Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ FLORES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO RESOLUÇÃO JUSTA CAUSA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | O que a lei considera nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do C.P.C., é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Reanalisada a prova pessoal e documental assinalada pelo Apelante como sendo determinante para a modificação do julgado, concluímos que a impugnação não deve proceder. Num contrato de associação em participação, regulado pelo D.L. nº 231/81, a resolução do contrato por justa causa é possível de acordo com a regra especial do seu art. 30º, nº 1. | ||
Decisão Texto Integral: | Assinado digitalmente por: Rel. – Des. José Manuel Flores 1ª Adj. - Des. Paula Ribas 2ª - Adj. - Des. Maria Amália Santos Recorrente(s): AA; Recorrido(s): - BB, - CC, e - DD. * Acordam os Juízes na 3ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:1. RELATÓRIO AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, e DD, formulando o seu pedido nos seguintes termos: (…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada e consequentemente: a) Declarar-se ilícita a resolução unilateral dos contratos celebrados entre A. e RR. por parte de cada um dos RR., por falta de fundamento; b) Declarar-se o incumprimento definitivo de cada um dos contratos, imputável a cada um dos RR.; c) condenar-se o 1º R. no pagamento da quantia de 6.500,00€ (seis mil e quinhentos euros) ao A., acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a interpelação para pagamento em 14/02/2022 e até o seu efectivo e integral pagamento; d) condenar-se o 2º R. no pagamento da quantia de 10.400,00€ (dez mil e quatrocentos euros) ao A., acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a interpelação para pagamento em 14/02/2022 e até o seu efectivo e integral pagamento; e) condenar-se a 3º R. no pagamento da quantia de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) ao A., acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a interpelação para pagamento em14/02/2022 e até o seu efectivo e integral pagamento; (…). Regularmente citados, os Réus contestaram a acção e deduziram reconvenção na qual, a final, pedem, sic; a) deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente por não provada absolvendo-se os RR dos pedidos formulados pelo Autor; b) ser julgada totalmente procedente a reconvenção apresentada, condenando-se o Autor a pagar aos Réu a quantia global de € 4.602,80 (quatro mil seiscentos e dois euros e oitenta cêntimos). Acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a citação facturas até efectivo e integral pagamento. Notificado, veio o Autor apresentar a sua réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé. Ocorreu aperfeiçoamento da petição inicial (cf. req. de 12.10.2023),. Os Réus responderam. Foi admitida a Reconvenção. A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto e ao abrigo dos preceitos legais supra invocados, o Tribunal decide julgar a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve os Réus, BB, CC e DD, dos pedidos contra si formulados pelo Autor, AA. Mais decide este Tribunal julgar a reconvenção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condena o Reconvindo, AA no pagamento: -Ao Reconvinte, BB, do montante de 390,00 EUR, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento; -Ao Reconvinte, CC, o montante de 932,80 EUR, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento; -À Reconvinte, DD, o montante de 3.280,00 EUR acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento. Decide, ainda, este Tribunal julgar totalmente improcedente o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má fé. Custas da acção e da reconvenção pelo Autor/Reconvindo.” Inconformada com esta decisão, o Autor recorreu, formulando, com relevo, as seguintes Conclusões 1ª - O objeto do presente recurso é a douta sentença, proferida nos presentes autos, a qual, por um lado, julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os Réus, BB, CC e DD, dos pedidos contra si formulados pelo Autor, AA. 2ª - E por outro lado, julgou a reconvenção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenou o Reconvindo, AA no pagamento: - Ao Reconvinte, BB, do montante de 390,00 EUR, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento; - Ao Reconvinte, CC, o montante de 932,80 EUR, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento; - À Reconvinte, DD, o montante de 3.280,00 EUR acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento. 3ª – Não se pode, no entanto, conformar o ora Recorrente com o entendimento exposto pela Mmª Juiz a quo, na douta sentença recorrida. 