Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA CONTRATO PROMESSA DIREITO DE RETENÇÃO TRADIÇÃO DA COISA CONSUMIDOR | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/02/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I – São três os pressupostos do reconhecimento do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do Código Civil: a) – a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real; b) – a entrega ou tradição da coisa objeto do contrato-promessa; c) – a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa. II – A tradição exigida para que se constitua o direito de retenção nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC reclama apenas a detenção material lícita da coisa, não se confundindo com a posse e podendo existir sem esta. III - A não conclusão da construção não é causa de impedimento ou impossibilidade da tradição do andar. IV - Segundo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20.03.2014, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente-comprador apenas goza do direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do CC, caso detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor. V - Tomando como referencial para tal efeito a noção de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31/07, relevante é que o promitente-comprador destine o imóvel a uso particular, no sentido de não o comprar para revenda, nem o afetar a uma atividade profissional ou lucrativa. VI – O momento relevante a que se deve reportar a determinação do uso a dar ao bem ou serviço é o da celebração do contrato. VII – Sendo os promitentes-compradores pessoas singulares e destinando a fração por eles pretendida adquirir a sua habitação própria, devem os mesmos ser considerados consumidores, nos termos e para os fins do disposto no art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório No apenso de reclamação de créditos, na sequência da declaração de insolvência de “M. R., Lda.”, a correr termos Juízo Local Cível de Vila Real – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, veio o credor “Banco ..., SA”, atualmente substituído processualmente por “X, SA” e “Banco ..., SA”, impugnar o crédito (de € 57.000,00) reconhecido a C. F. e mulher A. M.. Impugna o aludido crédito, quer quanto à sua existência, quer quanto à natureza garantida do mesmo, por direito de retenção sobre a verba n.º 30 do auto de arrolamento de bens. * Responderam à impugnação do Banco ... os credores C. F. e A. M., mantendo o alegado na reclamação e pugnando pela improcedência da impugnação.* Na sequência do despacho que ordenou a adequação formal dos autos, com vista à tramitação em separado das impugnações, foi proferido despacho saneador quanto à presente impugnação, com a identificação do objeto do processo e enunciação dos temas da prova.* Realizou-se audiência de julgamento.* No decurso da audiência, os credores C. F. e A. M. declararam pretender que fossem atendidos os factos atinentes à qualidade de consumidores resultantes da audiência, nos termos do disposto, entre outras normas, no artigo 5º, nº 2, al. b) do CPC “ex vi” do artigo 17º do CIRE.* Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu decisão final, datada de 8/11/2018, (cfr. fls. 32 a 41), nos termos da qual decidiu julgar «a impugnação deduzida pelo credor hipotecário totalmente improcedente e em consequência: I – Reconhece[u] o crédito reclamado pelos credores C. F. e A. M., nos termos constantes da lista de créditos reconhecidos, pelo valor de € 57.0000,00 (cinquenta e sete mil euros), garantido por direito de retenção sobre a verba nº 30 do auto de arrolamento (ref.ª 644452, apenso M)». * Inconformada, a impugnante X, S.A. interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 2 a 10) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):«A. Vem a aqui Recorrente interpor o presente recurso da sentença que reconhece o crédito reclamado pelos credores C. F. e A. M., pelo valor de € 57.0000,00 (cinquenta e sete mil euros), garantido por direito de retenção sobre a verba n.º 30, por não se conformar com a mesma. B. A matéria de facto assente e dada como provada na douta sentença em apreço e relevante para a boa decisão da causa é a seguinte: 1. Por sentença de 10/07/2015, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de “M. R., Lda.”. 2. Por escritura pública celebrada em 28/04/2009, e competente documento complementar que a integra, no Cartório Notarial de Vila Real, perante a Notária M. J., a insolvente “M. R., Lda.” Constituiu a favor do Banco impugnante hipoteca para garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades que existam ou venham a existir, em seu nome, emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder pelo Banco impugnante, até ao valor limite de quatro milhões e seiscentos mil euros, conforme Doc.1 junto com a impugnação do Banco cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 3. A referida hipoteca foi constituída sobre diversos imóveis, bem como sobre quaisquer benfeitorias neles a realizar, todos situados na Quinta do ..., freguesia de Vila Real (...), concelho de Vila Real, inscritos a favor da insolvente pela Ap. 1 de 1991/12/09, nomeadamente: a. Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1); b. Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1); c. Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1). 4. A hipoteca foi registada a favor do Banco impugnante na Conservatória do Registo Predial de Vila Real pela AP. 3043 de 2009/04/07, conforme Doc. 2, Doc. 3 e Doc. 4 juntos com a impugnação do credor “Banco ...”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 5. Por documento particular datado de 19/07/2013, com reconhecimento por semelhança de assinaturas datado de 31/10/2014, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, “M. R., Lda.” representada pelo seu sócio gerente M. R., declarou prometer vender C. F. e A. M., e estes declararam prometer comprar, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 142.500,00 (cento e quarenta e dois mil e quinhentos euros), a fração autónoma designada pela letra .., tipo T3, situada no .. andar direito, com 1 lugar de garagem na cave n.º .., situado no prédio a construir em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º .../20090127 e inscrito na matriz sob o artigo ...°, atual artigo 21 da União de Freguesias de Vila Real no loteamento do ..., Vila Real (conforme doc. nº 1 junto com a resposta dos credores C. F. e A. M., que aqui se dá por reproduzido). 6. Mais declararam os outorgantes que o ajustado preço de € 142.500,00 seria pago nos termos e prazos seguintes: a. A título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) no dia 24/07/2013; b. Em 05/08/2013 a quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros); c. A restante parte do preço seria paga pelos promitentes-compradores, no ato da escritura prometida, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros). 7. Por documento particular, datado de 01/08/2013, a insolvente e os credores celebraram um aditamento ao acordo mencionado em 6, nos termos do qual: a. Em 5/08/2013 os credores pagariam a quantia de 37.000,00€ (trinta e sete mil euros); b. E o restante valor de 85.500,00 € (oitenta e cinco mil e quinhentos euros) seria pago no ato da escritura definitiva de compra e venda (cfr. Doc. 3 junto com a resposta dos credores, que aqui se dá por reproduzido). 8. Os Credores entregaram à insolvente a quantia de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), através dos cheques nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013 e nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013. C. A matéria de facto não provada salienta o facto de que não ficou provado que os Credores praticaram atos sobre a fração e lugar de garagem na intenção e convicção de que os mesmos lhes pertenciam, como se a coisa sua fosse. D. Ao contrário do entendimento do douto Tribunal a quo, não ficaram provados os seguintes factos: 1. Os Credores entregaram à insolvente a quantia de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), a título de sinal, através dos cheques nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013 e nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013. 2. A fração destinava-se à sua habitação. E. Em sede de audiência e discussão de julgamento e com o depoimento das várias testemunhas arroladas pelos Credores, ficou claro e tal como consta da douta sentença ora recorrida, que os credores entregaram dois cheques, um no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) e outro no valor de € 37.000,00 (trinta e sete mil euros), em datas distintas. F. Dir-se-á que andou mal o douto Tribunal ao considerar o pagamento destes dois cheques como pagamento a título de sinal de um contrato-promessa, quando nem o próprio contrato-promessa o classifica como tal, dando essa classificação apenas e tão só ao pagamento do valor de € 20.000,00 (vinte mil euros). G. Uma coisa é o valor pago a título de sinal, outra coisa completamente distinta é o valor de uma entrada inicial para beneficiar de algum privilégio junto de uma instituição bancária, pelo que não se concebe aqui o entendimento do douto Tribunal a quo. H. Mais, não pode a aqui Recorrente concordar com a afirmação de que a fração ora em apreço se destinava a habitação dos Credores, porquanto os mesmos nada fizeram para que a mesma se tornasse habitável, nem tão-pouco alguma vez lá moraram, como aliás, ficou provado com toda a prova testemunhal produzida, como melhor se entenderá com a exposição infra. I. Surpreendeu-se a aqui Recorrente com a afirmação pelo douto Tribunal a quo de que existiu um acordo entre a insolvente e os credores A. S. e A. A. para que estes procedessem à conclusão das obras na fração sub judice. J. Ora, não pode a aqui Recorrente concordar com tal afirmação, porquanto ficou provado de que os Credores nunca fizeram qualquer obra no apartamento, nem tão-pouco nele habitaram alguma vez. K. Diz-nos o artigo 441.