Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA MELO | ||
Descritores: | LIVRANÇA AVAL PREENCHIMENTO ABUSIVO EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | Aquele que subscreveu uma livrança como avalista do subscritor e não interveio de qualquer forma nos negócios subjacentes que deram origem à emissão desse título não pode ficar vinculado nos termos desse negócio que lhe é alheio. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães .I - Relatório Apelante: a embargada e executada, AA Apelado: o embargado, Banco 1... S.A. Autos de: oposição à execução por meio de embargos de executado No requerimento executivo de que estes embargos são oposição, o Banco Exequente pediu o pagamento da quantia de 18 081,31 €, acrescida de juros moratórios à taxa legal, apresentando duas livranças como título executivo e invocando, em síntese, que em virtude de operação de crédito praticada no exercício da sua atividade comercial, é legítimo dono e portador de duas livranças, subscritas pela sociedade EMP01... Unipessoal, Lda., entretanto declarada insolvente e avalizadas pelos executados, emitidas em 07.05.2019 e 23.07.2021, preenchidas pelos valores de 4.456,45 € e 13.555,82 € e ambas com vencimento em 09.01.2023. Apresentadas a pagamento na data do respetivo vencimento, as mesmas não foram pagas, então nem posteriormente. Assim, o Exequente tem o direito de haver dos Executados, co-obrigados cambiários, e estes estão constituídos na correspondente obrigação de pagar àquele, em regime de solidariedade, os capitais em dívida e os respetivos juros moratórios calculados à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento. A embargante deduziu oposição, invocando, em síntese: - mostrou sempre o interesse em continuar a efetuar o pagamento das prestações mensais e sucessivas e fez o pagamento das prestações do contrato de crédito comercial até ao mês de novembro de 2022. - No mês de dezembro de 2022, a Embargante recebeu na sede da sociedade insolvente uma carta de resolução dos contratos de crédito comercial ... ...21 e ... ...81; - Recebeu carta em que foi informada que o Banco não aceitava pagamentos faseados, pelo que a exequente não concedeu à embargada a possibilidade de resolução extrajudicial do litígio; - A perda do benefício do prazo ocorrida relativamente à Insolvente, não poderia ter-se estendido aos terceiros avalistas, pelo que ocorreu uma recusa por parte do Banco ora Exequente em receber o montante relativo às prestações, a saber, a mora do credor. O embargado contestou, impugnando e afirmando, em síntese, que a insolvência determinou o imediato vencimento da obrigação, podendo proceder, nessa data, ao preenchimento para esse fim da livrança emitida em branco, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data da sentença de insolvência e que a Embargante parece esquecer que não é mutuária do contrato subjacente à emissão da livrança exequenda, mas apenas e tão só avalista do título: o aval é uma obrigação autónoma, que apenas garante o pagamento da livrança. As vicissitudes extracambiárias não se lhe aplicam, pelo que a Embargante, uma vez preenchida a livrança e vencida, é responsável pelo respetivo pagamento. A embargada requereu a suspensão da instância executiva, com abrangência de todos os executados, tendo sido proferida decisão que a indeferiu, aquando da prolação do despacho saneador. Em 22-11-2023, a embargante “notificada do despacho saneador, veio “dele apresentar RECLAMAÇÃO”: “deveria a Mmª Juiz decidir de outra forma, deferindo a requerida suspensão da execução, não obstante a mesma não ter sido requerida pelo ex-cônjuge, mas pelo facto de estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, na medida em que sendo os embargos julgados improcedentes, tem a Exequente a possibilidade de efetivar a penhora sobre os bens que à data da outorga da livrança pertenciam a ambos os cônjuges.” Em 7-12-2023 a parte contrária pugnou pelo desentranhamento da reclamação. Após audiência final, foi proferida sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da instância da ação executiva apensa. Nesta ainda se escreveu: “No que respeita à reclamação apresentada nos autos em 22.11.2023, relativamente ao despacho saneador, na parte em que se indeferiu a suspensão da venda do bem imóvel penhorado nos termos do nº 5 do artigo 733º do CPC execução, uma vez que a mesma só poderia ser determinada até à decisão em 1ª instância da oposição à execução, atenta a sentença proferida, mostra-se prejudicada a apreciação da mesma.” É desta sentença que a embargante apela, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: “A.) Vem a recorrente AA, recorrer para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedentes os embargos por si deduzidos contra a execução que lhe foi movida pela exequente ora recorrida Banco 1..., S.A., e da qual a recorrente é executada. B.) A execução a que alude os presentes autos diz respeito ao preenchimento de uma livrança pela Recorrente e pelo marido, de um financiamento a favor da sociedade detida na totalidade e gerida pela ora Recorrente. C.) Atualmente, a Recorrente e o marido à época, estão divorciados. D.) Contudo, uma vez que à data em que assumiram a obrigação cartular eram casados no regime da comunhão de adquiridos, a Recorrente deduziu embargos, ciente de que a decisão proferida tinha abrangência aos dois executados. E.) A Recorrente, por requerimento entregue nos autos em 19/09/2023 com refª citius 15059428, requereu a suspensão da execução, por forma a evitar a penhora de um bem do ex-marido, co-executado, bem este que constitui a casa de morada de família daquele co-executado e o qual, à data da constituição da obrigação perante a Exequente ora Recorrida, era um bem comum do dissolvido casal. F.) A Recorrente alegou que se verificava uma situação de litisconsórcio necessário. G.) A este respeito, parece-nos de grande relevância atentar no pronto III do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/05/2012, proferido no proc. nº 3262/11.4T2OVR-A.P1, Juiz Relator FILIPE CAROÇO: “III - A oposição à execução por parte de um executado aproveita aos restantes executados que não a deduziram, desde que se verifiquem os requisitos previstos no art.