Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15358/23.5T8PRT-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO DE NATUREZA COMPLEXA
LIVRANÇA
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também os títulos executivos o podem ser.
2- O título executivo é simples quando a obrigação se encontra incorporada num só documentou ou num conjunto de documentos da mesma natureza, correspondendo a quantia exequenda à soma daqueles; e é complexo quando a obrigação exija cumulativamente vários documentos para que seja demonstrada, os quais podem ser de natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para a demonstração da obrigação.
3- Verificando-se que no requerimento executivo o exequente alegou a subscrição e o aval prestado pelos executados numa livrança que não foi por eles liquidada na data do respetivo vencimento, bem como a relação subjacente, consubstanciada no incumprimento pelos mesmos de um contrato de mútuo, com fiança e hipoteca de veículo automóvel, em que um dos executados outorgou nesse contrato enquanto mutuário, e o outro enquanto fiador, e que juntou esses dois documentos em anexo ao requerimento executivo, é de concluir que o título executivo que serve de base à execução é complexo, sendo formado, integrado e complementado por ambos os documentos (livrança e contrato).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Banco 1..., CrL, instaurou, em 07/09/2023, junto do Juízo de Execução do ..., execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra EMP01..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., e AA, residente da Rua ..., ..., ... ..., pretendendo obter a cobrança coerciva da quantia global de 11.710,10 euros, a que acrescem juros de mora vincendos, a partir de 17 de agosto de 2023, no valor diário de 2,15 euros, bem como as despesas extrajudiciais, incluindo os honorários que terá de pagar ao seu mandatário.

No requerimento executivo alegou:
“Finalidade: Iniciar Novo Processo
Tribunal Competente: ... - Tribunal Judicial da Comarca do ...
Espécie:     Execução Sumária (Ag. Execução)
Valor da Execução: 11 710,10 € (Onze Mil Setecentos e Dez Euros e Dez Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Livrança
I – FACTOS
a - origem e montante do crédito da exequente
a.1 - o contrato de mútuo com aval e hipoteca de veículo n.º ...31
1.º
Em ../../2020, pelo contrato em título, a exequente concedeu à executada sociedade, a sua solicitação e no seu interesse, um empréstimo no montante de € 12.000,00 (doze mil euros) - cfr. doc. n.º 1 junto
2.º
Nesse contrato outorgou também o executado AA, na qualidade de avalista, assumindo-se responsável perante a exequente pelo pagamento da dívida, em caso de incumprimento por parte da executada mutuária.
3.º
Exequente e executados consignaram nesse contrato, em suma, o seguinte:
a - a exequente concedeu à executada mutuária, a seu pedido e no seu interesse, um empréstimo no montante € 12.000,00
b - o empréstimo era concedido pelo prazo de 48 (quarenta e oito) meses
c - o empréstimo seria reembolsado em 48 prestações mensais, sucessivas e constantes, vencendo-se a primeira no dia 23 de agosto de 2020 e cada uma das restantes em igual dia de cada mês subsequente
d - o capital mutuado vencia juros à taxa anual nominal de 4,75%, contados dia a dia, em períodos mensais e postecipados, vencendo-se a primeira prestação no dia 23 de agosto de 2020 e cada uma das restantes em igual dia de cada mês subsequente
e - as prestações de capital, de juros e demais obrigações eram exigíveis e deveriam ser pagas nas datas dos respetivos vencimentos, independentemente de qualquer aviso ou interpelação para o efeito
f - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, acresceria à taxa referida a sobretaxa de 3% sobre as quantias em dívida e pelo tempo em mora
g - o incumprimento de qualquer obrigação bem como a diminuição da solvência da mutuária importaria o vencimento antecipado e a exigibilidade de todas as demais prestações e obrigações de capital e juro
j - o executado AA assumiu-se responsável perante a exequente, na qualidade de avalista, pelo pagamento da dívida, em caso de incumprimento por parte da executada mutuária - cfr. doc. n.º 1 já junto
4.º
Exequente e executados consignaram nesse documento, também quanto a juros, mais o seguinte:
a - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação ou obrigação seriam devidos juros moratórios, à taxa nominal aplicável, acrescida de 3 pontos percentuais
b - a exequente poderia capitalizar os juros remuneratórios correspondentes a períodos não inferiores a 1 mês, ou caso houvesse carência de pagamento de juros correspondentes a períodos não inferiores a 3 meses, adicionando-os ao capital em dívida, para seguirem o regime deste
c - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação, a acrescer à referida sobretaxa de juros moratórios, a exequente poderia, querendo, cobrar a comissão de recuperação de valores em dívida, a qual não poderia exceder os 4%
5.º
Exequente e executados consignaram nesse documento, quanto a comissões e encargos, mais o seguinte:
a - no empréstimo e pelas operações e atos processados ao abrigo do contrato, incidem as comissões e encargos da “tabela de preçário” da exequente
6.º
Exequente e executados consignaram ainda nesse contrato, que estes se obrigavam a pagar as despesas, judiciais e extrajudiciais, que aquela suportasse, incluindo as com honorários de advogados, para reaver o seu crédito.