º do Código Civil (adiante abreviadamente designado por CC) que: “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor (…)”. L. No aditamento do contrato-promessa sob análise, consta da sua cláusula Segunda, n.º 1, al. a) que a título de sinal seria entregue pelos promitentes-compradores (os aqui Credores) ao promitente-vendedor (o aqui Insolvente), a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros). M. Ora, não se concebe que o Tribunal a quo tenha entendido como pagamento de sinal a quantia de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), quando na verdade o próprio contrato-promessa apenas se refere à quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), como tendo sido paga a título de sinal. N. Assim, conclui-se que a ter sido paga qualquer quantia a título de sinal, questão que só por um mero dever de patrocínio se coloca, terá sido a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e nunca de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), facto que resulta perfeitamente claro da prova documental produzida, porquanto e tal como já se referiu supra, é completamente diferente o valor pago a título de sinal, do valor de uma entrada inicial para beneficiar de algum privilégio junto de uma instituição bancária, pelo que não se concebe aqui o entendimento do douto Tribunal a quo. O. Assim, padece o direito de retenção de três pressupostos, que são os seguintes: 1. A existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de um direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade; 2. A entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa; 3. O incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor. P. Por conseguinte, para existir traditio da coisa, tem que se confirmar a posse do bem a que respeita e, consequentemente, a coisa objeto do contrato-promessa tem que se encontrar apta a desempenhar a função a que se destina, no caso sub judice, à habitação (vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-12-2013, consultável em http://www.dgsi.pt). Q. No caso em apreço, ficou provado que a fração objeto do contrato-promessa, não estava habitável e ficou, igualmente, provado que os Credores nada fizeram para alterar tal situação, porquanto não é suficiente que se leve ao imóvel algum empreiteiro sem nunca fazer nenhuma obra, nem tão-pouco uma visita a uma loja de decorações, sem adquirir qualquer bem, pode significar que se detém a posse de um imóvel. R. Dir-se-á, ainda, que o facto de os Credores não terem logrado fazer obras na fração, não foi por culpa da aqui Recorrente, ao contrário do que se pretende fazer transparecer, porquanto do dia em que alegadamente lhe foram entregues as chaves do dito apartamento, até ao dia da penhora do mesmo, passaram-se vários meses, sem que os Credores tenham feito qualquer alteração ao apartamento. S. Mesmo que se questionasse a detenção da posse dos Credores da fração sob análise, o que não se concebe e apenas por um mero dever de patrocínio se coloca, estes já a tinham perdido, pois e de acordo com o artigo 1267.º, n.º 1, al. d) do CC: “O possuidor perde a posse: (…) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado mais de um ano. (…)”. T. Neste sentido, diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, do dia 10-12-2013, consultável em http://www.dgsi.pt, o seguinte: “(…) Para que se opere a tradição exigida para o direito de retenção a que se reporta o art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, é necessário que a coisa objecto do contrato prometido se encontre perfeitamente concluída e apta a desempenhar a função a que se destina. (…)” (sublinhado nosso). U. Diz-nos, ainda, o mesmo diploma legal que: “(…) Não pode existir tradição de um apartamento integrado num prédio a submeter ao regime da propriedade horizontal quando este prédio se encontra ainda em construção (…)”. V. Ora, como ficou bem claro com toda a prova produzida e tudo o supra exposto, o apartamento em questão não estava em condições de habitabilidade e nem os Credores fizeram qualquer esforço para reverter esta situação, porquanto nunca o habitaram, pelo que o mesmo não estava apto a desempenhar a função ao qual inicialmente se destinava e que era a da habitação. W. Desta feita, conclui-se muito resumidamente de tudo o supra explanado que não estão preenchidos os pressupostos do direito de retenção, nos termos dos artigos 754.º e ss do CC, porquanto nunca houve traditio da coisa, nem posse do bem imóvel sub judice, bem como nunca foi esta fração, objeto do contrato-promessa, habitada pelos Credores. X. Dá-nos a Lei n.º 24/96, no seu artigo 2.º, n.º 1, a definição de consumidor. Y. Tendo em conta tudo o supra exposto, denota-se claramente que aos aqui Credores não se lhes pode conferir a definição de consumidores, porquanto os mesmos nunca utilizaram a fração objeto do contrato-promessa para o fim que a esta lhe havia sido destinado e que era o de habitação. Z. Destarte, resulta com meridiana clareza que os Credores não são detentores de um direito de retenção, pois não resulta provado que tenha existido a efetiva traditio da coisa, um dos pressupostos essenciais ao mesmo, porque os Credores nunca habitaram a dita fração. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, NÃO RECONHECENDO AOS CREDORES C. F. E A. M., UM CRÉDITO DE € 57.0000,00 (CINQUENTA E SETE MIL EUROS), GARANTIDO POR DIREITO DE RETENÇÃO SOBRE A VERBA N.º 30, FAZENDO-SE A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA». * Contra-alegaram os credores reclamantes C. F. e A. M., pugnando pela improcedência do recurso e confirmação na íntegra da sentença recorrida (cfr. fls. 13 a 30).* O recurso foi admitido por despacho de 6 de fevereiro de 2017 como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com meramente efeito devolutivo (cfr. fls. 42 a 45).* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho]. No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) – da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; ii) – do sinal prestado em contrato-promessa de compra e venda incumprido. iii) – do indevido reconhecimento do direito de retenção dos recorridos/credores reclamantes sobre o imóvel objeto do contrato promessa celebrado com a devedora insolvente. iv) – da qualidade de consumidores dos promitentes-compradores. * III. FundamentosIV. Fundamentação de facto. A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Por sentença de 10/07/2015, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de “M. R., Lda.”. 2. Consta da lista de créditos reconhecidos pelo Administrador da insolvência aos credores C. F. e A. M. um crédito no valor de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), garantido por direito de retenção sobre a verba nº 30 do auto de arrolamento. 3. Por escritura pública celebrada em 28/04/2009, e competente documento complementar que a integra, no Cartório Notarial de Vila Real, perante a Notária M. J., a insolvente “M. R., Lda.” constituiu a favor do Banco impugnante hipoteca para garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades que existam ou venham a existir, em seu nome, emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder pelo Banco impugnante, até ao valor limite de quatro milhões e seiscentos mil euros, conforme Doc.1 junto com a impugnação do Banco cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 4. A referida hipoteca foi constituída sobre diversos imóveis, bem como sobre quaisquer benfeitorias neles a realizar, todos situados na Quinta do ..., freguesia de Vila Real (...), concelho de Vila Real, inscritos a favor da insolvente pela Ap. 1 de 1991/12/09, nomeadamente: a. - Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1); b. - Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1); c. - Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, designado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número .../Vila Real (...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (cfr. Doc.1). 5. A hipoteca foi registada a favor do Banco impugnante na Conservatória do Registo Predial de Vila Real pela AP. 3043 de 2009/04/07, conforme Doc. 2, Doc. 3 e Doc. 4 juntos com a impugnação do credor “Banco ...”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6. Por documento particular datado de 19/07/2013, com reconhecimento por semelhança de assinaturas datado de 31/10/2014, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, “M. R., Lda.” representada pelo seu sócio gerente M. R., declarou prometer vender C. F. e A. M., e estes declararam prometer comprar, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 142.000 (cento e quarenta e dois mil e quinhentos euros), a fração autónoma designada pela letra .., tipo T3, situada no .. andar direito, com 1 lugar de garagem na cave nº 20, situado no prédio a construir em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº .../20090127 e inscrito na matriz sob o artigo ...°, atual artigo 21 da União de Freguesias de Vila Real no loteamento do ..., Vila Real (conforme doc. nº 1 junto com a resposta dos credores C. F. e A. M., que aqui se dá por reproduzido). 7. Mais declararam os outorgantes que o ajustado preço de € 142.500,00 seria pago nos termos e prazos seguintes: a. A título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) no dia 24/07/2013; b. Em 05/08/2013 a quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros); c. A restante parte do preço seria paga pelos promitentes-compradores, no ato da escritura prometida, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros). 8. Através do referido acordo, os credores C. F. e A. M. prometeram comprar à insolvente, e esta prometeu vender àqueles, a dita fração pelo preço de €142.500,00 (cento e quarenta e dois mil e quinhentos euros), livre de ónus e encargos. 