º 683.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável à oposição por constituir um meio de impugnação semelhante aos recursos.” H.) Por sua vez, a norma contida reporta-se ao antigo CPC de 1961, sendo que o art.º 683º nºs 1 e 2 reportam-se ao atual art.º 634º do NCPC. I.) Pela aplicação do art.º 634º nº 1 e 2 als. a) a c) do CPC, a decisão proferida nos autos de execução deverá entender-se estender-se a ambos, desde logo porque se trata de litisconsórcio necessário, uma vez que aquando da assinatura da livrança os executados eram casados entre si. J.) A Recorrente impugnou a exigibilidade e liquidação da obrigação exequenda, e requereu ao Tribunal a suspensão da execução invocando graves danos patrimoniais que a eventual prossecução de penhora da casa de morada de família do co-executado lhe podia trazer. K.) No entanto, em sede de despacho saneador, a Mmª Juiz a quo decidiu, quanto à questão da suspensão da execução, indeferir o peticionado, justificando com o facto de a casa de habitação efetiva não pertencer à ora Recorrente, mas antes ao co-executado, pelo que não pertencia à Embargante/Recorrente o bem penhorado. L.) Salvo o devido respeito por opinião diversa, deveria a Mmª Juiz a quo decidir de outra forma, deferindo a requerida suspensão da execução, não obstante a mesma não ter sido requerida pelo ex-cônjuge, mas pelo facto de estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, na medida em que sendo os embargos julgados improcedentes, tem a Recorrida a possibilidade de efetivar a penhora sobre os bens que à data da outorga da livrança pertenciam a ambos os cônjuges. M.) Foi por uma questão de economia processual que os embargos foram apresentados pela ora Recorrente, na medida em que a decisão proferida tem abrangência ao co-executado. N.) Era de grande importância a decisão do Tribunal a quo a este respeito, uma vez que tinha sido penhorada a casa de morada de família e habitação própria e permanente do co-executado, e daí urgia uma resposta célere, legal e justa para evitar um dano maior. O.) A Recorrente reclamou do despacho saneador, por requerimento junto autos em 22/11/2023, com refª citius 15377314, não havendo na sentença final qualquer alusão a tal reclamação, havendo subsequentemente omissão de pronuncia, o que deverá levar os Venerandos Juízes da Relação de Guimarães concluir pela nulidade da sentença, nos termos do preceituado no art.º 615º nº 1 al. d) do CPC, nulidade que se arguiu para os devidos e legais efeitos. P.) Caso os Venerandos Juízes Desembargadores da Relação de Guimarães considerem não se verificar a nulidade invocada, sempre se requer que seja declarado por este tribunal que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, pelo que a decisão proferida nos presentes autos estende-se à Recorrente e ao ex-marido. Q.) Pretende-se, com o presente recurso que a matéria dada por não provada na alínea b) dos factos não provados “A Exequente não concedeu à Embargante qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio” seja dada por provada. R.) O depoimento da testemunha arrolada pela Recorrente e Recorrida, a Sr.ª Dr.ª BB, foi determinante para perceber que a Recorrida não concedeu possibilidade de resolução do problema da falta de pagamento do mútuo contraído pela sociedade Insolvente e do qual a Recorrente e ex-marido foram avalistas. S.) Contudo, a prova documental junta aos autos comprova integralmente que a Exequente não deu oportunidade para que a Recorrente procedesse ao pagamento da quantia em dívida sem que o processo seguisse para a via judicial. T.) Foi junto aos autos um documento, numerado como documento nº ..., no qual o ora signatário solicita via e-mail à Recorrida, na pessoa da Dr.ª BB, um acordo para efetuar o pagamento da quantia em dívida, tendo sido respondido por aquela representante da Recorrida que só aceitariam o pagamento da quantia integral. U.) A Exequente ora Recorrida agiu sempre de manifesta má fé contra os avalistas, nomeadamente a ora Recorrente, negando qualquer acordo para pagamento da quantia em dívida, o que veio a despoletar o competente processo judicial. V.) Desta forma, deverá ser dado por provada a seguinte factualidade: A Exequente não conceder à Embargante qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio. W.) A sentença proferida pelo Tribunal a quo sustenta a decisão com base no disposto no art.º 32º da LULL que refere que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. X.) In caso, a pessoa por ele afiançada é a sociedade insolvente “EMP01... UNIPESSOAL LDA”. Y.) Se o dador do aval, no caso a Recorrente, é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, sempre se dirá de que goza do benefício do prazo contratual para cumprir a obrigação do pagamento perante o credor. Z.) Portanto, o vencimento das prestações do financiamento à Insolvente, significa sim que a Recorrente e o ex-marido ficaram responsáveis pelo pagamento da dívida, contudo tal responsabilidade deverá ser transferida para os avalistas no mesmo modo e condições que estavam a figurar na esfera patrimonial da “pessoa por eles afiançada”, da Insolvente. AA.) Outro entendimento é manifestamente violador dos direitos, liberdades e garantias previstos na CRP, em concreto do Princípio da Proporcionalidade e Adequação, previsto no art.º 18º nº 2 da CRP. BB.) A falta de concessão à Recorrente do benefício do pagamento prestacional que tinha sido atribuído à Insolvente, consubstancia uma redução drástica de garantias, com as quais não poderá o ordenamento jurídico ser conivente, padecendo de inconstitucionalidade por violação do Princípio da Proporcionalidade e Adequação a decisão que considere que o avalista é responsável pelo pagamento imediato da integralidade do empréstimo, quando este se vence quanto ao principal devedor. CC.) O preenchimento da livrança, foi portanto, abusivo, devendo os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto julgar totalmente procedentes os embargos deduzidos pela Recorrente, alterando a decisão proferida pela Mmª Juiz a quo. DD.) Deverá ainda julgar o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães inconstitucional o entendimento do art.