7.º
Bem como a pagar os impostos e as despesas inerentes ao empréstimo, livrança, garantias e registo associados ao crédito.
8.º
Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato, foi entregue à exequente uma livrança em branco, subscrita pela gerência da mutuária e avalizada pelo executado AA - cfr. doc. n.º 2 junto
9.º
Sendo que, ficou desde logo estipulado que, em caso de incumprimento, a exequente ficaria autorizada a completar o preenchimento da referida livrança pelo valor em dívida.
10.º
O bom e integral cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato, designadamente, reembolso de capital, pagamento de juros, comissões, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos, ficou ainda garantido por hipoteca sobre o seguinte bem móvel:
- veículo automóvel, marca ...”, modelo ..., matrícula “..-RL-..”, cilindrada 1499cc
11.º
Sucede que, nem a executada sociedade, nem o executado avalista pagaram à exequente a prestação do empréstimo que se venceu em 23 de julho de 2021.
12.º
Nem qualquer outra que se tenha vencido posteriormente.
13.º
A exequente, face a tal incumprimento, remeteu aos executados, decorridos 15, 30 e mais dias subsequentes àquela data, avisos sucessivos por escrito, alertando-os para tal incumprimento e consequente vencimento de todo o crédito.
14.º
Contudo, os executados mantiveram o incumprimento, apesar de tais advertências.
15.º
A exequente considerou então vencido todo o empréstimo e encargos acessórios.
16.º
Assim, os executados deviam à exequente, no dia 21 de junho de 2023, os seguintes valores:
a - € 9.446,23 de capital em dívida
b - € 659,58 de juros em atraso
c - € 456,69 de juros de mora sobre o capital
d - € 56,26 de juros de mora sobre juros
e - € 831,00 de comissões
f - € 137,79 de imposto de selo - cf. doc. n.º 3 junto
17.º
Ou seja, € 11.587,55 (onze mil, quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos) - cfr. doc. n.º 3 já junto
18.º
O total referido no ponto anterior é acrescido do juro de mora, no valor diário de € 2,15 (dois euros e quinze cêntimos) até efetivo pagamento.
19.º
O que eleva o montante da dívida, em 17 de agosto de 2023, para o total de € 11.710,10 (onze mil, setecentos e dez euros e dez cêntimos).
20.º
Sobre o montante referido no ponto anterior continuam a vencer-se juros até efetivo pagamento.
b - despesas extrajudiciais
21.º
Os executados obrigaram-se, expressamente, em caso de incumprimento, a reembolsar a exequente das despesas que esta tivesse de suportar com a recuperação do seu crédito.
22.º
As despesas judiciais incluem a taxa de justiça e os demais encargos com o(s) processo(s) que a exequente se vir forçada a suportar para recuperar o seu crédito.
23.º
Por outro lado, nas despesas extrajudiciais incluem-se os honorários que a exequente está obrigada a pagar ao advogado constituído para efeitos da recuperação do seu crédito.
24.º
Bem como, em concreto e entre o mais, para instaurar a presente execução e acompanhar até final o processo e seus eventuais apensos.
25.º
Os honorários do advogado constituído pela exequente para efeito, entre outros, deste processo de execução, representam uma despesa que a mesma é forçada a suportar para recuperar o seu crédito.
