Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
264/23.1T8GMR.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: EXCEÇÃO DILATÓRIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO MÉRITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se, em concreto, quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada excepção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa.
II - Tendo o tribunal reconhecido a verificação de uma excepção dilatória e expressamente declarado a absolvição do Réu da instância, mercê dessa extinção formal da instância está-lhe vedado conhecer do mérito da causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório.

AA intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A., e BB, pedindo que seja reconhecido à autora o direito de haver para si os prédios vendidos.
Para tanto alegou, em síntese, que através da presente ação pretende a Autora preferir no negócio de compra e venda do prédio misto id. em 1.º da pi (Quinta ...) celebrado entre os RR, com fundamento em ser arrendatária rural da mesma, por haver contrato de arrendamento há mais de 40 anos ainda que não reduzido a escrito; falta de forma essa imputável única e exclusivamente aos anteriores proprietários, que nunca diligenciaram junto do arrendatário para o contrato ser reduzido a escrito.
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Citados, os réus apresentaram, separadamente, contestação, tendo impugnado a factualidade base do alegado direito de preferência, excepcionando, no que ora importa, a impossibilidade dos autos prosseguirem, atento o disposto na LAR (ref.ªs ...51 e ...03).
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No exercício do contraditório, a Autora alegou que a falta de forma (escrita) é imputável aos proprietários, pelo que nada obsta ao prosseguimento dos autos (ref.ª ...97).
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Convidada a esclarecer o alegado nos arts. 7.º e 11.º da p.i., concretizando e comprovando as diligencias que fez/fizeram junto dos senhorios conhecidos do prédio para que o contrato ganhasse forma escrita e quais os seus resultados, a Autora repetiu que os anteriores proprietários nunca diligenciaram junto do arrendatário para ser cumprida a lei, isto é, reduzido a escrito o dito negócio. Também admitiu nada ter sido feito pelos arrendatários para que tal formalização tivesse ocorrido (ref.ªs ...57 e ...14).
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O R. BB reiterou a sua impugnação (ref.ª ...86).
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Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador (ref.ª ...09), onde, após se ter afirmado a validade e regularidade da instância, se decidiu:

«(…)
III. Pelo exposto, por verificada a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora, absolvem-se os RR da instância (art.º 576.º, n.ºs1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
Mais se condena a Autora nas custas processuais devidas pela presente ação, atento o seu integral decaimento (art.º 527.º do CPC).
Notifique e d.n..»

Mais se decidiu (no mesmo despacho):
«(…)
III. Pelo exposto, julga-se verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso, declara-se que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado. 
Mais se condena a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC).»
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Inconformada com o despacho saneador, dele interpôs recurso a autora (ref.ª ...36), tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A Apelante instaurou a presente acção para exercício do direito de preferência na venda de dois prédios urbanos e um rústico objecto de um contrato verbal de arrendamento verbal.
Tendo os apelados concluíram pela improcedência do pedido.
Salvo o devido respeito a meritíssima juiz ao declarar nulo o contrato de arrendamento extravasou o objecto da acção.
Com efeito a o tribunal “a quo”, nos termos do prescrito no artº 35, nº 5 do dec-lei 385/88 declarou, a fls 7 da sentença a absolvição dos RR da instância, condenando a A. nas custas processuais devidas pela presente acção atento o seu integral decaimento.
Face a tal decisão, que extinguiu a instância jamais o Tribunal poderia pronunciar-se sobre o mérito da causa, pois já não tinha instância para o fazer.
Deve assim ser revogada a decisão proferida a páginas 12 da sentença, que declarou a nulidade do contrato de arrendamento e mais declarou não ter a A. direito de preferência, absolvendo os RR do pedido e condenando novamente a A. nas custas processuais.
O Meritíssimo Tribunal "a quo" não procedeu, pois, a uma correcta interpretação dos normativos legais
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas suprirão deverá ser revogada a douta sentença sob recurso na parte em que se pronunciou sobre o mérito causa devendo apenas manter-se a decisão que absolveu os RR da instância com a consequente extinção da mesma, assim se fazendo
JUSTIÇA».
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Contra-alegou o Réu BB, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª ...58).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...17).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objecto do recurso             

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal, consiste em saber se há erro de julgamento por violação do disposto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos). 
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V. Fundamentação de direito.

1. – Da violação do disposto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC.
Sob a epígrafe “Casos de absolvição da instância”, prescreve o art. 278.º do CPC:
«1 - O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:
(…);
e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
(…).
3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte».