4ª – Desde logo, cumpre-nos referir, com o devido respeito, que a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação, pois que, 5ª – O Tribunal a quo limitou-se a enunciar quais as modalidades e não cumprimento do contrato, porém, não fundamentou devidamente, qual a modalidade de incumprimento dos contratos, em que incorreu o aqui Recorrente. 6ª - Desta feita, nos termos do preceituado na alínea b) do n.º1 do art. 615.º do Código de Processo Civil: “É nula a sentença quando: Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”. 7ª - Não tendo o tribunal a quo fundamentado as razões pelas quais entendeu que o Recorrente não cumpriu com os contratos e em que modalidade, a sentença proferida é nula por falta de fundamentação. 8ª - Nulidade que expressamente se argui para todos e devidos legais efeitos. 9ª – No que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o aqui Recorrente, através do presente recurso de apelação, impugna expressamente a decisão relativamente à matéria de facto, por considerar incorretamente julgado, o facto dado como provado no ponto 24 da sentença recorrida, nos moldes em que o fez. (…) 30ª - Pelo exposto, e em cumprimento do n.º 1 do art. 640.º do CPC, deverá o ponto 24 ser dado como provado, mas com a seguinte redação: “A partir de 14 de setembro de 2021 e depois de executados os trabalhos mencionados em 20 a 22, o Autor passou a impedir o acesso do 2º Réu ao prédio mencionado no escrito referido no ponto 10 impossibilitando o 2º Réu de 41 desenvolver o seu projeto de exploração agrícola”. 31ª - Devendo, em consequência, ser dado como não provado que: A partir de 14 de setembro de 2021 e depois de executados os trabalhos mencionados em 20 a 22, o Autor passou a impedir o acesso dos 1º e 3ª Réus aos prédios mencionados nos escritos referidos em 8 e 12 impossibilitando 1º e 3ª Réus de desenvolverem os respetivos projetos de exploração agrícola. 32ª – No respeitante à impugnação da matéria de direito, entende o aqui Recorrente que, o Tribunal a quo violou ou fez errada interpretação dos artigos 799º, 801º e 808º do Código Civil, no que concerne aos contratos a que aludem os pontos 8 e 12 da matéria de facto dada como provada. 33ª - Em face do exposto no presente recurso, deverá este Tribunal declarar ilícita a resolução unilateral dos contratos celebrados entre o Recorrente e os 1º e 3ª Réus (BB e DD). 34ª - Mais deverá ser declarado o incumprimento definitivo dos referidos contratos celebrados entre o Recorrente e os 1º e 3ª Réus, por causa imputável a estes. 35ª - Devendo o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu os 1º e 3ª Réus, dos pedidos contra si formulados pelo aqui Recorrente. 36ª - Por fim, em consequência de tal incumprimento por parte dos 1º e 3ª Réus, deverá o pedido reconvencional, no que concerne às quantias de € 390,00 - peticionada pelo 1ª Réu - e de € 3.280,00 - peticionada pela 3ª Ré -, ser julgado totalmente improcedente, por não provado, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o aqui Recorrente ao pagamento de tais pedidos. 37ª - Mantendo-se a sentença recorrida quanto à matéria que não foi posta em causa neste recurso. TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu os 1º e 3ª Réus, dos pedidos contra si formulados pelo aqui Recorrente. Em consequência, deverá o pedido reconvencional, no que concerne às quantias de € 390,00 - peticionada pelo 1ª Réu - e de € 3.280,00 - peticionada pela 3ª Ré -, ser julgado totalmente improcedente, por não provado, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o aqui Recorrente ao pagamento de tais pedidos, julgando-se procedente a presente apelação. O Recorrido CC respondeu ao recurso, culminando as suas alegações com pedido da sua improcedência. Ao admitir o recurso, o Tribunal recorrido declarou que a decisão recorrida não enferma da invocada nulidade 2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3] As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: - Nulidade da sentença por falta de fundamentação; - Revisão da matéria de facto e modificação da decisão de mérito respeitante aos 1º e 3º Réus; - Violação do disposto nos arts. 799º, 801º e 808º, do Código Civil. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. NULIDADE DA SENTENÇA O Apelante argui a nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação no que concerne à o incumprimento do contrato em apreço e sua qualificação. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença. Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS que[4] «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[5] Nas palavras precisas de Tomé Gomes[6], «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, [7]“ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11.[8] «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.»