26.º
Os executados, aquando da concessão do crédito referido, aceitaram expressamente suportar essas despesas, caso as mesmas fossem necessárias para a exequente recuperar o seu crédito.
27.º
A aceitação pelos executados dessa condição foi essencial para a exequente conceder o empréstimo em causa à executada sociedade.
28.º
Por seu turno, os honorários de advogado decorrem de um incumprimento que a exequente não podia prever, nem pode suportar.
29.º
De resto um tal incumprimento é da responsabilidade dos executados e, por isso, a exequente nunca poderia ser responsabilizada pelo seu efeito.
30.º
No dia de hoje, não existe forma de prever concretamente quais os serviços e despesas do mandatário da exequente que a mesma terá de suportar até final da presente execução ou na recuperação do seu crédito.
31.º
Por isso, a final da presente execução, o mandatário da exequente apresentará a sua nota de honorários, que deve ser notificada aos executados, fixando então o tribunal com prudente arbítrio o valor devido, a incluir na nota de liquidação da execução.

II – DIREITO
32.º
Os documentos juntos constituem títulos executivos e as partes são legítimas - vd. als. b), c) e d) do art.º 703.º do CPC e art.º 33.º do Dec. Lei n.º 142/2009 de 16 de junho e art.º 53.º CPC
33.º
Os juros remuneratórios foram calculados de acordo com as normas legais aplicáveis - vd. DL n.º 88/2008 de 29 de maio e DL n.º 133/2009 de 2 de junho
34.º
O imposto de selo foi apurado de acordo com a tabela geral do imposto de selo - vd. pontos 17.3.1 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo regulada no Código Imposto Selo
35.º
O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada - vd. art.º 32.º da LULL
36.º
A hipoteca confere à exequente o direito de ser paga pelo valor de certas coisas pertencentes aos executados com preferência sobre os demais credores - vd. art.º 686.º CC
37.º
O processo sumário para pagamento de quantia certa emprega-se nas execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca - vd. al. c), n.º 2, art.º 550.º CPC
38.º
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, pelo que, os executados são responsáveis pelo pagamento dos honorários do mandatário da exequente e o respetivo valor pode ser reclamado no próprio processo- vd. art.º 406.º CC
- vd. Ac. TRP de 01.03.2011 proc. 101/07.4TBMGD-B.P1
- vd. Ac. TRG de 05.12.2019 proc. n.º 1866/19.6T8VCT-A.G1
39.º
Na fixação do valor devido a título de honorários deve ter-se em conta a importância do serviço, a recuperação do crédito, o tempo despendido até ao final do processo, a responsabilidade assumida pelo advogado e os usos profissionais - vd. n.º 3 art.º 105.º EOA
40.º
A obrigação de pagamento dos executados é certa, líquida e exigível - vd. art.º 713.º do CPC
NOS TERMOS E PELO EXPOSTO DEVE:
a - efetuar-se a penhora dos bens nomeados antes da citação dos executados b - citar-se de seguida os executados para, no prazo de 20 dias, pagarem: - o total já apurado no ponto 19.º deste requerimento executivo
- os juros que se vencerem no valor diário indicado
- os honorários do mandatário da exequente a apurar a final, conforme referido em 21.º a 31.º deste requerimento executivo
- os honorários e encargos da agente de execução, bem como as despesas judiciais e extrajudiciais que a exequente tiver de suportar na recuperação do seu crédito, conforme referido em 21.º a 31.º deste requerimento executivo
c - ou, querendo e se para tal tiverem fundamento, deduzir embargos de executado ou oposição à execução.