9. Por documento particular, datado de 01/08/2013, a insolvente e os credores celebraram um aditamento ao acordo mencionado em 6, nos termos do qual: a. Em 5/08/2013 os credores pagariam a quantia de 37.000,00€ (trinta e sete mil euros). b. E o restante valor de 85.500,00 € (oitenta e cinco mil e quinhentos euros) seria pago no ato da escritura definitiva de compra e venda (cfr. Doc. 3 junto com a resposta dos credores, que aqui se dá por reproduzido). 10. Nos termos acordados, os credores entregaram à insolvente a quantia de € 57.000 (cinquenta e sete mil euros), através dos cheques nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013 e nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013. 11. Nos termos do sobredito aditamento, a insolvente obrigou-se a entregar todas as chaves da fração no prazo de um ano a contar da data de subscrição do mencionado aditamento, ocorrido em 1 de agosto de 2013, data a partir da qual os credores entrariam de imediato no uso, gozo e fruição do imóvel. 12. A insolvente entregou aos credores todas as chaves da fração em 19 de junho de 2014. 13. Com o aditamento, foi revogada a cláusula relativa a garantia bancária. 14. Apesar da fração prometida vender ainda não estar concluída, os credores passaram a ocupá-la. 15. Entrando e saindo da fração às horas que entendiam, à vista de toda a gente. 16. Aí levando pessoas, como os seus familiares e amigos. 17. E ali guardando bens pessoais, estacionando a viatura e guardando pertences no respetivo lugar de garagem, à vista de todos, designadamente, da insolvente sem oposição de ninguém. 18. Os credores em 13 de novembro de 2014 instauraram embargos de terceiro que foram distribuídos por apenso ao processo executivo supra referido, proc. nº 414/14.9TBVRL-J – Chaves – Instância Central de Execuções – J1 e que se encontra apenso aos autos principais de Insolvência de M. R., Lda., agora com o nº proc. nº 1012/15.5T8VRL-I. 19. Foram os mesmos recebidos liminarmente e declarada suspensa a execução quanto à fração autónoma objeto do acordo referido em 6. 20. A fração destinava-se à habitação dos credores. * B. E deu como não provado:1. O imóvel obteve alvará de licenciamento de operação de loteamento urbano nº 5/2007 emitido pela Câmara Municipal de Vila Real, autorizando a constituição e construção do Lote …, com área de 927m2, área de implantação e construção de 518m2. 2. Os credores limparam e conservaram a fração e lugar de garagem. 3. Os credores praticaram atos sobre a fração e lugar de garagem na intenção e convicção de que os mesmos lhes pertenciam, como se coisa sua fosse. * V. Fundamentação de Direito.1. Da impugnação da matéria de facto. 1.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)». À luz do citado normativo, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes(1), sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…); e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (…)». Esse ónus tripartido encontra a sua razão de ser nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, visando garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão (2). Segundo a regra geral estabelecida no art. 635º do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, de modo que a exigência da especificação dos concretos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões (3). Como se salienta no Ac. do STJ de 22/10/2015 (Relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt., no domínio do regime recursal cível importa ter presente, em primeiro lugar, que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida. E, em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC. São, portanto, as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, a cargo da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal “ad quem”, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos ou, então, pela transcrição do próprio enunciado. Debruçando-se especificamente sobre o (in)cumprimento dos requisitos formais de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, refere Abrantes Geraldes (4): “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…) a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b)); (…) b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); (…) c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…) e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…) Essa é também a posição predominante do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se tem vindo a sedimentar como prevalente o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar, formalmente, das conclusões recursórias, bastando incluí-las no corpo alegatório, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e certeza, com os concretos pontos de facto impugnados (5). E, recorrendo uma vez mais ao ensinamento de Abrantes Geraldes (6), dir-se-á que as “referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. Aplicando tais critérios ao caso sub júdice constata-se que a recorrente cumpriu apenas parcialmente tais requisitos formais. Com efeito, se por um lado se depreende claramente quais os concretos pontos de factos que pretende que sejam decididos de modo diverso (no caso, os pontos de facto nºs 10 e 20 da sentença recorrida), inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos provados para não provados) – dando, assim, cumprimento aos ónus prescritos nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 640º do CPC –, certo é, por outro lado, que não especificou o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica impõe(m) a alteração da matéria de facto impugnada, além de que, no que se refere à prova gravada – visto a prova testemunhal e as declarações de parte produzidas em audiência de julgamento terem sido gravadas – omitiu por completo a indicação dos elementos que permitem a identificação e localização dos depoimentos testemunhais que infirmem aqueles factos impugnados, pelo que, quanto a estes elementos, podemos concluir que não cumpriu devidamente os ónus de impugnação que lhe estavam cometidos estabelecidos no citado art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC. Por sua vez, relativamente à apreciação crítica dos meios de prova produzidos, que imporia uma decisão diferente da impugnada sobre os pontos impugnados, a recorrente limitou-se a defender que “andou mal” o Tribunal “a quo” ao considerar o pagamento dos dois cheques – um no valor de € 20.000,00 e outro no valor de € 37.000,00, em datas distintas – “como pagamento a título de sinal de um contrato-promessa, quando nem o próprio contrato-promessa o classifica como tal, dando essa classificação apenas e tão-só ao pagamento do valor de € 20.000,00 (vinte mil euros)”, visto que uma “coisa é o valor pago a título de sinal, outra coisa completamente distinta é o valor de uma entrada inicial para beneficiar de algum privilégio junto de uma instituição bancária, pelo que não se concebe aqui o entendimento do douto Tribunal a quo”. Mais acrescenta a Recorrente não poder “concordar com a afirmação de que a fração ora em apreço se destinava a habitação dos Credores, porquanto os mesmos nada fizeram para que a mesma se tornasse habitável, nem tão-pouco alguma vez lá moraram, como aliás, ficou provado com toda a prova testemunhal produzida, como melhor se entenderá com a exposição infra”. Ora, tendo inobservado os ónus prescritos no art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, dir-se-ia existir fundamento de rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Prevenindo, no entanto, uma eventual arguição de violação de normas de direito adjetivo ou processual no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, e para o caso de se vir a considerar (em sede de recurso) que, apesar da recorrente não ter cumprido devidamente os referidos ónus de impugnação que lhe estavam cometidos, fê-lo ainda assim minimamente, não deixaremos de nos pronunciar quanto à específica matéria de facto impugnada. * 1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (7): - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; - nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes). - a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância. - a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. - ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão. - se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. - a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” . O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” . * 1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende que sejam dados como não provados os seguintes factos:“10. Nos termos acordados, os credores entregaram à insolvente a quantia de € 57.000 (cinquenta e sete mil euros), através dos cheques nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013 e nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013”. “20. A fração destinava-se à habitação dos credores”. Começando a nossa análise crítica pelo primeiro dos pontos de facto impugnados salta desde logo à vista que tal pretensão padece de uma petição de princípio. Justificando. A recorrente não questiona – antes aceita – resultar inequívoco da prova (testemunhal) produzida – “tal como consta da douta sentença ora recorrida” –, que os credores entregaram dois cheques, um no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) e outro no valor de € 37.000,00 (trinta e sete mil euros), em datas distintas. Defende, porém, que “mal” andou o Tribunal “a quo” ao considerar o pagamento dos referidos dois cheques “como pagamento a título de sinal de um contrato-promessa, quando nem o próprio contrato-promessa o classifica como tal, dando essa classificação apenas e tão-só ao pagamento do valor de € 20.000,00 (vinte mil euros)”, posto que uma “coisa é o valor pago a título de sinal, outra coisa completamente distinta é o valor de uma entrada inicial para beneficiar de algum privilégio junto de uma instituição bancária, pelo que não se concebe aqui o entendimento do douto Tribunal a quo”. Ora, se bem atentarmos na resposta ao item 10 dos factos provados facilmente constatamos que dela não consta, ao