[9] A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença[10]. A propósito, permitimo-nos relembrar as palavras de António S. A. Geraldes,[11] quando afirma que é frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (que a racionalidade não consegue explicar), desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial, muitas vezes sem qualquer preocupação de rigor, dizemos nós. É o que se verifica no caso presente. A sentença em crise está profusamente fundamentada, assinalou oportunamente quais os tipos de incumprimento que considera existir no sistema jurídico vigente, e concluiu que, sic: “uma vez que, ao impedir o acesso dos Réus aos respectivos terrenos, impossibilitando-os de desenvolver a actividade a que se tinham proposto, comprometeu definitivamente a necessária estabilidade contratual e, assim, legitimou o direito à resolução do contrato por parte dos Réus” (…) Em contraponto, entendemos que os Réus lograram, em sede reconvencional, alegar e demonstrar (conforme lhes competia, atenta a pretensão indemnizatória deduzida) a prática, pelo Autor de um facto ilícito, traduzido no incumprimento do contrato celebrado, pois que, tendo-se comprometido a ceder, a título gratuito, os terrenos mencionados em 8, 10 e 11 para que os Réus pudessem aí desenvolver as actividades de exploração agrícola a que se haviam proposto, passou a impedir o acesso daqueles a tais terrenos, impossibilitando-os, assim, de darem continuidade à sua actividade.” Carece, portanto, de qualquer sustento a arguição do Autor. 3.2. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA O Apelante sindica a decisão do item 24. dos factos provados. Entende que esse ponto deverá ser alterado com o sentido previsto no item 29º das suas conclusões. Está cumprido o disposto no art. 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, por isso cumpre apreciar o mérito desta apelação. Reanalisada a prova pessoal e documental assinalada pelo Apelante como sendo determinante para essa modificação do julgado, concluímos que a impugnação não deve proceder. Desde logo, adiante-se que os Réus não conferiram a versão adiantada pelo Autor, que desde do início destes autos apresenta uma versão lacunar e conveniente dos acontecimentos (omitindo a sua actuação ao impedir o acesso dos Réus aos terrenos cuja posse, alegadamente lhes tinha cedido por “comodato”). De resto, resulta das declarações citadas, que na sequência de desentendimentos entre as partes (todas) relacionadas com as prestações que, alegadamente, seriam devidas pelos Réus, o Autor “passou a impedir o acesso aos terrenos”, conforme resulta da passagem das declarações de BB reproduzido a fls. 22 v. da apelação, e, por isso, como disse a declarante DD, não tinham “mais acesso a nenhum dos terrenos”. É certo que o Autor, nas suas declarações, aparenta cingir a sua objecção ao episódio descrito a ps. 25 das alegações de recurso, no entanto ainda aí se refere a uma pluralidade de terrenos e, do conjunto das suas declarações, depreende-se que, em geral, estava descontente com o cumprimento por parte de todos os Réus das obrigações pecuniárias por estes alegadamente assumidas, o que nos leva a concluir que a sua objecção, coerentemente, de acordo como senso comum, se dirigia a todos os Réus, o que suporta as declarações daqueles nesse sentido. Aliás o Autor começa as suas declarações por dizer que os Réus “desistiram” do contrato, não sabe porquê, omitindo aquilo que se veio a apurar e ele próprio actualmente admite, pelo menos em relação ao Réu CC, o que muito diz da credibilidade da sua versão dos factos. Acresce que faz pouco sentido que os Réus tivessem, pura e simplesmente, desistido do projecto em curso, que lhes iria trazer subsídios e rendimentos diversos. Ademais, há que sublinhar que a apreciação dessa prova rege-se também pelos princípios da imediação e da oralidade, princípios esses que apenas encontram a sua plenitude na 1ª Instância, traduzidos no contacto directo do juiz com a prova, sendo perante o magistrado que procede ao julgamento que a prova é produzida, o que o coloca, por isso, numa posição privilegiada relativamente à mesma, para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das partes (e das testemunhas) elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos. Em face do exposto, julgamos que inexistem elementos de prova que permitam, com a necessária segurança, modificar nesta instância a decisão do item 24., pelo que improcede a sua impugnação. 3.3. FACTOS A CONSIDERAR a) Factos provados. 1) Da instrução da causa e com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos: 1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...60, com registo de aquisição a favor do Autor, pela Ap. ...29 de 13-05-2011, o prédio rústico denominado ..., sito em ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...03. 