Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - O n.º 1 do art. 846º do CPC confere legitimidade activa ao executado ou a qualquer outra pessoa para proceder ao pagamento voluntário da quantia exequenda e das custas da execução, em qualquer estado do processo executivo; tal denomina-se “remição da execução”. II - Sendo o pagamento da dívida feito extraprocessualmente, o executado/terceiro deve comprovar documentalmente nos autos o pagamento, acompanhado de documento comprovativo da quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, seguindo-se, sem dependência de homologação judicial, a suspensão da instância executiva e a liquidação da responsabilidade do executado (art. 846º, n.º 5, do CPC). III - De acordo com o art. 849º, n.º 1, al. a), do CPC, a execução extingue-se logo que se efetue o depósito da quantia liquidada, nos termos do art. 847º do CPC, na sequência de pagamento voluntário judicial (art. 846º, n.º 1) ou de extinção extrajudicial da obrigação exequenda (n.º 5 do art. 846º). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório A exequente, EMP01..., Lda, na pendência do recurso da sentença proferida nos embargos de executado, por requerimento datado de 19.07.2024, veio requerer a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente, informando que recebeu a quantia de 8.800,00 Euros que reputa suficiente para o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos dos autos, que incluem despesas e honorários de Agente de Execução e juros compulsórios devidos ao Estado (ref.ª ...65). * Nessa sequência, o Sr. (ª) Agente de Execução, e ao abrigo do disposto nos arts. 846º e 849º do CPC, em 22.07.2024 proferiu decisão de extinção da acção executiva e emitiu certidão para cancelamento da penhora que incide sobre os veículos automóveis, matriculas ..-..-FA e ..-..-UA (ref.ª ...26).* O executado AA, a 9/08/2024, deduziu reclamação da decisão do Sr. (ª) Agente de Execução (ref.ª ...00), invocando que:- Por saneador sentença proferido em 28/05/2024 decidiu-se reduzir a quantia exequenda ao valor de € 8.205,56 (oito mil duzentos e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) – sendo € 6.722,08 respeitante ao valor das faturas; € 775,48 respeitante aos juros moratórios vencidos até entrada do requerimento de injunção, € 3.000,00 a título de outas despesas e € 408,00 a título custas de parte. - Absolvendo o executado do pagamento dos juros que se vencessem sobre o valor das faturas desde a entrada da injunção – por tal não ter sido peticionado na injunção –, bem como do valor de € 102,00 a título de taxa de justiça atenta a duplicação do valor já peticionado a título de custas; - Inconformado na parte da sua condenação, o executado recorreu do saneador/sentença, o que fez em 18/06/2024; - Atento o efeito do recurso e a ameaça da penhora com remoção de bens móveis, o executado acedeu pagar o valor de € 8.800,00 nos presentes autos, mantendo, contudo, o interesse no recurso interposto; - Pelo que, sendo-lhe dada razão no recurso interposto, necessariamente ter-se-á de refazer-se o apuramento de responsabilidades do executado, estornando-se-lhe o valor recuperado em excesso. * O exequente pugnou pela improcedência da reclamação apresentada pelo executado (ref.ª ...12).* Por despacho de 7/10/2024, foi julgada improcedente a reclamação efetuada pelo executado, tendo sido confirmada a decisão do sr. agente de execução (ref.ª ...64). * Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o executado (ref.ª ...77) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Vem o presente recurso interposto pelo executado, de facto e de direito, no sentido de obter a revogação da decisão de 07/10/2024 pelo Juízo de Execução de VNF (Juiz ...), que indeferiu o requerimento deduzido pelo executado em 09/08/2024 com a referência citius 4960700, decisão essa, que faz uma errada apreciação e valoração da prova, assentando num pressuposto factual errado, não existente, violando o disposto no art. 607.º, n.º 4 e 5 do CPC bem como o disposto no art. 26.º, n,º 6 e 7.