contrário do mencionado pela recorrente, o segmento “a título de sinal”. Dele resulta tão somente como provado – o que não merece censura da recorrente – que, em cumprimento do acordado (no contrato-promessa e respetivo aditamento), os credores entregaram à insolvente a quantia global de € 57.000,00, através de dois cheques, um com o nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013, titulando o valor de € 20.000,00, e outro com o nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, no valor de € 37.000,00, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013. Por conseguinte, no âmbito da impugnação da matéria der facto, mostram-se destituídas de total fundamento as objecções apontadas pela recorrente ao aludido ponto fáctico, visto este não comportar o segmento fáctico contra o qual aquela se insurge. Sem embargo do que antecede não deixaremos de assinalar (ainda que brevemente) que a indicação de que aquela quantia (de € 57.000,00) foi entregue à insolvente a título de sinal foi expressamente confirmada pela testemunha L. M. (mediador imobiliário, à data exercendo essa actividade através da sociedade “…venda”, que mediou o negócio entre as partes e assistiu à outorga do contrato-promessa), o qual foi claro ao indicar ser essa a real a vontade dos contraentes [“o negócio foi assim”, tendo sido inicialmente acordado que o montante global de 57.500.00€ (20.000,00 + 37.500,00) era pago a título de sinal)]. Deste modo, impõe-se concluir que a objeção suscitada pela recorrente quanto à interpretação e valoração que o tribunal recorrido fez da resposta ao ponto 10 dos factos provados, relativamente à questão de saber se o montante entregue à insolvente pelos promitentes compradores reveste, ou não, a natureza do sinal, será apreciado, a jusante, em sede de mérito da causa, por ser esse o momento processual adequado à sua análise. É, por isso, de manter inalterada a resposta ao ponto 10 dos factos provados. Passando de imediato à apreciação do segundo ponto fáctico impugnado, afigura-se-nos que a recorrente confunde o facto da fracção prometida vender se destinar à habitação com o facto de não se encontrar ainda habitável à data dos factos e de os recorridos nunca aí terem residido, sendo que estes não invalidam aqueloutro facto impugnado. A demonstração da referida facticidade resulta do depoimento das testemunhas: 1º) L. M. (mediador imobiliário, que, pela sua intervenção no negócio em causa, nos termos supra explicitados, revelou ter conhecimento dos factos em discussão, designadamente que a aquisição do apartamento – de tipologia T3, sito no .. andar do prédio – pelos credores reclamantes se destinava à sua residência permanente, já que os mesmos viviam numa casa arrendada e careciam duma habitação para residir); 2º) A. S. (credora da insolvente, médica, também ela promitente compradora, que conheceu a recorrida A. M. quando foi levantar as chaves da sua fracção ao escritório do gerente da insolvente, sendo que dirigiram-se juntamente à entrada do prédio onde estavam situadas as respectivas fracções prometidas comprar, tendo na altura conversado uma com a outra visto se encontrarem em situações similares, sendo que, tal como no caso da testemunha, a recorrida A. M. disse-lhe que a aquisição do apartamento se destinava à habitação do casal – “era para ir para lá viver” –, mais lhe tendo dito que “queria acabar o apartamento para ir para lá morar”); 3º) J. T. (credor da insolvente, desenhador, também ele promitente comprador duma fracção à insolvente, o qual revelou ter conhecimento que os recorridos careciam urgentemente do apartamento para nele passarem a residir, porquanto estavam a ser pressionados para deixarem o apartamento que tinham arrendado). Tal factualidade resultou, igualmente, das declarações de parte do credor marido, C. F., que, corroborando o depoimento das supra aludidas testemunhas, confirmou a finalidade destinada à fracção prometida comprar (destinava-se à habitação do agregado familiar dos reclamantes, composto na altura pelo casal e por um filho então com dois anos de idade), tendo explicitado que o casal residia num apartamento arrendado e que avisaram o senhorio que iriam deixar o locado no verão de 2014. Não obstante o direto interesse que o recorrido (C. F.) tem no desenlace da lide, não podemos menosprezar que o mesmo prestou declarações de forma serena e sem contradições, não se furtando a nenhuma das questões que lhe foram colocadas, sendo certo igualmente que viu o seu teor – uniforme e coerentemente - corroborado pelos depoimentos das testemunhas supra elencadas, sendo que estes depoimentos foram igualmente prestados de forma a não suscitarem dúvidas sobre a respectiva objectividade e isenção (que, de resto, não foi questionada pela Recorrente, não se insurgindo esta contra a credibilidade de tais depoimentos). Não será despiciendo salientar que a Recorrente não produziu qualquer prova destinada a infirmar o facto afirmado pelo recorrido, nem sequer a torná-lo duvidoso (já que tanto lhe bastaria, nos termos do art. 346º do C.C.). Acrescente-se que o facto provado em questão está elaborado na pressuposição de ser essa a finalidade que os promitentes compradores destinavam à referida facção quando outorgaram o respectivo contrato promessa em causa, por ser esse o momento relevante a atender à sua demonstração. É certo que os recorridos jamais lá moraram – sem embargo dos atos materiais provados sob os itens 14 a 17 dos factos provados, que não foram impugnados pela recorrente –, nem concluíram as obras de modo a tornar fração habitável, mas isso não invalida a demonstração daqueloutro facto provado atinente ao fim a que destinavam a fração objeto do contrato-promessa. O facto de a insolvente não ter dado andamento às obras, não as concluindo como devia, por forma a tornar a fracção apta ao fim a que se destinava, sendo que quando foram entregues as chaves aos promitentes-compradores para que estes procedessem à conclusão dessas obras, o recorrido ficou em choque, pois apesar de suspeitar que não estava concluído, pensou que estaria em condições de começar a viver lá, o que não foi o caso porque o apartamento estava praticamente igual como há um ano atrás, aquando da celebração do contrato-promessa, não permite concluir que aquele fim a que se destinava a fracção não fosse o da habitação dos credores. Se a isso acrescentarmos o elevado valor que decerto envolveria a conclusão de tais obras – dado o incipiente estado da obra, aquando da entrega das chaves, estando a fração inacabada e não reunindo as necessárias condições de habitabilidade –, a efetivação da penhora da fracção realizada poucos meses depois no âmbito dum processo executivo instaurado contra a dona da obra, M. R., Lda – já patenteador das dificuldades económicas da insolvente, que viria a redundar na sua ulterior declaração de insolvência – e as parcas economias dos recorridos – que já para a entrega da quantia de 57.000,00€ tiveram necessidade de recorrer a um empréstimo duma tia da recorrida A. M., de seu nome M. C. –, bem se compreende que, no contexto vivenciado, o recorridos se tenham abstido de novos e avultados investimentos próprios, dados os elevados riscos que daí poderiam advir para a sua esfera patrimonial, sem quaisquer garantias de ver salvaguardados e reconhecidos os direitos de que se arrogavam titulares no negócio celebrado com a insolvente. Assim, perante o exposto e por via do recurso às regras de experiência comum, a juízos de lógica e razoabilidade, consideramos que o tribunal recorrido decidiu bem, quanto à matéria de facto em apreço, ao ter respondido de modo positivo às questões impugnadas. Resta, por conseguinte, concluir pelo (total) indeferimento da impugnação da matéria de facto. * 4. – Enquadramento jurídico.4.1. Ponto prévio. As conclusões referentes às als. I a J – dizendo alegadamente respeito aos credores A. S. e A. A., que não são sujeitos processuais neste recurso – não têm qualquer atinência com a matéria objeto da reclamação de créditos em causa nos presentes autos, sendo de conceder que tal menção/reprodução se terá devido a mero lapso informático (copy/paste) por parte da recorrente. Serve isto para dizer que a omissão de pronúncia quanto a tais conclusões se fica a dever ao facto de as mesmas serem alheias ao litígio em apreço nos autos. * 4.2. Do sinal prestado em contrato-promessa de compra e venda incumprido.Não vem posto em causa, como decidido, que entre os recorridos e a sociedade insolvente foi celebrado um contrato promessa e que o mesmo foi definitivamente incumprido pelo administrador da insolvência (8). A recorrente questiona, sim, que a quantia paga pelos promitentes compradores, no montante global de € 57.000,00, tenha sido a título de sinal, concedendo tão só que, a ter sido paga qualquer quantia a esse título, terá sido (apenas) a quantia de € 20.000,00, visto apenas esta ser classificada como tal no contrato-promessa. Dispõe o art. 410º, n.º 1 do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC) que o contrato promessa consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa Como ensina o Prof. Antunes Varela (9), “o contrato promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas umas delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato”, isto é, o chamado contrato prometido. Do contrato promessa emerge como prestação devida a "emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido” (10), ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido. Nessa conformidade, o objecto do contrato promessa é um facere jurídico, que gera uma obrigação de prestação de facto positivo que consiste na emissão de uma declaração negocial, de outorgar no contrato prometido, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento. Assim, na promessa bilateral de compra e venda, a obrigação a que os contraentes se obrigam é a de outorgaram, respetivamente, como comprador e como vendedor, num futuro contrato de compra e venda (contrato prometido ou definitivo). O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art.