Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
154/06.2IDBRG.G1
Relator: NAZARÉ SARAIVA
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PROVA COMPLEMENTAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – O pedido de produção de meios de prova, na sequência da comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tem de ser acompanhado da respectiva justificação, para os efeitos do art. 340 nº 4 do CPP. De outro modo o juiz ficaria impedido de apreciar a legalidade dos meios de prova requeridos e de proferir decisão sobre a sua admissibilidade, à luz dos critérios fixados nos nºs 3 e 4 daquele art. 340 do CPP.
II – Devem ser indeferida a produção de prova suplementar dilatória, entendendo-se esta como aquela que prejudica o regular andamento dos autos, sem que possa contribuir para o esclarecimento da verdade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães.

No 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Braga, processo comum nº154/06.2IDBRG, os arguidos “V... Informação, SA” e José L..., com os demais sinais dos autos, foram submetidos a julgamento, em processo comum e com intervenção do tribunal singular, tendo, a final, sido proferida sentença, de cujo dispositivo consta o que se segue (transcrição):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Condenar o arguido José L... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 6º, nº 1, e 105°, nºs 1, 2 e 5, todos do RGIT, com referência ao artº 30º, nº 2, do Cód. Penal, ex-vi artº 3º, al. a, do RGIT, crime pelo qual vinha pronunciado, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período, condenando-se assim o arguido José L... na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, suspensão sujeita à condição do arguido, no prazo de 1 (um) ano e 2 (dois) meses entregar à Administração Fiscal o valor das prestações tributárias em dívida e que se tiveram em conta para a imputação da prática do crime, o que totaliza €74.845,67 (setenta e quatro mil oitocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), e respectivos acréscimos legais, devendo, no final deste prazo, fazer prova nos autos do pagamento destes valores.
c) Condenar a arguida “V... – Sistemas de Informação, S.A” como responsável pelo por um crime de abuso de confiança fiscal, agravado, na forma continuada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 7º, nº 1, 12º, nºs 2 e 3, e 105º nºs 1, 2 e 5, todos do RGIT, com referência ao artº 30º, nº 2, do Cód. Penal ex vi artº 3º, al. a) do RGIT, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que totaliza a quantia de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros).
d) Condenar os arguidos nas custas do processo e nos demais encargos, fixando-se em 15 UC’s o valor da taxa de Justiça individualizada para cada arguido (cfr. artº 85º, nº 1, al. b), do Cód. Custas Judiciais), e em metade da taxa de justiça devida o valor da procuradoria a favor do IGFPJ (cfr. artºs 95º, nºs 1 e 2 do Código das Custas Judiciais), e ainda, quanto à Sociedade Arguida, no pagamento dos honorários da defensora oficiosa que se fixam em 25 UR, reduzidos a 2/3 caso se trate de advogada estagiária – cfr. artº 2º, nº 2 da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro e ainda pontos 3.1.1.2 e 9, ambos da tabela anexa à mesma portaria.
e) Condenar os arguidos a pagarem ao IGFPJ o equivalente a 1% da taxa de justiça, nos termos do artº 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro.
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Nos termos do disposto no artº 91, nº 1, al. b), 93 e 94º, todos do Cód. Custas Judiciais, fixo em 8 UC a remuneração ao perito Carlos Alberto da Silva Barros, a adiantar pelo IGFPJ.”

