Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6913/18.6T8BRG.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: PROVA PERICIAL
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - Não se verifica nulidade da sentença por condenação em objeto diverso nos termos da al. e) do nº1 do art. 615º do CPC por não ter ocorrido uma condenação em pedido liquido, conforme foi formulado na petição inicial, relegando-se para liquidação de sentença o cálculo da indemnização, tudo por não se ter conseguido provar o montante exato dessa indemnização.
II - A prova pericial tem de ser apreciada pelo julgador a três níveis: (i) quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal); (ii) quanto à base de facto pressuposta na perícia e (iii) e quanto à própria conclusão da perícia;
. Quanto à base de facto- cuja perceção e/ou apreciação não exija especiais conhecimentos- pressuposta na perícia, é lícito ao julgador divergir dela, sem necessidade de fundamentação cientifica, porque não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria; ou seja, o tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se a divergência se confinar aos factos em que se apoia o juízo pericial.
III- A indemnização dos danos patrimoniais futuros deverá ser fixada com recurso à equidade, dentro dos limites do circunstancialismo dado como provado, mas tendo em consideração, entre outras variáveis, que o capital, logo que pago, fica todo imediatamente na disponibilidade do seu beneficiário e que esse capital pretende gerar rendimentos para todo o tempo provável de vida do lesado e não apenas o seu tempo de vida ativa.
. É adequada a indemnização de 300.000,00€ por danos patrimoniais futuros (supressão da capacidade de ganho) ao sinistrado, pessoa de 29 anos, mecânico de automóveis com rendimento mensal de € 505,00, que, em decorrência de acidente de viação, e entre outros danos: ficou com o membro superior direito paralisado, e afetado com um défice funcional permanente de integridade físico psíquica de 51,350 pontos; as sequelas são impeditivas para o exercício da sua profissão habitual de mecânico.
IV- O dano patrimonial relacionado com a contratação de terceira pessoa deve ser indemnizado, com recurso à equidade, no valor de € 237.000€ atento o seguinte quadro provado: à data do acidente, o autor tinha 29 anos; por força das sequelas do acidente, o autor necessita da ajuda de terceira pessoa no que terá de gastar 5,00 € por hora, com uma despesa mensal de 450,00 € (5 € x 30 dias), a multiplicar por 12 vezes por ano.
V- Só é possível deixar para liquidação de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório ( que se transcreve):

P. A., c.f. n.º ………, solteiro, residente na Av. …, Amares,
intentou acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
- a “Companhia de Seguros X Portugal, S.A.”, c.f n.º ………, com sede na Rua …, em Lisboa,
pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos e que computa em 996.680,77 Eur. (novecentos e noventa e seis mil, seiscentos e oitenta euros e setenta e sete euros), a acrescer de juros de mora a contar da citação.

Para tal alega, em suma, que, em consequência de um acidente de viação que ocorreu a 21 de Dezembro de 2015, na avenida ..., em …, Amares, veio a sofrer diversos ferimentos, em consequência do embate do motociclo que conduzia no veículo ligeiro de passageiros de matrícula MV, conduzido por F. D..
Tal embate ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo de matrícula MV, que ao realizar uma manobra de direcção para a sua esquerda, de modo brusco e sem atentar nos demais veículos que circulavam no local, e quando o autor estava a meia dúzia de metros dele, barrou a passagem do seu motociclo.
Assim, e apesar de o autor ter travado e guinado o motociclo para a sua esquerda, na tentativa de evitar a colisão, veio a embater com a frente do motociclo, na parte lateral direita, mais precisamente na roda de trás do lado direito do MV, após o que foi projectado e caiu ao solo.
O autor foi socorrido no local e no hospital, onde foi submetido a diversas cirurgias (11.01.2016, 18.01.2016 e 24.02.2016) em face dos traumatismos sofridos, onde se manteve internado até 15.03.2016, sendo acompanhado pelos serviços de ortopedia, neurocirurgia, dor crónica e cirurgia plástica.
Foi submetido a nova cirurgia a 15.04.2016 no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra, permanecendo internado mais 3 dias.
Depois de ter alta recolheu a casa, onde permaneceu em repouso, e passou ainda a realizar tratamentos de fisioterapia até 21.07.2016, data em que fez nova cirurgia no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva de Coimbra, permanecendo internado mais 2 dias, recolhendo a casa após a alta, ainda em repouso.
Passou a ser acompanhado pelos serviços clínicos a cargo da chamada Y, porquanto o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, mormente no Hospital de Santa Maria, no Porto, onde fez mais duas cirurgias em Fevereiro/Março de 2017 e em 12.10.2017.
Em consequência do acidente e das lesões que sofreu, padece hoje de uma incapacidade parcial permanente de 60 pontos, mostrando-se totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual – mecânico de automóveis. Além disso, para além do dano estético, sofreu prejuízo sexual e prejuízo nas actividades de lazer e desporto, tem de recorrer permanentemente a ajuda médica e medicamentosa, só pode conduzir veículos de caixa automática, usa em permanência um suporte braquial e necessita de ajuda de 3.ª pessoa numa média de três horas por dia.
À data do acidente tinha 29 anos de idade e era pessoa saudável, alegre, dinâmico e social, porém, com o acidente toda a sua vida se alterou. O autor sente-se um fardo para si e família, sobretudo porque face às lesões sofridas no membro superior direito necessita que lhe cortem os alimentos, que o auxiliem a tomar banho, a vestir-se, a calçar-se e a despir-se, sente-se inútil, o que lhe causa tristeza, amargura e incómodo, por depender da ajuda de terceiros para as tarefas básicas do seu dia-a-dia.
Além do mais, alterou o seu projecto de vida, pois tinha programado ir viver com a namorada pouco antes do acidente, o que já não fez, não só porque por força das sequelas tem muita dificuldade em manter relações sexuais, como porque não aceita a sua nova imagem, pois tem um braço pendente e o corpo cheio de cicatrizes.
O autor não mais trabalhou desde a data do acidente, e face à incapacidade de que ficou afectado, devido às suas parcas habilitações literárias, ao meio onde se insere e ao actual estado do mercado, não conseguirá encontrar uma ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante.
Em virtude do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ......28 é a ré a responsável pelo ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor, uma vez que se encontrava transferida para si a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula MV causador do acidente.
*
A ré X contestou de fls. 39 a 42 dos autos, aceitando a validade do contrato de seguro, e assumindo a imputação da responsabilidade única, exclusiva e culposa na eclosão do embate ao condutor do veículo de matrícula MV.
Mais alegou que sendo o acidente em simultâneo de trabalho e de viação que a Y, seguradora para quem estava transferida a responsabilidade infortunística através da apólice n.º ……..75, procedeu ao acompanhamento clínico do autor e já lhe pagou as quantias discriminadas no art. 7.º da contestação, além de uma pensão mensal provisória de 317,90 € (trezentos e dezassete euros e noventa cêntimos).
Impugna por desconhecimento os danos alegados e reputa por excessivo os valores reclamados.
Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada da Y, nos termos do art. 316.º, n.º 3, al. b) do C.P.Civil, por ser a mesma contitular do direito indemnizatório, uma vez que a mesma pode haver do responsável pelo acidente de viação o reembolso do que pagou à vítima do acidente de trabalho.
*
Por despacho proferido a 27.03.2019 admitiu-se o incidente de intervenção principal provocada, ordenando-se a citação da Y.
*
A chamada Y apresentou o seu articulado de fls. 78 a 81 dos autos, nos termos do art. 319.º, n.º 3 do C.P.Civil.

Alegou, em suma, que o acidente foi simultaneamente de trabalho e de viação, pois que o autor, na condução do seu motociclo, deslocava-se no trajecto para o seu local de trabalho e a fim de aí retomar a sua prestação com a entidade patronal “M. M., Comércio Pneus, Unipessoal, Lda.”, que para a Y havia transferido a responsabilidade a sua responsabilidade infortunística, através da contratação da apólice “acidentes de trabalho, trabalhadores por conta de outrem” com o n.º .........75.
No exercício das garantias contratuais e no cumprimento das obrigações consolidadas na conciliação obtida a 11.12.2018 nos serviços do MP do Tribunal do Trabalho de Braga, no âmbito do processo n.º 5427/16.3T8BG, homologada por sentença, a Y pagou directamente ao autor e/ou ele beneficiou dos serviços que discrimina no art. 10.º, tudo no valor global de 85.479,26 € (oitenta e cinco mil quatrocentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos).
Além disso, a chamada tem constituída provisão matemática no valor de 81.638,42 € (oitenta e um mil seiscentos e trinta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), como caucionamento obrigatório da garantia do pagamento da pensão anual e vitalícia.
Requer, a final, que lhe seja reconhecido o exercício de sub-rogação nos termos do art. 17.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Lei n.º 98/2009, e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 85.479,26 € (oitenta e cinco mil quatrocentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), acrescida do que vier a pagar ao autor, que provisoriamente fixou em 81.638,42 € (oitenta e um mil seiscentos e trinta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), mas a fixar em execução de sentença.
*
A ré X por articulado apresentado de fls. 106 e 107 impugnou os valores alegadamente pagos pela chamada ao autor.
*
Proferido o despacho saneador a 19.06.2019, foi definido o objecto do litígio e elencados os temas da prova, e admitidos os meios de prova. – cfr. fls. 108 a 110.
*
Foi junto ao processo o relatório pericial a 5.05.2020 de fls. 234 a 239, relativo à avaliação do dano corporal em direito civil.
Na sequência das reclamações apresentadas pelo autor a 13.05.2020 e pela ré a 18.05.2020, foi ordenada a prestação de esclarecimentos nos termos do despacho proferido a 25.06.2020.
A 29.06.2020 a Sr.ª Perita Médico-Legal veio completar e rectificar o relatório inicial.
Apresentada nova reclamação pelo autor a 4.09.2020, este solicitou a realização de uma 2.ª perícia, ao que a ré X se opôs a 4.09.2020.

Por despacho proferido a 30.09.2020 decidiu-se pelo indeferimento do pedido de realização da 2.ª perícia. – cfr. fls. 252 e 253.
*
Por requerimento entrado em juízo a 16.11.2020 a chamada Y ampliou o pedido para mais 7.104,00 Eur. (sete mil cento e quatro euros), referente ao pagamento da pensão anual ao autor/sinistrado, incluindo duodécimos, entre Junho 2019 e Outubro de 2020.
A ré X impugnou o pedido de ampliação, defendendo ser inadmissível.
A audiência final decorreu com observância do formalismo legal como consta da acta de fls. 270 e 271, onde foi proferido despacho a admitir a ampliação do pedido.
*
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
– Dispositivo:

Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide:
a) condenar a ré X Portugal a pagar ao autor P. A. a quantia global de € 637.030,22 (seiscentos e trinta e sete mil, trinta euros e vinte e dois cêntimos), sendo:
- € 512.030,22, a título de danos patrimoniais [sem prejuízo da subtracção das quantias já recebidas e/ou a receber, no processo de acidente de trabalho, designadamente a título de pensão anual e vitalícia e/ou salários perdidos];
- € 125.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos.