Juntou em anexo ao requerimento executivo dois documentos:
- Um, intitulado de “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca de Veículo Automóvel”, onde figuram: como “Primeira Contraente” a Banco 1..., CRL; como “Segunda Contraente – Mutuária” EMP01... – Instalações Especiais, Unipessoal, Lda.”, e como “Terceiros Contraentes – Garantes” AA, o qual se encontrada datado de 23/07/2020, e onde se encontram apostas as assinaturas relativas aos três outorgantes, tendo as assinaturas de AA que se encontram nele apostas, por si e na qualidade de único sócio e gerente e em representação da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda.”, sido autenticadas por termo de autenticação lavrado em 24 de julho de 2020, no Cartório Notarial a cargo da notária BB, sito na Rua ..., ..., ..., ...; e
- outro, uma livrança, titulando a quantia de 11.529,90 euros, com data de vencimento em 21/06/2021, em que figura como beneficiária a Banco 1..., como subscritora EMP01..., Unipessoal, Lda., e em cujo verso se encontra aposta a assinatura como sendo da autoria de AA, sob a expressão: “Bom para Aval”.

Por despacho liminar de 06/12/2023, o Juízo de Execução do ... declarou procedente a exceção dilatória de incompetência, em razão do território, daquele tribunal para tramitar a execução e ordenou, após trânsito, a remessa dos autos para o Juízo de Execução de ..., por ser o territorialmente competente.
E por despacho liminar de 06/02/2024, o Juízo de Execução de ... julgou ocorrer erro na forma de processo e ordenou que a execução prosseguisse os seus termos sob a forma de processo ordinário, constando esse despacho do seguinte teor (que aqui se reproduz ipsis verbis):
“Banco 1..., Crl veio intentar contra EMP01..., Unipessoal, Lda. e AA, todos com os demais sinais nos autos, a presente execução para pagamento de quantia certa, empregando-lhe a forma de processo sumário.
Apresenta como título executivo uma livrança.
Cumpre apreciar e decidir sobre a forma de processo comum
Esclarece o artigo 550º do C.P.C. o domínio de aplicação das diferentes formas do processo comum, na fase executiva.
Assim, dita o n.º 2, que é empregue o processo sumário nas execuções baseadas: … “d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância”.
Fora dos casos previstos no artigo 550.º, n.º 2, do C.P.C., aplica-se a forma de processo ordinário.
Deste modo, resulta evidente que tendo em consideração o título executivo em que assenta a presente execução (que é a livrança e não outro) e o valor da ação, a mesma deveria ser tramitada sob a forma ordinária e não sumária.
Este facto configura a presença de um erro na forma do processo, o qual consubstancia uma nulidade processual – cfr. artigo 193º, do C.P.C.
A nulidade em apreço é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 196º, do Código Processo Civil.
O momento do conhecimento da mesma, de acordo com o preceituado no artigo 200º, n.º 2, do Código Processo Civil é o da prolação do despacho saneador se antes o juiz a não houver apreciado.
Caso inexista saneador, a nulidade pode ser apreciada até à sentença final.
Significa o mesmo que, sendo de conhecimento oficioso e atendendo ao princípio da economia processual, o juiz deve dela conhecer, logo que a detete, por ser esta a posição mais benéfica para a celeridade e eficácia processual.
Por seu turno, dispõe o artigo 193º, do Código Processo Civil, como manifestação do princípio da adequação formal, que tal nulidade importa a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida por lei.
Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (cfr. nº 2 do mencionado art.º 193º).
No caso dos autos, uma vez que ainda não foi praticado qualquer ato, a nulidade em apreço não determinou a diminuição de qualquer garantia do executado.
Face ao exposto, não haverá lugar à nulidade de qualquer dos atos praticados após o requerimento executivo, aproveitando-se todos eles.
De acordo com o princípio da causalidade previsto no artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, deve o exequente ser condenado em custas do incidente, fixando em 1 (uma) UC a taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, n.º 3 do R.C.P. e Tabela II que integra tal regulamento.

Em conformidade com o supra exposto:
a) determino que a execução siga a forma de processo ordinário;
b) aproveitar todos os atos praticados;
c) condenar o exequente nas custas do incidente, que fixo em 1 UC.
*
Proceda-se à retificação na distribuição e autuação”.

Inconformada com o decidido, a exequente interpôs recurso do despacho acabado de transcrever, em que formulou as seguintes conclusões:

1.ª- Em 07.09.2023 a recorrente instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa contra “EMP01..., Unipessoal, Lda.” e AA, tendo por base o contrato de mútuo com aval e hipoteca de veículo que, em 23.07.2020, concedeu à executada sociedade, e ainda a livrança que lhe foi entregue para garantia do cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato.