2 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...33, com registo de aquisição a favor do Autor, pela Ap. ...88 de 04-02-2014, o prédio rústico denominado ..., sito em ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...57. 3 – Encontra-se inscrito na matriz, sob o artigo ...56, o prédio rústico, denominado ..., composto por terreno de cultivo, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., figurando como titular o Autor. 4 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...4, com registo de aquisição a favor do Autor, pela Ap. ... de 02-08-2006, o prédio rústico denominado Quinta ..., sito em Lugar ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...48. 5 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...62, com registo de aquisição a favor do Autor pela Ap. ... de 02-08-2006, o prédio rústico, sito em lugar ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...40. 6 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...28, com registo de aquisição a favor do Autor pela Ap. ... de 14-02-1979, o prédio rústico, sito em lugar ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...98.º. 7 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...28, com registo de aquisição a favor do Autor pela Ap. ... de 14-02-1979, o prédio rústico, sito em lugar ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...00.º. 8 - No dia 03 de Dezembro de 2020 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e pelo 1.º Réu, na qualidade de segundo outorgante, o escrito denominado contrato de comodato através do qual o primeiro declarou ceder ao segundo, a título gratuito, o uso e fruição dos seguintes imóveis: - Prédio rústico, denominado ..., composto por terreno de cultivo, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...03 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...60; - Prédio rústico, denominado ..., composto por terreno de cultivo, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33; e - Prédio rústico, denominado ..., composto por terreno de cultivo, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...56 e omisso na Conservatória do Registo Predial ...; 9 - No dia 25 de Fevereiro de 2021 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e pelo 1.º Réu, na qualidade de segundo outorgante, o escrito denominado aditamento ao contrato de comodato, através do qual o primeiro declarou comprometer-se perante o segundo a financiar o projecto aprovado pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P. para a plantação de citrinos e mirtilos nos prédios identificados no escrito mencionado em 8. 10 - No dia 03 de Dezembro de 2020 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e 2.º Réu, na qualidade de segundo outorgante, o escrito denominado contrato de comodato através do qual o primeiro declarou ceder ao segundo, a título gratuito, o uso e fruição dos seguintes imóveis: - Parcela de terreno de 1,5 hectares do prédio rústico, denominado mato, composto por terreno de cultivo, sito em Mato, União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...48 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...4 da freguesia ...; e - Prédio rústico, denominado ..., composto por terreno de cultivo, sito em ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...40 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62. 11 - No dia 25 de Fevereiro de 2021 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e pelo 2.º Réu, na qualidade de segundo outorgante, o escrito denominado aditamento ao contrato de comodato, através do qual o primeiro declarou comprometer-se perante o segundo a financiar o projecto aprovado pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P. para a plantação de citrinos e mirtilos nos prédios identificados no escrito mencionado em 10. 12 - No dia 03 de Dezembro de 2020 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e pela 3.ª Ré, na qualidade de segunda outorgante, o escrito denominado contrato de comodato através do qual o primeiro declarou ceder ao segundo, a título gratuito, o uso e fruição dos seguintes imóveis: - Prédio rústico, composto por cultura arvense de regadio, sito em ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...98.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28; e - Prédio rústico, composto por mata mista, sito em ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...00.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28. 13 - No dia 02 de Junho de 2021 foi subscrito pelo Autor, na qualidade de primeiro outorgante e 3.ª Ré, na qualidade de segundo outorgante, o escrito denominado aditamento ao contrato de comodato, através do qual o primeiro declarou comprometer-se perante a segunda a financiar o projecto aprovado pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P. para apicultura, criação de caracóis e plantação de espargos nos prédios identificados no escrito mencionado em 12. 