Tudo acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, contados sobre a quantia fixada a título de danos patrimoniais desde a data da citação e sobre a quantia a título de danos não patrimoniais desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento.
b) condenar a ré X Portugal a pagar ou a fornecer ao autor P. A. todas as ajudas técnicas, tratamentos e medicamentos que necessita até ao final da sua vida, mormente reembolsando-o dos valores que venha a suportar com a aquisição de analgésicos e do suporte braquial, com tratamentos de medicina física e de reabilitação e com revisões cirúrgicas, ou em alternativa, no caso das cirurgias ou sessões de MFR que a ré as faculte ao autor nos seus serviços clínicos.
c) absolver a ré X Portugal do demais peticionado pelo autor.
d) condenar a ré X Portugal a pagar à chamada “Y Portugal – Companhia de Seguros, S.A” a quantia de 92.222,96 Eur. (noventa e dois mil, duzentos e vinte e dois euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, bem ainda no pagamento das quantias que a chamada venha ainda a pagar ao autor.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento.
Registe e notifique”
*
Inconformados Ré e A interpuseram recursos de apelação, respetivamente, da sentença.
*
Inconformada com a decisão, veio a R seguradora X Portugal interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“1. Da análise da douta petição inicial, concretamente dos artigos 152.º a 158.º, constata-se que o A. deduziu um pedido de pagamento de quantia pecuniária, limitado a uma indemnização de Eur. 7.541,66, quanto a medicamentação antidepressiva e analgésica, e de Eur. 4.800,00 quanto a um suporte braquial.
2. Considerando a matéria de facto dada como provada, este pedido deve ser julgado improcedente quanto à medicação e suporte braquial, sendo certo que nada mais é peticionado a título de tratamentos futuros, incluindo tratamentos de fisioterapia, de medicina física de reabilitação ou cirúrgicos.
3. A alínea b) do trecho decisório, ao decidir em tais termos está eivada de nulidade por condenação em quantidade superior e/ou em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no artigo 615.°, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
4. Quanto ao facto provado 49 (e consequentemente o 57) a prova pericial produzida não foi afastada de forma fundada e justificada, seja quanto à necessidade de ajuda de terceira pessoa, seja quanto ao seu objeto e período estimável para a sua duração.
5. Destarte, considerando a globalidade da prova pericial produzida nos presentes autos e considerando ainda a falta de qualquer elemento probatório (credível) em contrário, sempre se dirá que deve o facto provado 49 e, consequentemente, o facto provado 57, ser dado como não provado.
6. Como resulta inequívoco do facto provado 40 da sentença em crise, o deficit funcional temporário do A. foi de 815 dias, pelo que, considerando um rendimento anual de Eur. 7.070,00 e o período de 815 dias de incapacidade temporária, temos que a quantia perdida pelo A. a título de salários no período de incapacidades parciais ascende a Eur. 15.786,44.
7. O valor a descontar à indemnização patrimonial em dívida a título de perdas salariais corresponde a Eur. 11.486,93, ou seja, a quantia já recebida pelo Recorrido a esse título, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho.
8. Considerando um rendimento anual apurado de €7.070,00, a percentagem de incapacidade de que ficou a padecer de 51,35029, a idade de 32 anos à data da alta e tomando como guia os sistemas de orientação maioritariamente seguidos na jurisprudência dominante e que balizam os montantes indemnizatórios dos danos corporais decorrentes de acidentes de viação, designadamente o período de vida ativa e ainda a dedução pelo recebimento instantâneo de uma quantia que apenas iria ser auferida ao longo de uma vida de trabalho, de forma a evitar uma situação de enriquecimento sem causa, temos que a indemnização a arbitrar a título de dano patrimonial futuro será quantia não superior a Eur. 140.000,00.
9. À qual, nos termos já decididos em 1.ª Instância, deverá ser deduzida a pensão anual e vitalícia paga ao Recorrido pela congénere laboral, que com referência a outubro de 2020 ascendia a Eur. 13.278,29.
10. Por tudo o supra exposto, a sentença em crise violou os artigos 3.º n.º 3, 5.º n.º 1, 615.º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil e 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
11. Sendo certo que com a correta aplicação das normas supra indicadas, deveria a alínea b) do segmento decisório da sentença em crise ter sido julgado improcedente, bem como as indemnizações fixadas serem reduzidas nos montantes supra indicados.”
*
O A. respondeu ao recurso, concluindo pela falta das respetivas razões invocadas pela R.
*
Inconformado com a decisão, veio o A interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):


O recorrente tem de começar por referir que antes de mais se impõe afirmar que a decisão proferida pela Meritíssima Juíza a quo, por quem desde há muitos e longos anos nutrimos e reconhecemos o maior dos respeitos e competências, com excepção dos pontos que infra se apontarão, não merece o mais ténue reparo.

Assim, e com o devido respeito – que é muito – merece apenas dois reparos:
a) – por um lado, os fundamentos que levaram à determinação do quantum indemnizatório a título de ajuda de 3ª pessoa de que ficou a padecer o recorrente em consequência das gravíssima sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos;
b) – o não se ter relegado para liquidação de sentença o montante auferido pelo recorrente em actividades extra como seja biscates de mecânica e electricidade auto na residência de seus pais e venda de três veículos por ano.

Quanto ao primeiro dos aspectos – cálculo da ajuda de 3ª pessoa – o recorrente tinha peticionado no artigo 151º da sua petição inicial a quantia de 237.562,46 €, por ter calculado esse prejuízo por um período de 50 anos, tanto mais que tinha 30 anos de idade e de acordo com os cálculos constantes no artigo 131º da petição inicial.

Como muito bem motivou de facto e de direito a Meritíssima Juíza a quo essa necessidade de ajuda de terceira pessoa, tendo mesmo desconsiderado – e bem – os esclarecimentos que foram prestados pela Srª Perita de que o recorrente era autónomo e independente, é imediata.

Porém, acabou a Meritíssima Juíza a quo por entender que o recorrente, por ter essa ajuda prestada pelos seus pais, – com 60 anos de idade – com quem ainda vive, e ocasionalmente pela sua namorada, deveria contabilizar o custo dessa ajuda apenas a partir dos seus 50 anos e idade, isto é, entre os 50 e os 78 anos de idade.

Mas, com o devido respeito, nada mais errado.
Será que o recorrente, como decorre da motivação da douta decisão em crise no que respeita ao adiamento do matrimónio que estava prestes a contrair com a sua namorada de há 20 anos, irá viver até aos seus 50 anos de idade em casa de seus pais?
Será que os seus pais, já com alguma idade, não irão necessitar eles próprios de ajuda, como decorre das mais elementares regras de experiência e do normal suceder?
Ou não poderão falecer, antes, sequer, de atingir a esperança média de vida?

Como resultou do depoimento da testemunha E. M., namorada do recorrente, só ainda não contraíram matrimónio pelo facto de o recorrente – seu namorado – não ter trabalhado mais um dia que fosse, e por isso não estar capaz de auferir um cêntimo que seja?
Será que conseguiriam iniciar uma nova fase das suas vidas em comum apenas com o rendimento mensal que ela própria auferia?
Seguramente que não, atentas as fortes limitações do recorrente.

Por isso, e vá o recorrente viver com os seus pais, a sua esposa ou até mesmo sozinho, pois nada esta vida é garantido, deverá calcular-se o quantum indemnizatório para a necessidade de ajuda de 3ª pessoa nos moldes em que o foi no artigo 151º da petição inicial, isto é, pelo menos, a partir dos 32 anos de idade do recorrente à data da propositura da acção.

E a ser assim, como efectivamente deve ser, ainda que com a correcção que foi efectuada pela Meritíssima Juíza a quo quanto ao custo hora dessa ajuda – necessária por 3 horas diárias – de 5,00 € e calculada até aos 78 anos de idade, é devida ao recorrente, a este título, a quantia global de 248.400,00€ (5,00 € x 3 horas x 30 dias x 46 anos).
10ª
Por outro lado, e no que tange ao subsídio mensal de alimentação e os trabalhos extras que o recorrente desenvolvia na residência de seus pais de biscates de mecânica e electricidade auto, assim como compra e venda de veículos (3 por ano), conforme decorre do constante nos pontos 66º, 67º e 68º não foi possível – com recurso à prova produzida nos autos – apurar o seu montante.
11ª
Assim, como bem se percebe, o recorrente logrou demonstrar que desenvolvia essas actividades, para além de exercer por conta de outrem a profissão de mecânico auto.
Todavia, não foi possível determinar quanto o mesmo auferia nessas actividades.
Mas isso, como o devido respeito, não pode significar que não se lhe arbitre uma indemnização considerando essas suas actividades.
12ª
É que, como também bem se percebe, esse acréscimo de rendimento tem a maior das importâncias quer para efeitos a fixação da indemnização que lhe é devida pelos lucros cessantes, assim como pelos danos emergentes, que terão de ser – depois de apurado esse montante – diferentes daqueles que foram arbitrados na decisão recorrida.
13ª
Por isso, e se a Meritíssima Juíza a quo não logrou – pela prova produzida – ancorar uma decisão ainda que com recurso à equidade, ainda assim deveria ter relegado para liquidação de sentença a determinação desse montante assim auferido.
Era o que lhe impunha, com o devido respeito, o disposto no artigo 609º do Cód. Proc. Civil.
14ª
A título de mero exemplo para o que supra acabou de se referir, tirado de muitos e muitos outros doutos acórdãos, chamamos à colação o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12.07.2016, no proc. nº 1215/15.2T8TMR.E1, onde se pode ler o seguinte:
1. A liquidação de sentença permite complementar a atividade probatória desenvolvida na fase declarativa dentro dos parâmetros definidos na ação, pelo que ter-se-á de conter no quadro das causas de pedir e dos pedidos formulados pelas partes, mas também dentro dos limites da factualidade apurada.
2. Estamos numa fase já delimitada, em que se provou a existência do direito, respeitadas que foram as regras do ónus da prova, importando agora proceder à fixação da quantia devida com recurso, se for até necessário, a uma indagação oficiosa, dirigida pelo juiz, que pode contemplar a produção de prova pericial.
3. A liquidação de sentença, tendo natureza declarativa, não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação.
4. A resposta para a questão de saber se podia ou não ser proferida uma condenação genérica tem de ser encontrada, na factualidade dada como provada, pois se dessa factualidade resultar que se provou a existência da obrigação, então o tribunal terá, nos termos do art. 609º nº2 do CPC, de condenar no que vier a ser liquidado.
5. Se da factualidade dada como provada resultar que o A. prestou trabalho suplementar em outros dias para além dos discriminados, não tendo, no entanto, logrado provar os dias em que o prestou, estão preenchidos os requisitos para o tribunal proferir uma condenação genérica, que possa vir a ser liquidada em sede de execução de sentença. (o sublinhado e destacado é nosso),
15ª
O que está sumariado no douto acórdão acabado de transcrever demonstra à saciedade que se trata de uma situação absolutamente similar à do recorrente nos presentes autos: - demonstrou a existência do seu direito; da factualidade provada decorre que existe obrigação de indemnizar, motivo por que deveria a recorrida ter sido condenada – a este título – no que se viesse a apurar em sede de liquidação de sentença.
16ª
Finalmente, e como já se deixou referido, apurado que seja esse montante em sede de liquidação de sentença, deverão as quantias arbitradas a título de lucros cessantes e danos emergentes ser corrigidas de acordo com o acréscimo de rendimento que decorrer das actividades extra desenvolvidas pelo recorrente, como, aliás, resultou provado.