º 432°, n.º 1, do CC). Como refere Ana Prata (11), de acordo com o disposto no art. 440.º do CC, “sinal é a entrega, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, por um dos contraentes ao outro, de coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, desde que tal qualificação lhe seja atribuída pelas partes”. Contudo, ao invés do que acontece na generalidade dos contratos em que o sinal pressupõe convenção (expressa ou tácita) das partes, no contrato-promessa de compra e venda a lei presume que “tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço” (art. 441º do CC). Mais se tem entendido que «a presunção de sinal não é apenas aplicável às quantias entregues ao tempo da celebração do contrato. Qualquer importância entregue posteriormente, seja pela primeira vez, seja por via do “reforço de sinal” tem, à partida, essa natureza», uma vez que o art. 441.º do CCC não distingue, inculcando antes a letra do preceito que deverão ser consideradas todas as entregas na vigência do contrato-promessa, ao dispor “toda a quantia entregue” e «ainda que representem a totalidade do preço» (12). O mesmo é dizer que “a entrega de quantias em dinheiro (datio pecuniae) pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor constitui presunção de estipulação de sinal, (…) mesmo que as quantias entregues o sejam a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. Efectivamente, uma vez que a obrigação de pagamento do preço só surge com a celebração do contrato definitivo, a sua antecipação ou entrega na fase do contrato-promessa tem por referência uma obrigação ainda não existente, o que não chega para elidir a presunção de ter sido estipulado sinal” (13). No caso ajuizado mostra-se provado que, por documento particular datado de 19/07/2013, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, “M. R., Lda” declarou prometer vender a C. F. e A. M., e estes, por sua vez, declararam prometer comprar, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 142.000,00, a fração autónoma designada pela letra .., tipo T3, situada no .. andar direito, com 1 lugar de garagem na cave nº .., situado no prédio a construir em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº .../20090127 e inscrito na matriz sob o artigo ...°, atual artigo 21 da União de Freguesias de Vila Real no loteamento do ..., Vila Real. O ajustado preço de € 142.500,00 seria pago nos termos e prazos seguintes: a. A título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 20.000,00 no dia 24/07/2013; b. Em 05/08/2013 a quantia de € 37.500,00; c. A restante parte do preço seria paga pelos promitentes-compradores, no ato da escritura prometida, no valor de € 85.000,00. Por documento particular, datado de 01/08/2013, a insolvente e os credores celebraram um aditamento ao dito acordo, nos termos do qual: a) - Em 5/08/2013 os credores pagariam a quantia de 37.000,00€. b) - E o restante valor de 85.500,00 € seria pago no ato da escritura definitiva de compra e venda. Provou-se ainda que, nos termos acordados, os credores entregaram à insolvente a quantia de € 57.000, através do cheque nº 6160407506, datado de 22 de julho de 2013, e do cheque nº 5260407507, datado de 5 de agosto de 2013, sacados sobre a Caixa ..., cuja titular é M. C., os quais foram descontados da sua conta, respetivamente, em 26/07/2013 e 09/08/2013. Concluiu-se na sentença recorrida que, em face do estatuído pelo art. 441º do CC, por se tratar de promessa de compra e venda, presumia-se que tinha caráter de sinal todas as quantias entregues pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento. E essa presunção de sinal valerá – acrescentaremos nós – ainda que os quantitativos tenham sido pagos após a outorga do contrato-promessa, porquanto qualquer importância entregue no âmbito de um contrato promessa de compra e venda está abrangida por aquela presunção. Verifica-se, por outro lado, que a recorrente não logrou ilidir mediante prova em contrário, como lhe competia (art. 350º, n.º 2 do CC) a aludida presunção estabelecida no art. 441º do CC (14). Logo, rejeitando as objeções colocadas pela recorrente, é de sufragar o entendimento propugnado pelo tribunal recorrido no sentido de dever ser considerado como tendo natureza de sinal a quantia de € 57.000,00 entregue pelos promitentes compradores à insolvente em cumprimento do contrato promessa. Improcedem, assim, as conclusões K) a N). * 4.3. – Do indevido reconhecimento do direito de retenção dos recorridos/credores reclamantes sobre o imóvel objeto do contrato promessa celebrado com a devedora insolvente (por falta de traditio da coisa, nem posse do bem imóvel). Relativamente à questão em apreço constata-se que a argumentação explanada pela recorrente alicerça-se, essencialmente, na fundamentação do Acórdão da Relação de Coimbra de 10-12-2013, proc. n.º 1729/12.6TBCTB-B.C1, no qual se concluiu que “para existir traditio da coisa, tem que se confirmar a posse do bem a que respeita e, consequentemente, a coisa objeto do contrato-promessa tem que se encontrar apta a desempenhar a função a que se destina, no caso sub judice, à habitação”. Isto porque, aduz, “para que se opere a tradição exigida para o direito de retenção a que se reporta o art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, é necessário que a coisa objecto do contrato prometido se encontre perfeitamente concluída e apta a desempenhar a função a que se destina”, concluindo não estarem “preenchidos os pressupostos do direito de retenção, nos termos dos artigos 754.º e ss do CC, porquanto nunca houve traditio da coisa, nem posse do bem imóvel sub judice, bem como nunca foi esta fração, objeto do contrato-promessa, habitada pelos Credores”. Todavia, como argutamente salientaram os recorridos nas suas contra-alegações, o aludido acórdão da RC no qual a recorrente baseou a sua argumentação viria a ser revogado pelo Acórdão do STJ de 25-3-2014 (relator Azevedo Ramos), disponível in www.dgsi.pt, o qual, na decorrência dessa revogação, repristinou o decidido na sentença da 1ª instância, determinando que o crédito dos recorrentes, garantido por direito de retenção, deveria “ser pago à frente e imediatamente antes do crédito do Banco recorrido, garantido por hipoteca”. Tendo presente estes prévios considerandos explicativos, vejamos como decidir no caso sub júdice. Nos termos em que a questão se mostra colocada cumpre indagar se, num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, devidamente sinalizado, os promitentes-compradores gozam, ou não, do direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato-prometido, caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa, questionando a recorrente que aqueles tenham obtido a tradição da coisa. Importa, porém, desde logo deixar claro que o reconhecimento do direito de retenção é independente de saber qual o regime aplicável à determinação do montante do crédito assim garantido (cfr. n.º 2 do artigo 102º do CIRE e n.º 2 do artigo 442º do Código Civil) (15). Como é sabido, o direito de retenção regulado nos artigos 754º e ss. do CC traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na detenção de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela. Mas, para além desse caráter compulsório que está na origem do instituto, atento o escopo de garantia desse direito – posto que constitui um verdadeiro direito real de garantia – o seu titular pode executar a coisa nos mesmos termos que um credor pignoratício ou hipotecário, a que a lei o equipara, consoante a coisa seja móvel ou imóvel. Tem assim o direito a pagar-se à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores do devedor (arts. 758º, 759º e 604º do CC). Desempenha, pois, uma função coercitiva (como meio de compelir o devedor a cumprir a prestação) e uma função de garantia (16). O art. 755º, n.º 1, do CC consagra casos especiais de direito de retenção, reconhecendo-o na al. f) ao “beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º” do CC. São três os pressupostos do reconhecimento deste direito de retenção: a) – a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real; b) – a entrega ou tradição da coisa objecto do contrato-promessa; c) – a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa. Temos, assim, que o direito de retenção como direito real de garantia é invocável pelo promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, visando garantir os créditos indemnizatórios previstos no art. 442º, n.