º do RCP. 2. Em 15/07/2024 o Sr. BB emitiu um cheque no valor de € 8.800,00 (oito mil e oitocentos euros), e entregou-o ao exequente para pagamento da divida exequenda. Cfr. documento junto aos autos com o requerimento de 05/09/2024. 3. O referido CC não é executado nos presentes autos. 4. Por despacho proferido pelo Sr. Agente de execução em 2/07/2024, atento o pagamento da quantia exequenda efetuado por terceiro, foi declarada extinta a instância executiva. 5. Por requerimento deduzido em juízo em 09/08/2024 o executado requereu que em face do despacho do exmo. Sr. Agente de execução proferido em 22/07/2024 da extinção da execução pelo pagamento: c) Não fossem os autos declarados extintos de imediato; d) Fosse restituído ao executado o valor de € 594,44 (quinhentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) por conta do valor pago, atento o facto de litigar com apoio judiciário, não lhe cabendo por isso o pagamento dos honorários e despesas de execução. 6. Por despacho proferido em 07/10/2024 veio a meritíssima juíza declarar não assistir razão ao executado, mas fá-lo num pressuposto errado: de que foi o executado quem procedeu ao pagamento da quantia exequenda, quando resulta dos autos que o pagamento da quantia exequenda foi efetuado por terceiro. Cfr. documento n.º 1 junto com requerimento de 05/09/2024. 7. Ao contrário do que consta da fundamentação do despacho de 07/10/2024 o executado não pagou a quantia exequenda; antes esta foi paga por terceiro, não tendo por isso aquele assumido qualquer atuação em contrário à interposição do recurso. 8. Por requerimento deduzido em juízo em 21/10/2024 o executado requereu que se reconhecesse que o despacho de 07/10/2024 encontrava-se inquinado de lapso manifesto (pressuposto errado quanto à autoria do pagamento que importou a extinção da execução), requerendo a sua correção, deferindo-se o requerido em 09/08/2024; não tendo ainda sido proferida qualquer decisão judicial tendo por objeto tal requerimento de 21/10/2024. 9. Ora atenta a prova documental junta e não impugnada e a confissão efetuada pelo exequente no art. 5 do seu requerimento de 05/09/2024 muito mal andou o tribunal a quo ao dar como assente que foi o executado quem procedeu ao pagamento da quantia exequenda; resulta coisa oposta dos autos: o seu pagamento foi efetuado por terceiro. 10. Assim, deverá o despacho recorrido ser revogado por assentar num pressuposto fatual errado, inexistente, reconhecendo-se que o executado não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, antes o seu pagamento foi efetuado por terceiro e, portanto, não “assumiu uma atuação em contrário à interposição do recurso, conformando-se com a sentença” (!), sob pena de violação do disposto no art. 607.º, n.º 4 e 5 do CPC. 11. Ademais, a devolução do valor de € 594,44 (quinhentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) pugnada no requerimento de 09/08/2024 é independentemente da sorte do recurso uma vez que nesse caso está-se perante as regras atinentes a quem deve suportar as custas da execução sendo que quanto a isso ainda nada se decidiu (a não ser pelo despacho agora posto em crise). 12. Mais sendo consabido que o executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução – seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte art. 721º) –, não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (artigo 847º). Cfr. Ac. TRC de 17/11/2020, processo 500/09.7TBSRT.1.C1, disponível em www.dgsi.pt 13. Portanto, independentemente da sorte do recurso interposto em 18/06/2024, bem como da decisão que recaia sobre saber-se se os presentes autos poderiam ou não ser declarados extintos, a peticionada devolução dos € 594,44 deduzida no requerimento de 09/08/2024 é alheia e autónoma de tais decisões impondo-se o reconhecimento do mérito dessa questão suscitada no dito requerimento, a qual deverá ser deferida nos termos melhor constantes no requerimento de 09/08/2024. 