Pelo exposto
Deverá a douta sentença proferida ser substituída por outra que condena a recorrida:
a) – a pagar ao recorrente a quantia de 248.400,00€ a título de custos com ajuda de 3ª pessoa;
b) – a relegar para liquidação de sentença o montante auferido pelo recorrente a título de subsídio mensal de alimentação, assim como o montante auferido nos trabalhos extra de biscates de mecânica e electricidade auto, como o montante auferido pela copra e venda de 3 veículos por ano, com o limite máximo correspondente àquele que decorre do alegado na petição inicial a esse propósito;
c) – ao acréscimo que resultar do apuramento do referido em b) para efeito das quantias já arbitradas a título de lucros cessantes e danos emergentes, assim se fazendo sã e acostumada
JUSTIÇA.”
*
A R. respondeu ao recurso, concluindo pela falta das respetivas razões invocadas pelo A.
*
Os recursos foram admitidos como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os recursos foram recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitidos, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar os recursos deduzidos.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:

A- Do recurso apresentado pela recorrente/ré:

A.1- da nulidade da sentença nos termos da al. e) do art. 615º do CPC, por condenação em quantidade superior e/ou objeto diverso quanto à alínea b) da decisão por referência aos pedidos formulados de indemnização em quantias fixas de 7.541,66 ( medicamentos) e de 4.800€ ( quanto ao suporte braquial) e referidos nos arts. 152 a 158º da p.i. ;
A.2. – impugnação matéria de facto: Alteração da decisão da matéria de facto (pontos 49 e 57º dos factos provados deveriam ser dados como não provados), devendo ser analisado se a prova pericial não foi afastada de forma justificada e fundada quanto à necessidade de ajuda de terceira pessoa, objeto e período estimável para a sua duração;
A.3. – do quanto indemnizatório fixado para os danos patrimoniais:

A.3.1- das perdas salariais- considerando o facto 40º, a quantia a considerar deveria ser de € 15.786,44, pelo que o valor a descontar no âmbito do acidente de trabalho corresponderia a 11.486,93;

A.3.2. Quanto ao dano patrimonial futuro deveria ser reduzida para o valor de € 140 000, 00? :

. por a indemnização fixada ter sido desproporcional aos danos sofridos e atenta a comparação com a gravidade de outros casos decididos pela jurisprudência;
. por a sentença ter atendido à esperança média de vida dos homens e não ao termo da sua vida profissional ativa ( data previsível da sua reforma);
. o período a atender deverá iniciar-se a contar desde o momento da alta clínica, do término da incapacidade temporária parcial por forma a evitar a duplicação de indemnizações.
*
B- Do recurso apresentado pelo recorrente/Autor:

B.1- deveria fixar-se o quantum indemnizatório para a necessidade de ajuda de 3ª pessoa nos moldes, pelo menos, a partir dos 32 anos de idade do recorrente à data da propositura da ação., numa quantia global de 248.400,00€ (5,00 € x 3 horas x 30 dias x 46 anos)?;
B.2. deveria relegar-se para liquidação de sentença o montante auferido pelo recorrente em atividades extra, como biscates de mecânica e eletricidade auto na residência dos pais e venda de 3 veículos por ano?
*
III. Fundamentação de facto.

I. Factos Provados:
Da petição:

1. Cerca das 13h45m do dia 21.12.2015 ocorreu um acidente de viação na avenida de ..., em …, Amares, em que intervieram os veículos:
– AD, motociclo, conduzido pelo autor, seu proprietário;
– MV, conduzido pelo proprietário F. D.;
– EU, conduzido pelo proprietário, A. F. e
– MP, conduzido pelo proprietário, M. C..
2. O motociclo do autor circulava pela referida avenida no sentido Amares – Braga, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido;
3. e com velocidade que não excedia os 50 Kms por hora.
4. Por seu lado, o veículo MV circulava em sentido contrário, ou seja, Braga – Amares;
5. pretendendo o seu condutor, no local onde veio a ocorrer o acidente, mudar de direcção para a sua esquerda, para passar a circular pela rua ....
6. Mas fazia-o sem atenção à sua condução, ao que se passava na estrada à sua frente, à manobra que pretendia realizar e ao restante trânsito.
7. Não obstante o local se desenhar em recta, com mais de 50 metros de extensão,
8. meteu-se a mudar de direcção para a sua esquerda, no momento em que lhe era visível o motociclo do autor a circular em sentido contrário, por se encontrar a meia dúzia de metros de distância;
9. com o que lhe barrou completamente a passagem.
10. O autor, como manobra de recurso, travou e guinou para a sua esquerda na tentativa de evitar a colisão, o que não conseguiu,
11. acabando por embater com a parte da frente do motociclo na parte lateral direita, mais precisamente na roda de trás do lado direito, do veículo MV;
12. após o que foi projectado do seu motociclo, embatendo com o ombro no topo da porta de trás do lado direito do veículo MV, caindo ao solo;
13. enquanto que o seu motociclo rodopiou, indo deter a sua marcha na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
14. Quanto ao veículo MV o seu condutor prosseguiu a sua marcha, acabando por imobilizá-lo já na rua ... para onde pretendia entrar.
15. Por seu lado, o veículo EU encontrava-se imobilizado à saída da rua ... para aceder à avenida de ...;
16. acabando o seu condutor por ver o seu veículo ser atingido com os destroços dos veículos que intervieram no descrito embate.
17. Tendo sucedido o mesmo ao condutor do veículo MP que, circulando pela avenida de ... no sentido Amares – Braga, acabou por ver o seu veículo ser igualmente atingido pelos destroços dos veículos que ficaram no local da colisão.
18. Em consequência do acidente o demandante sofreu:
– fractura da omoplata direita;
– fractura dos ossos do antebraço direito: rádio e cúbito;
– fractura do 5.º metacarpiano direito;
– fractura do 1.º metacarpiano esquerdo;
- fracturas supra e intercondiliana multicominutiva do fémur direito;
– fractura da face interna da rótula direita;
– fractura discretamente desalinhada do côndilo occipital esquerdo;
– traumatismo torácico com contusão pulmonar;
– lesão do nervo peroneal comum esquerdo;
– subluxação do ombro direito e
– lesão do plexo braquial direito: plexopatia mista pré e pós-ganglionar C5–D1.
19. No local do acidente o autor foi socorrido e assistido pela VMER de Braga, que, após a estabilização do demandante com recurso a sedação e a ventilação assistida, o transportou para o S.U. do Hospital de Braga;
20. Onde foi submetido a estudo imagiológico e TAC (CE e TAP) que confirmaram as lesões acima referidas.
21. Foi, por isso e de imediato, internado na U.C.I.P. daquele Hospital, onde permaneceu até ao dia 29.12.2015;
22. Altura em que foi transferido para o Serviço de Ortopedia daquela mesma unidade hospitalar.
23. No dia 11.01.2016 foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica ao membro inferior direito, por força da fractura supracondiliana do fémur, com colocação de placa distal lateral.
24. No dia 18.01.2016 foi submetido nova intervenção cirúrgica, desta vez ao membro superior direito, por força das lesões sofridas a nível do rádio e do cúbito, e à mão esquerda para redução da fractura da base do 1.º metacarpiano.
25. No dia 24.02.2016 foi submetido a nova intervenção cirúrgica, no que se refere à fractura da base do 1º metacarpiano da mão esquerda, para remoção do dispositivo implantado no carpo e metacarpo.
26. Quanto à lesão que apresentava a nível do ombro direito, foi-lhe colocado suspensor braquial e ficou a aguardar estabilização dos défices.
27. Foi naquele Serviço de Ortopedia tratado conservadoramente, tendo sido, igualmente, acompanhado pelos Serviços de Cirurgia Plástica, Consulta da Dor Crónica, Neurocirurgia e Psiquiatria.
28. Teve alta hospitalar no dia 15.03.2016.
29. No dia 16.03.2016 recorreu aos serviços do Sr. Prof. A. N. em Coimbra, o qual lhe diagnosticou arrancamento pré-ganglionar das raízes C5, C6, C7, C8 e D1;
30. Motivo por que ficou, logo, marcada nova intervenção cirúrgica no Instituto de Cirurgia Reconstrutiva (ICR) em Coimbra.
31. No dia 15.04.2016 foi ali submetido a cirurgia do nervo, com neurotização com enxerto do nervo cubital com sutura do tronco secundário antero-externo.
32. Permaneceu ali internado durante 3 dias, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde permaneceu em repouso.
33. Passou, depois, a realizar tratamentos de fisioterapia na Clínica ..., em Braga.
34. No dia 22.07.2016 foi novamente internado no ICR em Coimbra, onde foi submetido a nova intervenção cirúrgica, para artrodese do ombro direito e tenodeses tipo paralisia do radial à direita.
35. Permaneceu ali internado durante dois dias, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a casa, onde permaneceu em repouso.
36. Passou, desde 13.06.2016, a ser seguido pelos Serviços Clínicos a cargo da “Y Portugal Companhia de Seguros S.A.”, no Hospital de Sta. Maria do Porto, uma vez que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho.
37. Aqui foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, a saber:
- osteossíntese da fractura supracondiliana do fémur e artroscopia com tratamento de lesões articulares (coxa e joelho) com EMOS no dia 10.02.2017;
- osteotomia com osteossíntese do úmero e artrodese do ombro com EMOS no dia 12.10.2017.
38. Fez tratamentos de fisioterapia inicialmente na Clínica ..., em Braga, tendo, depois, passado a realizar esses tratamentos na Clínica …, em Amares até ao fim do mês de Maio de 2018.
39. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente:
– no membro superior direito:
a) hipotrofia da musculatura bicipital do braço direito (6 cms em relação ao oposto);
b) posição de repouso em pronação, e incapaz de realizar movimento de supinação activa;
c) mão flácida;
d) e limitação da mobilidade do ombro com anteflexão e abdução até aos 30.º;
o que determina a impossibilidade de o elevar acima da linha do ombro, por lesão nervosa do plexo braquial, impossibilidade de elevar ou manipular cargas com o membro superior direito;
- no membro inferior direito:
a) hipotrofia da coxa direita (3 cms em relação à oposta);
b) rigidez na flexão do joelho direito a 90º;
o que determina dificuldade em proceder a genuflexão;
– dismorfias;
a) na ráquis: cicatriz da região lombosagrada direita medindo 8 por 4 cms;
b) no tórax:
- cicatriz de 10 x 14 cm na região torácica superior direita;
- cicatriz 3 cms de comprimento na grade costal direita;
- cicatriz em forma de “L” na face lateral esquerda do pescoço, medindo cada ramo 5 por 0,5 cms;

