Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS ALEGAÇÃO DE CULPA DO EMPREGADOR | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
Sumário: | Não se descortina no regime de responsabilidade agravada do empregador (18º LAT) violação de princípio constitucional da igualdade e do direito a assistência e justa reparação dos trabalhadores quando vitimas de acidente de trabalho, ao invés, aquele permite aos trabalhadores a demanda no foro laboral do empregador por todos os danos sofridos. O recorrente não alegou na petição inicial qualquer facto em que atribuísse ao empregador a culpa na produção do acidente, pelo que não há que censurar a decisão proferida no despacho saneador de absolvição das RR do pedido de condenação em danos não patrimoniais. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Nesta acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA e entidades responsáveis “EMP01..., Lda” e “EMP02... – Companhia de Seguros, S.A.”, apelou o sinistrado do despacho saneador na parte em que se decidiu absolver as RR do pedido indemnizatório referente a danos não patrimoniais. Na decisão recorrida fundamentou-se que: “o A., simplesmente, não alega qualquer factualidade da qual se possa concluir que houve, por parte da entidade empregadora, um comportamento que, em termos de causalidade adequada, tenha dado origem ao acidente. Ou seja, não diz em concreto que normas de segurança deveriam ter sido observadas pela entidade empregadora que obstassem à queda ou em que medida a formação profissional teria obstado a esse resultado. ...aliás, que o A. em momento algum da fase conciliatória veio suscitar a questão da violação de regras de segurança por parte da R. patronal e que, a fazê-lo aqui de forma válida, obrigaria o processo a regressar a essa fase conciliatória. Sublinhe-se este aspecto: a fase contenciosa dos processos de acidente de trabalho destinam-se apenas e tão-só a dirimir as questões já suscitadas na fase conciliatória e relativamente às quais não houve aí acordo. Dito de forma mais clara, em lado algum o A. alega ter existido algum comportamento culposo – negligente ou doloso – de quem quer que seja, mormente da sua entidade patronal, que tenha sido causa do seu sinistro e, por conseguinte, gerador da responsabilidade de indemnizar que abarcaria aqueles danos. “ O motivo do prosseguimento da acção para a fase contenciosa centrou-se no facto de a seguradora não ter aceite a caracterização do acidente como sendo de trabalho. Já a ré empregadora aceitou que ocorreu um acidente de trabalho, bem como a sua coresponsabilidade relativamente à parte do vencimento não transferida. Na petição inicial o autor descreve o acidente referindo, em síntese, que entre abril e julho de 2021, quando se encontrava a realizar trabalho de pedreiro na reconstrução de uma casa caiu de cima de duas vigas a uma altura de 2 m de que lhe resultaram lesões; quanto ao pedido de danos não patrimoniais alega que: “21) O Autor era uma pessoa saudável que tinha alegria de viver; 22) Após o acidente tornou-se pessoa triste, amargurada e infeliz; 23) Após o acidente de trabalho o Autor ganhou peso porque não podia realizar exercícios físicos regulares; 24) O que antes realizava; 25) O que afetou gravemente o convívio com familiares e amigos. 26) De tudo que fica atrás descrito é forçoso concluir que o Autor ainda não conseguiu superar o grave acidente de trabalho sofrido. 27) Os danos morais são graves e merecem a tutela do direito. 28) Os referidos danos morais devem ser indenizados em valor nunca inferior a € 30.000,00.” FUNDAMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO SINISTRAD- CONCLUSÕES: 1) O recorrente alegou diversos factos que originam os danos morais peticionados no requerimento inicial, nomeadamente o enorme sofrimento vivido pelo mesmo. 2) O recorrente entende que os referidos factos iriam ser comprovados em sede audiência de julgamento. 3) O Tribunal a quo não pode absolver as recorridas do pedido feito em sede de danos morais sem analisar a prova que irá ser produzida em audiência de julgamento. 4) Além disso o recorrente entende que o artigo 18 da LAT que restringe as situações em que podem ser exigidos danos morais em sede de processo de acidente do trabalho viola os princípios constitucionais da igualdade, nem da justa reparação, previstos nos artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa. 5) O referido artigo não pode ser aplicado por ser inconstitucional, pelo que o pedido indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais realizado pelo recorrente deve ser admitido e analisado após a prova realizada em audiência de julgamento. 