14 - Nos escritos mencionados em 9, 11 e 13, mais declarou o Autor, na qualidade de primeiro outorgante que, caso o(s) segundo(s) outorgante(s) não tenham dinheiro suficiente na(s) conta(s) bancária(s) adstrita(s) ao(s) projecto(s) aprovado(s) pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., o primeiro outorgante compromete-se a financiar a movimentação de terras, a terraplanagem e aquisição de máquinas ou alfaias agrícolas, com o ou sem matrícula, bem como a aquisição de equipamentos. 15 – Na sequência dos escritos mencionados em 8, 10 e 12, acordaram as partes que o valor líquido da venda dos produtos que viessem a ser colhidos das respectivas explorações agrícolas de cada um dos Réus seria repartido entre o Autor e cada um dos Réus na proporção de 1/3 para o primeiro e 2/3 para os segundos. 16 - A gestão dos projectos agrícolas era feita pelos Réus mediante o uso das terras disponibilizadas. 17 - Após subscrição dos escritos mencionados em 8, 10 e 12, os Réus apresentaram, cada um, candidatura para desenvolvimento de três projectos agrícolas que vieram a ser aprovados pelo I.F.A.P., I.P. 18 – Após a aprovação das candidaturas referida em 17, o Autor mandou proceder ao abate das árvores que se encontravam nos prédios referidos nos escritos mencionados em 8, 10 e 12. 19 - Posteriormente, com a concordância do Autor, os Réus iniciaram os trabalhos necessários ao desenvolvimento dos projectos agrícolas. 20 - Para o efeito, o 1.º Réu mandou procedeu, nos terrenos mencionados no escrito referido em 8, à movimentação de terras, tendo despendido a quantia de 390,00 EUR, acrescida de IVA. 21 – O 2.º Réu, por sua vez, mandou proceder, nos terrenos mencionados no escrito referido em 10, à movimentação de terras e terraplanagem, tendo despendido a quantia de 932,80 EUR. 22 - A 3º R. mandou proceder à abertura de um furo para captação de água no terreno mencionado no escrito referido em 12, tendo despendido a quantia de 3.280,00 EUR. 23 - Cada um dos Réus recebeu do I.F.A.P., I.P. um subsídio para financiamento dos projectos de exploração agrícola referidos em 17. 24 - A partir de 14 de Setembro de 2021 e depois de executados os trabalhos mencionados em 20 a 22, o Autor passou a impedir o acesso dos Réus aos prédios mencionados nos escritos referidos em 8, 10 e 12 impossibilitando os Réus de desenvolverem os respectivos projectos de exploração agrícola. 25 – O 1.º Réu remeteu ao Autor o escrito datado de 14 de Outubro de 2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: Venho por este meio informar Vsa. Exa., que é m/intenção resolver o contrato de comodato celebrado em ../../2020, que tem por objecto três prédios rústicos (…). Esta minha intenção, justifica-se pelo facto de vossa excelência ter vindo a praticar actos que de forma dolosa impedem o meu acesso aos imóveis, impossibilitando a realização de todas as obras necessárias à edificação das infra-estruturas acordadas e que, se destinam a dotar os prédios das condições necessárias à sua cultura de forma rentável. Ora, sem esse acesso aos imóveis, o que é por si só, impeditivo do exercício da nossa actividade, torna-se impossível a manutenção do presente contrato de comodato. (…). 26 – O 2.º Réu remeteu ao Autor o escrito datado de 14 de Outubro de 2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: Venho por este meio informar Vsa. Exa., que é m/intenção resolver o contrato de comodato celebrado em ../../2020, que tem por objecto três prédios rústicos (…). Esta minha intenção, justifica-se pelo facto de vossa excelência ter vindo a praticar actos que de forma dolosa impedem o meu acesso aos imóveis, impossibilitando a realização de todas as obras necessárias à edificação das infra-estruturas acordadas e que, se destinam a dotar os prédios das condições necessárias à sua cultura de forma rentável. Ora, sem esse acesso aos imóveis, o que é por si só, impeditivo do exercício da nossa actividade, torna-se impossível a manutenção do presente contrato de comodato. (…). 27 – A 3.ª Ré remeteu ao Autor o escrito datado de 14 de Outubro de 2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: Venho por este meio informar Vsa. Exa., que é m/intenção resolver o contrato de comodato celebrado em ../../2020, que tem por objecto três prédios rústicos (…). Esta minha intenção, justifica-se pelo facto de vossa excelência ter vindo a praticar actos que de forma dolosa impedem o meu acesso aos imóveis, impossibilitando a realização de todas as obras necessárias à edificação das infra-estruturas acordadas e que, se destinam a dotar os prédios das condições necessárias à sua cultura de forma rentável. Ora, sem esse acesso aos imóveis, o que é por si só, impeditivo do exercício da nossa actividade, torna-se impossível a manutenção do presente contrato de comodato. (…). 