Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3315/23.6T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ILEGITIMIDADE PASSIVA
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO PASSIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Existindo um litisconsórcio voluntário (permitido), admite-se a pluralidade subjectiva subsidiária, isto é, pretende-se que o terceiro interveniente (de forma provocada) possa contrariar (ao lado do réu) o pedido já formulado na acção (o pedido é o mesmo, relativamente a todos os réus, iniciais ou sucessivos), por ser litisconsorte do réu inicialmente demandado (isto é, alguém que é titular passivo da mesma relação jurídica que está na base da demanda do primitivo réu e que, por isso mesmo, poderia ter sido desde logo demandado juntamente com ele).

II. Não se encontram num situação de litisconsórcio voluntário a sociedade concessionária do transporte de energia eléctrica pretendida demandar por factos resultantes da sua actividade (colocação de poste e de linhas de muito alta tensão) e a sociedade gestora de participações sociais e dominante daquela primeira (que responde subsidiariamente pelas obrigações desta, nos termos do art.º 501.º do CSC), uma vez que os factos e o Direito que fundamentam a responsabilização de cada uma das Sociedades são distintos (precisamente por não integrarem a mesma relação material controvertida).

III. Existindo uma dúvida fundada sobre o sujeito da relação material controvertida admite-se a pluralidade subjectiva subsidiária, isto é, o terceiro interveniente (de forma provocada) irá contrariar (tal como o primitivo réu) o pedido (o mesmo e inalterado) já formulado na acção (prevenindo a sua futura e total improcedência, por não ser afinal o dito primitivo réu o real e efectivo titular da relação material controvertida).

IV. Deduzindo o autor um incidente de intervenção principal provocada pretendendo a responsabilização da inicial ré e da subsequente pretendida ré com distintos fundamentos (a primitiva ré então com base na sua responsabilidade subsidiária, enquanto sociedade dominante face a sociedade dependente, e a subsequente pretendida ré com base nos factos invocados na petição inicial, enquanto concessionária do transporte de energia eléctrica e dona da obra no âmbito da qual foram colocados um poste e linhas de muito alta tensão), não foi deduzido subsidiariamente o mesmo e único pedido inicial contra ambas as Sociedades, por se desconhecer qual delas era verdadeiro sujeito da única relação controvertida em causa nos autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., em ..., BB, residente na Rua ..., ..., em ..., e  CC, residente na Rua ..., ..., em ... (aqui Recorrentes), propuseram a presente acção declarativa de processo comum, contra EMP01..., SGPS, S.A., com sede na Avenida ..., ..., em Lisboa, pedindo que:

· se condenasse a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) a pagar ao cada um dos 1.º Autor (AA) e 2.ª Autora (BB) a quantia de € 150.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a propositura da acção até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, que sendo cada um dos 1.º Autor (AA) e 2.ª Autora (BB) proprietários de um prédio rústico, e o 3.º Réu (CC) usufrutuário de ambos, viram-nos desvalorizados por a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) ter feito passar uma linha de muito alta tensão sobre eles, instalando ainda um poste de muita alta tensão em terreno confinante com o prédio da 2.ª Autora (BB) [1].
Mais alegaram traduzir-se essa desvalorização numa redução de € 150.000,00 do valor de mercado de cada um dos prédios.
Por fim, alegaram caber à Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) indemnizá-los, mercê da legislação aplicável a esta sua precisa actividade (nomeadamente, da que regulamenta a execução da política nacional de electrificação [2] e do regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica [3]).

1.1.2. Regularmente citada, a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) contestou, pedindo que se julgasse procedente a excepção dilatória de ilegitimidade própria, sendo assim absolvida da instância; ou, subsidiariamente, se julgasse a acção improcedente, por não provada, sendo assim absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, não exercer qualquer actividade económica de forma directa, nomeadamente de transporte de electricidade, estando esta a cargo da concessionária do serviço público respectivo, a sua participada EMP02..., S.A.; e ser ela própria uma mera sociedade gestora de participações sociais.
Impugnou ainda, por os desconhecer, a generalidade dos factos alegados na petição inicial.

1.1.3. Os Autores (AA, BB e CC) responderam à excepção dilatória de ilegitimidade passiva; e deduziram incidente de intervenção principal provocada de EMP02..., S.A..
Alegaram para o efeito, sempre em síntese, ser a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) responsável pela confundibilidade com EMP02..., S.A. (nomeadamente, usando ambas o mesmo acrónimo e tendo a mesma sede social); e responder solidariamente a primeira, como sociedade dominante, pelas dívidas da segunda, sociedade subordinada, nos termos do art.º 501.º do CSC.
Defenderam, assim, ser a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) parte legítima nos autos.
Prevenindo, porém, outro entendimento, deduziram incidente de intervenção principal provocada quanto a EMP03..., S.A., defendendo existir nos autos um litisconsórcio voluntário passivo; ou, pelo menos, dúvidas sobre a legitimidade dos sujeitos processuais.