6) Sendo assim aplicável o disposto na lei civil, nomeadamente o artigo 496 do Código Civil. 7) A douta decisão recorrida violou os artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa e o artigo 496 do Código Civil. Nestes termos revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo por outra que aprecie o que fica atrás exposto..” CONTRA-ALEGAÇÕES: não constam. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO - sustenta-se que deve ser negado provimento à apelação. RESPOSTA - o recorrente reitera o conteúdo das alegações. O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR [1]: saber se é correcta a absolvição das rés do pedido de condenação em danos não patrimoniais. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: FACTUALIDADE PROVADA - A que consta do relatório. B ) ABSOLVIÇÃO DAS RR DO PEDIDO DE CONDENAÇAO EM DANOS NÃO PATRIMONIAIS O recorrente sustenta que os autos deveriam prosseguir a fim de lhe ser permitida a prova dos elementos necessários à procedência do pedido. A questão colocada é simples e resolve-se do seguinte modo: O regime regra de reparação de acidentes de trabalho assenta no risco da actividade, o que significa que este corre por conta da entidade empregadora, obrigada a transferir a respectiva responsabilidade para entidades autorizadas a realizar seguro - 79º Lei 98/2009, de 4-089, doravante LAT. Quer isto dizer que se estabeleceu uma responsabilidade civil objectiva que prescinde da culpa do empregador ou de outrém, instituindo-se a obrigatoriedade do seguro privado- em detrimento da opção de outros países que integrarem este regime na segurança social. Visa-se com este sistema garantir a protecção do trabalhador - privado da sua capacidade de ganho/trabalho -, ainda que a culpa não seja atribuível a alguém, pelo que, por razões de reconhecido interesse público e social, faz-se recair a responsabilidade pela reparação sobre quem detém a autoridade, organiza e desenvolve a actividade e dela mais beneficia. Note-se que, ao contrário do que parecer entender o recorrente, esta é uma protecção acrescida e não diminuída. É que, na sua falta, o trabalhador não teria protecção. Recorda-se o simples, do qual tantas vezes nos esquecemos, de que só há obrigação de indemnizar outrem quando a violação do direito/interesse provém de dolo ou mera culpa. A responsabilidade que tem por fonte o risco só existe nos casos especificados na lei, é um regime excecional e, certamente, o recorrente não considera inconstitucional todo o universo de normas que gravita em torno deste regime - 483º, 2, CC. A lei de reparação de acidentes de trabalho é precisamente um dos casos de exceção em que há responsabilidade pelo risco (a par, mormente, dos acidentes causados por veículos). Tempos iniciais houve em que o trabalhador não dispunha desta protecção, porém, a Revolução Industrial, pese embora motor de progresso, concomitantemente, deu causa a inúmeros acidentes de trabalho por máquinas, consciencializando para a necessidade de instituir seguros de risco profissionais. Mas também porque assim é, a reparação não abrange todos os danos, mas tão só os que visam compensar a perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou visam ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de ganho ou de trabalho e sua recuperação para a vida activa, o que está expresso em várias das normas referidas (23º, a), 48º LAT). E, concordantemente, as prestações a que o trabalhador/beneficiário tem direito são “tarifadas”, isto é, são apenas as especificadas na lei especial de reparação de acidentes de trabalho, tais como prestações em espécie e prestações em dinheiro, entre estas a pensão em caso de incapacidade permanente ou morte, a indemnização em caso de incapacidade temporária, o subsidio por situação de elevada incapacidade permanente, o subsidio de readaptação da habitação, a prestação para assistência a terceira pessoa, etc- 23º, 25º, 47º, 48º LAT. A indemnização dos danos não patrimoniais, por regra, não se encontra, consequentemente, abrangida pelo regime de reparação de acidentes de trabalho porque este se baseia no risco e aquela não faz parte das prestações tipificadas. Esta é a lógica que subjaz ao regime garantístico de acidentes de trabalho e é o regime regra. A LAT salvaguardou, contudo, a possibilidade de reparação da totalidade dos prejuízos, incluindo os não patrimoniais, em casos de actuação culposa do empregador, seu representante, ou alguém por ele contratada (deixando de fora os outros casos que ora irrelevam), mormente