclamação da relação de bens, em cumprimento com o disposto no artigo 220º do CPC e nos termos do disposto no artigo 1104º, 1, al. d) e 2 do CPC. OO) Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1104º, nº1, alínea d) e nº2, 220º, nº2 ambos do CPC e os artigos 2º, 13º e 20º da CRP, pelo que, deverá Vossas Excelências Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães revogar com todas as consequências legais o despacho recorrido, PP) Concretamente, deverá Vossas Excelências Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães revogar o despacho datado de 06.03.2024 com notificação à mandatária da recorrente em 08.03.2024, proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-o por outro que ordene a notificação da mandatária da requerente nos termos do artigo 1104º do CPC e 220º, nº2 do CPC. Termos em que, e nos melhores de Direito que V/Exas. Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve o despacho proferido pelo Tribunal de Primeira Instância ser revogada e substituído por outra que ordene a notificação da requerente (aqui recorrente) para reclamar a relação de bens. Fazendo V. (s) Excelências (s.) a acostumada JUSTIÇA! * Pelo cabeça de casal foram apresentadas contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.* Factos com interesse para a decisão do recurso:- Em 31/10/23, DD, ora Recorrente, deu entrada a processo de inventário para partilha de bens da herança de AA e de BB, seus pais, indicando como cabeça de casal o interessado CC. - A apresentação deste requerimento foi efetuada por mandatária, tendo sido junta a respetiva procuração. - Por despacho de 7/11/23, foi nomeado cabeça de casal CC, filho dos Inventariados e irmão da Requerente e determinada a sua citação nos termos previstos no art. 1100º, nº 2, al a) e 1088, nº 2, do C. P. Civil. - Na sequência da sua citação, veio o cabeça de casal juntar relação de bens em 14/12/23. - Este requerimento foi notificado à Il Mandatária da Requerente através da notificação entre mandatários efetuada nos termos do art. 221º do C. P. Civil. - Por despacho de 8/1/24, determinou-se a junção de documentos por parte do cabeça de casal, - Este despacho foi notificado ao Il. Mandatário do Cabeça de casal e à Il. Mandatária da Interessada em 12/01/24. - Os documentos cuja junção foi determinada pelo despacho acima referido foram juntos pelo cabeça de casal em 19/01/24. - Por despacho de 20/02/24 foi determinada a notificação dos interessados nos termos e para os efeitos previstos no art. 1110º, nº 1, b) do CPC (para elaboração de proposta de forma à partilha). - Na sequência da notificação deste despacho, em 21/02/24, veio a Interessada arguir a sua falta de notificação para apresentar reclamação à relação de bens, solicitando que se efetuasse essa notificação. - Em 6/3/24 foi proferido o despacho recorrido que indeferiu a solicitada notificação. * Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.A Recorrente vem no presente recurso invocar a nulidade decorrente da falta de notificação para impugnar a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal. Em 1 de janeiro de 2020 entrou em vigor a Lei nº 117/2019 de 13 de setembro que alterou o regime do processo de inventário. Este regime é aplicável aos presentes autos, uma vez que os mesmos deram entrada em tribunal posteriormente à sua entrada em vigor. Tal como nos dizem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres (in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, pág. 8) “O novo modelo do processo de inventário assenta em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração dado que fixa para cada ato das partes um momento próprio para a sua realização.” Explicam estes autores que, no modelo ora instituído, o processo de inventário para fazer cessar a comunhão hereditária, comporta as seguintes fases: - Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (arts. 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (arts. 1104º a 1107º). No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (v. art. 1104º do C. P. Civil). - A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias – entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha. - A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha. * Efetuadas estas considerações gerais, importa então verificar se, no caso, a Interessada se deve ou não considerar notificada para apresentar reclamação à relação de bens.Dispõe o art. 1104º do CPC: “1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança. 2 - As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo. 3 – (…)” (sublinhados nossos) Como decorre do preceituado no art. 219º do C. P. Civil, a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, empregando-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. Sobre as notificações no âmbito de processos pendentes, dispõe o art. 247º do C. P. Civil o seguinte: “1 – As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais. 2 – Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato processual, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.” Por sua vez, o art. 221º do mesmo Código, determina que, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário da contraparte. Assim, a notificação pessoal aplica-se quando, no âmbito de um processo, é necessário chamar a parte para a prática de ato processual ou quando, no caso, se justifique que se apliquem as regras da citação, como por exemplo quando “a lei atribua ao silêncio ou omissão da parte um efeito dispositivo ou pré-dispositivo dos seus direitos e obrigações” (v. Ac. R.L. de 21/10/21 in www.dgsi.pt ), como ocorre no caso da notificação à parte de transação subscrita pelo seu mandatário que não tem poderes especiais para tal. No caso em análise, tendo em conta o que acima se disse sobre esta forma de notificação, não se vê qualquer razão para que mesma tenha que ser feita com recurso às normas que regulam a citação. Por outro lado, tendo a ora Recorrente sido a Requerente do inventário, não tem aplicação no caso o disposto no art. 1104º, nº 1 do C. P. Civil, já que aí se prevê a chamada ao processo de quem ainda não é interveniente no mesmo. O artigo 1104.