2.ª- Um tal contrato de mútuo constitui documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva e, por isso, não pode deixar de ser considerado como tal - cfr. al. d) n.º 1 art.º 703.º CPC e art.º 33.º, n.º 1 do D.L. n.º 142/2009 de 16.06.2009
3ª- Nessa medida, uma vez que a exequente, ora recorrente, apresentou como título executivo quer o aludido contrato de mútuo, quer a livrança referida, são esses dois títulos que devem ser tidos em consideração pelo Tribunal - cfr. als. c) e d) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC
4.ª- O Tribunal a quo, porém, consignou/ decidiu que apenas há um título executivo – a livrança – quando, como exposto, a exequente manifestamente apresentou também como título executivo o já mencionado contrato de mútuo com aval e hipoteca de veículo e do qual não prescindiu, nem prescinde.
5.ª- Uma tal decisão da Mm.ª Juiz a quo tem importantes reflexos e consequências no desenrolar da presente execução, designadamente porque a cobrança de alguns valores por parte da exequente decorre precisamente desse contrato de mútuo (v.g, os juros de mora que se forem vencendo até efetivo pagamento, bem como as despesas judiciais e extrajudiciais suportadas pela exequente), podendo por isso conduzir a um impedimento da reclamação de tais valores a que a exequente legitimamente tem direito e peticionou e traduzir por isso um prejuízo efetivo para a exequente, o que não pode de todo aceitar-se.
6.ª - Impõe-se, pois, em conformidade com os títulos executivos que efetivamente foram dado à presente execução, revogar o douto despacho proferido, na parte em que consigna apresenta como título executivo uma livrança” e” Deste modo, resulta evidente que tendo em consideração o título executivo em que assente a presente execução ( que é a Livrança e não outro) ..”, substituindo-o por outro em que, nessa parte, se decida que a exequente apresenta como título executivo uma livrança e um contrato de mútuo com aval e hipoteca de veículo”.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, o que não foi objeto de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho recorrido (em que se julgou que o título executivo que serve de suporte à presente execução é a livrança junta pela exequente (recorrente) em anexo ao requerimento executivo) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar que o título executivo que serve de base à presente execução é integrado pela livrança e pelo contrato de mútuo, com aval e hipoteca de veículo automóvel, juntos pela recorrente em anexo ao requerimento executivo.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para apreciar a questão decidenda no presente recurso são os que constam do «Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A recorrente (exequente) instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa sob a forma sumária indicando expressamente no requerimento executivo que a execução que instaurou tinha como título executivo a “livrança”.
No despacho recorrido a 1ª Instância considerou que, tendo a execução como título executivo a “livrança” junta pela recorrente em anexo ao requerimento executivo, e excedendo a quantia por ela titulada o dobro da alçada do tribunal da 1ª Instância (10.000,00 euros), a forma processual adequada para a presente execução não era a que vem indicada pela recorrente (sumária), mas, nos termos do disposto no art. 550º, n.º 2, al. d), a contrario, do CPC, a ordinária e, em consequência, julgou ocorrer erro na forma de processo e ordenou que a execução passasse a correr termos sob a forma ordinária.
A recorrente conformou-se com o segmento da decisão recorrida em que se julgou existir erro na forma de processo e, em consequência, se determinou que a execução seguisse a forma ordinária, mas não se conforma com o segmento daquela em que se decidiu que o título executivo em que se ancora a execução é apenas constituído pela livrança, imputando ao assim decidido erro de direito, sustentando que, contrariamente ao considerado pelo julgador a quo, a execução que instaurou “apresenta como título executivo uma livrança e um contrato de mútuo com aval e hipoteca de veículo”, pelo que urge verificar se assim é.
Como é sabido, dizem-se ações executivas aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (art. 10º, n.º 5 do CPC, a que se reportam todas as disposições que se passam a citar, sem menção em contrária), a qual pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (n.º 6 do art. 10º).
Acresce que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites subjetivos e objetivo da ação executiva (art. 10º, n.º 4 e 53º a 55º).