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Inconformado com a sentença, dela interpôs o arguido José L... recurso, onde, em síntese, suscita as seguintes questões:
- « (…) na denominada alteração não substancial dos factos, notificado ao arguido na audiência de 23 de Março de 2009, o Tribunal a quo exorbitou dos seus poderes, saindo da esfera e dos limites que necessariamente o artigo 358º do CPP contém, pelo que a douta sentença recorrida, ao acolher na integra como provados tais factos é nula – cf. o artigo 379º, nº 1, alínea b) do CPPenal, já que tais factos não podiam ter sido considerados na decisão final»;
- «(…) in casu (…) sob a capa de uma alteração não substancial dos factos, se arquitecta uma acusação totalmente nova, com factos totalmente novos e com estrutura dotada de uma radical complexidade, que não existia na pronúncia»;
- « (…) a sentença não se pronunciou sobre as questões suscitadas na resposta/defesa apresentada à alteração não substancial dos factos»;
- «Tal omissão (…) constitui nulidade da sentença recorrida, que, em consequência, como tal deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do C.P. Penal»;
- estão incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos (A) 7, 9, 10, 11, 12 e 13 que, ao invés, deveriam ter sido dados como não provados ou provados restritivamente nos termos especificados na motivação de recurso;
- estão incorrectamente julgados os factos dados como não provados nos pontos (B) 2 e 3 que, ao invés, deveriam ter sido considerados como provados;
- «Nunca se poderia falar de compensação, pois, na tese da «alteração não substancial dos factos», o que se teria feito, era compensar créditos da sociedade Vector S:I, com créditos de suprimentos – prestações acessórias»;
- «Ora, tal compensação é legalmente inadmissível, nos termos do disposto no artigo 245º, nº 3, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades anónimas – neste sentido, o Acórdão do STJ de 07/05/98, processo nº 99ª1083 e o Acórdão da Relação do Porto de 25/10/93, processo nº 9330075, consultáveis in www.dgsi.pt»;
- «E, nunca seriam compensáveis dívidas de natureza tão diferente, pois não é compensável um crédito fiscal de IVA, com créditos dos sócios, já que a compensação dá-se entre créditos, não só da mesma natureza, como só se podem compensar créditos de um titular, para com outro titular»;
- «Se a V SI nunca seria dona do IVA – que, repete-se, a ter sido recebido, seria da Fazenda Nacional, nunca poderia utilizar créditos que não são seus, com créditos de terceiros, in casu, da V... 21. COM»;
- «Não resulta dos autos que tal suposta «compensação» tivesse sido comunicada à V... 21, pelo que, atento o disposto no artigo 848º, nº 1 do C. Civil, nunca se poderia afirmar a existência de uma «compensação», por falta da sua efectividade»;
- «Se a V... não recebeu das mãos da V... 21. COM. o valor do IVA (nem do capital), nunca poderia ter sido investida em fiel depositária desse IVA, que não recebeu, que não lhe foi entregue»;
- «Pelo que, a conduta do recorrente não poderá configurar ilícito criminal, pois não estão reunidos os pressupostos punitivos do artigo 105º do RGIT, devendo como tal o mesmo ser absolvido».
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Entretanto, no dia designado para a leitura da sentença, o Exmº Sr. Juiz a quo, por entender que, da audiência de julgamento, havia resultado uma alteração não substancial dos factos, procedeu a essa alteração, notificando-a aos arguidos e ao Ministério Público, do mesmo passo que concedeu prazo para a defesa, designado nova data para continuação da audiência de julgamento, a fim de os arguidos se pronunciarem sobre a aludida alteração.
Na data designada (03/04/2009), o arguido José L... apresentou defesa escrita à alteração não substancial dos factos, requerendo a inquirição de duas testemunhas para a prova da defesa aduzida.
Debruçando-se sobre o requerido, o Exmº Sr. Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho (transcrição):
“ Determina o artº 340º, nº 1 do C. Penal que o tribunal ordena oficiosamente ou a requerimento a produção de todos os meios de prova, cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Contudo, dispõe o artº 340º, nº 4 al. c) do C.Penal que os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que o requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Veio a defesa expor a sua discordância quanto aos factos que lhe foram comunicados na pretérita sessão. E baseia a sua discordância, em parte no enunciado de factos que têm correspondência nos depoimentos das testemunhas António e Guilherme.
Tais testemunhas já prestaram depoimento nos presentes autos e prestaram-no no sentido pretendido pelo arguido. Voltar a inquirir as mesmas testemunhas sobre factos sobre os quais já se pronunciaram no sentido pretendido pelo arguido, evidencia a irrelevância da repetição deste meio probatório.
Se a defesa pretender discordar dos factos que forem dados como provados sempre poderá em sede de recurso indicar porque razão se valora e credibiliza um determinado depoimento em detrimento de outro.
O que é inadmissível é que se pretenda repetir depoimentos, uma vez que não é por estes ser repetidos que surgem mais credibilizados.
Por conseguinte indefere-se as inquirições pretendidas.
(…)».