º 32º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, no sentido de que vencendo-se as prestações de um contrato de financiamento em relação ao devedor originário, tal vencimento importa a excussão do benefício do prazo do financiamento relativamente aos avalistas, por violação do Princípio da Proporcionalidade e Adequação previsto no artº 18º nº 2 da CRP. Nestes termos, Requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que julguem procedente o presente recurso, fazendo assim a sã e costumeira JUSTIÇA!!” A Embargada respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma. Assim, são questões a resolver, por ordem lógica: .1- se a sentença final é nula por não se ter pronunciado sobre a reclamação junta aos autos em 22-11-2023; .2- se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pugnado pela Recorrente com o aditamento do seguinte facto: “A Exequente não concedeu à Embargante qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio”, porquanto só aceitava o pagamento da quantia integral; .3- se o preenchimento da livrança foi abusivo; .4- se a decisão que considere que “o avalista é responsável pelo pagamento imediato da integralidade do empréstimo, quando este se vence quanto ao principal devedor e a falta de concessão à Recorrente do benefício do pagamento prestacional que tinha sido atribuído à Insolvente, consubstancia uma redução drástica de garantias e violação do Princípio da Proporcionalidade e Adequação previstos na Constituição da República Portuguesa, previsto no art.º 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa” ou se é “inconstitucional o entendimento do art.º 32º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, no sentido de que vencendo-se as prestações de um contrato de financiamento em relação ao devedor originário, tal vencimento importa a excussão do benefício do prazo do financiamento relativamente aos avalistas, por violação do Princípio da Proporcionalidade e Adequação previsto no artº 18º nº 2 da Conservatória do Registo Predial” .5- se deve ser declarado que a decisão proferida nestes autos se estende ao ex-marido da Recorrente. III- Fundamentação de Facto Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar Factos provados Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos: - Do requerimento executivo: 1º - Banco 1..., S.A., intentou a execução com o nº 509/23...., a que o presente está apenso, contra a aqui embargante, AA, entre outros, para cobrança da quantia de € 18 081,31 (dezoito mil oitenta e um euros e trinta e um cêntimos). 2º A exequente é portadora e deu à execução dois documentos constante de fls. dos autos de execução em apenso, cujo conteúdo se considera aqui por integralmente reproduzido, e onde consta, além do mais, as seguintes inscrições: a) “Nº ...98, local e data de emissão: ..., 2019-05-07, vencimento: 2023-01-29; importância: € 4.456,45, valor: “... ...81 contrato de empréstimo”, no seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança ao Banco 1..., SA, ou à sua ordem, a quantia de quatro mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos, assinatura(s) do(s) subscritor(es): EMP01... Unip. Lda. (seguido de uma assinatura e carimbo da gerência); nome e morada do(s) subscritor(es): (…), constando ainda do seu verso: “Dou o meu aval ao subscritor – CC”, entre outros. b) “Nº ...35, local e data de emissão: ..., 2021-07-23, vencimento: 2023-01-29; importância: € 13.555,82, valor: “... ...21, contrato de empréstimo”, no seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança ao Banco 1..., SA, ou à sua ordem, a quantia de treze mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos, assinatura(s) do(s) subscritor(es): EMP01... Unip. Lda. (seguido de uma assinatura e carimbo da gerência); nome e morada do(s) subscritor(es): (…), constando ainda do seu verso: “Dou o meu aval ao subscritor – CC”, entre outros. 3º - A exequente instaurou a execução, em 24-01-2023, com fundamento nas livranças referidas em 2º. Da contestação: 4º - A empresa subscritora das livranças exequendas foi declarada insolvente a 26.08.2022. 5º - Por missiva datada de 01.09.2022, enviada pela exequente para a embargante, rececionada pela mesma, a exequente, comunicou, entre o mais “(…) Nestes termos, vem, o Banco 1..., S.A., pela presente, interpelar V. Exa., na invocada qualidade de avalista e responsável solidária, para o pagamento do montante de capital de € 13.157,80 treze mil e cento e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos) emergente da responsabilidade em dívida inda de identificar, acrescido de juros e imposto do selo, até efetivo e integral pagamento, devendo o esmo ser regularizado, impreterivelmente no prazo de dez dias a contar da receção da presente carta, sob pena de, decorrido aquele prazo e persistindo em dívida quaisquer montantes, adoptarmos sem qualquer outro aviso prévio, os procedimentos adequados, designadamente, o preenchimento da livrança e caução em branco nos termos do respetivo pacto de preenchimento do aludido contrato, bem como o recurso a via judicial, tendo em vista a cobrança dos nossos créditos, via que sempre procura evitar face a gravidade que da mesma advém. Ficamos à disposição de V. Exa. para qualquer esclarecimento adicional que julgar necessário.Com os nossos cumprimentos,” 6º - Por missiva datada de 31.08.2022, enviada pela exequente para a embargante, rececionada pela mesma, a exequente, comunicou, entre o mais “(…) Como é do conhecimento de V. Exa., o Banco 1... concedeu à sociedade EMP01... Unipessoal, Lda., em 07 de Maio de 2019, um financiamento (…). Ora, acontece que a sociedade (… foi declarada insolvente por sentença de 26 de Agosto de 2022 (…). Assim, vem (…) por este meio interpelar V. Exa., na qualidade de avalista da responsabilidade assumida, e verificando-se a renúncia expressa ao benefício do prazo, para proceder ao pagamento do montante de € 12923,93, acrescido dos respectivos juros e imposto de selo, no prazo máximo de 10 dias a contar da presente data. (…)”. 