1.1.4. A Ré (EMP01..., SGPS, S.A.)  pronunciou-se sobre o incidente de intervenção principal provocada, pedindo que o mesmo fosse indeferido, por inadmissível; e reiterou ser parte ilegítima, sendo essa excepção dilatória insanável e insuprível.
Alegou para o efeito, em síntese, identificar publicamente que cabe à sua participada EMP02..., S.A. a exploração da rede nacional de transporte de energia eléctrica, tendo igualmente sido publicitado ser esta a responsável pelo projecto de construção da concreta infraestrutura em causa nos autos (Linha aérea dupla, a 400 kv, ...).
Mais alegou que a responsabilidade da sociedade dominante face a débitos da sociedade dominada pressupõe determinados requisitos (v.g. prévia definição da obrigação desta, mora no respectivo cumprimento e decurso do prazo de trinta dias sobre o início dessa mora), que não foram alegados nos autos (nomeadamente, por ainda não se encontrarem verificados).
Defendeu, por isso, que, não tendo sido ela quem instalou o poste e as linhas de muito alta tensão invocados pelos Autores (AA, BB e CC), seria aqui parte ilegítima, de forma insanável e insuprível; e não servir o incidente de intervenção principal provocada para assegurar qualquer substituição processual, e sim para sanar a preterição de um litisconsórcio necessário ou assegurar a intervenção de litisconsortes voluntários (uma e outra situação inexistentes nos autos, por não ser co-parte de qualquer comum relação material controvertida).

1.1.5. O Tribunal a quo diligenciou oficiosamente pela junção aos autos da certidão permanente da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.), que aqui se dá por integralmente reproduzida; e ordenou-lhe que juntasse o contrato de concessão da rede nacional de transporte de energia eléctrica, o que a mesma fez (sendo o documento epigrafado «Contrato de Concessão da Actividade de Transporte de Electricidade através da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT) entre Estado Português e EMP02..., S.A.»), documento que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Os Autores (AA, BB e CC), notificados de tais documentos, não os arguiram de falsos, nem impugnaram o seu teor.

1.1.6. Foram sucessivamente proferidos um primeiro despacho, a indeferir o incidente de intervenção principal provocada, e um segundo despacho, saneador-sentença, onde nomeadamente se julgou improcedente a acção e se absolveu a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) do pedido, lendo-se nos mesmos:
«(…)
No caso em apreço, temos por seguro que a intervenção requerida pelos Autores não é possível, desde logo porque, atenta a decisão que de seguida se proferirá, inexistirá parte a quem a chamada se possa associar (resultando evidente que não será como sua associada).
Não se verifica no caso em apreço uma situação de litisconsórcio voluntário.
Por outro lado, não há dúvida fundada sobre o sujeito da relação jurídica controvertida, porquanto a concessionária a que os Autores aludem na petição inicial e que está sujeita à reparação dos prejuízos causados pelos trabalhos de instalação das linhas, não é a Ré, mas sim a EMP03..., S.A., o que resulta do contrato de concessão da actividade de Transporte de electricidade celebrado entre o Estado Português e a EMP02..., S.A. (documento junto pela Ré a convite do Tribunal e que os Autores não impugnaram), decorrendo ainda da certidão de matrícula da Ré que esta tem como objecto apenas a gestão de participações noutras sociedades.
Finalmente, o incidente em causa não se destina, claramente, a fazer operar uma substituição processual, o que seria o caso nos prestes autos, caso viesse a ser admitido.

Decisão:
Pelo exposto e atentas as considerações supra aduzidas, não admito a requerida intervenção principal provocada.
Custas pelos Autores.
*
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
A petição inicial não é inepta e a forma do processo é a adequada.
As partes gozam são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente patrocinadas.
*
Da ilegitimidade da Ré

A Ré veio alegar a sua ilegitimidade, por não ter interesse em contradizer.
Foi dada oportunidade aos Autores para se pronunciarem sobre a alegada ilegitimidade da Ré.