º 2, do CC, em caso de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente-vendedor (17). No caso especial do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, a concessão do direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa justifica-se no facto de o crédito garantido emergir do incumprimento da obrigação da contraparte (promitente vendedor) e de aquele estar impedido de recorrer à exceção de não cumprimento do contrato, uma vez que inexiste relação sinalagmática entre a obrigação de restituição da coisa e o crédito do promitente-comprador (18). Centraremos a nossa atenção sobre o requisito da tradição da coisa, por ser o que foi questionado pela recorrente. A esse respeito – rejeitando um dos fundamentos em que a recorrente baseia a impugnação – diremos que a traditio exigida para que se constitua o direito de retenção nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC reclama apenas a detenção material lícita da coisa, não sendo necessário, para esse efeito, uma posse (19). O exercício do direito de retenção assenta numa detenção lícita da coisa, que pode traduzir-se tanto em posse, como em detenção ou posse precária. A entrega antecipada do imóvel na vigência do contrato-promessa, não é um efeito do contrato, mas resulta de uma convenção de natureza obrigacional entre o promitente-vendedor [dono da coisa] e o promitente-comprador. Assim, e em regra, o promitente-comprador que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – é, nesta perspetiva, um detentor precário – art. 1253º do CC – já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – art. 1251º do CC (20). Como se decidiu no citado Ac. do STJ de 25-3-2014 (relator Azevedo Ramos), disponível in www.dgsi.pt, “é possível concluir que, radicando o direito de retenção num contrato-promessa, não é necessário que o beneficiário da promessa tenha a posse da coisa objecto do contrato prometido. É suficiente que a detenha, por simples tradição. A tradição de que fala a alínea f), do nº 1, do art. 755 do CC não se confunde com a posse e pode existir sem esta”. Como explicita Antunes Varela (21), o direito de retenção é hoje um verdadeiro direito real de garantia – que não de gozo – em virtude do qual o promitente-comprador que seja credor da indemnização prevista no art. 442º do CC, goza, contra quem quer que seja, da faculdade de não abrir mão da coisa enquanto se não extinguir o seu crédito. Trata-se, pois, de um direito que, decorrendo apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia direta e especialmente concedida pela lei; desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes. Há, porém, que distinguir dois diferentes direitos, que podem surgir na esfera jurídica do promitente-comprador com tradição: um direito pessoal de gozo sobre a coisa, que radica na entrega ou tradição desta, e que se assemelha, v.g., ao do locatário ou do comodatário, e um direito real de garantia (o direito de retenção). Só por si, o contrato-promessa não é suscetível de transmitir a posse ao promitente-comprador: se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do contrato prometido, adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário. Daí que se entenda que a tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor do promitente-comprador, no caso de promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa (22). Com efeito, acrescenta o citado autor (23), o “que a entrega (tradição) do móvel ou imóvel atribuiu ao promitente comprador é um direito pessoal de gozo sobre a coisa”, sendo que estes direitos, “compreendendo embora as faculdades de uso e fruição da coisa”, “assentam sempre sobre a pura expectativa da alienação prometida, e não podem, por essa razão, exceder os limites impostos por tal situação”. Por sua vez, o conceito de tradição da coisa foi profusamente tratado no Ac. do STJ de 19-04-2001 (publicado na RLJ, ano 133º, p. 367 e segs, com Anotação favorável do Prof. Calvão da Silva, na mesma R.L.J. Ano 133º, p. 370 e Ano 134º, p. 21), onde se refere: “A tradição da coisa exprime, na disciplina dos direitos reais, a transmissão da detenção de uma coisa entre dois sujeitos de direito, sendo constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e um elemento positivo, a tradicionalmente chamada apprehensio (acto que exprime a tomada de poder sobre a coisa). A alínea b) do artigo 1263 do C.C., na esteira de uma velha tradição romanista, confere igual valor à tradição material e à tradição simbólica. É no elemento positivo da traditio (apprehensio) que se verificam as variações que explicam a distinção entre tradição material e tradição simbólica. A tradição é material quando, p. ex., o livreiro entrega em mão o livro ao comprador, ou o vendedor de uma casa leva o comprador a entrar nela, abandonando-a de seguida; será simbólica quando o vendedor de um apartamento entrega as chaves ao comprador, ou o vendedor de uma quinta entrega ao comprador os títulos ou os documentos que justificavam o seu direito, ou, como nos antigos costumes, lhe entregava uma porção de terra do prédio ou, p.ex., uma cepa de uma vinha. A tradição material é, portanto, a realizada através de um acto físico de entrega e recebimento da própria coisa; a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões. A relevância atribuída à tradição simbólica foi a natural consequência de nem sempre a apprehensio poder ser materialmente realizada, por impossibilidade objectiva ou subjectiva, mas o seu uso generalizou-se e diversificou-se de acordo com as necessidades do comércio jurídico. O valor simbólico de um acto depende, naturalmente, do tipo de coisa que se transmite, como supra ficou exemplificado e explicado. Mas também a traditio material varia de configuração e intensidade, de acordo com a natureza da coisa alienada. A chamada traditio longa manu ou traditio oculis et affectu, que exprimiam o consenso das partes junto das coisas transmitidas, com o significado de abandono e apprehensio, sofreu, nos direito romano e comum, uma evolução no seio da tradição material, para formas atenuadas de transmissão da coisa. A traditio material, suposta pelo legislador, não implica, portanto, um acto plasticamente representável, de largar e tomar, bastando-se com a inequívoca expressão de abandono da coisa e a consequente expressão de tomada de poder material sobre a mesma, por parte do beneficiário”. E, conforme se afirma no Ac. do STJ de 16/02/2016 (relatora Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt., a traditio configura-se como o poder de facto sobre a coisa que o promitente vendedor conferiu ao promitente-comprador, passando este a ter uma relação material com a coisa, revelada em atos materiais ou simbólicos demonstrativos do controlo que tem sobre a mesma, que fica na sua disponibilidade, renunciando, simultaneamente, o promitente-vendedor do poder que tinha sobre ela. A tradição basta-se com este poder de facto e não necessita de ser tão enérgica como na aquisição originária, porque está em causa apenas a transferência do poder do promitente-vendedor para o promitente-comprador, e não a aquisição de um direito novo. O conceito legal de tradição do imóvel é, assim, o principal requisito ou elemento constitutivo do direito de retenção – excluindo-se este direito em todos os casos em que se verifique que, afinal, o promitente-comprador não deu ao imóvel uso real, permanente e efetivo, afetando-o à satisfação dos seus interesses e necessidades de forma que se justificasse a tutela reforçada da confiança na estabilidade da sua posição jurídica. Revertendo ao caso dos autos, face aos factos provados é de considerar verificados os necessários pressupostos da tradição da coisa da coisa prometida. Na verdade, mostra-se provado que: - Nos termos do aditamento ao contrato promessa, a insolvente obrigou-se a entregar todas as chaves da fração no prazo de um ano a contar da data de subscrição do mencionado aditamento, ocorrido em 1/08/2013, data a partir da qual os credores entrariam de imediato no uso, gozo e fruição do imóvel. - A insolvente entregou aos credores todas as chaves da fração em 19 de junho de 2014. - Apesar da fração prometida vender ainda não estar concluída, os credores passaram a ocupá-la, entrando e saindo da fração às horas que entendiam, à vista de toda a gente, aí levando pessoas, como os seus familiares e amigos. - E ali guardando bens pessoais, estacionando a viatura e guardando pertences no respetivo lugar de garagem, à vista de todos, designadamente, da insolvente sem oposição de ninguém. Pois bem, traduzindo-se na materialização dos actos de detenção que, até aí, eram possíveis visto a fracção se mostrar inacabada, tais factos devem ser interpretados “como a expressão possível de domínio material” por parte dos promitentes compradores “sobre o espaço de implantação do dito andar e respectivo” lugar de garagem. “O que mostra que a recepção do andar, por banda dos” recorridos, “se não resumiu a um simples acordo ou expressão verbal, sem consequências físicas, mas se materializou nos actos de detenção que, até aí, eram possíveis” (24), tendo em vista o seu acabamento final. Acresce que, como se decidiu no citado Ac. do STJ de 25-03-2014 (relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt., a não conclusão da construção do andar não é causa de impedimento ou impossibilidade da sua tradição, pois a entrega efetuada pela promitente vendedora aos recorridos foi feita no estado em que o andar se encontrava, para estes passarem a ser os seus detentores, e não para, de imediato, o usarem ou habitarem. E, conforme jurisprudência fixada no Acórdão do Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 12 de Março de 1996 (25), publicado no D.R., II Série, de 08 de Junho de 1996, tão pouco obsta à verificação da tradição do objecto mediato do contrato prometido o facto de não estar ainda constituída a propriedade horizontal sobre o prédio urbano onde se insere a dita fração. Rejeita-se, assim, o entendimento de que, para existir traditio da coisa prometida, tem que se confirmar a posse do bem a que respeita, e, consequentemente, a coisa objecto do contrato-promessa tem que se encontrar apta a desempenhar a função a que se destina (v.g. habitação) (26). Consequentemente, a tradição da fração autónoma designada pela letra .., tipo T3, situada no .. andar direito, e do respectivo lugar de garagem na cave nº .., situado no prédio identificado nos autos, ainda que meramente simbólica, efetuada a favor dos recorridos, é válida e eficaz, integrando o direito de retenção destes, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do CC. Termos em que improcedem as conclusões O) a W. * 4.4. Da (não) qualidade de consumidores dos promitentes-compradores.Aduz a recorrente que os recorridos/promitentes-compradores não preenchem o conceito legal de consumidores previsto no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, porquanto os mesmos nunca utilizaram a fração objeto do contrato-promessa para o fim que a esta lhe havia sido destinado e que era o de habitação. A propósito da controvérsia jurídica de saber se, num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador, que tendo entregue o sinal e obtido a tradição da coisa objecto do contrato-prometido, goza ou não do direito de retenção sobre ela, caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014, págs. 2882 sgs., acabou por firmar jurisprudência, tirada por maioria, nos seguintes termos: “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”. Decorre deste segmento uniformizador que, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente comprador apenas goza do direito de retenção previsto no citado art. 755º, n.