O citado preceito legal corresponde à redação conferida ao art. 288.º do CPC pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/09, cujo diploma preambular estabelece:
«Razões de economia processual decorrentes da necessária prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma – ultrapassando os obstáculos a uma verdadeira composição do litígio, fundados numa visão puramente lógico-conceptualista do processo – levaram identicamente à consagração, no n.º 3 do artigo 288.º, de um regime francamente inovador, segundo o qual a simples ocorrência de uma exceção dilatória não suprida não deverá conduzir irremediavelmente à absolvição da instância: assim, se o pressuposto processual em falta se destina à tutela do interesse de uma das partes, se outra circunstância não obstar a que se conheça do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto fora estabelecido, faculta-se ao juiz o imediato conhecimento do mérito da causa».
O n.º 3, 2ª parte, do art. 278º do CPC, conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[1], «consagra, pois, o princípio da prevalência da decisão de mérito, pressupondo uma distinção entre pressupostos processuais dispensáveis (v.g. falta de capacidade judiciária, falta de interesse processual, exceção de litispendência) e indispensáveis (v.g. falta de competência absoluta, caso julgado), de modo que se “não se encontra preenchido um pressuposto processual destinado a proteger interesse das partes, importa verificar se o conhecimento de mérito pode ser favorável à parte que seria beneficiada com a proteção que resultaria do preenchimento do pressuposto (…)”», e, em caso afirmativo, a decisão que prevalece, a proferir, é a de mérito[2].
O referido normativo – acrescentam os citados autores – “constitui expressão evidente da prevalência do direito material, preconizando que a persistência de uma exceção dilatória não obsta à prolação de uma decisão de mérito, desde que: a função desse pressuposto processual seja apenas a de tutela de interesses da parte a não a defesa do interesse público na boa administração da justiça; o juiz esteja em condições de proferir decisão de mérito de imediato, sendo desnecessária a realização de outros atos processuais; a decisão de mérito a proferir seja integralmente favorável à parte que seria beneficiada com o preenchimento do pressuposto em falta”.
A solução legal consagrada “privilegia a prolação de decisões de mérito, em detrimento das de natureza formal, visando impedir que a real possibilidade de resolução de litígios seja prejudicada por questões de ordem formal que desnecessariamente impeçam a obtenção da justiça material; está em crise, pois, o tradicional “dogma da prioridade” da apreciação dos pressupostos processuais[3]  [4].
Esta norma é mais uma expressão da supremacia do fundo sobre a forma. Dela resulta que a persistência da irregularidade da instância, em virtude de não se mostrar sanado o vício causado pela falta do pressuposto processual, poderá não conduzir à absolvição do réu da instância (como seria previsível), mas permitir já uma decisão sobre o mérito da causa, condenando ou absolvendo o réu do pedido[5] [6].
Visa-se, com tal normativo, resolver definitivamente o litígio, obtendo-se uma decisão sobre o mérito da causa, ao invés de uma decisão meramente formal ou processual em situações em que a absolvição da instância destinava-se a proteger precisamente a parte a favor da qual a ação seria julgada, havendo apreciação do pedido[7].
De facto, a consequência da verificação de excepções dilatórias é, em regra, a absolvição do réu da instância (arts. 576º, n.º 2 e 278, n.º 1, do CPC). Porém, a absolvição da instância não implica qualquer apreciação sobre o mérito da causa (aliás, por força do disposto no art. 576º, n.º 2, do CPC, o juiz fica impedido de apreciar o mérito da causa), posto essa decisão apenas adquirir força de caso julgado formal (art. 620º do CPC) e, por isso, não obsta a que seja proposta entre as mesmas partes uma nova ação com o mesmo objeto (279º, n.º 1, do CPC).
Diversamente, a decisão de mérito resolve definitivamente a questão, impedindo que a mesma volte a ser apreciada judicialmente.
Nestes termos ao abrigo do princípio da economia processual, é preferível que o tribunal, reunidas as condições para o efeito, conheça do mérito da causa, ainda que persista determinada exceção dilatória, com as óbvias vantagens inerentes.
No dizer de Paulo Pimenta[8], o que está em causa é, pois, assegurar o seguinte: para vícios decorrentes da violação de pressupostos processuais, a sua persistência (por falta de sanação) não deverá produzir o seu efeito normal quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação do vício, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Para que o tribunal possa lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, é, portanto, necessário que, para além da verificação de uma excepção dilatória, se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos[9] [10]:
i) a absolvição da instância se destine tão só a tutelar o interesse de uma das partes (e não, também, a defesa do interesse público na boa administração da justiça[11] [12] ou a tutela de interesses que respeitem também à parte contrária);
ii) no momento da apreciação da excepção, nenhum outro motivo obste ao conhecimento do mérito da causa;
iii) a decisão de mérito a proferir deva ser integralmente favorável a essa parte (ou seja, à parte cujo interesse a absolvição da instância visa tutelar)[13].
Em virtude desta norma, se no momento em que se vai conhecer da excepção for possível conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável à parte a que respeita a excepção, o tribunal deve conhecer do mérito e absolver o réu do pedido independentemente de se verificar a excepção. Nessa circunstância o conhecimento da excepção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide[14] [15].
Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada exceção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa, pronunciando-se, em concreto, quanto aos três mencionados requisitos supra enunciados[16].
No caso sub júdice, resulta da decisão recorrida que a Mm.ª Juíza  “a quo”, no despacho saneador, conheceu e julgou verificada “a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora”, tendo tirado a consequência jurídica dessa excepção dilatória, qual seja, a  absolvição dos RR. da instância, nos termos dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC, tendo inclusivamente condenado a autora nas “custas processuais devidas pela presente ação, atento o seu integral decaimento (art.º 527.º do CPC)”.
Como antecedente e com vista a fundamentar esse segmento decisório concluiu que:
“(…) não tendo a Autora junto exemplar escrito do contrato, nem alegado, ao menos, que exigiu da Ré senhoria ou seus antecessores a sua redução a escrito e que aquela ou estes a recusaram, a correcta decisão a decretar será a da extinção da instância, por falta de condição essencial para prosseguir”.
Sucede que, sem prejuízo da decisão proferida – que, como vimos, julgou verificada “a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora” e  absolveu os RR. da instância –, dando nota que “o objeto do litígio é saber se a Autora tem direito a preferir, com base em ser arrendatária rural do prédio alienado, atento o disposto no art.º 278.º n.º3 do CPC e por os autos reunirem os elementos necessários e suficientes”, passou “de imediato a conhecer da excepção peremptória arguida pelos RR”, atinente a saber da “inexistência do direito de preferir, devido à nulidade do contrato, por falta de forma escrita”.
E, nessa decorrência, julgou “verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso”, declarou “que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado”, sendo que também nesta parte condenou “a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC”.
Da enunciação que antecede resulta que a Mm.ª Julgadora não se limitou a dar como verificada a excepção dilatória supra identificada, pois que (também) extraiu como consequência da verificação dessa excepção a absolvição dos RR. da instância, o que não se afigura consentâneo com o regime plasmado no n.º 3, 2ª parte, do art. 278º do CPC.
Com efeito, a decisão recorrida não desconsiderou a absolvição da instância em favor do conhecimento do mérito da causa, posto que expressamente extraiu essa consequência da verificação da excepção dilatória, conforme resulta do primeiro segmento decisório.
Compreende-se que o propósito que presidiu à elaboração da decisão recorrida fosse o não limitar esta a uma mera absolvição (dos réus) da instância, mas sim ver reconhecida a absolvição dos RR. do pedido.
Porém, como vimos, o art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC é explícito ao prever que o julgador, quando confrontado com uma causa de absolvição da instância (obviamente procedente), deve abster-se de a declarar, quando e se, no momento em que a declararia, puder conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Em conformidade com o referido fica esclarecido que a decisão recorrida se pronunciou sobre “a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora”, julgando verificada a sua existência e tendo declarado a sua consequência (a absolvição dos réus da instância) o que inviabiliza o preenchimento dos pressupostos que autorizam a conhecer do mérito ao abrigo da parte final do n.º 3 do art. 278º do CPC.
Assim, ao ter julgado verificada a exceção dilatória e, consequentemente, ao declarar expressamente a absolvição dos RR. da instância, estava vedado à Mm.ª Juíza “a quo” pronunciar-se subsequentemente sobre o mérito a causa, dado que a instância havia sido prévia e formalmente declarada extinta.
Diverso seria se, não obstante a verificação da excepção dilatória, a Mm.ª Julgadora se tivesse abstido de declarar a consequência dessa excepção (a absolvição dos réus da instância), visto que nessa hipótese estaria (em princípio) legitimada a passar ao conhecimento do mérito da causa (da excepção perentória da nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma), com a consequente exclusão do direito de preferência (da Autora) e a absolvição dos RR do pedido.
Nestes termos, impõe-se a procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida no tocante ao segmento decisório em que, conhecendo do mérito da causa, julgou “verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso”, declarou “que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado”, bem como do segmento final em que condenou “a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC).»
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrido, BB, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida no segmento em que julgou “verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso”, declarou “que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado”, bem como no segmento final em que condenou “a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC)», mantendo-se válido e eficaz o segmento decisório que, julgando “verificada a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora”, absolveu “os RR da instância (art.º 576.º, n.ºs1 e 2, 577.º e 578.º do CPC)” e condenou a Autora nas custas processuais devidas pela ação.
Custas da apelação a cargo do R., BB (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 6 de junho de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Raquel Tavares (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)



[1] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 324.
[2] Cfr. Acs. da RP de 10/01/2022 e de 17/04/2023 (ambos relatados por Eugénia Cunha), in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 24/01/2019 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), in www.dgsi.pt.