28 – O Autor remeteu aos Réus o escrito datado de 29 de Outubro de 2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (…) como é do seu conhecimento não tem fundamento para resolver os contratos entre nós celebrados e, como tal, não aceito que sejam resolvidos. Assim, deverá V.Exª assumir as responsabilidades pela resolução unilateral e sem fundamento. Como também sabe nunca foi impedido de aceder aos imóveis. Tem perfeito conhecimento que não cumpriu o que tinha acordado comigo e como tal irei reclamar-lhe tudo aquilo a que tenho direito. (…). 29 – O Autor remeteu ao 1.º Réu o escrito datado de 14 de Fevereiro de 2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (…) é V.Exa. devedor da quantia de 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), que deverá liquidar no prazo máximo de 8 (oito) dias. 30 – O Autor remeteu ao 2.º Réu o escrito datado de 14 de Fevereiro de 2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (…) é V.Exa. devedor da quantia de 10.400,00 (dez mil e quatrocentos euros), que deverá liquidar no prazo máximo de 8 (oito) dias. 31- O Autor remeteu à 3.º Ré o escrito datado de 14 de Fevereiro de 2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (…) é V.Exa. devedora da quantia de 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), que deverá liquidar no prazo máximo de 8 (oito) dias. b) Factos não provados. Da prova produzida e com relevância para a decisão a proferir, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que: A - O prédio referido em 3 encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial .... B - Para além do referido em 14 e 15, Autor e Réus acordaram, ainda, que: - O 1.º Réu receberia 1/3 do valor correspondente ao lucro das vendas a realizar no âmbito do projecto desenvolvido pelo 2.º Réu; - O 2.º Réu receberia o correspondente a 1/3 ao lucro das vendas dos restantes réus; C - Autor e Réus acordaram que após recebimento, pelos Réus, dos subsídios referidos em 23, reembolsariam o Autor das quantias por este adiantadas para a execução dos respectivos projectos. D - As árvores mencionadas em 17 e existentes nos prédios referidos em 8 tinham um valor de 6.500,00 EUR e compreendiam, concretamente: 1 nogueira com cerca de 120 cm de diâmetro, 1 nogueira com cerca de 80 cm de diâmetro, 1 oliveira 70 centímetros de diâmetro; 1 oliveira com cerca de 85 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 90 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 80 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 110 centímetros de diâmetro; E - As árvores mencionadas em 17 existentes nos prédios referidos em 10, tinham um valor de 6.000,00 EUR e compreendiam, concretamente: 1 castanheiro com cerca de 60 centímetros de diâmetro, 3 castanheiros com cerca de 65 centímetros de diâmetro, 7 castanheiros com cerca de 70 centímetros de diâmetro, 6 castanheiros com cerca de 80 centímetros de diâmetro, 2 castanheiros com cerca de 85 centímetros de diâmetro, 3 castanheiros com cerca de 90 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 95 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 100 centímetros de diâmetro, 5 castanheiros com cerca de 110 centímetros de diâmetro, 3 castanheiros com cerca de 120 centímetros de diâmetro, 1 castanheiro com cerca de 140 centímetros de diâmetro, 1 nogueira com cerca de 40 centímetros de diâmetro, 1 nogueira com cerca de 45 centímetros de diâmetro, 1 nogueira com cerca de 60 centímetros de diâmetro, 1 nogueira com cerca de 80 centímetros de diâmetro. F - O 2.º Réu destruiu no prédio mencionado em 10: - Um muro com 27 metros de comprimento, 1 metro de largura e 1,70 de altura, alicerce de 0,30 metros; - Um muro com 75 metros de comprimento, 1 metro de largura e 1,70 de altura, alicerce de 0,30 metros; - Um muro com 72 metros de comprimento, 1 metro de largura e 0,90 metro de altura, alicerce de 0,30 metros; - Um muro com 76 metros de comprimento, 1 metro de largura e 0,90 de altura, alicerce de 0,30 metros. G – Os muros referidos em F tivessem o valor de 4.400,00 EUR. H - Os valores referidos em 20, 21 e 22 foram pagos pelo Autor. I - O Autor pagou todas as despesas relacionadas com a exploração do projecto agrícola da 3.ª Ré, no montante de 4.220,00 EUR. J - O Autor tomou conhecimento de que os Réus haviam recebido o subsídio referido em 23 e interpelou os Réus para ser reembolsado das despesas por si adiantadas. K - Os terrenos mencionados nos escritos referidos em 8, 10 e 12 foram abandonados pelos Réus.). 3.4. DO DIREITO APLICÁVEL Manteve-se inalterada decisão da matéria de facto. O Autor fazia depender parte da sua apelação daquela pretensão instrumental fáctica. Posto isto, na parte em que insiste, nas suas alegações e conclusões, em pressupor essa modificação para que seja revisto o mérito da sentença, fica inelutavelmente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara (cf. arts. 608º, n.