c) no membro superior direito:
- cicatriz formato ondulado medindo 11 cms de comprimento e na face posterior do terço médio e inferior do antebraço;
- cicatriz linear de 3 cms na região dorsal da falange proximal do 4.º dedo, de orientação oblíqua;
- cicatriz linear de 13 cms na face lateral do terço médio do antebraço;
- cicatriz coloide rosada de 27 x 2 cm desde a face posterior do ombro até à face antero-lateral do terço superior do braço;
d) no membro superior esquerdo:
- cicatriz linear nacarada de 7 cms de extensão no bordo radial do punho e percorrendo a face dorsal do polegar até à sua falange proximal;
e) no membro inferior direito:
- cicatriz linear nacarada de 29 cms ao longo da face anterior do joelho até a face lateral do terço superior da coxa.
40. As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional temporário total de 105 dias e défice funcional temporário parcial de 710 dias;
41. E um quantum doloris de grau 6 numa escala de 1 a 7.
42. E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente provocam-lhe uma incapacidade parcial permanente de 51,35029 pontos;
43. Que o tornam totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de mecânico.
44. E provocam-lhe um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7;
45. Uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7;
46. Um prejuízo sexual de grau 1 numa escala de 1 a 7.
47. E a dependência permanente das seguintes ajudas:
- ajudas medicamentosas: uso de medicação para as queixas álgicas, mormente analgésicos;
- tratamentos médicos regulares: manutenção de medicina física de reabilitação e possíveis revisões cirúrgicas;
- ajudas técnicas: estabilizador do membro/suspensor braquial.
48. O autor só consegue conduzir veículos com caixa automática.
49. Necessita de ajuda de 3ª pessoa para as actividades relacionadas com a sua alimentação, nomeadamente para cortar alimentos, para fazer parte da higiene pessoal (lavar a cabeça e parte do corpo) e para envergar algum tipo de vestuário (com botões, fecho, etc) e/ou calçado (com cordões) num período estimável de 3 horas diárias
50. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso do demorado tratamento.
51. E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas intensas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
52. Na altura do acidente tinha 29 anos de idade, pois nasceu a -.06.1986.
53. E era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador, social e sociável.
54. Por força das sequelas de que ficou afectado sente-se diminuído e inútil.
55. Com efeito, as sete intervenções cirúrgicas a que se submeteu, todas com recurso a anestesia geral, provocaram-lhe angústia e a quebra de todas as expectativas que nelas depositou para que visse o seu estado de saúde alterar-se, o que, no que respeita ao membro superior direito, acabou por não se verificar;
56. O que o faz viver em constante sofrimento por se sentir um fardo para si e para a restante família.
57. O referido 49 também lhe causa tristeza, amargura, revolta e angústia.
58. Deixou, igualmente, de poder jogar futebol com o seu grupo de amigos, assim como abandonou os passeios que fazia de motociclo com esses amigos;
59. O que o levou a afastar-se desse grupo, que já acompanhava há largos anos, o que também o angustia e entristece.
60. E, em termos de imagem, não consegue viver com a sua actual imagem, tem vergonha do seu corpo.
61. Era ele quem auxiliava o seu pai quer a tratar do jardim (cortando a relva), quer na poda das árvores de fruto, o que agora não consegue fazer.
62. No seu relacionamento íntimo com a sua namorada de há 15 anos, com quem estava já programado ir viver pouco antes do acidente dos autos, para além de ter alterado esse projecto conjunto;
63. Tem, por força das sequelas de que ficou a padecer, dificuldades em manter relações sexuais.
64. Deixou, igualmente, de frequentar a praia ou a piscina como o fazia até ao momento do acidente, pois sente-se incomodado com os olhares dos outros.
65. Passou a ser uma pessoa fechada sobre si própria, triste e amargurada.
66. O autor era mecânico de automóveis, com um rendimento mensal de 505,00 €, 14 vezes por ano, e subsídio mensal de alimentação de valor não apurado.
67. Por outro lado, ao fim-de-semana fazia biscates de mecânica e electricidade em sua casa, o que lhe rendia quantia mensal não apurada.
68. E também comprava para vender cerca de 3 veículos por ano, o que lhe rendia um rendimento anual não apurado.
69. Por causa do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) o autor não trabalhou mais um dia que fosse.
70. A IPP de que ficou afectado de forma permanente projecta-se quer na sua vida profissional, quer na generalidade das suas actividades diárias, obrigando-o, em qualquer dos casos, a esforços acrescidos.
71. Para contratar quem lhe preste serviços terá de gastar 5,00 € por hora, com uma despesa mensal de 450,00 € (5 € x 30 dias), 12 vezes por ano, tarefas até agora feitas por familiares e/ou namorada.
72. Em aquisição de analgésicos terá uma despesa mensal não apurada.
73. E para adquirir o suporte braquial terá de gastar, em cada substituição, valor não apurado.
74. Por via da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ......28, a ré Y assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros MV que no momento da colisão era conduzido pelo respectivo proprietário, F. D., causador do acidente.
*
Do pedido de reembolso:

75. No dia, hora e local referidos de 1 a 3 o autor, na condução do seu motociclo, deslocava-se no trajecto para o seu local de trabalho e a fim de aí retomar a sua prestação com a entidade patronal “M. M., Comércio Pneus, Unipessoal, Lda.”;
76. A qual havia transferido para a Y a sua eventual responsabilidade infortunística, através da contratação da apólice “acidentes de trabalho, trabalhadores por conta de outrem” com o n.º .........75.
77. No exercício das garantias contratuais e no cumprimento das obrigações consolidadas na tentativa de conciliação feita a 11.12.2018, nos serviços do MP do Tribunal do Trabalho de Braga, no âmbito do processo n.º 5427/16.3T8BG, homologada por sentença, a Y pagou directamente ao autor e/ou ele beneficiou dos serviços:
- de ITA (814 dias) 11.486,93 €;
- de custos com farmácia, cirurgias, despesas médicas e material ortopédico 15.932,87 €;
- de subsídio de elevada incapacidade 5.518,16 €;
- de subsídio de readaptação de residência 5.533,70 €;
- de pensões (incluindo duodécimos adicionais a título de subsídio de férias e subsídio de natal) de 15.03.2018 a 31.05.2019 6.173,29 €
- de despesas na Santa Casa da Misericórdia de … 2.119,00 €;
- de honorários/serviço social 169,13 €;
- de despesas hospitalares, consultas e Hospital de Braga 12.602,79 €;
- de despesas no Hospital Privado de … 120,00 €;
- de despesas de fisiatria/... – Clínica Fisiátrica … 7.035,00 €;
- de transportes e deslocações/Bombeiros Voluntários de Amares 3.688,00 €;
- de despesas no Hospital de Santa Maria Porto 6.422,74 €;
- de despesas hospitalares/W Assistence Saúde Portugal S.A 8.316,35 €.
78. A Y tem constituída provisão matemática no valor de 81.638,42 € (oitenta e um mil, seiscentos e trinta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), como caucionamento obrigatório da garantia do pagamento ao autor da pensão anual e vitalícia.
79. E pagou ainda ao autor 7.105,00 Eur. (sete mil cento e cinco euros), de pensões e respectivos duodécimos, entre Junho 2019 e Outubro de 2020.
*
Factos não provados:

1. Fruto das lesões e sequelas de que ficou a padecer, o autor tem marcha claudicante;
2. Tem de recorrer a antidepressivos para o resto da vida;
3. Chegou muitas vezes a dizer que preferia ter morrido no acidente dos autos a ter ficado no estado de dependência em que ficou ainda tão novo;
4. Se não tomasse antidepressivos, já teria colocado termo à sua vida;
5. Refere repetidas vezes que já não tem qualquer serventia em casa;
6. Deixou de praticar uma actividade que muito prazer lhe dava e que era a natação, quer em piscina, quer no mar, o que, também, lhe provoca profunda tristeza, incómodo, mal-estar e amargura.
7. Com os biscates de mecânica e electricidade em sua casa, auferia a quantia mensal de 400,00 €, 12 vezes por ano;
8. E comprava para vender cerca de 6 veículos por ano, no que ganhava a quantia de 500,00 € por veículo;
9. O que representava um rendimento anual de 3.000,00 €.
10. Em aquisição de analgésicos o autor gasta por mês 20,00 €.
11. E na aquisição do suporte braquial gasta 50,00 €, de 6 em 6 meses.
12. Por causa do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) até ao fim do mês de Novembro de 2018, em salários, subsídios de férias, de Natal, trabalhos extra e compra e venda de veículos, deixou de ganhar a quantia de 46.776,65 €.
*
IV. Do objecto do recurso.

A-1. Analisar da existência de condenação em objeto que não foi pedido:

A R/recorrente na conclusão 1) a 3) sustenta que a sentença é nula nos termos da al. e) do nº1 do art. 615º do CPC atenta a decisão da al. b) do dispositivo tendo condenado em quantidade superior e/ou em objeto diverso do pedido formulado pelo autor e atenta a alegação aduzida nos art. 152º a 158º da p.i. limitada a uma indemnização de € 7.541,66 quanto aos medicamentos anti-depressivos e analgésicos e de € 4.800 quanto a um suporte braquial.
O recorrido sustentou a posição defendida na sentença.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando:

e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido .

Assim sendo, é nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observe os limites impostos pelo art. 609º,nº1 do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Será assim porquanto “ o pedido do autor, conformando o objeto do processo, condiciona a decisão de mérito, com que o tribunal lhe responderá: o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, não podendo ocupar-se de outras ( art. 608º,nº2 CPC), e “ não pode condenar em quantidade superior ou objeto diverso ( art. 609º nº1, sob pena de nulidade ( art. 615º,nº1, al. d) e e)).
(…)
A causa de pedir exerce função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pela autor ( art. 608,nº2), sob pena de nulidade da sentença ( art. 615º,nº1, d)…” (1)
A nulidade em causa deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objeto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objeto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).