14. Na verdade, beneficiando o executado de apoio judiciário o custo da atividade jurisdicional não pode ser repercutido na sua esfera jurídica, constituindo uma responsabilidade do Estado, cabendo-lhe suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exatos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26/6 RCP. Cfr. Ac. TRG de 17/03/2022, processo 188/12.3TBPDL-A.L1-8, disponível e www.dgsi.pt 15. Pelo que o valor recuperado nos presentes autos excede e em muito o valor da responsabilidade do executado, pois que ainda que o recurso interposto em 18/06/2024 venha a ser julgado improcedente – o que não se concede mas apenas se concebe por hipótese de raciocínio – não cabendo ao executado o pagamento das custas da execução, despesas e honorários do Sr. Agente de Execução, assim como não sendo devido ao exequente o pagamento de juros moratórios vencidos sobre a quantia dada à injunção, por os mesmos não terem sido pedidos (ver sentido do saneador/sentença), necessariamente ter-se-ia de concluir que o valor devido pelo executado nos presentes autos será tão só o de € 8.205,56 (oito mil duzentos e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos). 16. Pelo que por conta do valor recuperado de € 8.800,00 (oito mil e oitocentos euros) impõe-se estornar/devolver ao executado o valor de € 594,44 (quinhentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos). Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, PROFERIDO ACÓRDÃO que revogue o despacho proferido em 07/10/2024 e em sua substituição proferido Acórdão que julgue totalmente procedente o requerido em 09/08/2024 com a referência citius 49640700 como é de JUSTIÇA!». * Não foram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi admitido, por despacho de 3/12/2024, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...33).* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Delimitação do objeto dos recursos. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho]. No caso, apresentam-se as seguintes questões a decidir: i) Da indevida extinção da execução por inutilidade superveniente; ii) Do estorno do remanescente da quantia paga. * III. FundamentosIV. Fundamentação de facto. A. - As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos/incidências processuais [resultantes da pesquisa, através do Citius (processo Viewer), dos presentes autos de execução principais de que o presente recurso emerge e do apenso de embargos de executado n.º 692/24....]: 1.º - No dia 20/01/2024, a exequente EMP01..., Ld.ª intentou execução para pagamento de quantia certa contra AA, no valor global de 8.698,08€, correspondendo o valor de 8.307,56€ a capital, a quantia de 365,02€ a juros moratórios vencidos após a propositura da injunção e o montante de 25,50€ a taxa de justiça paga pela execução, oferecendo. 2.º - Como título executivo apresentou a sentença proferida, em 13 de novembro de 2023, na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato n.º 86646/23...., já transitada em julgado, na qual se decidiu «conferir FORÇA EXECUTIVA à PETIÇÃO apresentada sob a cit. Refª ...82 pela Autora “EMP01..., LDA.”, aí melhor identificada (artigo 2º do ANEXO ao Decreto- Lei nº 269/1998, de 1 de Setembro)» e, bem assim, «Custas a cargo do Réu AA, fixando-se a taxa de justiça nos termos tabelares do Regulamento das Custas Processuais (artigos 527º/1,1ªparte,2, 529º/2 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil - CPC)». 3.º - No apenso de embargos de executado, por saneador-sentença de 28/05/2024, a oposição à execução foi julgada parcialmente procedente e, consequentemente, foi decidido reduzir a quantia exequenda ao valor de 8.205,56€, mais condenando o embargante e a embargada a suportarem as custas processuais da oposição, na proporção dos respetivos decaimentos (ref.ª ...08). 4.º - Dessa sentença foi interposto recurso de apelação pelo embargante/executado, admitido por decisão de 23-09-2024 com efeito meramente devolutivo, o qual se mostra ainda pendente (ref.ªs ...50 e ...44). * V. Fundamentação de direito. 