7º - Tendo recebido a referida carta de interpelação, a embargante contactou o Banco para solicitar o prosseguimento do serviço de dívida dos empréstimos e continuar a pagar as prestações, tendo-lhe sido transmitido que o proposto não era possível, uma vez que a dívida já se encontrava totalmente vencida face à declaração de insolvência da sociedade mutuária. Da petição inicial: 8º - No dia 20 de Dezembro de 2022, a embargante rececionou as seguintes comunicações da exequente: 8º - “Resolução do contrato – contrato comercial ... ...21 (…) Não tendo sido sanadas até ao presente as situações de mora e/ou incumprimento verificadas no contrato (…) vem, pela presente, informar que, nesta data foi efectuado o preenchimento da livrança de caução em branco para o efeito avalizada por V. Exa (…). Nessa conformidade e nos termos do acordo de preenchimento contante do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento (…) com vencimento fixado para o próximo dia 9 de Janeiro de 2023, pelo montante de € 13.555,82 (…)”. 9º - “Resolução- crédito comercial ... ...81 (…) Não tendo sido sanadas até ao presente as situações de mora e/ou incumprimento verificadas no contrato (…) vem, pela presente, informar que, nesta data foi efectuado o preenchimento da livrança de caução em branco para o efeito avalizada por V. Exa (…). Nessa conformidade e nos termos do acordo de preenchimento contante do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento (…) com vencimento fixado para o próximo dia 9 de Janeiro de 2023, pelo montante de € 4.456,45 (…)”. Factos não provados Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados: a) A embargante fez o pagamento das prestações do contrato de crédito comercial até ao mês de novembro de 2022. b) A Exequente não concedeu à Embargante qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio. IV -Fundamentação da Convicção e Aplicação do Direito .1- Da nulidade da sentença por não ter apreciado o requerimento pelo qual a embargante “reclamou” do despacho saneador. Apesar de invocada a nulidade da sentença, pelo tribunal a quo não foi proferido qualquer despacho conhecendo especificadamente da matéria invocada, limitando-se a mencionar genericamente que as alegações da Recorrente não mereciam o seu acolhimento e não abalavam as razões expendidas na decisão proferida nos autos. Não obstante, por razões de economia processual e por ser tão patente que a nulidade não ocorreu, aliás como salientou o recorrido, pode e deve este tribunal desde já pronunciar-se sobre esta matéria – artigo 617º nº 5 do Código de Processo Civil. Com efeito, a sentença pronunciou-se sobre a questão cuja omissão é imputada pela Recorrente, nos termos referidos supra, suficientes para a sua compreensão e resolução: “No que respeita à reclamação apresentada nos autos em 22.11.2023, relativamente ao despacho saneador, na parte em que se indeferiu a suspensão da venda do bem imóvel penhorado nos termos do nº 5 do artigo 733º do CPC execução, uma vez que a mesma só poderia ser determinada até à decisão em 1ª instância da oposição à execução, atenta a sentença proferida, mostra-se prejudicada a apreciação da mesma.” Diga-se ainda que as causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença ou despacho e conduzir à sua revogação. Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença ou um despacho podem padecer: têm que traduzir-se na falta de assinatura do juiz, na omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Atingem as decisões por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade. Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e violação de caso julgado. É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil. Mas essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações, factos ou argumentos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados), ou questões laterais relativa à eficácia das decisões a proferir que se não coloquem, em concreto, no processo. Como tão bem se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, no processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1[1]: “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.” Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso. Isto posto, voltemos aos pormenores da situação que nos ocupa. A questão da extensão da eficácia da decisão que extinga a execução também relativamente ao co-executado, não embargante, é apenas um argumento que a Recorrente trouxe ao processo, que não cabe dentro das questões imediatas necessárias para a resolução do litígio (para decidir da extinção da execução quanto à executada). Aliás, só se põe caso o tribunal conclua pela extinção da execução. Assim, não tinham sequer que ser tratadas no âmbito da sentença prolatada, que os julgou improcedentes. .2- Da Impugnação da matéria de facto com fundamento em diferente juízo das provas sujeitas à livre apreciação Para que possa ser apreciada a razão do Recorrente quanto à decisão tomada na sentença sobre a matéria de facto com fundamento em diferente juízo das provas sujeitas à livre apreciação, porque aqui vigora de forma premente o princípio do dispositivo, importa que sejam cumpridos os ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, que os factos impugnados pelo Recorrente tenham alguma relevância na apreciação da causa e ainda que não seja evidente que da total procedência da pretensão do impugnante resultarão contradições dentro da fundamentação de facto. Nos termos deste artigo existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em diversa valoração da prova, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição. Assim, impõe esta norma ao recorrente o ónus de: a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. (sendo a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere o nº 2, alínea a), deste artigo, considerado um ónus secundário, por instrumental, não obstante a expressa letra da norma). c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. É patente, numa primeira linha, que no novo regime foi rejeitada a admissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o Recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se dê como provado. Pretende-se, com a imposição destas indicações precisas ao recorrente, impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, p.153. Por estes motivos, o recorrente, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada. Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminadamente e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada. Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 deste preceito: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. É comum verificar-se que há a tendência, nas alegações, no discorrer da pena, de misturar a impugnação do facto e do direito, trazendo opiniões sobre o que foi dado como provado, afirmando ter opinião diversa, mas conformando-se ainda assim com tal parte da decisão tomada. Desta forma, impõe-se que nas conclusões o Recorrente indique concretamente quais os pontos da matéria de facto que impugna, de forma a poder-se, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação fundamentada quanto à alteração da matéria de facto. O que se pretende, com a exigência ao recorrente de assinalar "com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso", é onerá-lo com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância. Da mesma forma, permite-se ao tribunal que verifique diretamente, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontadas pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise. Tem sido também opinião praticamente pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito. A tal convite se opõe, por um lado, a intenção da lei em não permitir impugnações vagas, sem bases consistentes, genéricas e injustificadas da decisão da matéria de facto, sendo aqui mais exigente no princípio da autorresponsabilização das partes. Veja-se que essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando ao recurso se funda também na impugnação da matéria de facto. Por outro lado, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do Código de Processo Civil. Cumpre ainda salientar que a apreciação das questões pelo Tribunal da Relação deverá versar sobre as questões levantadas pelo Recorrente, sendo, por isso, do interesse deste o cumprimento com rigor dos ónus expressos no normativo que se discute, por conduzir a um maior aprofundamento da análise que pretende que seja efetuada num sentido divergente ao obtido na sentença, o que será potenciado com a especificação dos factos e a mais aprofundada concatenação de cada facto com a prova produzida, criticando o raciocínio efetuado na sentença. Com efeito, a maior parte das vezes, haverá alguma proporção entre a profundidade com que a parte apresenta as suas questões sobre a fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido e o calibre e a densidade que toma a apreciação das questões suscitadas. Foi no passado dia 17 de outubro de 2023 prolatado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, com a seguinte síntese : “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, procurando “a interpretação que se configure mais adequada no atendimento do estado atual do nosso ordenamento jurídico”, “num crescendo da preocupação da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, ainda que algumas tenham resultado das inovações técnicas ocorridas, sem contudo deixar de manter a exigência, no que à impugnação da decisão da matéria respeita do cumprimento dos ónus enunciados”. Ali se é perentório a afirmar que: “Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. [salientando embora que a mesma não precisa de ser indicada pela respetiva numeração.] Quando aos dois outros itens (leia-se alíneas b) e c) do nº do artigo 640º do Código de Processo Civil), caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso”. Assim, na posição deste acórdão uniformizador tais ónus têm que ser cumpridos pelo menos nas alegações, mas podem não ser vertidos para as conclusões, com exceção da identificação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, que ali devem têm necessariamente de constar, sob pena de rejeição do recurso nessa parte. Entende-se que as razões que legitimariam posição diferente, aliás retratadas nos votos de vencido, não justificam postergar os interesses na segurança e certeza do direito trazida pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência. Desta forma vejamos, à luz da tese vertida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência supra mencionado, se, tal como invoca a Recorrida, estes ónus não foram cumpridos,. Embora conste das conclusões a indicação do ponto que o Recorrente considera incorretamente julgado, só de forma muito incipiente vêm ali indicados os concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre aquele ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida. De qualquer forma, a simplicidade da questão permite desde já conhecer de fundo. b) Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas. É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada. No entanto, como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC). A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.” Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador. A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio. A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto. “Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1. A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova. Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão). Concretização A Recorrente pretende que seja dada por provada a matéria dada por não provada na alínea b) dos factos não provados: “A Exequente não concedeu à Embargante qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio”. Para tanto afirma que a prova documental comprova que a Exequente não deu oportunidade para que a Recorrente procedesse ao pagamento da quantia em dívida sem que o processo seguisse para a via judicial. Carece de razão. A prova testemunhal infirma-o, tendo sido dada à Recorrente a possibilidade de proceder ao pagamento extrajudicialmente, nomeadamente mediante a concessão de um empréstimo para o efeito. O que foi negado foram “pagamentos faseados nos moldes que agora nos propõe”, exigindo-se “liquidação imediata de valores” e a negação do “pagamento da quantia exequenda em prestações”. Ora, nada disto inviabilizava um outro tipo de acordo extrajudicial que implicasse o pagamento da dívida (pagamento imediato de quantias, mesmo que com alguma redução, pagamento mediante a entrega de bens ou mesmo, como decorre da prova testemunhal, mediante a concessão de um empréstimo para o efeito, etc). Assim, improcede a impugnação da matéria de facto provada. * Da aplicação do Direito aos factos apuradosDa posição jurídica da embargante Resulta da matéria de facto provada que a Embargante deu o seu aval numa livrança de que o Exequente e embargado é portador. Mais resulta que tal livrança foi subscrita em branco tendo sido preenchida pelo Embargado. Dos autos não resulta que exista qualquer negócio causal entre embargante e embargado: a Embargante não figura como interveniente na relação causal que terá dado origem à emissão das livranças, mas apenas avalisou estes títulos cambiários. Estamos só no âmbito de uma relação cartular. Vejamos as noções básicas deste tipo de relações. Da livrança A livrança, conforme decorre do artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL - é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia em determinada data. A livrança corresponde a um título de crédito que, como tal, incorpora uma obrigação cambiária, pelo que o seu portador pode exigir aos obrigados cambiários o pagamento dessa obrigação, sem necessidade de alegar e provar a existência e os contornos da relação jurídica que lhe esteja subjacente. Se a livrança ainda se encontra no domínio das relações imediatas, entre os sujeitos da relação jurídica que lhe é subjacente, o obrigado cambiário pode invocar qualquer exceção fundada na relação subjacente ou fundamental que havia estabelecido com o Exequente e que teria dado causa à relação cambiária. Determinam os artigos 1º e 75 º da LULL que declaração negocial do sacador ou do emitente da livrança deve designar expressamente a época de pagamento e a quantia determinada a ser paga ao tomador da letra ou beneficiário da livrança, sob pena de o título não produzir os típicos efeitos cartulares. A livrança pode, no entanto, ser subscrita sem que dela conste a indicação desses elementos necessários para que possa servir de título, como a data de vencimento e o valor titulado (uma livrança em branco). Aquando emissão de uma livrança em branco, os subscritores convencionam os termos em que o preenchimento deve submeter-se, baseados na relação contratual que deu causa à emissão do título, determinando quais são as responsabilidades garantidas de forma a que se possa apurar o valor titulado, e, ainda, quando é que esta pode ser preenchida. É o chamado pacto ou acordo de preenchimento. A subscrição de uma livrança em branco (sem que esteja preenchidos todos os seus elementos) tem muitas vezes, como teve neste caso, a função de reforçar a posição do credor, visto que fica logo dotado de título executivo, após o ter preenchido com as quantias que lhe são devidas e pelo montante que lhe é devido, com a consequente inversão do ónus da prova: o crédito passa a presumir-se, cabendo ao devedor provar as exceções ao direito nele incorporado. Quando um subscritor voluntariamente entrega o título em branco ao credor cartular para que este o preencha posteriormente, como garantia da sua posição no contrato que visa garantir, mesmo que não seja formalizado o pacto de preenchimento, este existe por força da instrumentalização do título à relação fundamental cujo cumprimento pretende garantir. Assim, a reconstrução da vontade subjacente à emissão do título, mesmo que não expressa, é feita em função da obrigação garantida, seja relativamente ao valor, seja à data da sua exequibilidade. Tem sido discutido se a obrigação cambiária se constitui com a assinatura da livrança em branco (tese mais clássica) ou se, considerando que a posição cambiária de cada um dos seus intervenientes só se consolida com o preenchimento total, se até esse momento apenas ocorreu o primeiro passo da constituição desta obrigação, o que releva para apurar os meios de defesa que detém aquele que subscreve o título em branco. Do aval Por outro lado, e como resulta do preceituado no artigo 30º da LULL, o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores. A função do aval é uma função de garantia: cobre a obrigação de um certo subscritor cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado. O aval constitui uma garantia pessoal do pagamento de uma quantia inscrita num título de crédito. Relevante aqui é atentar-se que o aval é uma garantia que se reporta apenas à relação cartular e não à relação subjacente. Estamos perante uma execução baseada numa livrança, a qual é um título de crédito, regida, como há muito se definiu, pelos princípios da autonomia, da literalidade e da abstração. Quem dá o seu aval assegura o pagamento da quantia inscrita no título: caso o devedor principal cambiário não pague a quantia titulada, o credor pode exigir diretamente do avalista a satisfação do seu crédito, independentemente da validade substantiva da obrigação cambiária e das vicissitudes que possam ter ocorrido na circulação do título a que respeita. Como se disse no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 268/20.6T8OVR-A.P1 no processo 03/11/2021, “A função do aval, seja na letra, na livrança ou no cheque, consiste em garantir o seu pagamento, o direito de crédito cambiário com o seu valor patrimonial, por parte de um dos seus subscritores, na data do respetivo vencimento, em consequência da convenção estabelecida entre o mesmo e o avalista. Trata-se, em geral, de um ato cambiário de mero favor, prestado por terceiro, não aceitante da letra (ou subscritor da livrança), em que o avalista oferece uma garantia à obrigação cartular do avalizado, por cuja responsabilidade se mede a do avalista, embora, materialmente, autónoma da daquele, e não à obrigação subjacente. O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (art.