Vejamos: um dos pedidos formulados pelo A e de acordo com a alegação,:

- ser a R condenada a pagar ao A o prejuízo para o futuro com despesas com medicação que tem de fazer diariamente, com analgésicos e anti-depressivos no que gastaria em média 20 euros/dia, num total de € 7.541,66 ( 20,00 € x 12 x 31,423606);
- e… ser a R condenada a pagar ao A o prejuízo para o futuro com despesas com suporte braquial que vai ter de utilizar até ao fim dos seus dias: um suporte braquial no membro superior direito, o qual tem um custo unitário de cerca de 50,00 € e uma duração de 6 meses, motivo por que, por ano, gasta cerca de 100,00 €, tudo num total de 4.800 € (100 € x 48 anos, tendo em conta a esperança média de vida dos homens em Portugal).

Na sentença foi decidido, além do mais e neste particular e tendo em conta que apenas se provou que o A vai necessitar, de modo permanente, de medicação e de suporte braquial:
condenar a R no pagamento ao A dos valores necessários para:
- a aquisição de analgésicos e do suporte braquial;
… Valores que a ré deverá liquidar logo que lhe sejam remetidos os respectivos recibos de aquisição, a fazer uma vez por ano, ou em alternativa, no caso das cirurgias ou sessões de MFR que a ré deve facultar ao autor nos seus serviços clínicos.”

Ora, o cerne da presente questão respeita ao seguinte: como é consabido, não havendo uma absoluta convergência de pontos de vista na jurisprudência em relação à interpretação a dar ao artigo 609, nº 2, do C.P.C. - artigo 661, do anterior C.P.C. -, a verdade é que se tem decidido na jurisprudência que consideramos dominante o seguinte ( podendo ler-se no Acórdão do STJ de 18-4-2006): “a relegação para liquidação em execução de sentença de indemnização deduzida pelos réus na sua reconvenção, é legalmente possível, apesar de terem formulado um pedido líquido e não terem conseguido provar o montante exacto dessa indemnização”.
E assim sendo, e como decorrência do exposto, a insuficiência de elementos para determinar o valor dos danos ou o montante em dívida, de modo algum pode obstar a que se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para execução de sentença, por maioria de razão, não poderia deixar de poder também relegar-se a determinação do quantum do danos para liquidação de sentença em todas aquelas situações em que, estando demonstrada a possibilidade da sua verificação futura, apenas com a sua eventual concretização, também futura, se poderá determinar o seu respetivo valor.
A presente situação tendo alguma analogia com as acabadas de referir tem, no entanto, especificidades próprias.
Na verdade, tendo-se dado como demonstrado que o Autor “ Em aquisição de analgésicos terá uma despesa mensal não apurada” “E para adquirir o suporte braquial terá de gastar, em cada substituição, valor não apurado.”, incontornável resulta que se está perante danos futuros e certos e determináveis.
Como se refere no Acórdão do S.T.J., de 11/10/94, “Por "dano futuro" deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado”, sendo que, “os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis e os danos previsíveis podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais. O dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável”.
Isto considerado e à luz de tudo o acabado de expender dúvidas se nos não afiguram de que na presente situação estamos perante danos futuros previsíveis, ou seja, que se podem prognosticar.
E assim sendo, incontornável resulta que a eventual consumação de tais danos é medicamente previsível com um grau muito pouco acentuado de incerteza, já que não há como não prognosticar que eles podem vir a consumar-se num futuro mediato mais ou menos longínquo, não podendo de modo algum afirmar-se que, com razoabilidade se não possa prever que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato e que essa possibilidade consista apenas num mero receio.
Assim sendo e por decorrência de tudo o exposto, no caso dos autos, seria uma situação similar a relegar-se para execução de sentença a determinação dos valores das indemnizações relativa aos danos futuros demonstrados e supra referidos, a qual terá lugar com a mera demonstração junto da Ré dos recibos respetivos da compra da medicação e dos suportes braquiais.
Por tudo o exposto, não se verifica qualquer nulidade da sentença por condenação em objeto diverso por não ter sido proferida uma condenação em pedido liquido, conforme foi formulado na petição inicial.
*
A.2.– Alteração da matéria de facto

Como se vê das 4ª e 5ª conclusões de recurso, desde logo, e além do mais, a recorrente questiona basicamente a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido no que respeita aos factos dados como provados nos pontos 49º e 57º e que pretende sejam dados como não provados.
A recorrente especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, especificou os motivos pelos quais não deve ser atribuído valor probatório decisivo aos meios de prova considerados pelo julgador e os meios de prova que no seu entendimento justificam decisão diversa e concretizou ainda o sentido da decisão que deve ser proferida quanto a tais pontos da matéria de facto e valoração da demais prova produzida.
Assim, mostram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação da matéria de facto, sendo certo que constam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e, como tal, a decisão sobre a matéria de facto pode ser modificada por este tribunal da Relação (artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.

Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019 (in www.dgsi.pt):
Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.
Tendo por base estes critérios, analisemos então se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente.

- A sentença entendeu considerar provados nos pontos 49º e 57º os seguintes factos:
“49. Necessita de ajuda de 3ª pessoa para as actividades relacionadas com a sua alimentação, nomeadamente para cortar alimentos, para fazer parte da higiene pessoal (lavar a cabeça e parte do corpo) e para envergar algum tipo de vestuário (com botões, fecho, etc) e/ou calçado (com cordões) num período estimável de 3 horas diárias
57. O referido 49 também lhe causa tristeza, amargura, revolta e angústia.”

Motivou da seguinte forma, neste particular: “ Urge dizer ainda que para a prova da dependência do autor de terceiros para realizar alguns dos actos mais elementares da sua vida durante o processo de recuperação e no futuro, de tal dependência se manter em pelo menos por três horas por dia, o Tribunal baseou-se na natureza e grau das lesões sofridas, em articulação com as regras da experiência comum e com os depoimentos colhidos, em conjugação com este mesmo relatório pericial e relatórios do Hospital de Braga e do Hospital de Santa Maria do Porto. Não colhendo a afirmação da Sr.ª Perita de que o autor tem autonomia suficiente para realizar todas as suas necessidades diárias sem necessitar da ajuda de terceiros, “tendo em conta a adaptação demonstrada”, já que a sequela do membro superior direito o impede pelo menos de: cortar alimentos, abotoar uma camisa, atar os cordões dos sapatos, etc, tal como resultou demonstrado por prova testemunhal.
Se a Sr.ª Perita admitiu que o membro superior direito, que era o membro dominante do autor (segundo as testemunhas) está paralisado e valorizou a lesão nervosa do plexo braxial em 45 pontos, não se compreende como pode afirmar que, com mais ou menos adaptação, possa o autor realizar com inteira autonomia e independência todas as tarefas do quotidiano como alimentação, vestuário e higiene sem qualquer auxílio.
Como já se referiu, no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas. No entanto, estando a prova pericial no âmbito da livre apreciação do julgador, “O juízo técnico e científico inerente à prova pericial, está afastado em princípio dos normais poderes de cognição do tribunal, sendo que sempre que dele divergir, deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.” - cfr. Ac. do STJ de 06.07.2011, Hélder Roque, proc. n.º 3612/07.6TBLRA.C2.S1 in www.dgsi.pt.
Assim, e nesta questão relativa à necessidade de ajuda de 3.ª pessoa, que o Tribunal entende verificar-se por recurso aos depoimentos colhidos em audiência e ser também notória face às sequelas apresentadas, atendendo às regras da normalidade da vida, desconsiderou-se a perícia quando afirma que a ajuda de terceira pessoa não foi considerada porque o autor é autónomo e independente (fls. 247 – esclarecimentos de 29.06.2020).”.

O apelante entende que tais factos deveriam ser dados como não provados.
Tudo isto, por a sentença não ter afastado a prova pericial de forma fundada e justificada, seja quanto ao objeto da necessidade da ajuda de terceira pessoa, seja quanto ao período estimável da sua duração.
O A/recorrido defendeu a manutenção daqueles factos provados, fazendo diferente leitura da prova produzida.
Vejamos.
Com efeito, sendo a prova pericial de livre apreciação, tendo o juiz em volta de si todas as provas produzidas, incluindo a testemunhal, pode e deve verificar se as razões invocadas pelos senhores peritos para justificarem o seu laudo, são ou não convincentes ou se até são contrariadas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal. Cabe sempre ao juiz a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas. Contudo, na falta de outros elementos, e na medida em que o laudo pericial seja revelador de conhecimentos especiais, o julgador não deve afastar-se, infundadamente, das respetivas conclusões; assim acontece, em princípio, nos exames ou perícias médico-legais, dada a sua especializada natureza técnico-científica.