º, n.º 2, do CPC prevê que a reclamação à relação de bens seja exercida, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário no prazo de 30 dias contado da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º - norma que determina a notificação do cabeça de casal, quando seja o requerente, do despacho que ordena as citações e notificações referidas neste preceito -, no entanto, como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. II, pág. 564), esta notificação deve também ser efetuada ao requerente que não exerça o cargo de cabeça de casal, como acontece no caso em apreço. Contudo, como bem se observa no Acórdão da Relação de Évora de 25/05/23 (in www.dgsi.pt ) “da notificação ao requerente do despacho que ordene a citação do cabeça de casal não pode começar a correr o prazo de 30 dias para apresentar reclamação à relação de bens que o cabeça de casal, uma vez citado, há de apresentar no prazo de 30 dias – cfr. artigo 1102.º do CPC. Não pode estar a correr prazo para exercício do contraditório relativamente a ato que não foi ainda praticado no processo. Daí que o n.º 2 do artigo 1104.º do CPC preveja o exercício das faculdades referidas no n.º 1 com as necessárias adaptações.” Assim, o Requerente que não seja o cabeça de casal, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 1104º, tem 30 dias após a notificação da relação de bens, para reclamar desta. Tendo a Requerente do inventário constituído mandatária, a notificação da apresentação de bens, que inicia o prazo para dela reclamar, deve, sem qualquer dúvida, ser efetuada na pessoa da sua mandatária (art. 247º do C. P. Civil), mas deve tal notificação ser efetuada pela secretaria ou é suficiente que a mesma se faça nos termos do art. 221º do C. P. Civil? Analisando o art. 221º, vemos que as notificações entre mandatários dos atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes apenas são obrigatórias após a notificação da contestação do réu ao autor, ou seja, os mandatários apenas são obrigados a notificar os colegas que patrocinam outras partes no mesmo processo a partir da notificação ao autor da contestação, não quer dizer que não o possam fazer antes. Este preceito está pensado para as ações declarativas comuns, sendo certo que o processo de inventário tem uma tramitação diferente da dessas ações e, portanto, relativamente a este tipo de processo não decorre da lei a partir de que momento as notificações entre mandatários são obrigatórias para estes, desonerando as secretarias judiciais. Não é, no entanto, necessário analisar a partir de que momento devem, no processo de inventário, os Srs mandatários notificar os colegas que patrocinam outros interessados no processo, ao abrigo do art. 221º do C. P. Civil. Com efeito, tal como se refere no Acórdão desta Relação de 2/6/22 “no atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica (salvo justo impedimento (art. 144º, nº 8)”. Tal como resulta do preâmbulo do DL 183/2000 de 10 de agosto, que introduziu o art. 229º - A do C. P. Civil, que corresponde ao atual 221º, visou-se com esse novo regime combater a morosidade processual, desonerando as secretarias judiciais de atos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como a receção e envio de articulados e requerimentos autónomos, ou seja, aqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz. No caso – notificação à Requerente/Interessada da relação de bens – não há qualquer razão para não considerar validamente efetuada à Interessada, a notificação da relação de bens, uma vez que tanto a Requerente como o cabeça de casal constituíram mandatário. Na verdade, tal como se refere no Acórdão deste Tribunal de 23/3/23, que também trata de uma questão de inventário (notificação da reclamação à relação de bens), “Num tal caso, tanto a notificação pela secretaria como aquela que é feita pelo mandatário judicial do apresentante são efetuadas eletronicamente e com as mesmas garantias.”. Com efeito, no caso em apreço, tendo a interessada sido requerente do processo, se a notificação tivesse sido efetuada pela secretaria, limitar-se-ia a dar conhecimento da apresentação da relação de bens, não contendo qualquer outro elemento para além deste, pelo que, tendo a mesma sido efetuada nos mesmos termos pelo mandatário da parte contrária, seria um ato inútil repeti-la, e como tal proibido por lei (v. art. 130º, do C. P. Civil). Se há secções de processos que têm procedimentos diferentes da que tem a cargo este processo, como a que tem a cargo outro processo que a Il. Mandatária da Requerente patrocina, isso não quer dizer que um ou outro dos procedimentos esteja errado. São procedimentos diferentes, só isso! Assim, tendo a Mandatária da Interessada sido notificada da apresentação da Relação de Bens por parte do cabeça de casal, a mesma considera-se validamente notificada, contando-se da data desta notificação o prazo para reclamar da mencionada peça processual, previsto no art. 1104º do C. P. Civil. Este entendimento não viola qualquer norma constitucional, designadamente os arts. 2º (Estado de Direito Democrático), 13º (princípio da igualdade) e 20º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), invocados pela Recorrente. Efetivamente, tratando-se, a notificação pela secretaria e a notificação entre mandatários, de formas de notificação equivalentes e, portanto, com as mesmas garantias, não verificamos que tendo a Interessada sido notificada na pessoa da sua mandatária, pelo mandatário da parte contrária, ao abrigo das leis processuais vigentes, que isso constitua qualquer limitação inadequada ou desproporcionada aos direitos constitucionais da Recorrente, Por tudo o que acima se expôs, julga-se improcedente o recurso e confirma-se a decisão recorrida. * Decisão:Nos termos que se deixaram expostos, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. * Guimarães, 20 de junho de 2024 Alexandra Rolim Mendes Carla Maria de Sousa Oliveira Alcides Rodrigues |