º 1, al. f), do CC se detiver, simultaneamente, a qualidade de consumidor (27). De facto, interpretando restritivamente o art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ referido, pronunciou-se em termos de só atribuir o direito de retenção ao promitente-comprador consumidor, recusando, expressamente, tal garantia aos demais (28). Assim, se tiver havido tradição da coisa e o promissário da transmissão for um consumidor, o direito à restituição do sinal em duplicado será um crédito garantido pelo direito de retenção do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC; se for um profissional será só um crédito comum (29). Apesar desta exigência (quanto à qualidade do promitente-comprador consumidor), o conceito de consumidor não foi, porém, objeto do âmbito da uniformização. Todavia, na fundamentação do AUJ o conceito de consumidor adotado corresponde à visão mais restrita (30) (31), constante da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que é, também, a do Dec. Lei n.º 24/2014, mostrando-se definido, na nota 10, da seguinte forma: «o promitente comprador é, in casu, um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda» (32) (33). Daí que, ulteriormente, sucessivos arestos dos Tribunais Superiores vieram esclarecer que a solução jurisprudencial colhida no AUJ deve ser alvo de uma aplicação restritiva, fundada no escopo da solução legal em questão, nos termos da qual, para que se reconheça o direito de retenção do promitente-comprador, se tem de exigir que este, além de ter obtido a tradição do imóvel negociado, revista a qualidade de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31-07, excluindo, portanto, o promitente-comprador que não seja consumidor e competindo ao credor reclamante (promitente-comprador) a alegação e prova dessa qualidade de consumidor, por aplicação da regra geral do art. 342º, n.º 1 do C. Civil, visto a qualidade de consumidor ser um elemento constitutivo essencial da garantia real/direito de retenção (34). Tomando, pois, como referencial a noção de consumidor prescrita no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 – dado se tratar do diploma que incorpora os princípios gerais do direito do consumo –, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios». É assim a finalidade do ato em causa que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aquele diploma instituiu (35). Por sua vez, o Dec. Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva 2011/83/EU do Parlamento e do Conselho, define como consumidor a pessoa singular que actue com fins que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional – art. 3º, alínea c). Partindo daquela conceção legal, a jurisprudência maioritária vem entendendo que se deve atender ao «conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa» (36), ou, noutra formulação, a «pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa» (37) ou, ainda noutra enunciação, consumidor é “aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável”, “[r]elevante é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional” (38). Numa síntese desse entendimento maioritário, diz-nos o recente Ac. do STJ de 9/04/2019 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt., que consumidor para tal efeito é o promitente-comprador que destina o imóvel a uso particular no sentido de não o comprar para revenda nem o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa. Na doutrina, Calvão da Silva (39), depois de postular que o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96 representa a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias, define o consumidor como a “pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico (…) – de modo a satisfazer necessidade pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”. Continuando: razão pela qual “todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional – ao seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico, portanto, por oposição a uso profissional – será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectivos profissionais (art. 160º do CC e art. 6º do CSCom”. A referida necessidade de proteção, como sublinha o mesmo Autor, tem subjacente a "ideia básica do consumidor como parte fraca, leiga, profana, a parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa". Acrescenta o citado Autor que "a ratio do direito do consumo repousa na assimetria formação-informação-poder, com desvantagem para o consumidor; a sua aplicação não pode nem deve conduzir à protecção especial de (…) alguém que, conquanto formalmente actue in casu na veste de consumidor, materialmente seja pessoa dotada de competência técnico-profissional" (40). Rematando, finalmente, que a «noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional –, que defendemos em geral e temos por consagrada no nº1 do art. 2º da LDC (…) impõe-se pertinente e inquestionavelmente in casu à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” (al. a) do nº 2 do art. 1º)». Por sua vez, Carlos Ferreira de Almeida (41) explicita que: “... parece, em princípio, mais ajustado que, quando se adopte um conceito genérico e supletivo de consumidor, ele se contenha em limites restritos, relacionados apenas com o uso pessoal ou familiar de bens fornecidos (ou disponíveis para fornecer) por quem exerça uma actividade profissional”. Por fim, Jorge Morais de Carvalho (42), depois de sublinhar que o conceito de consumidor pode ser analisado com referência a quatro elementos (subjetivo, objetivo, teleológico e relacional), explicita que, relativamente ao elemento teleológico, a finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”), sendo que o conceito de “uso não profissional” se afasta da noção de “destinatário final” mais ampla utilizada em ordenamentos jurídicos de outros países. Acrescenta o citado autor que o nosso ordenamento jurídico acolheu a doutrina finalista (“interpretação mais restritiva do conceito, não podendo o objeto ter uso profissional”), e não a doutrina maximalista (“interpretação ampla do conceito, estando em causa a retirada do bem do circuito de produção”) e que “o elemento teleológico exclui do conceito todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que atuam no âmbito de uma atividade profissional, independentemente de terem ou não conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”. Adverte, igualmente, para o facto de, em alguns domínios, se assistir a um fenómeno de equiparação das empresas, nomeadamente as microempresas, aos consumidores para efeitos de proteção, concluindo que essas pessoas não são, no entanto, qualificadas como consumidores. Por último, dada a linha argumentativa explanada pela recorrente, impõe-se uma breve nota respeitante ao momento em que deve ser verificado o destino a dar aos bens ou serviços, dado poderem colocar-se três hipóteses: i) celebração do contrato; ii) entrega do bem ou prestação do serviço; iii) utilização do bem ou serviço. Ora, considerando que o cumprimento das regras específicas dos consumidores depende do conhecimento da natureza da relação por parte do profissional, o momento a que se deve reportar a determinação do uso a dar ao bem ou serviço é o da celebração do contrato (43). Feitos estes considerandos teóricos verifica-se que, no caso sub júdice, os recorridos detêm um crédito de € 57.000,00 sobre a insolvente (empresa que se dedicava à construção civil, com o fim lucrativo inerente à sua natureza), correspondente ao sinal que lhe prestaram num contrato-promessa de compra e venda de imóvel, definitiva e culposamente incumprido pelo administrador da insolvência (44). Vimos já que, em momento anterior a esse incumprimento, os recorridos obtiveram a tradição da fracção objecto do dito contrato-promessa por parte da insolvente. Verifica-se, por último, que os recorridos são pessoas singulares e destinavam a fracção por eles pretendida adquirir a sua habitação própria. O mesmo é dizer que destinavam o bem objeto do contrato-promessa a um uso não profissional (para ali instalar a sua residência própria), não se mostrando apurado nos autos que os recorridos tivessem qualquer propósito de revenda lucrativa do referido bem. É irrelevante que os recorridos nunca tivessem utilizado a fração objeto do contrato-promessa para o fim que a esta lhe havia sido destinado e que era o de habitação, posto que o que releva para determinar o destino a dar ao bem é o momento da celebração do contrato-promessa, sendo que foi por motivos alheios à vontade dos promitentes compradores, imputáveis à insolvente, que aqueles não puderam dar o pretendido uso à fração em causa, já que esta não chegou a ser concluída. Conclui-se, por isso, que os recorridos preenchem o conceito de consumidores, nos termos e para os fins do disposto no art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96. Nesta conformidade, secundando o afirmado na sentença recorrida, é de manter a decisão que reconheceu aos recorridos a titularidade de um direito de retenção sobre a verba n.º 30 do auto de arrolamento, tendo por referência o art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, interpretado em conformidade com a jurisprudência firmada no AUJ n.º 4/2014, quanto ao montante de 57.000,00€. A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões do apelante. * As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).* Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):I – São três os pressupostos do reconhecimento do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do Código Civil: a) – a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real; b) – a entrega ou tradição da coisa objeto do contrato-promessa; c) – a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa. II – A tradição exigida para que se constitua o direito de retenção nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC reclama apenas a detenção material lícita da coisa, não se confundindo com a posse e podendo existir sem esta. III - A não conclusão da construção não é causa de impedimento ou impossibilidade da tradição do andar. IV - Segundo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20.03.2014, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente-comprador apenas goza do direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do CC, caso detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor. V - Tomando como referencial para tal efeito a noção de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31/07, relevante é que o promitente-comprador destine o imóvel a uso particular, no sentido de não o comprar para revenda, nem o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa. VI – O momento relevante a que se deve reportar a determinação do uso a dar ao bem ou serviço é o da celebração do contrato. VII – Sendo os promitentes-compradores pessoas singulares e destinando a fracção por eles pretendida adquirir a sua habitação própria, devem os mesmos ser considerados consumidores, nos termos e para os fins do disposto no art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96. * VI. DECISÃO Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC). * Guimarães, 2 de maio de 2019 Alcides Rodrigues (relator) Joaquim Boavida (1º adjunto) Paulo Reis (2º adjunto) 1. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 - 4ª ed., Almedina, pp. 155/156. 2. Cfr. Ac. do STJ de 3/03/2016 (Relatora Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt. e Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 465. 3. Cfr. Acs. do STJ de 19/02/2015 (Relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 3/03/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt. 4. Cfr. Recursos (…), pp. 158/159. 5. Cfr., neste sentido, Acs do STJ de 31/05/2016 (relator Garcia Calejo), de 28/04/16 (relator Abrantes Geraldes), de 21/04/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 18/02/2016 (relator António Leones Dantas), de 1/10/2015 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 9/07/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), todos consultáveis in www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 771. 6. Cfr. Recursos (…),pp. 158/159. 7. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt. 8. O incumprimento definitivo do contrato promessa verifica-se no caso em análise, sendo concludente o comportamento do administrador da insolvência ao mencionar na relação de créditos apresentada o crédito dos reclamantes com as garantias que entende ser portador – artigo 129º do CIRE; a declaração prestada pelo administrador leva implícita a existência de incumprimento (cfr., em sentido similar, o Ac. do STJ de 20/03/2014 (relator Távora Victor), in www.dgsipt.) 9. Cfr. Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 6ª ed., Almedina, p. 301. 10. Cfr. Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, 1990, p. 41. 11. Cfr. O Contrato Promessa E O Seu Regime Civil, Almedina, p. 743. 12. Cfr. Fernando de Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral - Contrato-Promessa em Especial, 2009, Almedina, p. 197; no mesmo sentido, Ac. do STJ de 4/12/2005 (relator Bettencourt de Faria), proc. n.º 04B2978 – embora para consulta na base de dados da dgsi se deva pesquisar com a data de 04-11-2004 –, Ac. do STJ, de 06.05.2004 (relator Ferreira de Almeida), Ac. do STJ, de 17.04.2008 (relator Moreira Camilo), todos disponíveis in www.dgsi.pt. 13. Cfr. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., 2002, Almedina, p. 220. 14. No sentido de a estipulação de sinal ser uma presunção relativa (art. 350º, n.º 2 do CC), admitindo a produção de prova em sentido contrário, Ana Prata, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, Almedina, 2017, p. 563, Ana Prata, O Contrato Promessa (…), p. 821/823 e Luís Menezes Leitão, obra citada, p. 220. 15. Cfr. Voto de vencida da Exma Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014. 16. Cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção compulsória, pp. 345 e ss. e L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 2017, 2ª ed., Almedina, p.359. 17. Cfr. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 3ª ed., Coimbra, 1993, 120. 18. Cfr. Mariana Coimbra Piçarra, O direito de retenção do promitente-comprador: algumas reflexões, in Julgar, n.º 34, 2018, janeiro-abril, pp. 20/21 e 26. 19. Cfr. Ac. da RC de 15-01-2013 (relator Henrique Antunes) e Ac. da RP de 25/10/2016 (relator Rui Moreira), ambos disponíveis in www.dgsi.pt 20. Cfr. Ac. do STJ de 14/06/2011 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt. 21. Cfr. Revista Decana, ano 124, p. 351. 22. Cfr. Antunes Varela, Anotação ao acórdão do STJ de 25/02/1986, in RLJ Ano 124.º, pp. 347 e segs. 23. Cfr. Anotação ao acórdão do STJ (…), in RLJ Ano 124.º, pp. 347/348 e 349. 24. Cfr. Ac. do STJ de 25-03-2014 (relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt., no qual se conforta a nossa fundamentação, dada a sua similitude com o caso em apreço. 25. O referido AUJ fixou jurisprudência nestes termos: “Nos termos do n.º 3 do artigo 442º do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, tendo havido tradição de fracção de prédio urbano, o promitente-comprador goza do direito da sua retenção, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime de propriedade horizontal”. 26. Cfr., Acórdão desta Relação de 4/04/2019 (relatora Maria João Marques Pinto de Matos), processo n.º 1012/15.5T8VRL-AV.G1. 27. O mesmo é dizer que se entendeu que a declaração de insolvência do promitente vendedor mantém intocado o direito de retenção conferido pelo citado art. 755º, n.º 1, al. f) quando o promitente-comprador revestir a qualidade de consumidor - cfr. Filipe Albuquerque de Matos, Os efeitos da Declaração de insolvência sobre os negócios em curso, IV Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação Catarina Serra, Almedina, p. 61. 28. Cfr. Margarida Costa Andrade/Afonso Patrão, “A posição jurídica do beneficiário de promessa de alienação no caso de insolvência do promitente-vendedor - Comentário ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, de 19 de Maio”, Julgar online, setembro de 2016, disponível in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/09/20160915-ARTIGO-JULGAR-A-posição-jurídica-do-beneficiário-de-promessa-de-alienação-Margarida-C-Andrade-e-Afonso-Patrão.pdf., Mariana Coimbra Piçarra, in estudo citado, p. 32 e o Ac. do STJ de 24/05/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. 29. Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pp. 240/241, Adelaide Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2017, AAFDL, p. 152 e Mariana Coimbra Piçarra, in estudo citado, p. 32. 30. Que, de acordo com a maioria da doutrina, corresponde ao entendimento adotado no nosso ordenamento jurídico. 31. Como se ponderou no Ac. do STJ de 09/07/14 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., trata-se de “entendimento que, muito embora não integre o segmento de uniformização, encerra o valor de premissa lógica necessária que o antecede e, nessa medida, deverá assumir o mesmo carácter vinculativo”. 32. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida) e de 17/04/2018 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt. e Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 25. 33. O AUJ confortou-se na posição de Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito de Retenção Contrato promessa e Insolvência” in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 33, p. 3 e ss., para restringir a manutenção do direito de retenção em processo de insolvência aos casos em que o promitente comprador tenha a qualidade de consumidor. 34. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 3/10/2016 (relator Júlio Gomes), 29/07/2016 (relator Júlio Gomes), 14-10-2014 (Relator João Camilo) e de 25 /11/2014 (Relator Fernandes do Vale), Ac. da RP de 25/10/2016 (relator Rui Moreira), Ac. RC de 02/02/2016 (Relatora Maria Catarina Gonçalves), Ac. da RC de 08-09-2015 (Relatora Maria Domingas Simões), Ac RC 3/11/2015 (relator Jorge Arcanjo), todos consultáveis in www.dgsi.pt. 35. Cfr., Ac. do STJ de 14/02/2017 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt. 36. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 17.11.2015, (relator Fonseca Ramos), disponível in www.dgsi.pt. 37. Cfr., Ac. do STJ de 25.11.2014, (relator Fernandes do Vale), disponível in www.dgsi.pt. 38. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt. 39. Cfr. Venda de Bens de Consumo”, 4ª Ed. (2010), Almedina, p. 55 e segs. e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2001, Almedina, pp. 112/114. 40. Cfr. obra citada, p. 114. 41. Cfr. Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 50. 42. Cfr. obra citada, pp. 25/27. 43. Cfr., neste sentido, Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 30. 44. Como se explicitou na sentença recorrida, “apenas está em discussão o valor em singelo do sinal, à semelhança do que sucedeu na situação do AUJ nº 4/2014, na medida em que, tendo sido reconhecido apenas o valor em singelo do sinal, não foi deduzida impugnação pelos credores com vista ao reconhecimento do sinal em dobro, apenas pelo credor hipotecário com vista ao não reconhecimento do crédito e, em qualquer caso, com vista ao não reconhecimento da garantia, assim se precludindo a possibilidade de discussão de um crédito superior ao reconhecido, porquanto não tendo sido deduzida impugnação com tal objetivo e não se vislumbrando erro manifesto encontra-se o Tribunal vinculado ao pedido formulado na impugnação (artigos 129º, nº 1 e 3 e 130º, nº 3 do CIRE e 609º do CPC, ex vi do artigo 17º do CIRE)”. |