Ora, no caso vertente, a senhora perita concluiu que a ajuda de terceira pessoa não foi considerada na perícia tendo em conta a adaptação demonstrada pelo autor.
Sem embargo, a sentença entendeu que, com base nas regras da experiência comum e de acordo com um critério de razoabilidade, tendo em conta que ficou provado que o autor necessita de ajuda de terceira pessoa para cortar a comida, apertar peças de roupa, tomar banho e lavar o cabelo, pois não tem mobilidade com o braço direito, e tomando em consideração a sua maior ou menor autonomia e a sua capacidade para a satisfação das necessidades básicas, de acordo com um critério de razoabilidade, seria necessária e suficiente a ajuda de terceira pessoa por um período diário de 3 horas.
Da sentença recorrida, apreciando, consta o seguinte: “Para além disso, foi também relevante e essencial os depoimentos colhidos”, nomeadamente o depoimento da testemunha E. M., sua namorada que relatou a vivência do autor a respeito das suas necessidades e auxílio de terceira pessoa para as necessidades básicas e o estado anímico do mesmo em face de tais limitações no seu quotidiano.
Mas não só este depoimento de que fala apenas a recorrente. Com efeito, dos demais depoimentos colhidos, como se diz na sentença, ressuma o mesmo retrato, como por exemplo do depoimento de A. B. e L. C., os quais realçaram a tristeza do autor com as suas limitações físicas, as quais passam por exemplo por não conseguir sequer cortar a comida, como referiu a testemunha A. B..
Ora, apesar de a srª. Perita ter concluído pela não necessidade da ajuda de terceira pessoa, o tribunal pode assim não concluir por ser livre no julgamento da base de facto em que assenta tal juízo.
A doutrina e jurisprudência tem entendido que :“ A prova pericial tem de ser apreciada pelo julgador a três níveis: (i) quanto à sua validade ( respeitante à sua regularidade formal); (ii) quanto à base de facto pressuposta na perícia e (iii) e quanto à própria conclusão da perícia
(…)
Quanto à base de facto- cuja perceção e/ou apreciação não exija especiais conhecimentos- pressuposta na perícia, é lícito ao julgador divergir dela, sem necessidade de fundamentação cientifica, porque não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria. Ou seja, o tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se a divergência se confinar aos factos em que se apoia o juízo pericial.
Quando é ordenada a realização de uma perícia e o resultado da mesma é inconclusivo, tal situação não conduz necessariamente a uma dúvida insanável. Como o resultado em causa não integra um verdadeiro juízo pericial mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão sobre a matéria de facto de modo a superar, se possível, aquela dúvida”. (2)
Volvendo ao caso sub judicio, afigura-se-nos perfeitamente oportuna a invocação de regras da experiência comum, tendo em conta a realidade demonstrada nos autos, como de resto foi efetuado na sentença. Se o Autor necessita de alguém para lhe cortar a comida, não é só na toma das diversas refeições diárias que necessita de apoio. Também na respetiva preparação tal se verifica, seja para fazer uma sopa, como para confecionar qualquer outro tipo de comida/refeição. Se o Autor necessita de ajuda nas atividades básicas da sua higiene, abotoar botões, apertar cordões dos sapatos ou sapatilhas, também necessita de terceira pessoa até para a limpeza da casa, não é só para o asseio da habitação, com tudo o que isso já implica, antes se incluindo também nessa ajuda o que demais está subjacente à mesma limpeza, nomeadamente, o tratamento de roupas (lavar, secar, passar, arrumar) e loiças (lavar, secar, arrumar) e que contendem com a sua própria higiene pessoal.
Ou seja, são inúmeras as tarefas que o autor não é capaz de fazer sozinho.
Ponderada toda essa mesma realidade, o grau de autonomia na vida pessoal e doméstica do Autor que o mesmo espelha, em resultado da limitação que aquele apresenta e que consta dos relatórios médicos juntos aos autos e ponderados na decisão judicial, corroborados pelos depoimentos das testemunhas, e acompanhando a decisão do tribunal a quo, entendemos, de acordo com um critério de razoabilidade e recorrendo às regras da experiência comum, que para tais atos o Autor carece de uma ajuda de terceira pessoa, durante um período de 3 horas diárias, sete dias por semana, anualmente, o que naturalmente lhe causa tristeza e angústia quando falamos de um jovem saudável que aos 29 anos ficou com tais limitações.
Vale tudo por dizer que o tribunal a quo ao fixar aquela matéria de facto constante do ponto 49º ( e 57º) não violou qualquer juízo pericial, outrossim, o tribunal integrou com este elemento de prova a lacuna pericial, de sua livre apreciação, e, fundadamente, decidiu, bem, fracassando a crítica que lhe é endereçada.
Improcede pois também nesta parte a pretensão da Ré.
*
- quanto ao ponto A.3.1- das perdas salariais:

A recorrente entende que considerando o facto 40º, a quantia a considerar deveria ser de € 15.786,44, e o valor a descontar no âmbito do acidente de trabalho corresponderia a 11.486,93, ou seja, a quantia já recebida pelo recorrido a esse título no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho.
Em relação a este desconto, parece-nos que tal ressuma da sentença e o recorrido igualmente está de acordo.
No mais, a sentença entendeu nos seguintes moldes: “ a título de lucros cessantes tem o autor direito a receber o valor de salários perdidos entre 22.12.2015 e 30.11.2018, no valor global de 20.830,22 Eur. (vinte mil, oitocentos e trinta euros e vinte e dois cêntimos), considerando 100% do rendimento anual declarado apurado nos autos (505,00 Eur. x 14 meses – 7.070,00 Eur./ano x 35 meses e 10 dias até à data indicada na pi).”.
A recorrente alerta para a circunstância de se ter provado que atento os 815 dias de incapacidade temporária e considerando os € 7 070 euros anuais, então teríamos um valor global para os 815 dias de € 15.786,44.
Este raciocínio, embora correto do ponto de vista matemático, olvida que a perda de salários do autor não se limitou ao período de 815 dias de incapacidade temporária para o trabalho, assentando, por isso, em pressupostos errados.
O autor, para além dessa incapacidade temporária, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual de mecânico, pela qual auferia a quantia anual de € 7 070 (€ 505 x 14 meses).
E é por isso que na sentença se atribuiu o valor indemnizatório de 20.830,22€ reportado ao período de 22.12.2015 (data do acidente) a 30.11.2018 (período pedido na p.i.) o qual totaliza 35 meses e 10 dias.
Nenhum reparo há a fazer a este raciocínio da sentença pois efetivamente no aludido período o autor não trabalhou tendo direito a ser indemnizado pelas perdas salariais correspondentes.
Existe, porém, um lapso de cálculo na sentença, pois as perdas salariais durante o aludido período totalizam o valor de € 20 814,53 (€ 7 070 : 12 meses x 35 meses + € 7 070 : 365 dias x 10 dias) e não o indicado na sentença de € 20 830,22.
Pelo exposto, apesar de não proceder a pretensão recursória, apenas se ordena a retificação da sentença quanto ao valor das perdas salariais que deverá ser fixado em 20.814,53€.
Mais se consigna que o valor de € 20.830,22 a que se reporta a sentença deverá ser entendido como valor agora retificado de € 20.814,53.

-A.3.2. Quanto ao dano patrimonial futuro (perda futura de capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor):

A recorrente entende que deveria ser reduzida para o valor de € 140.000,00, por a indemnização fixada ter sido desproporcional aos danos sofridos e atenta a comparação com a gravidade de outros casos decididos pela jurisprudência; por a sentença ter atendido à esperança média de vida dos homens e não ao termo da sua vida profissional ativa ( data previsível da sua reforma); o período a atender deverá iniciar-se a contar desde o momento da alta clínica, do término da incapacidade temporária parcial por forma a evitar a duplicação de indemnizações.
O recorrido sustenta dever manter-se a indemnização fixada na sentença no valor de €340.000,00 a respeito da perda futura da capacidade de ganho.

Vejamos.
Entendeu-se na sentença após citar várias decisões jurisprudenciais donde emergem vários critérios orientadores:
O autor sofreu e irá sofrer até ao resto dos seus dias um importante dano biológico permanente, o qual se reflete negativamente quer na sua capacidade de ganho, pois que as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício de da sua profissão habitual, quer na execução das mais diversas tarefas do quotidiano.
Ademais, e embora se admita que o autor, por ser um jovem, possa dentro da sua área de preparação técnico-profissional, arranjar uma ocupação, mormente ligada à comercialização no ramo automóvel, que não implique fazer esforços ou executar tarefas físicas, na verdade, face às suas habilitações e dado o mercado de trabalho, bem como à sua capacidade restante, não será fácil lograr uma oferta de emprego ou lançar-se ele por conta própria nalguma área/actividade profissional.
Por outro lado, considerando que o autor tem uma esperança de vida até aos 78 anos - segundo os dados do INE a esperança média de vida, no período de 2016-2018, foi estimada de 77,78 anos para os homens e 83,43 anos para as mulheres -, decorre que, em termos estatísticos, as lesões previsivelmente o afectarão durante 49 anos (tinha 29 anos à data do acidente, até ao fim da esperança média de vida).
Como vimos, é inequívoco que o acentuado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer irá dificultar a realização de muitas tarefas quotidianas e tornar mais penosas a execução de outras, dado que uma pessoa com incapacidade, está numa situação diferente e pior do que outra sem qualquer incapacidade.
A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.
Por conseguinte, dadas as dificuldades inerentes à fixação da indemnização, pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares, considerando-se a esperança média de vida, que segundo os dados do INE se situa nos 77,78 anos para o sexo masculino, tendo por base o salário mensal de 505,00 Eur. x 14 meses, (num total anual de 7.070,00 Eur.) e a sua previsível evolução, a taxa de juro aplicável a casos semelhantes, bem ainda a capacidade restante do autor, temos como razoável e adequada a fixação da indemnização global de € 340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros) para reparar os prejuízos futuros decorrentes da descrita limitação funcional, quer na vertente de perda de capacidade de ganho quer na vertente de perda genérica de potencialidades funcionais, com repercussão na esfera patrimonial do autor até ao limite da sua vida.”.

A recorrente entende que o cálculo orientador de tal indemnização deveria ter em conta a idade da alta clínica e não a data do acidente e ainda a esperança de vida ativa de 65 anos e não a esperança de média de vida dos homens de 77/78 anos, pelo que se fixaria a mesma em 140.000€, encontrando-se tais valores em situações semelhantes apreciadas na jurisprudência citada nas alegações (ainda que valores adaptados: Ac do Tribunal da Relação de Évora no processo n.º163/11.0TBFZZ.E1, datado de 11/06/2015, disponível in www.dgsi.pt e AC do STJ de processo 855/10.0TBGDM.P1.S1, datado de 11/02/2014, disponível inwww.dgsi.pt,).
Neste particular, salienta-se, aliás conforme fundamentação supra transcrita, a sentença seguiu como critério orientador não um critério puramente matemático, já que considerou “ o dano biológico como um dano de cariz eminentemente patrimonial”, sendo que “ o valor obtido tem, evidentemente, que ser temperado, de acordo com critérios de equidade e, bem assim, com o facto de a incapacidade profissional do Autor não abarcar toda e qualquer profissão”.
Dir-se-á ainda, desde já, que é de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2017, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, convém relembar que: “ O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais. É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, tem repercussões quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial. No que respeita às consequências patrimoniais, tal dano pode implicar uma concreta perda de rendimentos, como ocorrerá nas situações em que o lesado deixou de auferir um determinado montante pecuniário durante o período de tempo em que esteve incapacitado para exercer a sua atividade profissional.” (in AC. supra citado desta RG de 18.06.2020).
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos) ( neste sentido, entre outros Acórdão desta RG de 12.01.2017 e AC do STJ de 10.11.2016, in dgsi).
Ora, e nisto encontra-se a resposta à argumentação aduzida pela recorrente naquele particular: deverá ter-se em conta a esperança média de vida do lesado e não apenas a esperança de vida ativa, aliás conforme ponderado na sentença recorrida e em toda a jurisprudência desde há largos anos.
Acresce que igualmente deverá ter-se em consideração a idade do lesado à data do acidente (assim analisado na sentença) e não da alta clínica, conforme pretendido pela recorrente, não se verificando qualquer duplicação de valores ainda que tenha sido ponderado autonomamente a incapacidade para o trabalho de 815 dias.
Aliás conforme é realçado no AC desta RG de 10.09.2013: “ na análise desta indemnização, a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas, a implicar esforço ou sacrifício acrescido, não só no exercício das tarefas laborais, mas também na vida pessoal – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais – veja-se, neste sentido, Acórdão do STJ de 11/12/2012, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt. O que conduz a que não se verifique a dita acumulação de indemnizações referentes ao mesmo dano, pois o que se pretendeu ressarcir foi, “não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspectivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira capitis deminutio para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido, compensado precisamente com o arbitramento desta indemnização” – cfr. Acórdão do STJ citado.”.
Com efeito, independentemente da concreta perda de rendimentos, o dano biológico enquanto défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das atividades profissionais, tem ainda uma dupla repercussão pois, por um lado, implica um esforço acrescido que o lesado terá que despender para compensar tal défice, de modo a prosseguir uma atividade laboral e, por outro lado, implica uma limitação de oportunidades profissionais, e tudo reportado à data do acidente e não da alta clínica.
Ainda outro critério geral a ter em conta na resolução do caso concreto é o que expressivamente se lê no AC do STJ de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.: “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
Vejamos.
A sentença justificou a fixação da indemnização, em síntese, nos seguintes termos: “ dadas as dificuldades inerentes à fixação da indemnização, pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares, considerando-se a esperança média de vida, que segundo os dados do INE se situa nos 77,78 anos para o sexo masculino, tendo por base o salário mensal de 505,00 Eur. x 14 meses, (num total anual de 7.070,00 Eur.) e a sua previsível evolução, a taxa de juro aplicável a casos semelhantes, bem ainda a capacidade restante do autor, temos como razoável e adequada a fixação da indemnização global de € 340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros) para reparar os prejuízos futuros decorrentes da descrita limitação funcional, quer na vertente de perda de capacidade de ganho quer na vertente de perda genérica de potencialidades funcionais, com repercussão na esfera patrimonial do autor até ao limite da sua vida.”.