O título executivo é, portanto, a peça necessária e suficiente à instauração da ação executiva, ou dito, de outra forma, constitui pressuposto ou condição geral de qualquer execução, uma vez que a ação executiva pressupõe logicamente “a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo”. E essa solução ou acertamento, “que é o ponto de chegada da ação declarativa”, é feito pelo título executivo, o qual constitui o seu ponto de partida[2].
Daí que o título executivo “constitua o pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza suficiente para constituir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor[3].
Como impressivamente se escreve no acórdão do STJ., de 19/02/2009, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coativamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[4].
Logo, o título executivo não se confunde com a obrigação exequenda, na medida em que aquele é o documento, judicial ou extrajudicial, que incorpora e demonstra a obrigação, a qual corresponde à prestação que, de acordo com o teor do título executivo é devida ao credor, podendo tratar-se de um direito de crédito, um direito real ou um direito pessoal.
Acresce que o título executivo também não se confunde com a causa de pedir na ação executiva, pois esta é o facto constitutivo da obrigação (do direito exequendo) e da sua exigibilidade, sendo, portanto, a causa de pedir na execução integrada pelos factos principais relativos à aquisição do direito incorporado e demonstrado no título executivo e pelos factos complementares demonstrativos da sua exigibilidade, sendo, as mais das vezes, essa causa de pedir complexa, enquanto o título executivo é o documento que incorpora e demonstra a obrigação[5].
Na verdade, “os títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatório especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador. O título é constitutivo da relação obrigacional, quando a obrigação tem no ato documentado a sua fonte, como sucede com a escritura de venda de um imóvel, na qual o vendedor se obriga a entregar o prédio e o comprador a pagar determinado preço. Será certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro ato, o título apenas confirma a existência dela, como sucede com a sentença de condenação, que dá por existente a dívida que o réu afirmava ter-se extinguido por pagamento, dação em cumprimentou ou compensação. O título executivo reside no documento e não no ato documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades por ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o ato documentado subsista, quer não)”[6].
No âmbito da lei adjetiva civil nacional, conforme resulta do que se vem dizendo, vigora os princípios da legalidade e da tipicidade dos títulos executivos, por força dos quais são apenas títulos executivos os que se encontram tipificados na lei processual civil como tal, mais concretamente, no art. 703º, apenas podendo estes servir da base a um processo executivo.
Assim, textua aquele art. 703º, n.º 1 que às execuções apenas podem servir de base: a) as sentenças condenatórias; b) os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; e d) os documentos a que, disposição especial seja atribuída força executiva, acrescentando-se no seu n.º 2 que se considera, abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.
Na sequência do que se vem dizendo, designadamente a propósito da definição de título executivo certificativo, impõe-se enfatizar que da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser.
Os títulos executivos são simples “quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza (de que constitui exemplo ilustrativo a execução fundada em várias letras de câmbio ou cheques, situação em cada um dos títulos incorpora uma das prestações exequendas e todas eles juntos titulam a globalidade do crédito exequente), e são complexos quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para a demonstração do crédito exequendo”[7].
Assentes nas premissas que se vem enunciando, revertendo ao caso dos autos, verifica-se que apesar da recorrente ter expressamente referido no requerimento executivo que o título executivo que serve de base à presente execução é a livrança que junta em anexo a esse requerimento (a qual se mostra subscrita pela executada EMP01..., Unipessoal, Lda. e avalizada pelo executado AA), basta proceder à leitura do teor do mesmo para se constatar de forma linear que, para além daquele título de crédito simples ( que é livrança, a qual, dadas as características da incorporação, da literalidade e da autonomia, fazem com que, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 703º, a lei processual civil lhe reconheça de per se a natureza de título executivo), invocou igualmente a relação subjacente (causa debendi) à obrigação cartular incorporada naquela, invocando que o crédito nela incorporado emerge de um contrato de mútuo, com aval e hipoteca de veículo automóvel, celebrado em ../../2020, mediante o qual, a solicitação e no interesse  da sociedade executada EMP01..., Lda. lhe emprestou a quantia de 12.000,00 euros, a uma taxa de juro nominal anual de 4,75%, contados dia a dia, obrigando-se esta a restituir-lhe esse quantia, acrescida dos juros acordados em 48 prestações mensais, sucessivas e constantes, vencendo-se a primeira em 23 de agosto de 2020, e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, e em que convencionaram que, em caso de incumprimento de qualquer uma dessas prestações se venceriam todas as prestações que se encontrassem em dívida, acrescendo à taxa de juro de mora, à taxa nominal aplicável, uma sobretaxa de 3%, bem como os restantes encargos que alega encontrarem-se previstos nesse contrato, incluindo honorários a liquidar ao seu mandatário, e onde o executado AA outorgou nesse contrato enquanto fiador, tendo como garantia das obrigações nele assumidas pela sociedade mutuária, esta constituído uma hipoteca a favor da recorrente sobre um veículo automóvel e subscrito uma livrança em branco, avalizada pelo executado AA, autorizando-a ambos que a preenchesse pelo valor em dívida. E, assim como fez com a livrança, a recorrente também juntou aquele contrato de mútuo aos autos em anexo ao requerimento executivo.