se resultar de falta de observação por estes das regras sobre segurança e saúde no trabalho - 18º LAT. Neste caso, como a causa do acidente radica numa actuação mais grave do empregador (culpa) a tutela é maior, sendo licito ao trabalhador exigir o reembolso por todos os danos e não só os “tarifados” na lei de acidentes de trabalho. A fonte de obrigação da empregadora é aqui a responsabilidade civil aquiliana- 483º CC. Donde, mais uma vez, a norma (18 LAT) alarga a protecção do trabalhador, ao invés de a estreitar. Mas o recorrente apelida a referida norma (18º LAT) de inconstitucional por violar princípios da igualdade e do direito à justa reparação por acidentes de trabalho - 13º e 59º, 1, f) da Constituição da República Portuguesa. A acusação é difícil de acompanhar considerando o que temos vindo a dizer e na medida em que o recorrente não a fundamenta. No que se refere ao principio da igualdade o recorrente não concretiza minimamente em se traduz, nem aponta situação ou grupo de pessoas a comparar, para daí se retire a discriminação de que possa ser algo. Como ensinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP anotada, Vol. I, 2ª ed. Universidade católica, p. 166 e ss, o sentido do princípio da igualdade comporta a proibição de livre arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação (a chamada discriminação “positiva”). A primeira afirma a máxima de tratamento igual para situações iguais e tratamento diferente para situações diferentes. A segunda afirma a proibição de distinções que se fundem em critérios subjectivos conexionados à dignidade da pessoa e, como tal, insusceptíveis de justificar regimes diferenciados, dando-se como exemplos de factores de desigualdade inadmissíveis a raça, a orientação sexual, convicções politicas ou ideológicas, condição social, etc...A terceira afirma a necessidade de atribuir vantagem legítimas fundadas em desigualdades reais que tendam à sua superação, visando compensar desigualdades de oportunidade, sendo exemplo disso as discriminações positivas em benefício das mulheres, ou de populações insulares. Ora, no caso nem o recorrente concretiza em que consiste a violação do principio da igualdade, nem o tribunal descortina que a situação dos autos se reconduza às acima assinaladas. O princípio constitucional da assistência e justa reparação em caso de sinistro laboral, conjuga-se com o principio geral da igualdade, isto é, proíbe-se diferenciações entre trabalhadores que sejam injustificadas, em razão de factores que se consideram ilegítimos, como raça, sexo, idade, origem, etc... sendo a enumeração legal meramente exemplificativa (art. 59º ((Direitos dos trabalhadores)1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:.... f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”,CRP). Ora, o legislador, como referimos, instituiu a favor dos trabalhadores, de todos eles diga-se, um regime de protecção baseado no risco destinado, precisamente, a compensar a menor capacidade de ganho/trabalho nos termos já assinalados e a todos permite, igualmente, a demanda pela totalidade dos danos em caso de culpa do empregador - 18º LAT. Se eventualmente o recorrente pretende comparar os direitos indemnizatórios conferidos ao trabalhador com os de um cidadão comum também aqui não encontramos desigualdade. Na responsabilidade civil extracontratual, por regra, o demandante tem sempre se fazer a alegação e prova de vários pressupostos que, no clássico aprendido na faculdade, são : o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade (1.Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.- 483 CC) E aqui chegamos à essência do problema que o recorrente parece não reconhecer: é que ele, sinistrado, nunca arguiu em lado algum a culpa da empregadora (diga-se que a absolvição da seguradora é inquestionável, na medida em que só responde pelo risco e prestações tarifadas). Não aflorou sequer este ponto na tentativa de conciliação. Acima de tudo, lida e relida a petição inicial, constamos que não é alegado um único facto que atribua a produção do acidente a culpa da empregadora. O recorrente, esquecendo a cadeia de pressupostos de responsabilidade civil acima referida, apenas alega o dano. Assim, não há razão para o prosseguimento dos autos quanto a este pedido, pois o recorrente para provar tem de primeiro alegar- o que não fez. I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença. Custas a cargo do recorrente Notifique. 27-06-2024 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Veiga Vera Sottomayor [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s. |