º 32º da LULL). O avalista do aceitante ou do subscritor garante apenas e tão só o pagamento da obrigação cambiária assumida por este no título de crédito. Nessa medida, são de todo irrelevantes as suas alegações relativas à relação subjacente contraída entre este e o portador de tal título. No caso de preenchimento de letra em branco, só com a aposição do montante titulado é que o aceitante e seus avalistas passam a ser considerados como devedores perante o portador. O avalista, enquanto prestador duma garantia de natureza pessoal geradora de uma obrigação autónoma, não é sujeito da relação jurídica travada entre o portador e o aceitante da letra ou o subscritor da livrança. Responsabiliza-se pela pessoa que avalizou assumindo uma responsabilidade, objetiva e abstrata, pelo pagamento do título, já que acaba por ser responsável nos mesmos termos em que o é a pessoa que garante por qualquer acordo de preenchimento concluído entre este e o portador.” No aval há uma independência também desta garantia relativamente à obrigação garantida, o que resulta com muita clareza do disposto no artigo 32.º da LULL, onde se diz que “a obrigação do avalista se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantir ser nula por qualquer razão que não seja vício de forma”. Aliás, como se explanou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 02/26/2013 no processo 597/11.0TBSSB-A.L1.S1 : “I - O aval é uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado. II - O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o avalizado. III - A razão de ser do art. 32.º da LULL é constituir o aval um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma. IV - A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma. V - Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento. VI - A aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento.A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra”. A obrigação do avalista é uma figura exclusiva dos direitos de crédito, que se não confunde com o fiador. A obrigação do avalista não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao aspeto formal, visto que se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula por outra razão. Com a concessão do aval, o avalista obriga-se autonomamente pela obrigação constante no título, vinvunlando-se ao seu pagamento: garante a obrigação do avalizado expressa no título, mas a sua obrigação é autónoma e substantivamente independente da obrigação do avalizado. Não sendo ele sujeito da relação jurídica subjacente, mas apenas garante do pagamento do valor do título cambiário por parte de um subscritor, não pode discutir aquela relação em embargos de executado que, para ele, não seja imediata. Do preenchimento abusivo O artigo 10º da LULL, aplicável às livranças por força do artigo 77º do mesmo diploma, estabelece que “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.” Cabe, em sede de embargos, ao subscritor em branco o ónus de provar estes elementos. Veja-se que o artigo 17º da LULL (ex vi artigo 77º) não permite que as pessoas acionadas em virtude de uma letra ou livrança possam opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. Tem sido limitada a possibilidade do avalista opor ao titular da livrança o pacto de preenchimento celebrado entre este e o avalizado, mesmo quando a mesma não circulou: “Isto porque se entende que um devedor cambiário só pode suscitar, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente (suscetíveis de configurar exceções causais) se se encontrar ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda; se estiveram ambos nas “relações imediatas”, com o sentido de participarem numa mesma convenção executiva”, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de março de 2009, proferido no processo 08B3815 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza). “Como afirma ainda Carolina Cunha[13], «(…), além da “relação interna” entre o avalista e o avalizado, podemos (ou não) encontrar uma outra relação extracartular (mais ou menos densa) entre o avalista e o credor cambiário que figura como beneficiário direto do aval. O fenómeno é sobretudo visível nos casos de subscrição de títulos em branco, em que o avalista amiúde outorga no próprio acordo de preenchimento celebrado entre avalizado e credor, mesmo fora desse contexto, também é possível que interceda uma convenção extracartular entre avalista e credor. O conteúdo desta convenção tenderá a incidir sobre aspetos do exercício do direito cambiário entre ambos (prazos, condições); (…). Embora eventual, «a relação extracartular que se venha a estabelecer entre o avalista e o credor é proactiva ou conformadora: diz respeito ao modo como, em concreto e perante o avalista, o credor será admitido a exercer a sua pretensão cambiária.(…) Sempre, portanto, que avalista e credor estejam ligados por uma convenção extracartular – seja ela anterior, contemporânea ou posterior à subscrição do título; e quer preveja o alargamento dos meios de defesa do avalista, quer outros aspectos relativos ao exercício do direito cambiário (registámos que são algo frequentes pactos de renegociação da dívida cambiaria – quanto ao montante, a prazos, perdão de juros, etc.) – estaremos em presença de relações imediatas e o conteúdo daquela convenção é invocável pelo avalista contra o credor na qualidade de meio de defesa próprio» (critério material da existência de relações extracartulares (maxime, decorrentes de uma convenção executiva).” Se a execução é “instaurada pelo beneficiário da livrança (que lhe foi entregue em branco, isto é, incompleta) e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento (o que permite situá-lo ainda no domínio das relações imediatas), tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a exceção material de preenchimento abusivo do título”, “Cabe-lhe então o ónus da prova em relação aos factos constitutivos daquela excepção, ou destes outros meios de defesa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do Código Civil [….] À mesma conclusão se deve assim chegar quanto à possibilidade de o avalista questionar