Não obstante o identificado contrato de mútuo (tal como a livrança) também constitua de per se título executivo à luz do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 703º, na medida em que as assinaturas de AA que nele se encontram apostas, enquanto legal representante da sociedade mutuária e enquanto fiador, se encontram autenticadas por notário e nele aquele e a sociedade devedora reconhecem a dívida que decorre do contrato de mútuo, é apodítico que a exequente não alegou nem juntou aos autos  o identificado contrato de mútuo enquanto título executivo, distinto da livrança, nem faria qualquer sentido que o fizesse, uma vez que a livrança, enquanto título de cambiário consubstancia um título executivo autossuficiente para suportar uma execução.  
Ao assim proceder, é indiscutível que o recorrente alegou, em sede de requerimento executivo, o clausulado nesse contrato e o seu incumprimento pelos executados (mutuária e fiador) e juntou-o em anexo a esse requerimento com a livrança como complemento desta. Visou com esse procedimento não só afirmar a sua legitimidade na deduzida ação executiva, como para fazer valer a garantia conferida pela hipoteca constituída sobre o veículo automóvel e garantir o pagamento da sobretaxa quanto aos juros de mora e demais prestações previstas no contrato, incluindo as comissões e as despesas de honorários com o seu advogado, para o que a livrança não constitui título executivo suficiente.
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, livrança e o  contrato de mútuo, com aval e hipoteca de veículo automóvel, formam um todo incindível, isto é, constituem um único título executivo, de natureza complexa, sendo ambos que, assim, na sua complementaridade formam o título executivo que confere à exequente o direito a cobrar coercivamente dos executados EMP01... e AA as quantias cujo pagamento deles reclama[8].
Decorre do que excurso antecedente que, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, e tal como vem propugnado pela recorrente, o título executivo que serve de base à presente execução é complexo, sendo integrado pela livrança e pelo contrato de mútuo, com aval e hipoteca de veículo automóvel, juntos pela recorrente em anexo ao requerimento executivo, impondo-se, em consequência, julgar o presente recurso procedente, revogar a decisão recorrida e declarar que o título executivo e integrado pela identificada livrança e contrato de mútuo.
Nos termos do art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidente ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dada causa ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
O despacho recorrido foi proferido oficiosamente, em sede liminar, pelo tribunal recorrido, e os executados (recorridos) não contra-alegaram, pelo que nele não existem “vencidos”. Daí que as custas do recurso tenham de ficar a cargo da recorrente atento o critério do “proveito”.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
1- Da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também os títulos executivos o podem ser.
2- O título executivo é simples quando a obrigação se encontra incorporada num só documentou ou num conjunto de documentos da mesma natureza, correspondendo a quantia exequenda à soma daqueles; e é complexo quando a obrigação exija cumulativamente vários documentos para que seja demonstrada, os quais podem ser de natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para a demonstração da obrigação.
3- Verificando-se que no requerimento executivo o exequente alegou a subscrição e o aval prestado pelos executados numa livrança que não foi por eles liquidada na data do respetivo vencimento, bem como a relação subjacente, consubstanciada no incumprimento pelos mesmos de um contrato de mútuo, com fiança e hipoteca de veículo automóvel, em que um dos executados outorgou nesse contrato enquanto mutuário, e o outro enquanto fiador, e que juntou esses dois documentos em anexo ao requerimento executivo, é de concluir que o título executivo que serve de base à execução é complexo, sendo formado, integrado e complementado por ambos os documentos (livrança e contrato).