Inconformado com o despacho, dele interpôs recurso o arguido José L..., onde, em síntese, suscita as seguintes questões:
«Para efectivo cumprimento do contraditório, há um direito do arguido de se defender dos novos factos por que vai agora acusado e de apresentar prova sobre tal defesa – cfr. artigo 3º do C.P.Civil, ex vi do artigo 3º e 4º do C.P.Penal.»;
«Não colhe, salvo melhor opinião o argumento que as testemunhas em causa já tinham sido ouvidas nos autos, tendo deposto no sentido ora pretendido pelo arguido/recorrente, pois o contexto em que elas foram inquiridas, foi o dos factos da acusação e, perante os novos factos, o enquadramento da sua inquirição é completamente diferente.»;
«A rejeição da inquirição daquelas testemunhas, constitui nulidade ou irregularidade, com manifesta influência no exame e/ou na decisão da causa.»;
«Pelo que devem ser anulados todos os actos praticados, a partir do requerimento do arguido de 03/04, para a inquirição das testemunhas, incluindo a sentença proferida – cf. artigos 118 e segs do C.P.Penal, artº 201º do C.P. Civil, ex vi artº 3º e 4º do CPPenal.»;
«Devendo, ainda, ser substituído o despacho recorrido, por outro que mande ouvir as testemunhas, nos termos e para os fins da defesa apresentada pelo arguido na audiência de 03 de Abril de 2009, artigo 3º do C.P. Civil, ex vi artigo 3º e 4º do C.P.Penal.».
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O Ministério Público respondeu a ambos os recursos pugnando pela confirmação do despacho e da sentença recorridos.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento.
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Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Recurso interlocutório:
Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – artigo 412º, nº 1, do CPP
In casu, a única questão trazida à apreciação desta Relação consiste em saber se o tribunal a quo podia indeferir, ancorado no artigo 340º, nº 4, al. c), do C.P.Penal, a inquirição das duas testemunhas requerida pelo arguido para prova da defesa que aduzira ao abrigo do disposto no artigo 358º, nº 1, do C.P.Penal.
Vejamos…
Como sabido, no processo penal vigora o princípio do acusatório, temperado por uma investigação oficiosa na fase do julgamento.
Pela acusação se define e fixa o objecto do processo – o objecto do julgamento – e, portanto, passível de condenação é tão só o acusado, e relativamente aos factos constantes da acusação.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, “O princípio da acusação limita (…) o objecto da decisão jurisdicional e essa limitação é considerada como garantia da imparcialidade do tribunal e de defesa do arguido. Imparcialidade do tribunal na medida em que apenas terá de julgar os factos objecto da acusação, não tendo qualquer «responsabilidade» pelas eventuais deficiências da acusação, e garantia de defesa do arguido na medida em que, a partir da acusação, sabe de que é que tem de se defender, não podendo ser surpreendido com novos factos ou novas perspectivas dos mesmos factos para as quais não estruturou a defesa.” – cfr. Curso de Processo Penal, Verbo, I, pág. 71.
No entanto, a lei, por razões de economia processual, e também no próprio interesse da paz do arguido, permite que o tribunal possa considerar factos novos desde que «daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo»- cf. Germano Marques da Silva, ob. cit., tomo III, pág. 273
Daí que, o nº 1 do artº 359º do CPP prescreva que “uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância”, excepto se “…o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal” (nº 3 do mesmo preceito).
E a definição de «alteração substancial» dos factos é fornecida pelo artº 1º, nº1, al. f) do CPP, como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Porém, como decorre da letra deste preceito, nem toda a modificação dos factos deve ser considerada «substancial».
Com efeito, o Código de Processo Penal refere uma outra: «a alteração não substancial dos factos» - artº 358º, nº 1.
Para além dos factos constantes da acusação (que, como já referido, constituem o objecto do processo em sentido técnico), podem existir outros factos que não foram formalmente vertidos na acusação, mas que têm “com aqueles uma relação de unidade sob o ponto de vista subjectivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, psicológico, etc.”
Esses factos novos fazem parte do chamado «objecto do processo em sentido amplo». Não têm como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (isto é, não contendem com a identidade do objecto do processo), mas, por serem relevantes para a decisão, o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no artº 358º, nº 1 do CPP, ou seja, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa - cfr. Marques Ferreira, da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal, RPCC, ano I, tomo 2, pág. 226.