1. Da indevida extinção da execução por inutilidade superveniente. O recorrente/executado insurge-se contra o despacho que desatendeu a reclamação por si apresentada contra a decisão da extinção da ação executiva proferida pelo agente de execução, porquanto, tendo interposto recurso da sentença proferida nos embargos de executado, e não obstante ter acedido pagar o valor de 8.800,00€, mantém interesse no recurso interposto, posto que no caso de procedência desse recurso tal importará o estorno/devolução ao executado de parte do valor recuperado. Não obstante a argumentação antecedente, importa clarificar que não constitui objeto deste recurso a apreciação da inutilidade superveniente do recurso interposto da sentença proferida no apenso de embargos de executados – essa questão faz parte do recurso apresentado naquele apenso (proc. n.º 692/24....) –, mas tão só aferir da validade da extinção da instância executiva. Para efeitos do presente recurso, importa, essencialmente, ter presente o regime jurídico atinente ao pagamento executivo voluntário, à extinção do crédito exequendo e às causas de extinção da execução. O pagamento do crédito exequendo e dos créditos verificados e graduados pode ser voluntário ou coercivo. O pagamento voluntário – único que ao caso releva – é aquele que é feito pelo executado ou por um terceiro sem recurso aos bens penhorados. O pagamento voluntário diz-se unilateral quando decorre da iniciativa do executado ou de terceiro; será convencional quando emerge do acordo sobre o pagamento em prestações (art. 795º, n.º 2 e 806º, n.º 1) ou do acordo global celebrado entre o executado, o exequente e os credores reclamantes (art. 795º, n.º 2 e 810º, n.º 2). Preceitua o art. 846º do CPC, sob a epígrafe “cessação da execução pelo pagamento voluntário”: «1 - Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida. 2 - O pagamento é feito mediante entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução. (…) 5 - Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado». O n.º 1 do citado preceito legal confere legitimidade activa ao executado ou a qualquer outra pessoa para proceder ao pagamento voluntário da quantia exequenda e das custas da execução, em qualquer estado do processo executivo[1]. Está em consonância com a regra afirmada no art. 767º, n.º 1, do Cód. Civil, segundo o qual a “prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”[2]. Ao pagamento voluntário das dívidas do executado perante o exequente e os credores reclamantes e das custas do processo executivo chama-se a remição da execução[3] [4] [5]. O pagamento voluntário previsto no citado normativo corresponde ao pagamento integral. Não basta que o remidor se proponha pagar o crédito do exequente e os dos credores graduados. É ainda indispensável que ele se proponha efetuar o pagamento das custas da execução, que incluem os honorários e despesas devidos ao agente de execução, as custas dos apensos declarativos da execução e, ainda, as custas da ação declarativa em que se tenha formado o título executivo (art. 541º do CPC)[6]. O pagamento voluntário da dívida do executado na pendência do processo executivo pode ser feito processual ou extraprocessualmente, consoante integre o procedimento executivo, ou seja, exterior ao mesmo. Formalmente deve, em qualquer dos dois casos, ser apresentado requerimento de pagamento e liquidação da responsabilidade do executado[7]. O pagamento voluntário processual mostra-se previsto nos n.ºs 2 a 4 do art. 846º do CPC. A extinção da obrigação exequenda fora do processo executivo pode acontecer quer pelo pagamento, quer por qualquer outra causa prevista na lei civil (arts. 837º e 873º do CC): dação em cumprimento, consignação em depósito, compensação, novação, remissão e confusão. Quando o pagamento da dívida é feito extraprocessualmente, rege o disposto no n.º 5 do art. 846.º do CPC: o executado/terceiro deve comprovar documentalmente nos autos o pagamento, acompanhado de documento comprovativo da quitação. Para efeitos do disposto no indicado normativo é essencial que seja junto ao processo documento escrito consubstanciador de alguma das situações ali previstas, bastando uma declaração escrita do exequente no sentido de que o executado cumpriu ou de que a obrigação exequenda se extinguiu por outra causa[8]. De facto, aquela prova não pode ser substituída pelo silêncio do exequente, dado a lei não atribuir a este o valor de confissão[9]. Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, segue-se, sem dependência de homologação judicial, a suspensão da instância executiva e a liquidação da responsabilidade do executado[10]. Por sua vez o art. 847.º do mesmo diploma legal explicita a forma como se deve proceder à “liquidação da responsabilidade do executado”. Se o requerimento for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente (art. 847º, n.º 1, do CPC). Liquidadas a responsabilidade por custas e honorários, incluindo a decisão de eventuais reclamações, é o requerente notificado para proceder ao depósito final do saldo a liquidar. Só então é que o exequente poderá receber a quantia exequenda e os respetivos juros, sendo o caso, salvo se houve pagamento extraprocessual. De acordo com o art. 849º, n.º 1, al. a), do CPC, a execução extingue-se logo que se efetue o depósito da quantia liquidada, nos termos do art. 847º do CPC, na sequência de pagamento voluntário judicial (art. 846º, n.º 1) ou de extinção extrajudicial da obrigação exequenda (n.º 5 do art. 846º). Tecidas estas considerações, centremos agora a atenção no caso. Seguindo a ordem cronológica das incidências fáctico-processuais ocorridas nos autos temos que: i) No dia 20/01/2024, a exequente intentou execução de sentença contra AA, no valor global de 8.698,08€, dando como título executivo a sentença proferida na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato n.º 86646/23...., na qual foi conferida força executiva à petição. ii) O executado deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, os quais foram julgados parcialmente procedentes por saneador-sentença de 28-05-2024, que reduziu a quantia exequenda ao valor de 8.205,56€. iii) Apenas o Executado/Embargante interpôs recurso do saneador-sentença, em 18/06/2024, o qual foi admitido, por decisão de 23-09-2024, com efeito meramente devolutivo. iv) Ainda antes da admissão do recurso, a Exequente recebeu por conta da quantia exequenda e demais acréscimos dos autos, o valor de € 8.800,00, mediante um cheque, datado de 15/07/2024, emitido pelo pai do executado, por conta deste. v) Na sequência da prestação dessa informação pela exequente, o Sr. (ª) Agente de Execução, ao abrigo do disposto nos arts. 846º e 849º do CPC, em 22.07.2024 proferiu decisão de extinção da acção executiva e emitiu certidão para cancelamento da penhora que incide sobre os veículos automóveis de matricula ..-..-FA e ..-..-UA (ref.ª ...26). Ora, em face da declaração da extinção da instância executiva pelo sr. agente de execução, secundada pela Mm.ª Juíza “a quo” no despacho proferido em 7/10/2014 que desatendeu a reclamação apresentada contra aquela decisão do AE, vem agora o executado dizer que o despacho recorrido enferma de um pressuposto factual errado, porquanto não foi o executado quem procedeu ao pagamento da quantia exequenda, mas antes um terceiro, no caso o seu pai. O mesmo é dizer que pugna pela verificação de um “pressuposto errado quanto à autoria do pagamento que importou a extinção da execução”. Reconhecendo-se que o executado não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, antes o seu pagamento foi efetuado por terceiro, conclui que não poderá manter-se a asserção de que “assumiu uma atuação em contrário à interposição do recurso, conformando-se com a sentença”. No fundo, o relevo da objeção colocada pelo executado prende-se com o facto de o mesmo pretender fazer valer que, malgrado o pagamento voluntário extrajudicial feito por terceiro, mantém integral interesse na apreciação do recurso interposto do saneador-sentença proferido nos embargos de executado, posto que, a ser-lhe dada razão nesse recurso, ter-se-á de refazer o apuramento das responsabilidades do executado, estornando-lhe o valor recuperado em excesso. Sucede que, como se disse, no âmbito do presente recurso há tão só de indagar da validade da extinção da execução. E podemos desde já adiantar que referida pretensão recursória está destinada ao insucesso. Desde logo porque, como já vimos, resulta do n.º 1 do art. 846º do CPC que o pagamento voluntário da obrigação exequenda tanto pode ser efectuado pelo executado como por qualquer outra pessoa. E esse terceiro pode ser ou não interessado no cumprimento da obrigação, conforme se extrai do n.º 1 do art. 767º do Cód. Civil e sem que o executado, o exequente ou os restantes credores se possam opor ao pagamento por terceiro, não se aplicando os arts. 767º, n.º 2 e 768º do CC[11]. Em segundo lugar, porque se bem atentarmos no teor da reclamação à decisão do sr. agente de execução deduzida pelo executado, evidencia-se que o mesmo não só aceitou, como igualmente validou o pagamento voluntário extrajudicial efetuado por terceiro relativo à obrigação exequenda e demais acréscimos, assumindo-o como sendo da sua autoria ou, pelo menos, manifestando o seu interesse na exoneração do seu dever de prestar perante o exequente. O executado manifesta o expresso propósito em retirar efeitos jurídicos desse facto, quer seja a fim de obstar à eventual remoção dos bens móveis penhorados, mas, sobretudo, ao reclamar a devolução do montante pago em excesso (pelo terceiro). Veja-se que, depois de fazer alusão ao recurso interposto do saneador-sentença proferido nos embargos de executado, ao qual foi atribuído efeito devolutivo, o executado expressamente diz que “[a]tento o efeito do recurso e a ameaça da penhora com remoção de bens móveis, o executado acedeu pagar o valor de € 8.800,00 nos presentes autos, mantendo, contudo, o interesse no recurso interposto” (sublinhado nosso). Depreende-se, por conseguinte, uma integral conformação e adesão do executado ao pagamento voluntário extrajudicial feito da obrigação exequenda, sendo que a postura processual por si assumida parece inclusivamente indicar ter sido ele a efetuá-lo. Aliás, a menção à autoria da pessoa que efetivamente procedeu ao aludido pagamento extrajudicial – CC, pai do executado e emitente do cheque – foi feita pela própria exequente em resposta à reclamação apresentada (ref.ª ...12, de 5/09/2024) e não pelo executado. Não oferece dúvidas que, independentemente de ter sido o seu pai quem pagou extrajudicialmente à exequente a quantia exequenda e demais acréscimos, existe por parte do executado uma verdadeira assunção desse pagamento, posto dele pretender os efeitos favoráveis à sua pretensão e aos seus interesses, nomeadamente evitar a remoção dos bens móveis penhorados. Mas não se fica por esse propósito obstativo da remoção da penhora, pois o executado chega a reclamar o estorno da quantia paga em excesso (por terceiro), em virtude de beneficiar de apoio judiciário. Ou seja, nem sequer se poderá dizer estarmos perante um caso em que o executado foi inesperada e inusitadamente confrontado, contra a sua vontade, com o pagamento por um terceiro do crédito exequendo e demais acréscimos. Acresce que o executado não alega, tão pouco comprova, que aquando da efetivação do pagamento extrajudicial ao exequente tenha havido qualquer divergência entre a vontade e a declaração – em particular, do erro na declaração (art. 247º do CC) –, porquanto aquilo que verdadeiramente pretendia não seria a satisfação extrajudicial do pagamento da obrigação exequenda e a consequente extinção dessa dívida, mas tão só garantir ou caucionar o pagamento do crédito exequendo e assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda (pretensão esta que, de todo o modo, sempre careceria de ser formalmente deduzida e apreciada nos autos). Como bem assinala a recorrida, o executado sempre poderia ter obstado ao efeito devolutivo do recurso interposto da sentença proferida nos embargos de executado e à ameaça de remoção de bens imóveis, se, oportunamente, e em sede própria, requeresse que a apelação tivesse efeito suspensivo e se oferecesse para prestar caução (art. 647º, n.º 4, “ex vi” do art. 852º, ambos do CPC), o que não sucedeu. De igual modo, e a fim de paralisar a execução sem precludir o efeito útil do recurso interposto em sede de embargos de executado, o executado tinha ao seu dispor a faculdade de, ao invés de proceder ao pagamento extrajudicial da obrigação exequenda, prestar caução nos termos do disposto no art. 733º, n.