a validade do pacto de preenchimento em que interveio; todavia, e independentemente de saber em que termos se teria de processar a intervenção do avalizado, parte no mesmo pacto, a verdade é que a respetiva anulação forçaria a análise do pacto tácito que a subscrição de uma livrança em branco sempre implica, retirando então ao avalista a legitimidade para discutir um eventual preenchimento abusivo.” (cf http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/ 56a6e7121657f91 e80257cda00381fdf/ c3b87aa2a0a2 ac92802586bc 00545078? OpenDocument) No presente caso não foi invocado nem demonstrado qualquer pacto quanto ao preenchimento da livrança em que o avalista tivesse intervenção, sendo, pois, inexistente a sua legitimidade para arguir o preenchimento abusivo do título. “I - O avalista de uma livrança não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. Por força desta autonomia, o avalista não pode servir-se de qualquer dos meios de defesa que pertencem ao avalizado, por via das relações imediatas entre este e o subscritor do título de crédito.II - Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.” cf acórdão de Tribunal da Relação de Guimarães no processo 17838/10.0TBGMR-A.G1 de 02/06/2014. De qualquer forma, mesmo que assim não fosse, pode-se com simplicidade concluir pela inexistência de qualquer preenchimento abusivo nos termos apresentados pela embargante. Dos efeitos da insolvência O artigo 91º, nº 1 do CIRE é taxativo: “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.” Assim, “Dúvidas não haverá que uma vez declarada a insolvência, a exigibilidade da dívida decorrente do art.º 91º, 1, CIRE , legitima o credor a preencher o título cambiário, devendo fazê-lo pelo valor que estiver em dívida em tal momento, respeitando o acordo de preenchimento.” cf Anabela Luna de Carvalho, Aval e Plano de Insolvência in https://datavenia.pt/ficheiros/edicao13/datavenia13_p005_044.pdf. Ora, é esta a situação que foi invocada pela embargante, que, no entanto, pretende que o credor era obrigada a substituir o devedor inicial por si, sem que com ela tivesse negociado nesse âmbito, até porque não interveio no negócio causal. Enfim, respondendo à letra às alegações do recurso na parte mais relevante, urge dizer que o dador do aval, por um lado, não é sempre responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalisada (e não afiançada, visto que não ocorreu, ao que se saiba qualquer prestação de fiança), como vimos, e por outro, se não celebrou qualquer negócio causal com o credor, apenas responde no campo cartular, pelo que não se lhe pode transferir a posição no negócio subjacente, ao qual é totalmente alheio. A embargante refere um benefício do pagamento prestacional que tinha sido atribuído à Insolvente e que dirá respeito ao cumprimento do negócio causal (que aliás não descreve), misturando a obrigação cartular com a relação substantiva, quando são realidades distintas, sendo que não teve intervenção no negócio causal e não invocou nem demonstrou qualquer pacto relativo ao preenchimento da livrança. Assim, não é possível afirmar-se que ocorre a “excussão do benefício do prazo do financiamento relativamente aos avalistas”, visto que este contrato sempre foi negócio alheio à embargante, porque nele não interveio, limitando-se a responder pela obrigação cartular assumida pela sociedade financiada. Veja-se que a obrigação cartular assumida pela embargante apenas se mostraria exigível com a extinção do benefício do prazo do avalizado, momento em que se mostrava possível o preenchimento da livrança. Assim, não se consegue compreender o entendimento da embargante, por pretender pronúncia sobre a fiança, ao remeter para a pessoa afiançada, quando nos encontramos perante um mero aval. Da mesma forma recorre a princípios que regem o direito público (de que aqui não tratámos) no chamamento do princípio da proporcionalidade e adequação, consagradas no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa (“2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”) “A proporcionalidade (entendida em sentido amplo) é, pois, considerada como princípio geral de limitação da atividade do poder público – quer no que respeita à concretização de princípios jurídicos (como a subsidiariedade), quer quanto a medidas restritivas de direitos fundamentais o se, o quando e o como do seu exercício são deixados à discricionariedade do indivíduo –, enquanto que a ingerência estatal na liberdade dos cidadãos é a exceção e, como tal, limitada e de validade condicionada ao preenchimento de requisitos préestabelecidos.. VITALINO CANAS [Proporcionalidade], p. 1, propõe a seguinte definição para o princípio da proporcionalidade: « Princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos atos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjetivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos concretos que cada um daquele atos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins.», como se explanou no “O Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade na Jurisprudência Constitucional, também em relação com a Jurisprudência dos Tribunais Europeus” in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/conferencias/ctri20131024/ctri20131024_relatorio_pt_vf.pdf. Ora, no presente caso, em que a insolvência da sociedade comercial despoletou imediatamente o vencimento da obrigação assumida no “contrato de financiamento”, não se pode obrigar a entidade bancária a continuar o contrato com pessoas com quem não contratou, assumindo o financiamento relativamente a pessoas que apenas se obrigaram a pagar a livrança quando a mesma lhes fosse apresentada devidamente preenchida. Enfim, improcede na íntegra o recurso. Torna-se, portanto, desnecessário verificar se os efeitos desta decisão se estendem ao ex-marido da Recorrente. V- Decisão Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pela Recorrente, que ficou vencida (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil) Guimarães, 12 de junho de 2024 Sandra Melo Conceição Sampaio José Manuel Flores [1] (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano) |