Há, pois, como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in ob cit. tomo III, págs. 273/274 «uma estreita ligação entre o objecto da acusação, que se há-de manter essencialmente idêntico até à decisão final e as garantias de defesa do arguido. O tribunal poderá considerar factos novos, desde que não bulam com a essência da acusação ou, se bulirem, desde que o arguido consinta, sendo-lhe, porém, sempre assegurada a preparação da defesa em razão dos novos factos (arts 358º, nº 1 e 359º, nºs 2 e 3)». (salientado nosso).
Porém, tal como acontece com a apresentação dos meios de prova ao abrigo do artº 315 º do CPP, ou com os meios de prova supervenientes requeridos na audiência de julgamento, ao abrigo do artigo 340º, nº 1 do CPP, o pedido de produção de meios de prova, na sequência da comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tem de ser acompanhado da respectiva justificação, para os efeitos do artigo 340º, nº 4, do CPP. De outro modo, o juiz ficaria impedido de apreciar a legalidade dos meios de prova requeridos e de proferir decisão sobre a sua admissibilidade, à luz dos critérios de aferição fixados nos nºs 3 e 4 do citado artigo 340º.
Pois bem, no caso vertente, o tribunal a quo indeferiu o requerimento de inquirição das duas testemunhas arroladas pelo arguido por considerar que o mesmo tinha finalidade meramente dilatória (artigo 340º, nº 4, al. c) do CPP), uma vez que «Tais testemunhas já prestaram depoimento nos presentes autos e prestaram-no no sentido pretendido pelo arguido. Voltar a inquirir as mesmas testemunhas sobre factos sobre os quais já se pronunciaram no sentido pretendido pelo arguido, evidencia a irrelevância da repetição deste meio probatório».
Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2º ed., pág. 854, «O meio de prova tem um fim dilatório …quando o requerente quer ou tem consciência de que, com o seu requerimento, se prejudica o regular andamento dos autos, sem que ele possa objectivamente contribuir para o esclarecimento da verdade».
Porém, não se nos afigura que seja esse o caso em apreço.
Com efeito, é preciso ter presente que no despacho de pronúncia vinha imputado ao arguido a prática, em autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal (agravado), p. p. pelas disposições combinadas dos arts 6º, nº 1, 105º, nºs 1, 2 e 5, ambos do RGIT, com referência ao artº 30º, nº 2, do CP, porquanto, enquanto presidente do conselho de administração da sociedade co-arguida, não entregou nos serviços do IVA, «nos prazos limite a seguir indicados, as seguintes importâncias, efectivamente recebidas pela sociedade arguida:
Valores em euros
Período a que respeita a infracção /Montante da prestação trib../ Termo do prazo para cumprimento da obrigação
4º Trimestre de 2002 22 986,56 17-02-2003
2º Trimestre de 2003 3 187, 92 18-08-2003
3º Trimestre de 2003 6 184,82 17-11-2003
4º Trimestre de 2003 3 078,70 18-02-2004
1º Trimestre de 2004 2 362,55 17-05-2004
2º Trimestre de 2004 955,83 16-08-2004
3º Trimestre de 2004 366,32 15- 11- 2004
4º Trimestre de 2004 51 859,11 15-02-2005
4º Trimestre de 2005 30 717,90 20-02- 2006
E importa também ter presente que, para além de outros, foram comunicados ao arguido, os seguintes factos novos:
“(…)
- As quantias discriminadas nos autos resultam de serviços prestados pela sociedade arguida, quase na totalidade, à sociedade V... 21.com , que era a cliente principal da sociedade arguida.
- A sociedade V... 21.com . foi, pelo menos de 2002 até finais de 2005, sócia da sociedade arguida.
- Relativamente às quantias de IVA devidas e que são relativas ao 4º trimestre de 2002 e 4º trimestre de 2004, resultam da seguinte operação:
a) No ano de 2000, a V... 21.com . transferiu para a sociedade arguida o valor de €406.325,41, tendo sido contabilizado na conta 532, relativa a prestações acessórias dos sócios.
b) Nos anos seguintes, pelo menos entre 2000 e finais de 2004, a sociedade arguida emitia as facturas relativas aos serviços prestados à “sociedade V... 21.com ” e fazia constar nas contas da sociedade V... que os valores facturados tinham sido pagos, mediante o mecanismo da compensação contabilística face ao valor que tinha sido transferido em 2000 - €406.325,41.
- A sociedade V... 21 tinha a sua sede e funcionava no mesmo local que a sociedade arguida, o arguido José era, pelo menos, administrador de facto de ambas as sociedades e o contabilista era o mesmo em ambas as sociedades – a sociedade arguida “V... S.I.” e a “sociedade V... 21”.
- O mecanismo de compensação contabilística, acima referido, era do conhecimento e foi efectuado com a autorização do arguido José .
(…)”
E importa, por último, ter presente a defesa apresentada pelo arguido ao abrigo do artº 358º, nº 1, do CPP, onde impugna a existência histórica dos factos novos, requerendo a reinquirição das testemunhas António e Guilherme à matéria que especifica.
Ora, perante a extensão e a complexidade da alteração dos factos que foi comunicada – em contraste com a singela alegação constante do despacho de pronúncia de que as importâncias relativas ao IVA tinham sido «efectivamente recebidas pela sociedade arguida» - , este tribunal entende que o pedido de reinquirição das testemunhas não tem um fim dilatório.
É que, como se escreve no ac. do TC nº 519/98, a comunicação ao arguido visa permitir-lhe, a modificação da “estratégia de defesa”, no que esta pode comportar de “escolha deste ou aquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros etc”, sendo que, no caso vertente, como bem refere o recorrente, as testemunhas foram inicialmente inquiridas à luz do contexto do despacho de pronúncia, enquanto que o enquadramento da reinquirição à luz dos factos novos já será outro.
Indeferir, no assinalado contexto, a reinquirição das testemunhas, com o fundamento de que as mesmas já foram inquiridas nos autos e que depuseram «com o sentido pretendido pelo arguido», ou seja, no sentido de que os valores das facturas não estão pagos, é, a nosso ver, olvidar a natureza provisória dos factos novos e fazer tábua rasa do princípio do contraditório, consagrado no artigo 358º, nº 1, do CPP. È que, face à alteração em causa, a desnecessidade da reinquirição das testemunhas para a descoberta da verdade não se apresenta como uma evidência, sendo ainda de notar que o arguido alegava, na defesa apresentada ao abrigo do citado artigo 358º, nº 1 do CPP, que havia elaborado a sua estratégia de defesa «com base na «mera» impugnação da acusação, que imputava à sociedade arguida da qual era administrador, ter «efectivamente recebido» os montantes do IVA descritos na acusação, que pressupunham que tais montantes tenham sido pagos em cheque/dinheiro pelos devedores das facturas – a palavra «efectivamente» não deixa margem para outra interpretação».
Em suma, a necessidade da reinquirição das testemunhas para a descoberta da verdade - uma delas contabilista da sociedade arguida – , surge perfeitamente justificada à luz do princípio do contraditório consagrado no artº 358º, nº 1, do CPP, tendo em conta a natureza dos factos novos que foram comunicados ao arguido.
Posto isto.
A omissão das diligências probatórias requeridas, e que se têm como necessárias para a descoberta da verdade, constitui uma irregularidade - vd. artº 118º, nº 2, do CPP.
Acresce que o arguido interpôs de imediato para a acta recurso do despacho que indeferiu o requerimento de prova, o que significa que não se conformou com o aludido vício.
A irregularidade torna inválido o acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar, como é o caso da sentença proferida – artº 123º, nº 1, do CPP.
Assim, deverá ser proferido novo despacho em que defira a produção de prova nos termos requeridos, com elaboração de outra sentença na sequência e como consequência dessa produção de prova.
Sendo inválida a sentença fica naturalmente prejudicado o conhecimento do recurso que dela interpôs o arguido.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido e, consequentemente:
1 - ordena-se se proceda à inquirição das testemunhas sobre a matéria requerida na defesa apresentada pelo arguido ao abrigo do artº 358º, nº 1, do CPP;
2 - Mais se acorda em anular a decisão final, para se proferir outra, pelo mesmo Exmº Sr. Juiz, que contemple e analise as diligências então efectuadas.
Sem custas.