º 1, al. a) do CPC, sendo que o requerimento de suspensão da execução mediante prestação de caução pode ser apresentado e qualquer momento até à venda executiva, não carecendo de ser deduzido no próprio articulado da oposição, suspendendo-se a execução na fase em que esta se encontrar[12]. Sem quebra do devido respeito, o que o executado pretende obter com a pretensão em causa é o melhor de dois mundos. Por um lado, tenciona valer-se do pagamento voluntário extrajudicial da obrigação exequenda feito por terceiro a fim de obstar ao prosseguimento da execução, bem como retirar efeitos decorrentes da extinção da execução, como seja o estorno do montante (alegadamente) pago em excesso; por outro lado, e não obstante o pagamento extrajudicial feito ao exequente por conta da obrigação exequenda – e não a título de caução, a fim de garantir o pagamento do crédito exequendo –, tem em vista ver postergada a declaração de extinção da instância executiva a fim de não precludir a apreciação do recurso interposto nos embargos de executado. Como é bom de ver, esse propósito não é viável. Com efeito – na parte que ao presente recurso releva –, mercê do pagamento voluntário extrajudicial da obrigação exequenda e tendo-se procedido à liquidação da responsabilidade do executado[13], impunha-se a imediata extinção da execução, nos termos do disposto no art. 849º, n.º 1, al. a), do CPC. Termos em que improcede a questão em apreço. * 2. Do estorno do remanescente da quantia extrajudicial paga. Pugna o recorrente pela devolução do valor de € 594,44 – considerando para o efeito a diferença entre o valor extrajudicial pago (€ 8.800,00) e o valor máximo apurado na sentença de embargos de executado (€ 8.205,56) –, porquanto, independentemente da sorte do recurso interposto em 18/06/2024, bem como da decisão que recaia sobre saber-se se os presentes autos poderiam ou não ser declarados extintos, a devolução da referida importância é alheia e autónoma de tais decisões. Acrescenta que lhe foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, pelo que não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução – seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (art. 721º) –, não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (artigo 847º). Como vimos, no âmbito do pagamento voluntário extrajudicial em qualquer estado do processo o executado ou qualquer pessoa pode pagar a quantia exequenda diretamente ao exequente enquanto não estiver satisfeito o crédito exequendo. Nesse caso, a quantia entregue não é depositada à ordem do processo de execução ou na conta cliente do agente de execução nem tal pode ser exigido por este, na medida em que o pagamento voluntário é uma faculdade apenas sujeita à vontade das partes, passível de ser praticada a todo o tempo pelo executado ou por terceiro. Ocorrendo pagamento voluntário, o exequente deve dar conhecimento desse facto aos autos executivos, cuja declaração funciona como “documento comprovativo de quitação” (art. 846º, n.º 5, do CPC e art. 787º do CC) e como título extintivo (o pagamento constitui uma causa extintiva da obrigação)[14]. Logo, contrariamente ao propugnado pelo executado, tendo optado por entregar diretamente ao exequente a quantia exequenda inexiste direito a reaver qualquer excesso, visto presumir-se ter sido esse o valor acordado pelas partes a fim de extinguir a obrigação exequenda. Parafraseando a decisão recorrida, diremos que o terceiro, por conta do Executado, decidiu pagar diretamente à Exequente, ao invés de proceder ao depósito desse valor na conta do Sr. (ª) Agente de Execução ou de o entregar ao Sr. (ª) Agente de Execução (cfr. art. 846º, n.º 2, do CPC), o que desde logo inviabiliza que lhe pudesse vir a ser devolvido nestes autos qualquer valor. Tão pouco nesta sede foi invocada (nem comprovada) a existência de qualquer divergência entre a vontade e a declaração no tocante ao montante diretamente entregue ao exequente por conta do pagamento da obrigação exequenda. Nada há por isso a censurar ao juízo que concluiu pelo indeferimento da aludida pretensão. Termos em que, concluindo-se pela improcedência da apelação interposta pelo executado, é de confirmar a decisão recorrida. * As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.