º 2, 663º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil). Termos em que improcede, nessa parte, a apelação em apreço. Contudo, além disso, o Autor defende que, no que respeita à parte da decisão que impugna, a respeitante aos 1º e 3º Réus, a decisão recorrida fez uma errada interpretação dos artigos 799º, 801º e 808º. O Recorrido que alegou ignorou essas alegações na sua resposta. Vejamos então qual o mérito dessas conclusões de direito. Como já se assinalou acima, o Tribunal a quo considerou demonstrado, em suma, que, ao impedir o acesso dos Réus aos respectivos terrenos, impossibilitando-os de desenvolver a actividade a que se tinham proposto, o Autor comprometeu definitivamente a necessária estabilidade contratual e, assim, legitimou o direito à resolução do contrato por parte dos Réus. No seu entender, o incumprimento do contrato celebrado ocorreu porque, tendo-se comprometido a ceder, a título gratuito, os terrenos mencionados em 8, 10 e 11 para que os Réus pudessem aí desenvolver as actividades de exploração agrícola a que se haviam proposto, passou a impedir o acesso daqueles a tais terrenos, impossibilitando-os, assim, de darem continuidade à sua actividade. E, na verdade, atentando no que ficou apurado em 24., objectivamente, a partir de 14.9.2021 o Autor passou a incumprir a sua obrigação de cedência do uso dos terrenos em causa, tal como se tinha comprometido com os Réus. Posto isto, será que essa postura era suficiente para se julgar, como julgou a sentença, definitivamente incumprido os contratos em apreço? Julgamos que sim. De acordo com a sentença em causa estamos perante um contrato de associação em participação, regulado pelo D.L. nº 231/81[12], dado que consideramos adquirido nos termos do art. 635º, nº 5, do Código de Processo Civil. O contrato de associação em participação, enquanto contrato associativo ou organizativo, é aquele pelo qual uma ou mais pessoas, singulares ou colectivas, se associam a uma actividade económica exercida por outra, ficando as primeiras a participar nos lucros ou, facultativamente, também nas perdas, que resultarem desse exercício para a última. Relativamente ao objecto da associação em participação, encontramos dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24º) e a participação nos lucros e perdas (art. 25º) por parte do associado.[13] De acordo com esse art. 24º, nº 1, o associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante. No caso, além de mais, o associado, aqui Autor, comprometeu-se a ceder a todos os associantes o uso e fruição de determinados imóveis por períodos determinados nos contratos mencionados 8[14], 10 e 12 (9 e 8 anos, no caso dos dois últimos[15]). Sucede que o apontado regime legal especial deste contrato contém uma norma própria relativa à resolução do contrato. É que, de acordo com o seu art. 30º, e para o que aqui releva: 1 - Os contratos celebrados por tempo determinado ou que tenham por objecto operações determinadas podem ser extintos antecipadamente, por vontade de uma parte, fundada em justa causa. 2 - Consistindo essa causa em facto doloso ou culposo de uma parte, deve esta indemnizar dos prejuízos causados pela extinção. No caso estamos perante contratos que visavam a exploração de determinados projectos agrícolas. Estamos assim perante negócio que se enquadra na previsão desse nº 1, do art. 30º, que aqui invocamos ao abrigo do disposto no art. 5º, nº 3, do Código de Processo Civil. Neste âmbito, ficou demonstrado que, a dada altura e já no decurso da execução dos contratos, o Autor impediu o acesso dos associantes aos referidos imóveis, incumprindo assim a sua obrigação como associado e, sobretudo, impedindo aqueles de desenvolverem os respectivos projectos de exploração agrícola (24. dos factos provados). Ocorreu assim um incumprimento que, comprovadamente, lhe é imputável, o que sempre se poderia aqui presumir nos termos do citado art. 799º, nº 1[16], do Código Civil. Essa norma, de qualquer modo, presume a natureza culposa desse incumprimento mas, neste caso, em face dos factos apurados, podemos presumir, de acordo com a regra geral do art. 349º, do Código Civil, que o Autor não poderia ignorar a natureza essencial da obrigação que assim incumpriu e os efeitos que essa conduta tinha na actividade projectada por todos, tendo assim agido dolosamente. E como se assinala no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, acima citado, em quadro factual similar ao presente, “consequentemente, dada a natureza duradoura da ajuizada relação contratual, é a mesma susceptível - nos termos enunciados no art. 30º - de resolução por justa causa, como tal se entendendo qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação dessa vinculação, podendo, assim, a mesma concretizar-se mercê de factos objectivos, que tenham a ver com a pura realidade do negócio, ou subjectivos, ligados à actuação da parte inadimplente.” (...) Acresce que os factos provados mostram um motivo de resolução por justa causa do contrato duradouro celebrado entre as partes, já que é de todo evidente a existência de uma justificada perda de confiança por parte do autor na capacidade do réu para um exacto cumprimento futuro do programa contratual, sendo que, como salienta BAPTISTA MACHADO], naqueles casos, como o presente, em que o inadimplemento tem um valor sintomático, não será tanto a gravidade do incumprimento em si mesmo que terá relevância mas o seu significado no que respeita à confiança que poderá merecer ao credor o futuro cumprimento exacto por parte do devedor, tanto mais que, in casu, a não concretização da mencionada operação imobiliária se arrastava há mais de doze anos.” No caso, estamos perante o incumprimento de obrigação fundamental para a continuação da associação que o Autor gerou com cada um dos Réus: sem acesso ao terreno ficou fatalmente prejudicado o núcleo essencial desse negócio, o que, também aqui, significa uma perda de confiança que torna justa a resolução declarada pelos 1º e 3º Réus. Neste regime especial, esta falta, seja temporária ou não[17] pode consubstanciar motivo para resolução, tal foi a forma como o legislador se expressou no citado art. 30º (de outro modo teria remetido ou deixado que fosse aplicável o regime geral agora invocado pelos Apelantes) (cf. art. 9º, do Código Civil). É aqui irrelevante o dispositivo das regras gerais dos citados arts. 799º e 801º, do Código Civil. Neste conspecto, temos de concluir, como a sentença, que o referido incumprimento do Autor constituiu justa causa para a operada resolução dos contratos em apreço, pelo que se deve manter intocada a decisão respeitante à reconvenção dos 1º e 3º Réus que aqui reapreciamos. No que contende com a demanda do Autor, o desfecho também deve ser aquele que a decisão recorrida ditou porque este não demonstrou quaisquer factos que permitissem consubstanciar as causas de pedir que sustentam a sua demanda, maxime as respeitantes à ilicitude da resolução operada pelos Réus, ao alegado incumprimento definitivo destes ou ao direito de crédito de pecuniário cujo pagamento reclamou na sua petição (art. 342º, nº 1, do Código Civil). Assim, com prejuízo para conhecimento de outros argumentos aduzidos (art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil), deve improceder a Apelação, por isso com custas a cargo do Recorrente, conforme decorre do disposto do art. 527º, do mesmo Código. 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas pelo Apelante. * Sumário[18]:O que a lei considera nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do C.P.C., é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Reanalisada a prova pessoal e documental assinalada pelo Apelante como sendo determinante para a modificação do julgado, concluímos que a impugnação não deve proceder. Num contrato de associação em participação, regulado pelo D.L. nº 231/81, a resolução do contrato por justa causa é possível de acordo com a regra especial do seu art. 30º, nº 1. * Guimarães, 28-11-2024 [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] In Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 140 [5] No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669. [6] In Da Sentença Cível, p. 39 [7] In CJ 1995 – II, p. 58 [8] No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2015, Granja da Fonseca, 460/11, de 10.5.2016, João Camilo, 852/13. [9] Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 116. [10] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge, 91/09 [11] In Recursos no Nono Código de Processo Civil, 4ª Ed., p. 170 [12] https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=705A0025&nid=705&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao= [13] Cf. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 5.3.2018, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d857ceb203bc2b4c8025825c004dd7a7?OpenDocument [14] Neste caso o documento junto está incompleto mas pode-se presumir que a determinação também ocorreu e, em caso de dúvida, deve favorecer-se quem dela aproveita (art. 414º, do C.P.C.). [15] Cf. facto que aqui consideramos ao abrigo o disposto no art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo em conta a alegação do Autor e teor dos documentos juntos com a p.i. que suportam essa matéria… [16] 1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. [17] E igualmente aqui, havendo dúvida, haveria que aplicar o disposto no art. 414º, do Código de Processo Civil [18] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |