Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MAURÍCIO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE DÍVIDAS DA INSOLVÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - A massa insolvente abrange a totalidade do património do devedor/insolvente que seja susceptível de penhora e que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que sejam por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuando-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo, os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores, mas só depois de pagas as dívidas próprias da massa insolvente. II - Nos arts. 47º e 51º do C.I.R.E. encontram-se consagradas duas categorias de dívidas: as dívidas da insolvência, a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência; e as dívidas da massa insolvente, a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente. III - As dívidas da insolvência reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (art. 47º/1). IV - Quanto às dívidas da massa insolvente, embora enunciadas no art. 51º (e também noutras disposições do código que assim as qualifiquem - cfr. arts. 84º, 140º/3 e 142º/2), não existe uma definição legal, mas a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que: dizem respeito às dívidas que são constituídas na pendência ou decurso do processo de insolvência e que são essencialmente contraídas no interesse comum dos credores e, por isso, são correlativas dos créditos sobre a massa insolvente; e são as geradas concomitantemente com o processo e respectiva administração. V - O crédito reclamado na presente acção não apresenta qualquer nexo causal (ou de derivação) com o processo de insolvência nem se apresenta como uma consequência do processo de insolvência, acrescendo que manifestamente não foi contraído no interesse comum dos credores e não foi gerado concomitantemente com o processo e respectiva administração. Por via disso, não pode ser classificado como uma dívida da massa insolvente («crédito sobre a massa insolvente»), frisando-se que a classificação como dívida da massa tem um caracter marcadamente excepcional. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães[1] 1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada Os Autores AA e EMP01..., Lda. intentaram contra os Réus Massa Insolvente de BB e CC (representada pelo Administrador da Insolvência DD), contra os Réus Credores da Massa Insolvente e contra a Ré Banco 1... (Banco 1...), a presente ação declarativa de condenação nos termos do art. 89º, nº2 do CIRE, pedindo que «a presente ação seja julgada provada e procedente e, em consequência: a) - Serem todos os RR, condenados a reconhecer que a Sociedade A. tem um crédito no montante de € 44.094,00 sobre a Massa Insolvente de BB e CC; b) - Serem todos os RR. condenados a reconhecer que esse valor traduz uma redução do crédito hipotecário do credor e 3º R. Banco 1..., feita à custa dos pagamentos mensais da sociedade autora e/ou do 1º A. em nome e representação daquela, entre o dia ../../2017 e o dia 29 de novembro de 2020; c)- Ser a Massa Insolvente de BB e CC condenada a restituir à sociedade autora o aludido montante de 44.094,00 euros a título de enriquecimento sem causa, e os respetivos juros que o depósito bancário gerar desde a data do depósito na conta da massa até à data da restituição efetiva; d)- Serem todos os RR. condenados a reconhecer que esse montante corresponde um enriquecimento da Massa Insolvente, e um consequente empobrecimento da sociedade autora, um e outro no exato valor de 44.094 euros, bem como a reconhecerem que esse enriquecimento, perante a lei, não tem causa justificativa e que a lei não faculta à autora empobrecida outro meio de ser restituído/indemnizado; Subsidiariamente: e) - Caso assim não se entenda, então deverá o R. Banco 1... ser condenado a indemnizar a sociedade autora no montante de 44.094,00 euros pelos prejuízos que o seu comportamento ilícito e violador das regras da boa fé lhe causou, acrescidos de juros legais à taxa de 4% ao ano contados desde a citação até efetivo e integral pagamento». Fundamentaram a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «o 1º A. é gerente da 2ª A.; o 1º A. reclamou um crédito sobre o insolvente BB no montante de € 157.846,72, crédito que lhe foi reconhecido e foi contemplado na proposta de rateio final; por documento escrito de “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” datado de 14/09/2014, o insolvente confessou-se devedor perante o 1º A. do montante de € 240.000,00 resultante de diversos empréstimos monetários que este último lhe havia concedido; parte desse empréstimo de € 240.000,00, mais concretamente a quantia de € 150.000,00 já o 1º A. havia recebido em ../../2014 mediante empréstimo contraído pela sociedade 2ª A. junto da R. Banco 1... a pedido e no interesse do insolvente, uma vez que este não tinha possibilidades de recurso ao crédito bancário, e daí que o Insolvente tenha constituído hipoteca voluntária sobre um imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento desse empréstimo pelo qual era responsável; porque o 1º A. não tinha confiança na capacidade do Insolvente para pagar as prestações mensais junto da R. Banco 1... e, para garantir a titulação do seu crédito caso tivesse necessidade de ele próprio proceder ao pagamento dessas prestações, foi celebrada a confissão de dívida pela totalidade; o Insolvente não pagou uma única prestação do empréstimo R. Banco 1..., tendo sido os AA. a fazer todos os pagamentos mensais que já ascendiam então a € 67.846,72 de capital, juros e seguro, e após a declaração de insolvência, o Insolvente também não pagou qualquer montante nem à R. Banco 1... nem aos AA.; como o pedido do empréstimo havia sido formalizado pelo 1º A. através da 2ª A., para evitar o incumprimento contratual e respetiva comunicação ao Banco de Portugal com todas as consequências negativas daí advenientes para a sociedade 2ª A., não tiveram outra alternativa senão a de continuar a pagar as prestações mensais à R. Banco 1... e, desde a data da declaração da insolvência até ao dia ../../2020, os AA. pagaram-lhe o montante de € 56.239,64 referente às prestações vencidas nesse período; a R. Banco 1... reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 110.881,49, que tem a sua origem naquele contrato de empréstimo, celebrado em ../../2014, no qual foi mutuária a 2ª A e como fiador o Insolvente, empréstimo que se destinou a este último e foi contratado no seu exclusivo interesse, tendo os AA. intervindo nesse contrato, apenas face à impossibilidade de obter crédito bancário, e daí que este último tenha outorgado escritura de constituição de hipoteca voluntária e unilateral sobre imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento do referido empréstimo; entre o valor reclamado pela R. Banco 1... e o valor que efetivamente lhe era devido à data do pagamento em sede de rateio, verifica-se um diferencial de € 44.094,00, já que à data do pagamento o seu crédito estava reduzido a € 66.787,49 por força dos pagamentos mensais feitos pelo 2ª A.; a massa insolvente viu a sua dívida reduzida perante a R. Banco 1... em € 44.094,00, montante que tem de ser entregue à 2ª A., tratando-se de uma dívida da massa insolvente de que aquela é credora; e a considerar-se que esse valor integra e pertence à massa insolvente, tal representaria um enriquecimento injusto e sem causa da própria massa insolvente, sendo uma dívida da massa insolvente; de forma injustificada a R. Banco 1... continuou a receber da sociedade 2ª A. o valor correspondente às prestações que se venceram após a declaração da insolvência, tendo convencido o 1º A. a proceder ao pagamento mensal das prestações que se venceram mesmo depois de ter reclamado o seu crédito pela totalidade, mas referindo que no final far-se-ia o acerto de contas e que a R. Banco 1... lhe devolveria o valor que viesse a receber em excesso, mas nada devolveu, entregando o valor de € 44.094,00 à massa insolvente». A Ré Banco 1... contestou, pugnando por «ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser absolvida do pedido». Fundou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «no âmbito desse mesmo processo de insolvência, reclamou, pela totalidade, o crédito que possuía em relação ao contrato de mútuo e que se encontrava garantido pela hipoteca constituída sobre o imóvel do Insolvente; à data da declaração de insolvência, o contrato tinha um capital em dívida no valor de 110.780,30€, ao qual acresciam 89,82€ a título de juros vencidos e 11,37€ a título de Imposto de Selo e outras despesas, crédito que foi reconhecido e qualificado como garantido; no âmbito do processo de insolvência, no dia 17/10/2018 procedeu-se à venda executiva do imóvel, o qual foi comprado pela sociedade 2ª A. pelo preço de € 195.000,00€, tendo este valor servido para satisfazer, pela totalidade, o crédito reclamado pela R. Banco 1...; desde a reclamação do seu crédito até ao rateio final, o capital em dívida diminuiu como resultado do cumprimento da sociedade 2ª A., o que levou a Banco 1... a fazer um requerimento ao tribunal no sentido de transferir a diferença entre o montante obtido em sede de rateio final (110.881,49€) e o montante efetivamente em dívida à data (66.787,49€), diferença essa no valor de € 44.094,00, requerimento que foi aceite, pelo que procedeu à transferência; trata-se de dinheiro pertencente à massa insolvente; a atuação da R. Banco 1... foi lícita, diligente e criteriosa, sempre dentro do quadro da boa-fé contratual, razão pela qual deverá ser afastada qualquer tipo de sua responsabilização». A Ré Massa Insolvente contestou, pugnando por «ser julgada a acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se do pedido a Ré, Massa Insolvente de BB e CC». Fundou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «a dívida era da A. sociedade e como tal teria de cumprir escrupulosa e pontualmente o contrato de mútuo, sob pena de ser accionada judicialmente pela R. Banco 1...; os AA. confundem as relações creditícias assumidas por estes com a 3.ª R., Banco 1..., originadas pelo alegado contrato de mútuo, com o pagamento dos créditos reclamados e reconhecidos na insolvência de BB e CC; a 3.ª R. reclamou o crédito que detinha sobre o Insolvente, o qual foi reconhecido, tal como fez o 1.º A., reclamando o seu crédito com base numa confissão de dívida e não com fundamento no contrato de mútuo; verificando a 3.ª R. que alegadamente foram liquidadas prestações, era sua obrigação devolver à Massa Insolvente, como o fez, pois a quantia de € 44.090,00 pertence à 1.ª R., fruto da venda de bens apreendidos do Insolvente, nomeadamente do bem imóvel, caso contrário, quem se veria empobrecida era a Massa Insolvente e seria a 2.ª A. beneficiada em relação aos restantes credores; caso não houvesse dinheiro suficiente para a massa insolvente liquidar todos os seus créditos aos credores reclamantes, a 2.ª A. continuaria obrigada a pagar as prestações que assumiu para com a 3.ª R. por força do contrato de mútuo». Foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia e a fixar o valor da causa em € 44.094,00 e foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, para além do mais, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova. Realizada a audiência final, na data de 28/05/2023, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Julga-se a presente ação improcedente, por não provada e consequentemente, absolvem-se os RR. dos pedidos contrato si formulados”. * 1.2. Do Recurso dos AutoresInconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo que seja «revogada a decisão recorrida e, substituindo-a por outra, que condene os RR. nos pedidos formulados nas alíneas a) a d) do petitório», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: 1ª- A presente ação tem causa de pedir radica na celebração de um contrato de mútuo com fiança e hipoteca celebrado entre a sociedade recorrente e a 3ª R. Banco 1..., no montante de 150 mil euros, no interesse exclusivo do insolvente BB conforme facto provado em i). 2ª- Não obstante a sociedade recorrente figurar nesse aludido contrato como entidade mutuária, o certo é que o montante mutuado foi entregue ao insolvente, ou seja, o aludido empréstimo foi contraído no exclusivo interesse do insolvente e foi este quem retirou proveito desse montante mutuado, daí que o mesmo tenha prestado garantia hipotecária a favor do Banco 1..., tal como resulta dos factos provados em i) e j). 3ª- A presente ação, tem, assim, como principal causa de pedir, o facto de os AA. (o 1º em nome da sociedade A.) terem procedido ao pagamento das prestações desse empréstimo ao Banco 1... após a declaração de insolvência no montante de € 56.239,64 (prestações vencidas entre o dia ../../2017 e o dia 29 de setembro de 2020). 4ª- Pagamento esse, que era da responsabilidade do insolvente, já que esse empréstimo foi contraído em seu proveito exclusivo e tanto assim foi que o insolvente constituiu hipoteca a favor do Banco 1... e confessou-se devedor desse montante de 150 mil euros resultantes do contrato de mútuo, e ainda pelo facto de por força desses pagamentos se ter verificado uma redução do crédito do Banco 1... (garantido por hipoteca) em 44.094,00 euros e a massa insolvente viu a sua dívida reduzida perante o Banco 1... naquele preciso montante, conforme factos provados em g), j), n), o), p), q) e r) . 5ª- A dívida cujo pagamento é peticionado na presente ação é uma dívida da massa insolvente e não da insolvência, porquanto o crédito só se gerou após a declaração da insolvência, na dinâmica do próprio processo, tal como resulta do artigo 51º do CIRE. 6ª- Os AA. reclamam o pagamento/devolução do montante de € 44.094,00 de prestações pagas ao Banco 1... após a declaração de insolvência e até à data em que o Banco 1... recebeu em rateio, a totalidade do crédito sobre a insolvência que havia reclamado (prestações pagas entre o dia ../../2017 e o dia 29 de setembro de 2020). 7ª- Esse montante que o Banco 1... devolveu à massa insolvente e que traduz uma redução do crédito do Banco 1... em € 44.094,00 não pertence à massa insolvente, pertence à sociedade recorrente porquanto corresponde ao pagamento de uma dívida contraída por esta sociedade, mas no interesse exclusivo do insolvente. 8ª- A sociedade recorrente não podia reclamar o seu crédito ao abrigo do disposto no artigo 128º do CIRE, porquanto à data da declaração da insolvência ainda não tinha pago as prestações que posteriormente veio a pagar ao Banco 1... e, por outro lado, o Banco 1... havia reclamado o seu crédito sobre a insolvência (resultante do contrato de mutuo com hipoteca) pela totalidade do valor em dívida, ou seja, pelo montante de € 110.881,49 (al. h) dos factos provados) não fazendo qualquer sentido que a sociedade recorrente reclamasse um crédito que o Banco 1... reclamou pela totalidade. 9ª- O crédito cujo pagamento é reclamado por via da presente ação é um crédito que surgiu após a declaração da insolvência e só porque o Banco 1... exigiu à sociedade recorrente o respetivo pagamento, não obstante ter reclamado esse crédito por inteiro sobre a insolvência. 10ª- Mercê dos pagamentos ao Banco 1... por parte da sociedade recorrente e, do 1ª A. em nome daquela, a massa insolvente enriqueceu-se no exato montante de € 44.094,00 sem que o insolvente ou a própria massa tivesse efetuado qualquer contraprestação ou praticado qualquer ato que justifique a integração daquele valor. 11ª- A sociedade autora e o 1º A. seu gerente em nome daquela, pagaram uma dívida do insolvente e da própria massa porquanto se venceu após a declaração da insolvência e, nessa medida, reduziu o crédito hipotecário do Banco 1... naquele preciso montante de € 44.094,00, pelo que, e quanto mais não fosse, até por força do instituto do enriquecimento sem causa, tem a sociedade A. direito a receber da Massa Insolvente o valor que o Banco 1... já lhe restitui conforme requerimento junto aos autos principais no dia 03.11.202. 12ª- Pois a não ser assim, sociedade autora veria o seu património empobrecido em 44.094 euros, e por sua vez, a massa insolvente e os credores em geral, por consequência direta daquele empobrecimento, ver-se-iam enriquecidos nessa exata medida, sem que para tanto subsista causa justificativa - Arts 473º e 474º do Código Civil. 13ª- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. 14ª- A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado. Ora estes quatro requisitos estão todos reunidos in casu. 15ª- O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas. 16ª- A dívida cujo pagamento os autores reclamaram através da presente ação, tem a sua fonte no enriquecimento sem causa da massa insolvente e dos credores da insolvência, como tal, é uma dívida da massa insolvente nos termos do nº 1 da al. i) do artigo 51º do CIRE. 17ª- O seu pagamento tem de ser feito na data do respetivo vencimento, qualquer que seja o estado do processo – nº 3 do artigo 172º do CIRE. 18ª- O meio próprio ao alcance do credor para obter o pagamento é o recurso à ação á ação declarativa ou executiva, consoante o caso, a instaurar contra a massa e por apenso, nos termos do nº 1 do artigo 89º do CIRE. 19ª- Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, que é muito, o meritíssimo senhor juiz a quo, procedeu a errada subsunção dos factos ao direito, aplicou erradamente o artigo 128º e 47º do CIRE, porquanto à situação sub judice é aplicável o artigo 51º, 1 al. i) e 89º, 2 do CIRE, ou seja, trata-se de uma dívida sobre a massa insolvente e o meio processual próprio é a ação a que alude o nº 2 do art. 89º do CIRE. 20ª-A decisão sub censura violou os citados preceitos legais e ainda o disposto nos artigos 473º e 474º do Código Civil e o artigo 172º, 3 do CIRE.”. * Nenhum dos Réus contra-alegou.* O recurso foi admitido pelo Tribunal de 1ª Instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objecto de alteração neste Tribunal da Relação.Foram colhidos os vistos legais. * * * 2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIRPor força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013). Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[2] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[3]). Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelos Autores/Recorrentes a questão a apreciar por este Tribunal ad quem é a seguinte: saber se o crédito no valor de € 44.094,00 reclamado pelos Autores constitui uma dívida da Massa Insolvente e deve esse valor ser entregue (restituído) por esta aos Autores. * * * 3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTONa sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos: a) Por requerimento remetido ao Sr. A.I. por e-mail de ../../2017, EE reclamou um crédito sobre o insolvente BB no montante de € 157.846,72 euros. b) Tal crédito foi-lhe reconhecido nesse preciso montante como crédito comum, e foi contemplado na proposta de rateio final de 14.04.2020 retificada em 30.06.2020. c) No seu requerimento de reclamação de créditos alegou a factualidade que infra se transcreve: «……-Por documento escrito de “ Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” datado de 14 de Setembro de 2014, cuja validade de conteúdo, vontade e assinatura foi percecionada pela senhora Notária FF com Cartório Notarial na Rua ..., ..., através de termo de autenticação lavrado nessa mesma data, o insolvente BB confessou-se devedor perante o requerente do montante de € 240.000,00 ( duzentos e quarenta mil euros) resultante de diversos empréstimos monetários que este último lhe havia concedido. O insolvente BB obrigou-se a pagar a referida quantia ao requerente em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas de 2.000 euros cada uma delas, vencendo-se a primeira no dia 28 de Setembro de 2014 e cada uma das restantes no mesmo dia dos meses subsequentes. Como se referiu, a confissão de dívida feita nesse documento e com termo de autenticação reportou-se a empréstimos anteriores que o requerente havia concedido ao insolvente BB e que este último, no seu próprio dizer terá afetado à sua atividade de exploração de uma oficina de automóveis. Parte desse empréstimo de 240.000 euros, mais concretamente a quantia de 150.000,00 euros já o A. havia recebido em ../../2014 mediante empréstimo contraído pela sociedade “EMP01... Ldª “ junto do Banco 1... “ a pedido e no interesse do insolvente, uma vez que este não tinha possibilidades de recurso ao crédito bancário, e daí que o insolvente tenha constituído hipoteca voluntária sobre um imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento desse empréstimo pelo qual era responsável. Ainda assim, e porque o 1º A. não tinha confiança no insolvente BB, nomeadamente quanto à sua capacidade para pagar as prestações mensais junto do Banco 1..., e, para garantir a titulação do seu crédito caso tivesse necessidade de ele próprio proceder ao pagamento dessas prestações, foi então celebrada a confissão de dívida pela totalidade. E de facto o insolvente não pagou uma única prestação do empréstimo ao Banco 1..., tendo sido o requerente quem até à data tem feito esse pagamento, tendo já despendido a esse título € 67. 846,72 de capital, juros e seguro. Deve assim o insolvente BB € 90.000,00 do montante referente à confissão de dívida de 01.09.2014 e € 67.846,72 de capital, juros e seguro liquidados pelo requerente no interesse do insolvente através das prestações pagas ao Banco 1... entre a data da celebração do Mútuo com hipoteca até à presente data, num total de 38 prestações no valor de € 1.785,44 cada uma delas. O requerente é credor do insolvente pelo montante de € 157.846,72 euros. Crédito este, que é comum nos termos do artigo 47º, al. c) do CIRE. E que pode vir a ser ampliado caso o requerente tenha que continuar a pagar as prestações ao Banco 1... que são da responsabilidade do insolvente». d) Até àquela data o insolvente não tinha pago uma única prestação do empréstimo contraído junto do Banco 1..., tendo sido os AA. a fazer todos os pagamentos mensais que já ascendiam então a € 67. 846,72 de capital, juros e seguro. e) Como o pedido de empréstimo ao Banco 1... havia sido feito pelo autor através da sociedade “EMP01... Ldª “, de que o mesmo é gerente, para evitar o incumprimento contratual perante o Banco 1..., os AA. continuaram a pagar as prestações mensais ao R. Banco 1.... f) No denominado contrato de mútuo e fiança figuram como outorgantes Banco 1..., EMP01... Lda. e BB (aqui insolvente). g) E desde a data da declaração da insolvência, até à presente data os AA. pagaram ao Banco 1... o montante global de € 56.239,64 referente às prestações vencidas entre o dia ../../2017 e o dia 29 de setembro de 2020. h) O banco Banco 1..., também credor nos presentes autos de insolvência, por carta registada endereçada ao Sr. AI com data de 08.11.2017 reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 110.881,49 euros, sendo € 110.780,30 a título de capital, € 89.82 a título de juros vencidos desde 29.09.2017 a 06.10.2017 e € 11.37 a título de imposto de selo e demais despesas. i) O crédito que o Banco 1... reclamou sobre a insolvência tem a sua origem precisamente no aludido contrato de mútuo com fiança nº 473-36.... celebrado em ../../2014, tendo aí figurado como mutuante a Banco 1..., a sociedade “EMP01... Ldª” como devedora representada pelo aqui autor e o insolvente BB, sendo certo, no entanto, que o empréstimo destinou-se a este último e foi contratado no seu exclusivo interesse, tendo os AA. intervindo nesse contrato, apenas face à impossibilidade de o insolvente obter crédito bancário. j) E daí que este último, tenha nesse mesmo dia ../../2014 outorgado escritura de constituição de hipoteca voluntária e unilateral sobre imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento do referido empréstimo ao Banco 1.... l) O crédito reclamado pelo Banco 1... foi reconhecido como crédito garantido pelo valor de € 110.811,49 tal como consta do mapa final de rateio retificado junto aos autos principais no dia 30.06.2020 sob a refª ...77. m) Por requerimento de 14/10/2020 veio agora o Banco 1... dizer que o valor por ele reclamado sofreu alterações em virtude de se ter liquidado uma parte da quantia reclamada e, que com referência ao contrato de empréstimo e fiança se encontra em dívida apenas o montante de € 66.787,49. n) Não foi o insolvente quem pagou o valor das prestações do predito empréstimo, mas sim a sociedade A. o) Entre o valor reclamado pelo Banco 1... e o valor que efetivamente lhe era devido à data do pagamento em sede de rateio, verifica-se um diferencial de € 44.094,00, já que à data do pagamento o seu crédito estava reduzido a € 66.787,49 por força dos pagamentos mensais feitos pela 2ª A. p) O crédito do Banco 1... à data da sua reclamação ascendia assim a € 110.811,49 e desde então e até à data do pagamento em sede de rateio sofreu uma redução de € 44.094,00 por força dos pagamentos parcelares referentes às prestações mensais vencidas entre a data da reclamação do crédito do Banco 1... e a data em que obteve pagamento em sede de rateio. q) A redução desse crédito garantido, no preciso montante de € 44.094,00 deve-se ao pagamento efetuado pela sociedade A.. r) A massa insolvente viu, assim, a sua dívida reduzida perante o Banco 1... em € 44.094,00 mercê dos pagamentos feitos pela sociedade A.. s) Face ao rateio a 1ª Ré Massa Insolvente procedeu ao pagamento aos credores, inclusivamente a 3ª Ré do valor de € 110.811,49. t) O R. Banco 1... posteriormente requereu ao Tribunal no sentido de transferir a diferença entre o montante obtido em sede rateio final (€ 110.881,49) e o montante efetivamente em dívida à data (€ 66.787,49) que era de € 44.094,00. u) Ainda em sede de rateio final o A. AA recebeu € 10.854,78. * Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou inexistirem factos não provados.* * * 4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOO processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores ou pela forma prevista num plano de insolvência, ou, quando este se não se mostre possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, como decorre do preceituado no art. 1º do C.I.R.E. Como se refere no Ac. do STJ de 20/10/2015[4], “o processo de insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nºs1 e 2 do CIRE (…), normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente”. É consabido que um dos efeitos da declaração de insolvência é o insolvente (por si ou pelos seus administradores) ficar imediatamente privado dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (com execpção dos casos expressamente previstos na lei) - art. 81º/1 do C.I.R.E. A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente, obstando à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (art. 88º/1 do C.I.R.E.) e, por força do disposto do art. 90º do C.I.R.E., durante a pendência do processo de insolvência, os credores do insolvente (devedor) apenas podem exercer os seus direitos contra o devedor nos termos previstos próprio C.I.R.E., o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que recorrer aos procedimentos legalmente consagrados para o efeito. Assim, nos termos do disposto art. 128º/1 e 3 do C.I.R.E., deverão os credores reclamar, dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, a verificação dos respectivos créditos (incluindo aqueles que tenham o seu crédito reconhecido por decisão definitiva): é a sentença de verificação e graduação de créditos que autoriza o administrador de insolvência a proceder ao pagamento dos créditos reconhecidos e graduados, pagamento este que contempla apenas os créditos verificados por tal decisão (cfr. arts. 173º a 184º do C.I.R.E.). Depois de decorrido o prazo para a reclamação de créditos, a lei concede aos credores a possibilidade de ulterior reclamação e verificação créditos, através da interposição da acção prevista no art. 146º do C.I.R.E. com vista a que os respectivos créditos possam ser ainda atendidos no processo de insolvência (ou seja, para que possam ser considerados para efeitos do pagamento a realizar pelo administrador da insolvência). Nesta acção, incumbe ao credor alegar os mesmos elementos que lhe competiria alegar se tivesse reclamado o crédito no âmbito da reclamação de créditos (cfr. art. 129º/1 e 2 do C.I.R.E.). Esta acção, que corre por apenso ao processo de insolvência e segue os termos do processo comum, caso venha a ser julgada procedente, impõe que o crédito reconhecido ulteriormente seja graduado, juntamente com os demais, no lugar que lhe competir. Por força do disposto no art. 36º/1g) do C.I.R.E., na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, “de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º”, sendo que, em estrita consonância, estatui o art. 149º/1 do C.I.R.E. que “Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão (…) de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil”. A fase da liquidação prevista nos arts. 158º e ss do C.I.R.E. (da competência exclusiva do administrador da insolvência) destina-se precisamente à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores com vista a satisfazer os seus créditos na medida do possível, o que se concretiza, fundamentalmente, através da venda dos bens que integram a massa insolvente e da cobrança dos créditos de que o insolvente seja titular sobre terceiros tudo por forma a obter os respectivos valores [cfr. arts. 55º/1a) e 158º do C.I.R.E.]. Sob epígrafe de “conceito de massa insolvente”, prescreve o art. 46º/1 do C.I.R.E. que “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”. Decorre deste normativo que a massa abrange a totalidade do património do devedor/insolvente que seja susceptível de penhora e que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que sejam por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuando-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo[5]. Assim, a massa insolvente é constituída pelo conjunto de bens e de direitos actuais (e que são objecto de apreensão) e futuros do devedor/insolvente, os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores[6], mas só depois de pagas as dívidas próprias da massa insolvente. Nas palavras de Catarina Serra[7], “sob o ponto de vista da sua natureza jurídica” pode qualificar-se “como um património de afectação especial (aquele que está adstrito exclusiva ou preferencialmente a certos encargos) e, dentro desta categoria, um património separado (o devedor não seixa e ser o seu titular embora tenha os seus poderes fortemente limitados)”. No art. 47º do C.I.R.E. estabelece-se que “1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”, que “2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência”, e que “3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo” (o sublinhado é nosso). Já no nº4 deste art. 47º enumeram-se as categorias de créditos relevantes em sede insolvencial, embora sem qualquer ordem de prevalência: “Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são: a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência; c) ‘Comuns’ os demais créditos”. Relativamente às dívidas da massa insolvente, encontram-se as mesmas elencadas no art. 51º/1 do C.I.R.E. embora sem carácter taxativo, como decorre inequivocamente da sua redacção: “Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º”. Nos citados arts. 47º e 51º encontram-se consagradas duas categorias de dívidas: as dívidas da insolvência, a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência; e as dívidas da massa insolvente, a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente. As dívidas da insolvência reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (art. 47º/1). Quanto às dívidas da massa insolvente, embora enunciadas no art. 51º (e também noutras disposições do código que assim as qualifiquem - cfr. arts. 84º, 140º/3 e 142º/2), não existe uma definição legal, mas a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que: dizem respeito às dívidas que são constituídas na pendência ou decurso do processo de insolvência e que são essencialmente contraídas no interesse comum dos credores e, por isso, são correlativas dos créditos sobre a massa insolvente[8]; e são as geradas concomitantemente com o processo e respectiva administração[9]. Explica Catarina Serra[10] que “quanto aos créditos sobre a massa não existe propriamente uma definição. E por mais que seja tentador, ela não deve ser retirada, a contrario, da definição de créditos sobre a insolvência que é dada pela lei, sob pena se de incorrer em erros. De facto, não é possível dizer que os créditos sobre a massa são os créditos restantes, isto é, que eles são aqueles cujo fundamento é posterior à data de declaração da insolvência (…) se é verdade que todos os créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência, não é verdade que todos os créditos sobre a insolvência sejam créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência; existem créditos sobre a insolvência cujo fundamento é posterior a esta data”. Mais acentua que “Para adquirir uma noção de créditos sobre a massa resta, então, atender ao disposto no art. 51.º, n.º 1, preceito que apresenta uma enumeração não taxativa (…) e ter em atenção os casos dispersos regulados na lei. São dívidas da massa, salvo preceito expresso em contrário: as custas do processo de insolvência (…); as remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores(…); as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (…); as dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (…); qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência(…); qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração (…); qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório (…); as dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes (…); as dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente (…); a obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º (…). Não há dúvidas de que esta é a norma central para compreender que tipo de dívidas mereceram, ao legislador, a qualificação de dívidas da insolvência. Mas para a noção ficar completa é conveniente passar em vista também os casos dispersos. Entre estes destacam-se o direito da contraparte do insolvente à contraprestação (só) no que exceda o valor do que seria apurado no caso de o administrador da insolvência ter recusado o cumprimento do contrato (cfr. art. 103.º, n.º 3), o direito da contraparte do insolvente à contraprestação em dívida (só) no caso de o cumprimento da prestação ser imposto ao insolvente por contrato e não recusando o administrador esse cumprimento (cfr. art. 103.º, n.º 5), a remuneração e o reembolso das despesas do mandatário (só) quando estas resultem da realização, por este, de actos necessários para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente a até que o administrador da insolvência tome as devidas precauções (cfr. art. 110.º, n.º 3), a obrigação de restituição pela massa do valor correspondente ao objecto prestado por terceiro (só) na medida do respectivo enriquecimento à data da declaração de insolvência (cfr. art. 126.º, n.º5)”. E conclui: “Agrupando os casos atendendo ao seu denominador comum, é possível concluir, em primeiro lugar, que a classificação como dívidas da massa assenta na existência de uma espécie de nexo causal (ou nexo de derivação) entre as dívidas e o processo de insolvência. Sendo previsíveis e naturais ao processo de insolvência, tendo por finalidade assegurar a abertura e o curso de um processo de insolvência (como as resultantes das custas), ou sendo meramente eventuais (como as que derivam da actividade dos órgãos e, em particular, do exercício, pelo administrador da insolvência, das suas funções), a verdade é que todas são consequências do processo de insolvência. Olhando para as restrições inerentes à classificação como dívidas da massa (em particular para os casos dispersos), é possível concluir, em segundo lugar, que a classificação como dívidas da massa assume um caracter marcadamente excepcional (…)” (os sublinhados são nossos). Revela extrema importância a classificação e diferenciação entre as dívidas da insolvência («créditos sobre a insolvência») e as dívidas da massa insolvente («créditos sobre a massa insolvente») uma vez que se encontram sujeitas a regimes distintos, nomeadamente quanto ao exercício dos correspectivos direitos de créditos e quanto ao timing do pagamento. Como supra já se referiu, os titulares de direitos de crédito sobre a insolvência, durante a pendência do processo de insolvência, só podem exercer os seus direitos nos termos previstos próprio C.I.R.E. (cfr. o citado art. 90º), isto é, através da reclamação de créditos prevista no referido art. 128º ou (posteriormente) através da acção de ulterior reclamação e verificação créditos prevista no aludido art. 146º, sendo que apenas serão pagos os créditos sobre a insolvência («dívidas da insolvência») que tenham sido reconhecidos e graduados por decisão proferida no âmbito de um daqueles procedimentos legais. Já as dívidas da massa insolvente deverão ser pagas nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo (art. 172º/3 do C.I.R.E.) e, não sendo pagas, poderão ser objecto de acção declarativa ou executiva a instaurar (por apenso ao processo de insolvência) nos termos do art. 89º/2 do C.I.R.E.: “os credores da massa (…) em caso de incumprimento por parte da administração desta, não são sujeitos da reclamação nem da graduação. Esses, respeitado que seja o tal «período de carência»” [os três meses previstos no nº1 do art. 89º] “propõem contra a massa, representada pelo AI, as acções ou execuções para exerceram os direitos creditícios de que se hajam constituído titulares - artºs 89º, nº 2, e 51º - e que não lhes sejam pagos pontualmente na data do respectivo vencimento (nº 3, do artº 172º)”[11]. E seu pagamento é realizado primeiramente que as dívidas da insolvência, como decorre do citado art. 46º/1 e também do disposto no art. 172º/1 do C.I.R.E. (“Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo”), ou seja, as dívidas da massa insolvente são pagas com precipuicidade, pelo que os créditos sobre a insolvência, seja qual for a respetiva categoria, são preteridos no confronto com aquelas. Refere Maria do Rosário Epifânio[12], “Os créditos sobre a massa regem-se por quatro princípios fundamentais: os princípios da precipuidade, da satisfação imediata, da exequibilidade e da integralidade. Segundo o princípio da precipuidade, os créditos sobre a massa são pagos antes dos créditos sobre a insolvência (arts. 46º, nº1, e 172º). De acordo com o princípio da satisfação imediata, o seu pagamento tem lugar na data do seu vencimento, qualquer que seja o estado do processo (art. 172º, nº3), não tendo os respectivos titulares que reclamá-los no apenso de verificação de créditos (arts. 128º e ss). Por força do princípio da exequibilidade, as ações (incluindo as executivas) relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, exceto as execuções por dívidas de natureza tributária (art. 89º, n.º2). Por último, manda o princípio da integralidade que a insuficiência da massa para o seu pagamento seja causa justa de extinção da instância insolvencial à luz do disposto da integralidade nos arts. 39º ou 232º, consoante os casos”. Perante este “quadro legal”, é inequívoco que, na mesma insolvência, um certo e concreto crédito não pode ser tratado e qualificado, simultânea e indistintamente, como «crédito sobre a massa insolvente» e como «crédito sobre a insolvência»[13]. Um dos casos legalmente qualificado como «dívidas da massa insolvente» são as que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente [cfr. alínea i) do referido art. 51º]. O instituto do enriquecimento sem causa encontra-se consagrado no art. 473º e ss. do C.Civil. Prescreve o citado art. 473º: «1 - Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2 - A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. Estatui o art. 474º do C.Civil: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. E estabelece o art. 479º ainda do C.Civil: “1 - A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2 - A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”. Na base deste instituto encontra-se a ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se sem causa à custa alheia, sendo que o mesmo se caracteriza pela inexistência de qualquer negócio ou facto a justificar a apropriação de valores cuja restituição é pedida e por essa apropriação ser obtida à custa de quem pede a restituição. O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento (consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista); b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique (para que se verifique a obrigação de restituir é necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial ou porque nunca a houve ou porque entretanto desapareceu; reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial); c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição (a vantagem patrimonial alcançada por um resulta do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro; mas este requisito não significa necessariamente que a diminuição suportada pelo empobrecido tenha de ser igual à vantagem conseguida pelo enriquecido); e d) que não haja um outro acto jurídico entre acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. No sentido deste entendimento pronunciaram-se o Ac. do STJ de 29/05/2007[14] (“São requisitos do enriquecimento sem causa: o enriquecimento, o empobrecimento, o nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa da deslocação, patrimonial verificada”) e o Ac. do STJ de 04/10/2007[15] (“A obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário: se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º e segs. do CC”)[16]. Porém, o conceito de causa do enriquecimento é muito controvertido e o supra citado art. 473º, intencionalmente, não o define, limitando-se cautelosamente a facultar ao intérprete algumas indicações capazes de auxiliarem a sua formulação, sendo essa aliás a principal finalidade do seu nº2, quando afirma que a obrigação de restituir tem, «de modo especial», por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que se não verificou. E, com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento[17]: se o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; faltará essa causa se não existe uma relação ou facto que, à luz dos princípios aceites pelo sistema, legitime o enriquecimento[18]. Mas como observam Pires de Lima e Antunes Varela[19], “a falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 342º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa”. Saliente-se que, por um lado, o enriquecimento tem de consistir na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista (num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, na poupança de despesas)[20], e que, por outro lado, este enriquecimento há-de ser obtido à custa ou a expensas de quem pretende a restituição, isto é, a vantagem patrimonial alcançada por um deve resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro ou corresponder à privação do aumento do património deste (será também à custa de outrem, a vantagem patrimonial obtida com meios ou instrumentos de outrem). O objecto da obrigação de restituição encontra-se submetido a um duplo limite: o beneficiado deve entregar na medida do locupletamento; nunca mais, todavia, do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior àquele[21]. E explica Galvão Teles[22]: «”(…) o problema da exacta medida da restituição é controvertido. Afigura‑se‑nos que essa medida está sujeita a duplo limite. Não excederá o valor do enriquecimento nem o do empobrecimento. O empobrecido não pode pretender mais do que aquilo em que o outro sujeito enriqueceu, pois de contrário haveria injustiça para este, tendo de desembolsar valor superior ao do seu benefício. Mas também não pode pretender mais do que aquilo em que ele próprio empobreceu, pois haveria igualmente injustiça em o prejudicado receber valor superior ao do seu prejuízo. O objecto da restituição é o que o enriquecido tenha obtido à custa do empobrecido (art. 479.°, n.° 1). Ora o que aquele obteve à custa deste nem vai além do que o primeiro ganhou nem além do que o segundo perdeu. O valor que conta é o mais baixo. Acima desse valor não há que falar de locupletamento a expensas alheias. O artigo 479.°, n.°2, mostra bem que o montante do enriquecimento não representa a medida da obrigação de restituição mas apenas um limite que não pode ser excedido. O outro limite consistirá no montante do empobrecimento. Na verdade os dois valores nem sempre coincidem. Umas vezes a falta de coincidência vem de origem…. Outras vezes os dois valores afastam‑se um do outro em consequência de flutuações subsequentes. O momento decisivo para fixar a medida da restituição é aquele em que se dá um dos seguintes factos (atendendo‑se naturalmente ao ocorrido em primeiro lugar): ser o enriquecido citado judicialmente para a restituição ou ter conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento (art. 479.°, n.° 2, e art. 480.°). Ora, até se produzir algum desses factos, pode designadamente o valor do enriquecimento alterar‑se, ou para mais ou para menos…. O que interessa é a situação actual dos patrimónios dos interessados, em confronto com a que apresentariam se não se desse o facto determinante do injusto locupletamento. Como situação actual considera‑se a existente na data definida em conformidade com o disposto nos citados artigos 479.°, n.° 2, e 480.° (…)”. Tecidas estas considerações jurídicas e revertendo para o caso em apreço, verifica-se que os Autores intentaram acção nos termos do art. 89º/2 do C.I.R.E., pedindo, a título principal e naquilo que efectivamente releva, que os Réus Massa Insolvente, Credores da Massa Insolvente e Banco 1... sejam condenados a reconhecer que a Autora tem um crédito sobre a Ré Massa Insolvente no montante de € 44.094,00 e que esta Ré seja condenada a restituir este montante à Autora, alegando para o efeito, no essencial que: «por documento escrito de “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” datado de 14/09/2014, o Insolvente confessou-se devedor perante o 1º A. do montante de € 240.000,00 resultante de diversos empréstimos monetários que este último lhe havia concedido; parte desse empréstimo, mais concretamente a quantia de € 150.000,00 já o 1º A. havia recebido em ../../2014 mediante empréstimo contraído pela sociedade 2ª A. junto da R. Banco 1... a pedido e no interesse do insolvente; o Insolvente não pagou uma única prestação do empréstimo R. Banco 1..., tendo sido os AA. a fazer todos os pagamentos mensais que já ascendiam então a € 67.846,72 de capital, juros e seguro; como o pedido do empréstimo havia sido formalizado pelo 1º A. através da 2ª A., para evitar o incumprimento contratual e respetiva comunicação ao Banco de Portugal com todas as consequências negativas daí advenientes para a sociedade 2ª A., não tiveram outra alternativa senão a de continuar a pagar as prestações mensais à R. Banco 1... e, desde a data da declaração da insolvência até ao dia ../../2020, os AA. pagaram-lhe o montante de € 56.239,64 referente às prestações vencidas nesse período; a R. Banco 1... reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 110.881,49, que tem a sua origem naquele contrato de empréstimo, celebrado em ../../2014, no qual foi mutuária a 2ª A e como fiador o Insolvente, empréstimo que se destinou a este último e foi contratado no seu exclusivo interesse, tendo os AA. intervindo nesse contrato, apenas face à impossibilidade de obter crédito bancário, e daí que este último tenha outorgado escritura de constituição de hipoteca voluntária e unilateral sobre imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento do referido empréstimo; entre o valor reclamado pela R. Banco 1... e o valor que efetivamente lhe era devido à data do pagamento em sede de rateio, verifica-se um diferencial de € 44.094,00, já que à data do pagamento o seu crédito estava reduzido a € 66.787,49 por força dos pagamentos mensais feitos pelo 2ª A.; a massa insolvente viu a sua dívida reduzida perante a R. Banco 1... em € 44.094,00». Na sentença recorrida, entendeu-se que «as prestações pagas pela A. sociedade resultam da assunção de uma obrigação própria, e que o reembolso pelo ora insolvente é derivado de um contrato autónomo, que uma vez constituído antes da insolvência é um crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente e que não pode ser ressarcido mediante o presente meio processual, mas nos termos gerais previstos nos arts. 128º e ss. ou eventualmente do art. 146º do CIRE». No presente recurso, os Autores/Recorrentes defendem, essencialmente, que: «a ação tem como principal causa de pedir, o facto de os AA. terem procedido ao pagamento das prestações do empréstimo (mútuo com fiança e hipoteca), celebrado entre a sociedade A. e o 3º R., vencidas após a declaração de insolvência (e até ../../2020) no montante de € 56.239,64; não obstante a sociedade A. figurar nesse aludido contrato como entidade mutuária, o empréstimo foi contraído no exclusivo interesse do Insolvente e foi este quem retirou proveito desse montante mutuado, daí que o mesmo tenha prestado garantia hipotecária a favor do 3ºR.; por força desses pagamentos verificou-se uma redução do crédito do 3ºR. (garantido por hipoteca) em € 44.094,00 e a massa insolvente viu a sua dívida reduzida perante este 3ºR; a dívida cujo pagamento é peticionado é uma dívida da massa insolvente e não da insolvência, porquanto o crédito só se gerou após a declaração da insolvência; o 3ºR. recebeu em rateio a totalidade do crédito sobre a insolvência que havia reclamado e devolveu à massa insolvente o montante € 44.094,00 que não pertence à massa insolvente, pertencendo à sociedade A. porquanto corresponde ao pagamento de uma dívida contraída por esta sociedade, mas no interesse exclusivo do insolvente; não podia reclamar o seu crédito porquanto à data da declaração da insolvência ainda não tinha pago as prestações que posteriormente veio a pagar e o 3ºR. havia reclamado o seu crédito sobre a insolvência pela totalidade do valor em dívida (€ 110.881,49); o crédito que surgiu após a declaração da insolvência e só porque o Banco 1... exigiu à sociedade recorrente o respetivo pagamento, não obstante ter reclamado esse crédito por inteiro sobre a insolvência; mercê dos pagamentos, a massa insolvente enriqueceu-se no exato montante de € 44.094,00 sem que o insolvente ou a própria massa tivesse efetuado qualquer contraprestação ou praticado qualquer ato que justifique a integração daquele valor; a sociedade A. e o A. pagaram uma dívida do insolvente e da própria massa porquanto se venceu após a