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam, em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido no segmento em que se julgou que o título executivo que serve de base à presente execução é a livrança, junta em anexo ao requerimento executivo, e substituem-no por outro em que julgam que o título executivo que serve de base à execução é complexo, sendo constituído, integrado e complementado pela livrança e pelo contrato de mútuo, com aval e hipoteca de veículo automóvel, juntos em anexo ao requerimento executivo.
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Custas do recurso pela recorrente atento o critério do “proveito” (art. 527º, n.º 1, parte final, do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 27 de junho de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Pedro Maurício – 1º Adjunto
Alexandra Maria Viana Parente Lopes – 2ª Adjunta



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Lebre de Freitas, “A Ação Executiva À Luz do Código De Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs. 24, 25 e 42.
[3] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 54 e 55.
[4] Ac. STJ., de 19/02/2009, Proc. 07B4427, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar, sem menção em contrário.
[5] Rui Pinto, “A Ação Executiva”, 2018, AAFDL Editora, págs. 56 a 57; onde expende que: “O título executivo é apenas um documento, i.e., a forma – legal ou voluntária – de um facto jurídico. Esse facto jurídico é o facto de aquisição pelo exequente de um direito a uma prestação. E até pode suceder que o mesmo facto de aquisição esteja titulado de modo múltiplo – por ex., em reconhecimento de divida (cfr. artigo 458º, n.º 1 CC e artigo 703º, n.º 1, al. b)) e em sentença condenatória (cfr. artigos 10º, n.º 3, al. b) e 703º, n.º 1, al. a)). (…). A causa de pedir não se confunde com o título – é a obrigação exequenda; o título não só a incorpora como a demonstra, mas não é a obrigação exequenda. Mais, rectius: a causa de pedir não é a obrigação em si mesmo, mas o correlativo facto aquisitivo do direito ou poder à prestação, seja ele um direito de crédito, um direto real, ou um direito real – v.g., o contrato, os pressupostos da responsabilidade civil, a ingerência no exercício de direito de propriedade. É esse o facto jurídico que deve decorrer do título. Mas a causa de pedir não integra apenas a constituição do direito ou poder na esfera do credor. Sem dúvida que esse é o facto principal, mas devem ser-lhe associados os factos complementares de exigibilidade da obrigação, exigida pelo artigo 713º, entre outros preceitos, e, subentendida no art. 817º do CC”. Conclui: “Em suma: a lei exige que o credor demonstre por meio do título a existência da obrigação (reconhecida ou constituída pelo título), nos termos do artigo 703º, e que a obrigação é exigível, conforme o artigo 713º, mesmo que o não seja em face do título. Dito por outras palavras, a causa de pedir da execução comporta factos principais (atinentes à aquisição do direito) e factos complementares (atinentes à exigibilidade), podendo ser definida como os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível. Portanto, a causa de pedir da ação executiva é, as mais das vezes, complexa comportando factos principais e factos complementares”.
No mesmo sentido, na jurisprudência: Acs. STJ., de 05/05/2011, Proc. 5652/ 18/1/2000, Proc. 99A1037, R.L., de 29/01/1991, Proc. 0039081.
[6] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 78 e 79; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, que, na mesma linha dos autores acabados de citar, escreve que os títulos executivos “são documentos de atos constitutivos ou certificativos de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base a processo executivo; documentos que, no dizer dos antigos, têm execução aparelhada (parata executio). É questionado entre os autores o ponto de saber se o título executivo verdadeiramente é o próprio documento ou é antes o ato documentado “, concluindo: “parece que, rigorosamente, o titulo é o próprio documento”.
[7] Acs. STJ., de 05/05/2011, Proc. 5652/9.3TBBRG.P1.S1; R.E., de 16/05/2019, Proc. 882/17.7T8ENT-A.E1.
[8] Ac., R.E., de 16/05/2019, Proc. 882/17.7T8ENT-A.E1, já antes citado, que aqui seguimos de perto.