[4] A propósito do rompimento do dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais, como elucida Paula Costa e Silva, o regime do pretérito art. 288º, n.º 3 (correspondente ao actual art. 278º, n.º 3) traduz uma dispensa de aplicação da cominação específica das excepções dilatórias. Perante uma situação concreta de falta de um pressuposto processual, que deveria determinar a absolvição do réu da instância, indagará o juiz se não é possível o proferimento de uma decisão quanto ao fundo, que seja favorável à parte que o pressuposto em falta se destinava a proteger.
A aplicação da norma que determina a absolvição do réu da instância deixa de ser regra, devendo tomar-se em consideração a função protectiva dos pressupostos processuais. Desaparece, consequentemente, o automatismo na aplicação do efeito típico das excepções dilatórias. Perante o referido regime legal, é possível o proferimento de uma decisão condenatória do réu, verificando-se a falta ou a irregularidade de um pressuposto processual que proteja o autor. Ao invés, se o pressuposto em falta ou irregularmente preenchido respeitar ao réu, não será decretada a absolvição da instância sempre que o réu possa ser absolvido do pedido. Porém, a falta de pressupostos processuais determinará necessariamente absolvição do réu da instância sempre que, sendo o pressuposto destinado a proteger o autor, a decisão de mérito a proferir implicasse uma absolvição do réu do pedido, e, destinando-se o pressuposto a proteger o réu, a decisão de mérito fosse condenatória (cfr. Saneamento e condensação no novo Processo Civil, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 218/219).
[5] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 142.
[6] Justificando-se (a solução normativa) por razão de economia processual, mas tendo presente que da aplicação desse regime pode resultar demora na obtenção da decisão de mérito definitiva, nomeadamente em caso de revogação, pelo tribunal de recurso, da decisão de mérito, em que a instância acaba por terminar com a absolvição da instância que se visou evitar, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre defendem dever restringir-se a aplicação do preceito aos casos em que é escassa a margem de dúvida objetiva sobre o sentido da decisão, não se aplicando, nomeadamente, quando as questões fundamentais a resolver são de solução controvertida (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., 2018, Almedina, p. 565).
[7] Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, 2015, pp. 41/42.
[8] Cfr. obra citada, p. 145.
[9] Cfr. Helena Cabrita, obra citada, pp. 42/48.
[10] Conforme refere Carlos Lopes do Rego (cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. - 2004, Almedina, pp. 286/287), “a verificação da existência de uma excepção dilatória não devidamente suprida não obsta – sempre e necessariamente –  à apreciação do mérito da causa, devendo esta ter lugar quando ocorram as seguintes situações:
a) Tratar-se de um pressuposto processual cuja função seja tão só a tutela dos interesses da parte (v.g. capacidade judiciária, patrocínio judiciário);
b) Estar o juiz, no momento em que se apercebe da existência da excepção dilatória em questão, em condições de proferir decisão sobre o mérito da causa, sem necessidade de realizar outras diligências ou actos processuais);
c) Dever tal decisão de mérito ser integralmente favorável à parte cujo interesse é tutelado com o estabelecimento do pressuposto processual em questão.
Estão, pois, excluídos do campo de aplicação deste regime os casos em que:
- se trate de pressuposto processual cuja função seja a defesa do interesse público na boa administração da justiça ou a tutela de interesses que respeitem também à parte contrária;
- a falta do pressuposto processual em questão seja verificada em momento anterior ao da prolação da decisão de mérito, sendo indispensável o prosseguimento da ação - e devendo, neste caso, o juiz providenciar, nos termos gerais, pelo suprimento da excepção dilatória;
- a decisão de mérito não deva ser inteiramente favorável à parte cujo interesse era exclusivamente tutelado pela exigência de verificação do pressuposto processual em causa”.
[11] Cfr. Ac. da RL 11/12/2018 (relatora Gabriela Cunha Rodrigues), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que a competência é um pressuposto processual que se prende precisamente com a defesa do interesse público na administração da justiça, não incumbindo aos tribunais interferir no domínio dessa administração, pelo que concluiu não ser aplicável o art. 288.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC.
[12] É o caso das exceções dilatórias de incompetência absoluta, de ineptidão da petição inicial e do caso julgado, cuja natureza as torna insupríveis, além de a sua natureza assentar em interesses de ordem pública e não em simples interesses do autor e do réu (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. 1, Almedina, 1997, p. 29 (nota 16).
[13] Cfr. Acs. do STJ de 24/01/2019 (relatora Rosa Ribeiro Coelho) e de 14/09/2023 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. da RP de 21/02/2018 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt.
[15] Cfr., no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma (…), Vol. 1, pp. 29/30; Acs. do STJ de 12/09/13 (relator Fernandes do Vale) e de 14/01/2015 (relator Melo Lima), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Helena Cabrita, obra citada, p. 48.