* VI. DECISÃO Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo do executado/recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza. * Guimarães, 16 de janeiro de 2025 Alcides Rodrigues (relator) Ana Cristina Duarte (1ª adjunta) Carla Oliveira (2ª adjunta) [1] Este terceiro pode ser ou não interessado no cumprimento da obrigação, conforme preceitua o n.º 1 do art. 767º do Cód. Civil. Aparentemente nem o executado, nem os credores se podem opor a este pagamento por terceiro como decorreria do n.º 2 do mesmo artigo e do art. 768º do CC - v. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 929; José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º (artigos 627º a 877º), 3ª ed., 2022, Almedina, p. 840; no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 12. [2] É sobre o devedor que recai o dever de prestar. Contudo, o citado normativo admite, em termos amplos, que qualquer terceiro – interessado ou não no cumprimento da obrigação – realize a prestação, desde que esta substituição não prejudique o credor ou não tenha sido expressamente afastada por acordo com ele (n.º 2 do art. 767º do CC). [3] Cfr. Eurico Lopes Cardoso explica que no CPC de 1876 chamava-se ao acto de pagar a dívida e as custas remir a execução; o art. 916º do Código de 1939, fonte imediata do preceito actual, substituiu o verbo “remir” pela expressão “fazer cessar”. Mas tudo aconselha, face à expressividade do termo, continuar a adoptar-se a denominação tradicional “remição da execução” (cfr. Manual da Acção Executiva, 3ª ed., Almedina, 1992, p. 626; no mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 1999, Almedina, p. 261). [4] Cfr. entre outros, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II – AAFDL Editora, 2022, p. 955; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, (…), p. 261; José Lebre de Freitas, A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, p. 414; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II - Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Almedina, 2020, p. 267; Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 928. [5] A remição da execução não é confundível com a remição de bens prevista nos arts. 842.º a 845.º do CPC, nem com a remissão da dívida (art. 863º, n.º 1, do CC). Enquanto a remição de bens consiste num direito de adquirir os bens adjudicados ou vendidos, na titularidade do cônjuge e de certos parentes do executado (mas não na deste), a remição da execução é uma forma de extinção da execução pelo pagamento voluntário da dívida, que pode ser levado a efeito pelo executado ou qualquer outra pessoa. [6] Cfr. entre outros, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II – (…), p. 955. [7] Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, (…), p. 930. [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II (...), pp. 267/268. [9] Cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, (…), p. 930. [10] Cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º (…), pp. 841/842. [11] O credor, normalmente, não tem interesse em se opor ao cumprimento pelo terceiro; o seu interesse está em obter a prestação, provenha ela do devedor ou dum terceiro; e podem advir benefícios para o obrigado, permitindo-se o cumprimento por parte de estranhos. Por isso mesmo, os únicos obstáculos comtemplados na lei ao cumprimento por terceiro são o interesse oposto do credor (art. 767º, n.º 2, do CC) e a oposição do devedor (art. 768º, n.º 2 do CC). [12] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II - Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Almedina, 2020, p. 94. [13] Conforme consta da decisão extintiva da acção executiva do Sr. A.E., de 22.07.2024 (ref.ª ...26): «Da conta já elaborada e enviada, verifica-se que o pagamento dos honorários e despesas devidos ao A.E. bem como o montante de juros compulsórios devidos ao estado, foi já feito para a respectiva conta cliente, sendo por isso elaborado o correspondente DUC para o efeito». [14] Cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites - Volume IV - Processo Executivo, Quid Juris, 2ª ed., 2004, p. 1013. |