A R. recorrente entende que tal indemnização deverá ser fixada em € 140.000 o que inculca a utilização tout cout, como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, adotando uma taxa de incapacidade laboral parcial, com base na IGP (Incapacidade Geral Permanente) fixada em 51,350%.

Sem embargo, considera-se que este procedimento não pode ser aceite, sem mais.

Com efeito, a respeito, impressivamente lê-se no AC do STJ de 09/11/2017 (proc. nº 2035/11.9TJVNF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt) “ os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual poderá ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149).

No caso dos autos, recorde-se ter sido provado que o A. ficou incapaz para o exercício da profissão habitual de mecânico de automóveis. Resta-lhe a possibilidade de exercer outras atividades profissionais, desde que compatíveis com as suas qualificações, experiência, e, naturalmente, com as graves limitações funcionais inerentes à incapacidade geral de que ficou a padecer em virtude do acidente.
A fixação da indemnização não pode aqui seguir – como se faz no raciocínio da recorrente – a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.
Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido com recurso a fórmulas financeiras criadas em função de taxas de incapacidade laboral permanente que aqui não têm aplicação.

No caso dos autos relevam a idade do lesado à data do sinistro (29 anos), a esperança média de vida (77/78), a percentagem de incapacidade geral permanente (51,350%), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnico-profissional do A. lesado (neste sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citados naquele aresto supra: Ac do STJ de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 09/11/2017, proc. nº 2035/11.9TJVNF.G1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Depois, importa considerar uma outra circunstância, e esta está exposta na sentença recorrida: a da condição de deficiente do Autor (que viu nomeadamente o seu membro superior direito praticamente paralisado), e das consequências que, em termos de empregabilidade, lhe estão associadas. E passamos a citar a sentença: “ O autor sofreu e irá sofrer até ao resto dos seus dias um importante dano biológico permanente, o qual se reflete negativamente quer na sua capacidade de ganho, pois que as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício de da sua profissão habitual, quer na execução das mais diversas tarefas do quotidiano. Ademais, e embora se admita que o autor, por ser um jovem, possa dentro da sua área de preparação técnico-profissional, arranjar uma ocupação, mormente ligada à comercialização no ramo automóvel, que não implique fazer esforços ou executar tarefas físicas, na verdade, face às suas habilitações e dado o mercado de trabalho, bem como à sua capacidade restante, não será fácil lograr uma oferta de emprego ou lançar-se ele por conta própria nalguma área/actividade profissional.”

Em verdade, é preciso ter em atenção que as sequelas de que ficou a padecer o autor são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual. Ora, o lesado que se vê impedido de exercer a sua profissão habitual, está em posição de desvantagem em relação a outro que, mesmo afetado da mesma incapacidade parcial, não ficou impedido de exercer a sua profissão habitual. Por outro lado, é consabido que a taxa de desemprego do cidadão deficiente é especialmente elevada, porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional.
Na realidade, o défice funcional que vem assinalado ao Autor (51,350%) não diz tudo, só por si, em termos de prejuízo real, antes tem que ser compaginado com a repercussão da deficiência no mundo real em termos de acesso a fontes de rendimento (perda de oportunidades). E isto tem que ser levado em linha de conta para efeitos indemnizatórios.
Perante este quadro, entende-se ser de reconhecer que a situação do A. se aproximará praticamente de uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho.
Diga-se ainda que a recorrente traz à colação a comparação com outras decisões da jurisprudência para situar a indemnização que entende justa.
Sem embargo, também poder-se-á citar alguns arestos que retratam quadros próximos do caso vertente, e em que as indemnizações igualmente variam consoante as hipóteses concretas (3).
Contudo, revela-se particularmente difícil porque, diversamente do que por vezes as partes vêm invocar, tal comparação não assenta apenas na ponderação dos tradicionais fatores de idade, esperança média de vida e índice de incapacidade geral permanente, antes tem de ter em conta o supra enunciado fator da conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências de cada lesado concreto.
Apesar de encontrarmos alguns paralelismos entre alguns dos casos supra descritos na jurisprudência e o caso vertente, a verdade é que é manifesto, porém, que a gravidade das lesões do aqui A. e respetivas sequelas é muito grave de tal modo que se assemelha mais ao caso analisado no Ac do STJ de 12.03.2015 ( ainda que neste a IPP tivesse sido fixada em 73 pontos e a dos presentes autos seja de 51,350%).
Mas o que é facto, é que em ambos os casos estamos a tratar de membros superiores, ou seja, braços, e o lesado é destro, tendo ficado completamente impossibilitado de utilizar aquele membro, ou seja, trata-se de um órgão que nem sequer com próteses é facilmente colmatável ao contrário do que se passa com o membro inferior ( a amputação da perna, cuja falha mais facilmente é colmatável com uma prótese).
Assim sendo, e ainda assim consideramos que a fundamentação supra transcrita da sentença encontra-se mais proximamente alinhada com as considerações que supra fizemos em matéria dos critérios jurídicos que devem presidir à fixação da indemnização pelo dano biológico, nas várias dimensões em que o mesmo se projeta nomeadamente na que ora interessa analisar (a patrimonial), mantendo-se mais próximo do âmbito da discricionariedade concedida pela equidade.
Apenas entendemos que deverá ser corrigido com alguns elementos que a sentença parece ter subestimado naquilo que é normal ponderar-se na atribuição da indemnização por danos futuros: por um lado, a taxa de remuneração do capital, a progressão na carreira profissional e/ou o normal aumento da remuneração; por outro lado, a dedução correspondente ao benefício resultante da antecipação total do recebimento do capital ( cuja ponderação a jurisprudência oscila entre os 10% e os 33%- cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Reconstruindo, nestes termos, o juízo de equidade, ponderados todos os fatores, e admitindo que, na prática, a situação do A. se aproximará de uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho, afigura-se ser justa e adequada a fixação de uma indemnização por dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro no montante de 300.000,00 €.
Àquela quantia, como já decidido em 1ªinstância, deverão ser subtraídas as quantias já recebidas e/ou a receber entretanto pelo autor da Y, seguradora laboral, designadamente a título de pensão anual e vitalícia e diferenças salariais (mormente o valor de pensões de 13.278,29 Eur. e a diferença entre as perdas salarias ora fixadas de 20.814,53 Eur. e o valor pago no processo laboral de 11.486,93 Eur.).
Deste modo, procede parcialmente o recurso interposto pela Ré seguradora e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, em face do que acima se decidiu.
*
B- Do recurso apresentado pelo recorrente/Autor:

B.1- A sentença recorrida fixou a quantia de € 151.200,00, a título de danos patrimoniais correspondentes ao custo da contratação de terceira pessoa, pretendendo o apelante agora em alegações de recurso que a indemnização a este título seja fixada em € 248.400,00, quando na petição inicial tinha peticionado, neste particular, a quantia de € 237.562,46.
Assim sendo coloca-se a seguinte questão: deveria fixar-se o quantum indemnizatório para a necessidade de ajuda de 3ª pessoa nos moldes pretendidos pelo recorrente: pelo menos, a partir dos 32 anos de idade do recorrente à data da propositura da ação, numa quantia global de 248.400,00€ (5,00 € x 3 horas x 30 dias x 46 anos) e não apenas como se fez na sentença atendendo à idade de 50 anos até aos 78 anos?
Na sentença entendeu-se que “ Quanto à ajuda de 3.ª pessoa, terá de gastar 5,00 € por hora, com uma despesa mensal de 450,00 € (5 € x 30 dias), a multiplicar por 12 vezes por ano.
Ora, se é certo que tais ajudas lhe têm sido prestadas por familiares (mormente os pais com quem reside) e pela namorada, se estas pessoas falharem, o que se afigura natural no caso dos progenitores pois tenderão a falecer antes do autor, e quanto à namorada porque nem sempre estará disponível, já que tem a sua profissão e também a sua vida, considerando ainda que com o avançar da idade do autor, as sequelas se agravarão ao nível da mobilidade, haverá que considerar não só a esperança média de vida, fixada nos 78 anos para o sexo masculino (no último triénio de 2016/2018 divulgado pelo INE), bem como que a partir pelo menos dos seus 50 anos necessitará dessa ajuda de forma mais vincada.
Assim, e considerando o gasto anual de 5.400,00 € e pelo menos uma necessidade de ajuda por 3.º contratado (que não familiar ou cônjuge) por vinte e oito anos (entre os 50 e os 78 anos), fixa-se a este respeito a quantia global de 151.200,00 Eur. (cento e cinquenta e um mil e duzentos euros).”.
Não concordamos com esta argumentação e com este ponto de vista.
Ora, se é certo que a sentença reconhece ao autor o direito à indemnização pelo dano do auxílio de terceira pessoa, já não se compreende muito bem porque razão apenas se reconhece tal direito a partir dos 50 anos, quando porventura os pais que atualmente o ajudam deixarão de lhe prestar tal ajuda.
Com efeito, trata-se de um dano que o autor terá no futuro e tem atualmente e sempre teve desde a data do acidente de viação e apenas está atenuado com a caridade dos seus pais e namorada que o ajudam e prestam aquele auxílio de terceira pessoa e que o autor tem direito a ver-se ressarcido de outra forma.
Assim sendo e salvo o devido respeito entendemos que assiste razão ao autor, pois outros critérios de equidade e orientadores se impõe ser ponderados, nomeadamente o direito do próprio lesado à escolha de quem quer que cuide dele.
Ora, antes de mais, é importante ter presente que a assistência de terceira pessoa não se confunde com o recurso a terceiros para a satisfação de determinadas necessidades, ainda que básicas e pessoais.
Qualquer cidadão, por regra, socorre-se de outros para a satisfação de algumas dessas necessidades (alimentação, arranjo estético e deslocações, por exemplo) e, não é por isso que se conclui que está dependente da ajuda de terceira pessoa.
Essa ajuda, assim, para ser ressarcida neste plano, tem de ser exclusivamente pessoal, imprescindível, permanente e resultar de um facto danoso de terceiro, o que no caso vertente inequivocamente ocorre.
Provou-se que, desde a data do acidente, o A. tem necessidade, diariamente, pelo menos, durante cerca de 3 horas, do auxílio de terceira pessoa para executar diversas tarefas, enunciadas na factualidade provada, de índole estritamente pessoal, auxílio esse que, em parte, continua e continuará a necessitar ( facto provado nº49).
Provou-se ainda que “ Para contratar quem lhe preste serviços terá de gastar 5,00 € por hora, com uma despesa mensal de 450,00 € (5 € x 30 dias), 12 vezes por ano, tarefas até agora feitas por familiares e/ou namorada.”
Neste contexto, ponderando por um lado, a esperança média de vida do A. à data do acidente, e o facto dado como provado no ponto 71, e descontando o benefício de o apelante receber a totalidade da quantia antecipadamente ponderado nos moldes supra analisados, afigura-se mais adequada a quantia de € 237.000,00 a este título ( quantia ainda situada dentro do pedido formulado na p.i.).
Assim sendo, deverá ser revogada a decisão recorrida na parte relativa à indemnização destinada a compensar a contratação de terceira pessoa, e que se fixa em € 237.000,00.
*
B.2.
A sentença recorrida não fixou qualquer a quantia a título de danos patrimoniais correspondentes ao montante auferido pelo recorrente em atividades extra, como biscates de mecânica e eletricidade auto na residência dos pais aos fins de semana e venda de 3 veículos por ano, pretendendo o apelante agora em alegações de recurso que deveria relegar-se para liquidação de sentença tais montantes.
A recorrida entende que não foi impugnada matéria de facto a respeito, pelo que não provou o autor que de tais atividades retirava rendimentos e que devido às suas sequelas não era possível continuar com tais atividades, pelo que não tendo o autor provado a existência de danos relativos aos rendimentos “ extra” não é legalmente possível relegar para execução de sentença o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos, aliás conforme entendimento da sentença.
Na sentença, neste particular lê-se “ Não atendeu o Tribunal ao valor dos rendimentos eventualmente auferidos pelo autor, nomeadamente em biscates e compra e venda de veículos, já que com recurso à prova testemunhal não foi possível apurar em concreto quantos fins-de-semana trabalhava por ano, quantos veículos repararia ou em quantos faria mudanças de óleo, calços, etc, e quais os valores cobrados em média por tais serviços, muito menos se apurou o lucro médio obtido com a comercialização de veículos, e valor médio que assim acrescia a esse título ao salário auferido por conta de outrem, sendo certo que tais supostos e acrescidos rendimentos não eram declarados fiscalmente, o que colocou ainda o Tribunal na impossibilidade de fazer uma média do mesmo rendimento com base nesses elementos.”.
O recorrente entende que tendo logrado demonstrar que desenvolvia essas atividades, todavia não foi possível determinar quanto auferia nas mesmas, mas isso não pode significar que não se lhe arbitre uma indemnização considerando essas atividades, pelo que a julgadora ainda que não tivesse recorrido à equidade, deveria ter relegado para liquidação de sentença a determinação desse montante assim auferido.
Vejamos.
Prima facie, importa ter presente que não houve a propósito qualquer impugnação da matéria de facto, pelo que perante este contexto importa determinar se a factualidade dada como provada permitia uma condenação genérica da R. quanto àqueles alegados trabalhos “extra”.

Provou-se, no que ora interessa, o seguinte:
“ - na altura do acidente tinha 29 anos de idade, era saudável e bem constituído;
- era mecânico de automóveis, com um rendimento mensal de 505,00 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de valor não apurado;
- ao fim-de-semana fazia biscates de mecânica e electricidade em sua casa, o que lhe rendia quantia mensal não apurada;
- comprava para vender cerca de 3 veículos por ano, o que lhe rendia um rendimento anual não apurado;
- por causa do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) o autor não trabalhou mais um dia que fosse”.

E, além do mais, não se provou que:
“ 12. Por causa do acidente (das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente) até ao fim do mês de Novembro de 2018, em salários, subsídios de férias, de Natal, trabalhos extra e compra e venda de veículos, deixou de ganhar a quantia de 46.776,65 €.”.
Estes os factos provados e não provados e respeitantes aos prejuízos como causa de pedir de um tal pedido, com referência aos trabalhos extra e compra e venda de veículos que deixou de fazer em consequência do acidente e, logo, de retirar rendimento que alegadamente retirava e que deixou igualmente de ocorrer, tudo em quantias que não se apurou.
Como já tivemos oportunidade de referir, nos termos do n.º 2 do art. 609º do CPC “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida”.
É pacífico que apenas é possível remeter para liquidação em execução de sentença o montante de danos que tenham sido efetivamente provados mas cujo valor concreto não foi possível determinar.
Como expressivamente se afirmava no Acórdão do STJ de 03.12.1998, BMJ 482-180, proferido ao abrigo da anterior legislação processual, mas que se mantém plenamente válido ( e citado no Ac. do STJ de 18-09-2018 in dgsi e por sua vez citado pelo recorrente), “Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor”.
Requisito essencial para que o Tribunal possa remeter para liquidação de sentença é, pois, que se prove a existência de danos (ainda que se desconheça o seu valor).
Em suma: apenas se pode relegar para momento ulterior a liquidação dos danos e não a prova da ocorrência dos mesmos
Ora, da factualidade provada resultam provados os danos respeitantes aos trabalhos extra ( biscates de mecânica e eletricidade em sua casa, ao fim de semana e que lhe rendiam mensalmente quantia não apurada) e compra e venda de veículos ( cerca de 3 veículos por ano, o que lhe rendia um rendimento anual não apurado).
Ou seja, provaram-se os danos alegados, contudo, em relação aos seus montantes já seria necessário apurar ou liquidar em incidente de liquidação de sentença, tudo até ao limite do pedido formulado de “46.776,65 €.”.
Dito de outro modo: o que se trata aqui é da eventual quantificação (em liquidação de sentença) de algo que se provou, e não se trata da ausência de prova de qualquer prejuízo cuja quantificação se tivesse revelado, por falta de elementos, impossível fixar, conforme sustentado pela recorrida e conforme caminho trilhado na sentença.
Assiste, assim, razão ao apelante, pelo que revoga-se a sentença nesta parte e determina-se a condenação da R a pagar ao autor o que se liquidar em execução de sentença a respeito do rendimento mensal que retirava com os biscates ao fim de semana com trabalhos de mecânica e eletricidade na casa dos pais e a respeito do rendimento anual que retirava com a compra e venda de 3 carros por ano até ao limite do pedido de € 46.776, 65 e reportado ao período do acidente até ao fim do mês de Novembro de 2018 ( cfr. art. 127 da p.i).
Saliente-se que o autor não deduz pedido a respeito de tais danos em termos de danos futuros, mas apenas em termos de danos emergentes e que balizou até novembro de 2018.
Mais se consigna que apesar de o recorrente no pedido formulado no recurso- alínea b) ( último parágrafo e sem considerar sequer ser uma conclusão) se reportar a “ subsídio mensal de alimentação”, na verdade para além de nada a respeito se ter provado, igualmente nas alegações igualmente a tal questão não faz referência, pelo que crê o tribunal tratar-se de um lapso, mas e ainda assim, dir-se-á que não irá o tribunal pronunciar-se a propósito, porquanto não respeita sequer o ónus descrito no art. 640º do CPC e de que já fizemos referência no início deste acórdão.
Deste modo, procede parcialmente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, em face do que acima se decidiu, mantendo-se os demais valores não impugnados.

VI- DECISÃO:

Por tudo o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar:

A- parcialmente procedente a apelação da recorrida Seguradora, e consequentemente revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) € 20.814,53 a título de indemnização pela perda de salários (no que apenas se retifica a sentença que havia condenado no pagamento da quantia de € 20 830,22);
b) € 300.000,00 a título de indemnização pela perda de rendimentos e ganhos futuros (revogando a sentença na parte em que condenou no pagamento da quantia de € 340 000,00),
*
B) parcialmente procedente a apelação do recorrente autor, e consequentemente revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando a Ré a pagar ao Autor:
a) € 237.000,00 a título de indemnização pela contratação de terceira pessoa (revogando a sentença na parte em que condenou no pagamento da quantia de € 151 200,00);
b) a quantia que se vier a liquidar no incidente de liquidação de sentença a respeito do rendimento mensal que o autor retirava com os biscates ao fim de semana com trabalhos de mecânica e eletricidade na casa dos pais e a respeito do rendimento anual que o autor retirava com a compra e venda de 3 carros por ano até ao limite do pedido de € 46.776, 65 e reportado ao período do acidente até ao fim do mês de novembro de 2018.
*
C_- Tudo sem prejuízo da subtração das quantias já recebidas e/ou a receber, no processo de acidente de trabalho, designadamente a título de pensão anual e vitalícia e/ou salários perdidos.
- Custas da ação conforme decidido na sentença e do recurso na proporção do decaimento nos pedidos já liquidados, tudo nos termos do art. 527º do CPC, ou seja, aplicando-se o critério geral da proporção em que cada um ficou vencido nas questões suscitadas.
*
Guimarães, 06 de maio de 2021

Anizabel Sousa Pereira e
Rosália Cunha e
Lígia Venade



1. in CPC Anotado, de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol 2º, p. 490, 491
2. In “ Prova testemunhal”, Luís Pires de Sousa, 2014, p. 355 e jurisprudência ali citada na nota 733
3. Ac do STJ de 12-03-2015:relatora: Clara Sottomayor ( em causa paralisia membro superior direito+29 anos+IPP de 73%+500e/m- indemnização de 280.000€); Ac do STJ de 14-03-2019: relator Nuno Oliveira ( em causa um mecânico de 23 anos, com IPP de 10 pontos e 500 euros/m, indemnização de 175.000€); Ac do STJ de 09-01-2018-relator: José Rainho: caso eletricista, amputação da perna, 41 anos,IPP 30%, 750/m- ind. De 250.000€; AC STJ de 01-03-2018: relatora: Graça Trigo ( eletricista de3 39 anos e com uma IPP de 53% e indemnização de 400.000,00€ - todos estes acórdãos foram consultados in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/jurisprudenciatematica_danocorporal2015aoutubro2019.pdf- sumários dos acórdãos do STJ publicados on line.