declaração da insolvência e, nessa medida, reduziu o crédito hipotecário do 3ºR., pelo que até por força do instituto do enriquecimento sem causa, tem a sociedade A. direito a receber da Massa Insolvente o valor que o 3ºR. já lhe restituiu; a não ser assim, sociedade A. veria o seu património empobrecido em € 44.094, e por sua vez, a massa insolvente e os credores em geral ver-se-iam enriquecidos nessa exata medida» (cfr. conclusões 3ª a 12ª). As conclusões recursivas não se revelam susceptíveis de configurarem argumento juridicamente válido e fundado para colocar em causa o entendimento sustentado na sentença recorrida. Concretizando. Considerando o manancial factual provado (que não foi colocado em causa no presente recurso), verifica-se que, em ../../2014, o 3ºRéu (Banco 1...), como mutuante, celebrou um contrato de mútuo com fiança nº473-36...., no valor de € 150.000,00, com a 2ªAutora, como mutuária (devedora), e com o Insolvente (BB), como fiador, sendo que o empréstimo se destinou a este último e foi contratado no seu exclusivo interesse, tendo os Autores intervindo nesse contrato apenas face à impossibilidade do Insolvente obter crédito bancário, e sendo que, nesse mesma data, o Insolvente outorgou escritura de constituição de hipoteca voluntária e unilateral sobre imóvel de sua propriedade para garantir o seu pagamento ao 3ºRéu [cfr. factos provados c), f), i) e j)]. Como é consabido, o empréstimo (mútuo) bancário constitui o contrato pelo qual um banco entrega fundos (quantia em dinheiro), em regra por determinado prazo, ao destinatário (beneficiário), ficando este adstrito à obrigação de restituir tais fundos e a pagar o valor dos juros convencionados[23], revestindo uma natureza sinalagmática já que dele emanam direitos e obrigações para ambas as partes: o banco mutuante tem de entregar ao mutuário a importância mutuada, tendo, como compensação, o direito de exigir dele a restituição dessa importância, acrescida dos juros e nas datas convencionadas; por sua vez, o mutuante tem o direito a receber a importância mutuada e a utilizá-la, tendo, como correspectivo, de restituir ao banco o valor da quantia monetária emprestada, acrescida dos juros, nas datas e pela forma convencionadas. Assinale-se que, ao contrário do invocado em sede de recurso (cfr. conclusão 2ª), o capital mutuado de € 150.000,00 não foi entregue ao Insolvente uma vez que ficou demonstrado que o capital foi recebido pelo 1ºAutor para satisfazer parcialmente o montante de € 240.000,00 de que o Insolvente se confessara devedor àquele [«… -Por documento escrito de “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” datado de 14 de Setembro de 2014,… o insolvente BB confessou-se devedor perante o requerente do montante de € 240.000,00… resultante de diversos empréstimos monetários que este último lhe havia concedido… Parte desse empréstimo de 240.000 euros, mais concretamente a quantia de 150.000,00 euros já o A. havia recebido em ../../2014 mediante empréstimo contraído pela sociedade “EMP01... Ldª” junto do Banco 1...” a pedido e no interesse do insolvente…» - cfr. facto provado c)]. Neste “quadro”, e independentemente dos acordos que tenham sido celebrados entre Autores (ou algum deles) e o Insolvente sobre a finalidade do capital mutuado e/ou sobre quem era o responsável pelo pagamento das prestações mensais do empréstimo bancário, acordos esses em que o 3ºRéu não interveio nem aderiu (nada foi alegado, e muito menos provado, nesse sentido) e que, em razão disso, não lhe são oponíveis, dúvidas não existem que, no referido contrato de mútuo (empréstimo) bancário, foi a sociedade 2ªAutora, na qualidade de mutuária, que legal e contratualmente ficou obrigada/vinculada a satisfazer ao 3ºRéu todas as prestações mensais relativas ao reembolso do capital mutuado e dos respectivos juros remuneratórios. O Insolvente assumiu-se como fiador neste contrato de mútuo bancário, o que representa a prestação de uma garantia especial pessoal ao crédito do 3ºRéu, e que se encontra prevista no art. 627º/1 do C.Civil (“O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”). Definindo-se a fiança como o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor[24], então após a sua constituição passa a existir uma obrigação principal (aquela que vincula o principal devedor) e, por cima dela, a cobri-la e tutelando o respectivo cumprimento, passa a existir uma obrigação acessória à qual o fiador fica adstrito (cfr. art. 627º/2 do C.Civil). Deste modo, o Insolvente obrigou-se pessoalmente perante o 3ºRéu (credor) a satisfazer o cumprimento do direito de crédito deste sobre a 2ªAutora (devedora principal) emergente do contrato de mútuo bancário (pagamento das prestações mensais relativas ao reembolso do capital mutuado e dos respectivos juros remuneratórios, no caso de não serem pagas pela devedora principal, a 2ªAutora). Mas mais resulta do manancial factual provado que, na mesma data da celebração do contrato de mútuo bancário, o Insolvente constituiu hipoteca sobre um imóvel da sua propriedade para garantir a satisfação daquele direito de crédito do 3ºRéu sobre a 2ªAutora (devedora principal) emergente do contrato [cfr. facto provado j)]. A hipoteca encontra-se legalmente prevista no art. 686º do C.Civil (“A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”), configurando uma garantia real das obrigações que confere ao credor hipotecário, em relação ao concreto bem sobre o qual foi constituída essa garantia, pagar-se pelo valor desse bem com preferência em relação aos demais credores, sendo que só depois dele estar totalmente ressarcido é que outros credores podem obter a satisfação dos respetivos créditos, através do valor (remanescente) do mesmo bem[25]. No âmbito do processo de insolvência, está também probatoriamente comprovado que: - o 1ºAutor reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 157.846,72, que foi reconhecido como crédito comum, reportando-se a parcela de € 90.000,00 ao remanescente da confissão de dívida e a parcela de € 67.846,72 ao pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo bancário desde o seu início até ../../2017 [cfr. factos provados a) a d)]; - e o 3ºRéu reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 110.881,49, que foi reconhecido como crédito garantido (pela hipoteca), crédito que se reporta ao cumprimento do contrato de mútuo bancário (€ 110.780,30 a título de capital, € 89,82 a título de juros vencidos desde 29.09.2017 a 06.10.2017 e € 11.37 a título de imposto de selo e demais despesas) - cfr. factos provados h), i) e l). Revela-se inequívoco que estes créditos reclamados sobre a insolvência (e reconhecidos) têm um fundamento anterior à data da declaração de insolvência (ocorrida em 06/07/2017): por um lado, a confissão de dívida foi outorgada em 14/09/2014, assinalando-se que foi celebrada pela totalidade da dívida (isto é, incluindo os € 150.000,00 do empréstimo) porque, «embora o insolvente fosse responsável pelo pagamento do empréstimo, o 1º A. não tinha confiança no insolvente BB, nomeadamente quanto à sua capacidade para pagar as prestações mensais junto do Banco 1..., e, para garantir a titulação do seu crédito caso tivesse necessidade de ele próprio proceder ao pagamento dessas prestações» [cfr. facto provado c)]; por outro lado, o contrato de mútuo bancário foi celebrado em ../../2014 [cfr. facto provado i)]; e, por fim, a escritura de constituição da hipoteca para garantir o pagamento do empréstimo foi outorgada na mesma data de ../../2014 [cfr. facto provado j)], assinalando-se que tal hipoteca incide sobre um bem imóvel da propriedade do Insolvente e que integra a massa insolvente. Nestas circunstâncias, e atento o disposto no art. 47º/1 do C.I.R.E., tais créditos reclamados constituem dívidas da insolvência («créditos sobre a insolvência). Mais decorre do manancial factual provado que, desde a data da declaração da insolvência (ou seja, depois desta declaração), os Autores pagaram ao 3ºRéu o montante global de € 56.239,64 referente às prestações vencidas entre o dia ../../2017 e o dia ../../2020 [cfr. factos provados g) e n)] e, em consequência de tal pagamento, o crédito reclamado pelo 3ºRéu (no montante de € 110.811,49) sofreu uma redução de € 44.094,00 pelo que o respectivo montante, à data do pagamento em sede de rateio, era apenas de € 66.787,49 [cfr. factos provados g), o) a r)]. Como o pagamento em sede de rateio foi no valor inicialmente reclamado (€ 110.811,49), veio o 3ºRéu a transferir/devolver à Ré Massa Insolvente o valor de € 44.094,00 [cfr. factos provados s) a t)]. Invocam os Autores/Recorrentes que este pagamento das prestações «era da responsabilidade do insolvente, já que esse empréstimo foi contraído em seu proveito exclusivo» (conclusão 4ª), o que é absolutamente infundado: como supra já se explicou, no contrato de mútuo bancário em causa, foi a 2ªAutora (e não o Insolvente) que, na qualidade de mutuária, se obrigou/vinculou a pagar ao 3ºRéu todas as prestações mensais (relativas ao reembolso do capital mutuado e dos respectivos juros remuneratórios) e, em razão disso mesmo, é a 2ªAutora (e não o Insolvente) a devedora principal, não sendo oponível ao 3ºRéu qualquer acordo celebrado entre a 2ª Autora (ou os Autores) e o Insolvente no sentido de incumbir a este o pagamento de tais prestações. Logo, e como bem se afirma na sentença recorrida, “ao pagar as prestações a A. «EMP01...» o faz no cumprimento de uma obrigação própria”, o que, aliás, é expressamente admitido e reconhecido pelos próprios Autores: «Como o pedido de empréstimo ao Banco 1... havia sido feito pelo autor através da sociedade “EMP01... Ldª”, de que o mesmo é gerente, para evitar o incumprimento contratual perante o Banco 1..., os AA. continuaram a pagar as prestações mensais ao R. Banco 1...» [cfr. facto provado e)]. Logo, o pagamento das prestações mensais emergentes do contrato de mútuo bancário vencidas quer antes da declaração da insolvência, quer depois dessa declaração, correspondeu a uma obrigação própria e principal da 2ªAutora, e não do Insolvente, o qual, legal e contratualmente, se constituiu (apenas) como um garante pessoal (fiador) e real (hipoteca) do cumprimento dessa obrigação. Invocam também os Autores/Recorrentes que «a dívida cujo pagamento é peticionado na presente ação é uma dívida da massa insolvente e não da insolvência, porquanto o crédito só se gerou após a declaração da insolvência, e só porque o Banco 1... exigiu à sociedade recorrente o respetivo pagamento, não obstante ter reclamado esse crédito por inteiro sobre a insolvência» (cfr. conclusões 5ª e 9ª), mas também não lhes assiste razão. Embora o pagamento realizado pelos Autores (no montante global de € 56.239,64) se reporte às prestações mensais do contrato de mútuo bancário vencidas depois da declaração de insolvência (mais concretamente entre ../../2017 e ../../2020), o direito de crédito do 3ºRéu ao recebimento das mesmas assenta num fundamento que é anterior à data da declaração de insolvência: com efeito, tal pagamento mais não corresponde do que ao cumprimento da obrigação que emergiu para a 2ªAutora da celebração daquele contrato na data de ../../2014. Portanto, a razão de ser (a causa) do direito de crédito do 3ºRéu, mesmo relativamente às prestações mensais vencidas após a declaração da insolvência, assenta e continua a assentar na celebração desse contrato, o qual é muito antecedente à declaração da insolvência. Os Autores/Recorrentes incorrem manifestamente em confusão entre o momento da constituição do direito de crédito (e da correspectiva obrigação) e da data de vencimento de cada uma das prestações mensais de reembolso do empréstimo, acrescendo que, sendo a 2ªAutora a devedora principal, mesmo depois da declaração da insolvência do garante (pessoal - fiança - e real - hipoteca), continuou a estar vinculada ao pagamento ao 3ºRéu das prestações mensais que se foram vencendo. E os Autores/Recorrentes olvidam que o crédito reclamado pelo 3ºRéu sobre a insolvência no valor de € 110.881,49 reporta-se precisamente à garantia real (hipoteca) prestada pelo Insolvente para assegurar o cumprimento da obrigação própria e principal da 2ªAutora (consistente no pagamento das prestações mensais de reembolso do empréstimo), sendo que, atento o disposto no art. 90º/1 do C.I.R.E. (“A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”), é manifesto que aquele credor hipotecário podia (e devia) reclamar o seu crédito pelo valor integral do mesmo, isto é, pelo valor que teria direito a receber em função das prestações mensais que fossem devidas até ao termo do contrato (mais se frisando que, uma vez que o bem hipotecado iria ser alienado no âmbito da liquidação da massa insolvente, só assim poderia fazer valer a respectiva garantia real). Deste modo, o pagamento das prestações mensais emergentes do contrato de mútuo bancário vencidas depois da declaração de insolvência por parte dos Autores, não corresponde à satisfação de qualquer crédito gerado (“nascido”) após a declaração da insolvência, constituindo, apenas e tão só, a continuação do cumprimento da obrigação emergente da celebração daquele contrato, o qual é anterior à declaração da insolvência, acrescendo que a circunstância do crédito reclamado pelo 3ºRéu incluir o valor das prestações vencidas após tal declaração e devidas até ao termo do contrato, ao contrário do sustentado no recurso, mais comprova que a correspectiva dívida/obrigação tem um fundamento (uma causa) anterior à declaração da insolvência. E relembre-se que, embora não seja oponível ao 3ºRéu, os Autores imputaram a responsabilidade pelo pagamento do empréstimo (isto é, das prestações mensais) ao Insolvente com base num acordo conexo com a confissão de dívida de 14/09/2014: «embora o insolvente fosse responsável pelo pagamento do empréstimo, o 1º A. não tinha confiança no insolvente BB, nomeadamente quanto à sua capacidade para pagar as prestações mensais junto do Banco 1..., e, para garantir a titulação do seu crédito caso tivesse necessidade de ele próprio proceder ao pagamento dessas prestações, foi então celebrada a confissão de dívida pela totalidade» [cfr. facto provado c)]. Ora, é com base nesse acordo que, após terem pago quer as prestações vencidas antes da declaração de insolvência, quer as prestações vencidas após essa declaração, os Autores reclamam serem titulares de um direito de crédito uma vez que tal pagamento era da responsabilidade do Insolvente (reclamaram um crédito que incluía o valor de € 67.846,72 relativo às prestações vencidas antes da insolvência, e agora reclamam um crédito reportado às prestações vencidas após a declaração da insolvência). Daqui decorre, de forma muito evidente, que também a (eventual) existência de crédito decorrente do pagamento das prestações vencidas após a declaração da insolvência assenta num fundamento anterior à declaração da insolvência (embora tais pagamentos tenham ocorrido já no decurso do processo de insolvência, as prestações são devidas por força de um contrato muito anterior a este processo e a responsabilidade do Insolvente pelo seu pagamento também se alicerça num acordo conexo com a confissão de dívida anterior à declaração de insolvência). Neste “contexto”, o crédito reclamado na presente acção não apresenta qualquer nexo causal (ou de derivação) com o processo de insolvência nem se apresenta como uma consequência do processo de insolvência, acrescendo que manifestamente não foi contraído no interesse comum dos credores e não foi gerado concomitantemente com o processo e respectiva administração. Por via disso, não pode ser classificado como uma dívida da massa insolvente («crédito sobre a massa insolvente»), frisando-se que a classificação como dívida da massa tem um caracter marcadamente excepcional. Assinale-se que, para além dos Autores/Recorrentes não o alegarem, é claro e evidente que o crédito reclamado na presente acção não se insere em qualquer dos casos previstos nas alíneas a) a h) e j) do nº1 do art. 51º do C.I.R.E. e/ou nos nºs. 3 e 5 do art. 110º do mesmo diploma. Os Autores/Recorrentes invocam, sim e efectivamente, que tal crédito se enquadra no caso previsto na alínea i) do nº1 do art. 51º (dívida que tem por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente), defendendo que «a massa insolvente enriqueceu-se no exato montante de € 44.094,00 sem que o insolvente ou a própria massa tivesse efetuado qualquer contraprestação ou praticado qualquer ato que justifique a integração daquele valor», que «a sociedade autora e o 1º A. seu gerente em nome daquela, pagaram uma dívida do insolvente e da própria massa e, nessa medida, reduziu o crédito hipotecário do Banco 1... naquele preciso montante de € 44.094,00», e que «a sociedade autora veria o seu património empobrecido em € 44.094 euros, e a massa insolvente e os credores em geral ver-se-iam enriquecidos nessa exata medida, sem que para tanto subsista causa justificativa» (cfr. conclusões 10ª a 12ª). Igualmente aqui não lhes assiste razão. Importa começar por salientar que os Autores/Recorrentes incorrem numa absoluta contradição já que qualificam o crédito como sendo simultaneamente «uma dívida do insolvente e da própria massa», o que se revela legalmente infundado: como supra se explicou, na mesma insolvência, um certo e concreto crédito não pode ser tratado e qualificado, simultânea e indistintamente, como «crédito sobre a insolvência» (dívida do insolvente) e como «crédito sobre a massa insolvente». Para além de incorrerem na assinalada contradição, os Autores/Recorrentes olvidam por completo que, como já anteriormente se explanou, o pagamento das prestações mensais vencidas depois da declaração da insolvência constitui o cumprimento de uma obrigação própria e principal da 2ªAutora emergente do contrato de mútuo bancário, o que, por si só, impede o preenchimento integral dos requisitos cumulativos legalmente exigidos para que se verifique a fonte obrigacional de enriquecimento sem causa: com efeito, tendo a 2ªAutora cumprido a obrigação que para si emerge daquele contrato (em razão da sua qualidade de mutuária), obrigação a cujo cumprimento estava legalmente vinculada, então jamais se pode concluir que tais pagamentos configuram uma situação empobrecimento sem causa jurídica justificativa. Acresce que também não se verifica o requisito do enriquecimento sem causa jurídica justificativa. Por um lado, resulta do contrato de mútuo bancário que assistia ao 3ºRéu o direito de crédito consistente no recebimento de todas as prestações mensais de reembolso do empréstimo devidas desde o início do contrato até ao seu termo, pelo que os pagamentos realizados pelos Autores/Recorrentes têm uma causa contratual e legal (isto quer relativamente aos pagamentos realizados antes da declaração de insolvência, quer aos realizados depois). Como anteriormente já se referiu, o crédito reclamado pelo 3ºRéu sobre a insolvência (no valor de € 110.881,49) reporta-se à garantia real (hipoteca) prestada pelo Insolvente para assegurar o cumprimento daquela obrigação da 2ªAutora, sendo que, em razão do disposto no art. 90º/1 do C.I.R.E., como credor hipotecário, podia (e devia) reclamar o seu crédito pelo valor que teria direito a receber em função das prestações mensais que fossem devidas até ao termo do contrato. Neste crédito reclamado estavam (também) incluídos todos os montantes das prestações mensais que se venceriam até ao termo do contrato e recorde-se que o bem imóvel do hipotecado (da propriedade do Insolvente e apreendido para a Massa Insolvente) seria alienado, no âmbito da fase de liquidação, para dar pagamento, em primeiro lugar (e sem prejuízo do disposto no art. 172º/2 do C.I.R.E.), ao aludido crédito do 3ºRéu. Deste modo, ao credor reclamante (3ºRéu) assistia o direito de receber as prestações mensais devidas até ao termo do contrato através do pagamento da 2ªAutora ou através da execução da garantia real (hipoteca) prestada pelo Insolvente (ou mesmo através da garantia pessoal - fiança - também prestada pelo mesmo). Ora, uma vez que as prestações vencidas após a declaração de insolvência foram sendo pagas pela mutuária (2ªAutora), em razão do cumprimento da obrigação a que estava adstrita, tornou-se obviamente desnecessário assegurar o cumprimento da obrigação através da referida garantia real (hipoteca) no valor correspondente, pelo que a redução do crédito reclamado pelo 3ºRéu (no montante de € 44.094,00) jamais pode consubstanciar uma situação de enriquecimento: inexiste qualquer deslocação patrimonial a favor da Ré Massa Insolvente, apenas havendo uma redução do valor da obrigação garantida pela hipoteca, em razão do cumprimento parcial por parte da contraente obrigada principal (a 2ªAutora). Vantagem patrimonial existiria sim da parte do 3ºRéu caso não comunicasse a redução do crédito reclamado e caso não restituísse à Ré Massa Insolvente o valor correspondente ao valor reduzido. Por outro lado, igualmente olvidam os Autores/Recorrentes que, como resulta dos apensos da apreensão de bens, da reclamação de créditos e da liquidação (apensos A, C e E), o pagamento em sede rateio da totalidade do crédito reclamado (€ 110.881,49) foi realizado com o valor obtido através da venda (por negociação particular) do único bem imóvel apreendido e que se encontrava hipotecado (valor obtido de € 195.000,00), pelo que o valor restituído à Ré Massa Insolvente pelo 3ºRéu, em consequência da redução do crédito reclamado, no caso valor de € 44.094,00 também não consubstancia qualquer vantagem patrimonial para a Ré Massa Insolvente: como é consabido, na fase da liquidação procede-se à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores com vista a satisfazer os seus créditos na medida do possível, o que se concretiza através da venda dos bens que integram a massa insolvente e da cobrança dos créditos de que o insolvente seja titular sobre terceiros tudo por forma a obter os respectivos valores; assim, o produto da venda daquele bem imóvel hipotecado pertence integralmente à Ré Massa Insolvente, pelo que o valor que foi pago a mais ao 3ºRéu (em virtude da redução do montante do crédito reclamado) e que foi por este restituído (€44.094,00) à Ré Massa Insolvente), já lhe pertencia, não existindo aqui qualquer vantagem patrimonial (aquele valor nunca foi da propriedade de nenhum dos Autores), sendo que tal valor restituído, tal como o valor remanescente do produto da venda (após o pagamento das dívidas da massa insolvente e do pagamento do crédito reclamado garantido), será utilizado no pagamento dos restantes créditos reclamados e reconhecidos (e de acordo com a respectiva graduação). Frise-se que a pretensão dos Autores/Recorrentes no sentido do valor de € 44.094,00 lhes ser restituído pela Ré Massa Insolvente, para além de não corresponder a qualquer deslocação do seu património para o “património” desta Ré, corresponderia objectivamente a obter a satisfação do seu crédito reclamado através de uma posição privilegiada e mais rápida do que os restantes credores, o que se mostra ilegal perante o principio da igualdade de credores (par conditio creditorum) que vigora no processo insolvencial sendo certo que o crédito reclamado pelo 1ºAutor foi reconhecido como crédito comum. Por fim, como igualmente já se explicou, os Autores/Recorrentes imputaram a responsabilidade pelo pagamento do empréstimo (isto é, das prestações mensais) ao Insolvente com base num acordo conexo com a confissão de dívida de 14/09/2014, e foi com base nesse acordo que, após terem pago as prestações do empréstimo vencidas antes da declaração de insolvência, reclamaram um crédito sobre o Insolvente cuja parcela no valor de € 67.846,72 corresponde precisamente ao montante total dessas prestações. Ora, na presente acção, é precisamente com base nesse mesmo acordo que vêm reclamar um crédito (no valor de € 44.094,00) que tem como causa o pagamento das prestações mensais do empréstimo vencidas após a declaração da insolvência (ou seja, a titularidade do crédito que aqui se arrogam alicerça-se novamente no fundamento desse pagamento ser da responsabilidade do Insolvente). Deste modo, tal como ocorreu relativamente ao crédito reclamado na parte relativa às prestações de empréstimo pagas antes da declaração de insolvência, também o crédito reclamado nesta acção funda-se num incumprimento por parte do Insolvente da obrigação contratual que decorre do acordo conexo com a confissão de dívida, pelo que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, o que, por si só, impede a verificação do último dos requisitos cumulativos legalmente exigidos para a aplicação da fonte obrigacional deste instituto («que não haja um outro acto jurídico entre acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido»). Nestas circunstâncias, impõe concluir-se que o crédito reclamado na presente acção não é enquadrável no instituto do enriquecimento sem causa e, por via disso, mais se conclui que não pode ser qualificado como correspondendo a uma dívida da massa insolvente ao abrigo do disposto na alínea i) do nº1 do art. 51º do C.I.R.E. Invocaram ainda os Autores/Recorrentes que «a sociedade recorrente não podia reclamar o seu crédito ao abrigo do disposto no artigo 128º do CIRE, porquanto à data da declaração da insolvência ainda não tinha pago as prestações que posteriormente veio a pagar ao Banco 1...» (cfr. conclusão 8ª), o que se nos afigura ser irrelevante. Como já se explicou inúmeras vezes, a causa do invocado crédito sobre o Insolvente relativamente às prestações do empréstimo pagas pelos Autores, quer sejam as vencidas antes da declaração da insolvência, quer sejam as vencidas posteriormente, é a mesma: o referido acordo conexo com a confissão de dívida de 14/09/2014, a qual é anterior à insolvência. Logo, sendo a fonte obrigacional a mesma, inexiste qualquer fundamento juridicamente válido para se distinguir os créditos e classificá-los de forma diferente (um como crédito sobre a insolvência e outro como crédito sobre a massa insolvente). Acresce que ao contrário do que se quer fazer crer no presente recurso, embora o invocado crédito relativo às prestações pagas após a insolvência não pudesse obviamente ser reclamado nos termos do disposto art. 128º/1 e 3 do C.I.R.E. (porque é posterior ao prazo fixado na sentença para a reclamação), pode ser reclamado através da interposição da acção prevista no art. 146º do C.I.R.E., até porque, como supra se concluiu, tal crédito não configura uma dívida da massa insolvente. Cumpre fazer a seguinte nota final: embora tenha sido deduzido um pedido subsidiário, certo é que as conclusões formuladas no presente recurso não têm como objecto tal pedido subsidiário, pelo que nada há apreciar quanto ao mesmo. Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que ficou exposto, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o crédito no valor de € 44.094,00 reclamado pelos Autores não constitui uma dívida da massa insolvente e, por via disso, não lhe pode ser reconhecido qualquer direito à restituição daquele valor ao abrigo da acção relativa a dívidas da massa insolvente prevista no art. 89º/2 do C.I.R.E., pelo que se deve manter a decisão recorrida (ainda que com base numa fundamentação mais ampla). Consequentemente, deverá julgar-se improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Recorrentes. Improcedendo o recurso, porque ficaram vencidos, as custas do presente recurso deverão ficar a cargo dos Autores/Recorrentes - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013. * * 5. DECISÃOFace ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Recorrentes e, em consequência, mais decidem manter a sentença recorrida. Custas do recurso pelos Autores/Recorrentes. * * * Guimarães, 12 de Junho de 2024. (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício; 1ª Adjunta Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais. 2ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade. [1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, mas respeita-se, no caso das transcrições, a grafia utilizada nos textos originais. [2]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139. [3]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [4]Juíza Conselheira Ana Paula Boularot, proc. nº640/11.2TBCMN-B.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [5]Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ªedição, 2013, p. 303/305. [6]Cfr. Ac. RG 15/03/2016, Juiz Desembargador Miguel Baldaia Morais, proc. nº4248/15.5T8GMR-D.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [7]In Lições de Direito da Insolvência, 2ªedição, Almedina, p. 62. [8]Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, 2023, Almedina, p. 382. [9]Cfr. Ac. RG 16/03/2023, Juiz Desembargador José Amaral, proc. nº5468/19.9T8VNF.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [10]In Lições de Direito da Insolvência, 2ªedição, Almedina, p. 62. [11]O citado Ac. RG 16/03/2023, Juiz Desembargador José Amaral, proc. nº5468/19.9T8VNF.G1. [12]In Manuel de Direito da Insolvência, 8ªedição, Almedina, p. 298 e 299. [13]Cfr. Ac. RC 14/07/2010, Juiz Desembargador Barateiro Martins, proc. nº562/09.7T2AVR-P.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc e Ac. RP 09/04/2024, Juíza Desembargadora Maria da Luz Seabra, proc. nº1148/11.1TYVNG-Q.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp. [14]Juiz Conselheiro Azevedo Ramos, proc. nºJSTJ000, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [15]Juiz Conselheiro Santos Bernardino, proc. nº07B2721, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [16]Na doutrina, também se pronunciam neste sentido, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ªediçao, p. 317 a 331, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 5ªedição, Volume I, e Galvão Teles, in Direito das Obrigações, 7ªedição, p. 195. [17]Cfr. Ac. STJ 14/01/1972, in BMJ, 213º, p. 214. [18]Cfr. Antunes Varela, in obra referida, p. 438. No mesmo sentido, Galvão Teles, in obra referida, p. 200. [19]In Código Civil Anotado, Vol. I, 4ªedição, p. 456.---- [20]Cfr. Antunes Varela, in obra referida, p. 432. [21]Cfr. Ac. RP de 15/11/2007, Juiz Desembargador Pinto de Almeida, proc. nº0734893, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp. [22]In obra referida, p. 202 e 203. [23]Cfr. Ac. STJ 25/02/1988, in BMJ, 374º, p. 479. [24]Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5ªedição, p. 645. [25]Cfr. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 2ªedição, p.123. |