Cumpre apreciar e decidir, encontrando-se comprovados por documentos (não impugnados) os seguintes factos:
1 - A Ré, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...32, é uma sociedade que tem por objecto social “a gestão de participações sociais noutras sociedades que exerçam actividade nos sectores de electricidade, do transporte e armazenamento de gás natural e da recepção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito e ainda em outras que com estas estejam relacionadas, como forma indirecta do exercício de actividade económica”.
2 - A EMP02..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...73, possui a concessão da exploração do serviço público da Rede Nacional de Transporte de Electricidade.

Assim, face à causa de pedir alegada na petição inicial, em face da posição assumida pela Ré e dos factos que resultam dos documentos juntos, importa apurar da legitimidade substancial da Ré.
Ora, uma coisa é a legitimidade processual que constitui um pressuposto processual relativo às partes, que se afere face à relação material controvertida tal como configurada pelo autor e cuja falta determina a verificação da correspondente excepção dilatória, dando lugar à absolvição do réu da instância (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. e) do C.P. Civil).
Outra, a legitimidade substantiva, que tem a ver com a efectividade daquela relação material, interessando já ao mérito da causa.
Esta refere-se, assim, às condições subjectivas do titular do direito, e se o tribunal conclui pela ilegitimidade entra no mérito da causa e profere uma absolvição do pedido.
Ora, por via da presente acção, os Autores pretendem a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos emergentes da constituição de uma servidão administrativa sobre os imóveis que identificam e da desvalorização que essa servidão significou.
Porém, resulta dos autos que a Ré não é a responsável pela instalação do poste de muito alta tensão no terreno confinante com um dos prédios identificados na petição inicial, nem fez passar a linha de muito alta tensão sobre os prédios dos Autores, não sendo a concessionária que contratou com o Estado Português para a actividade de transporte de electricidade.
Efectivamente, o objecto social da Ré é de gestora de participações sociais noutras sociedades, e a circunstância de a concessionária em causa ser uma sua participada não permite alterar a conclusão a que se chegou.
 
Conclui-se, assim, estarmos perante a ilegitimidade substancial da Ré.
 
Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a ação, absolvendo-se a Ré do pedido.

Custas pelos Autores (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
*
Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com o despacho que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada e com o saneador-sentença, este na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de ilegitimidade substancial da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) e a absolveu do pedido, os Autores (AA, BB e CC) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que: se julgasse aquela parte legítima, nos termos do art.º 501.º do CSC; e se admitisse a intervenção principal provocada de EMP03.... S.A., como litisconsorte voluntária ou, subsidiariamente, por existir dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1 - Apesar de a douta sentença, agora em crise, ter considerado que não se suscitam dúvidas sobre o sujeito da relação jurídica controvertida, porquanto a concessionária e que está sujeita à reparação dos prejuízos causados pelos trabalhos de instalação de linhas elétricas (e transcrevemos) não é a EMP01..., S.G.P.S. S.A., mas sim a EMP03..., S.A., tal facto só ocorreu a instâncias do próprio Tribunal;

2 - Assim sendo, e ressalvado o devido respeito que é muito, se tal esclarecimento só foi alcançado após o convite endereçado pelo Tribunal a quo à Recorrida, afigura-se-nos redundante que as dúvidas que se suscitaram eram probas e suficientes para a verificação do previsto no art.º 39º do C.P.C.;

3 - Mas as dúvidas, pugna-se, são muito mais justificadas porque desde logo o Recorrente, de forma diligente, e conforme alegou na sua Réplica, interpelou ambas as sociedades, por cartas registadas com aviso de recepção, de 02 de Novembro de 2020 (relativamente à Recorrida), e a 22 de Abril de 2021(relativamente à EMP03..., S.A.), conforme decorre dos docs. n.º 1 e 2, que só por lapso não foram juntos no referido articulado e que aqui se juntam para o efeito, sendo que nenhuma das indicadas sociedades, devidamente interpeladas, se dignou responder ou, somente, esclarecer, qual seria a empresa a quem o assunto deveria ser dirigido - o que, só por si, demonstra um comportamento pouco colaborante e algo capcioso;

4 - Mas mais, curioso notar que a sede de ambas as empresas é rigorosamente a mesma: Av.ª ..., ..., ... Lisboa (vide doc. n.º 3 e 4) e os próprios contactos telefónicos disponibilizados on line pelo website da Recorrida são os mesmos (vide: ...) não disponibilizando a EMP03..., S.A. de qualquer website próprio;

5 - Ainda acresce que se constata, não sem algum espanto, que da informação institucional da Recorrida, a qual é por si disponibilizada, se auto caracteriza por - vide ... - A EMP01... tem, por contrato com o Estado, a obrigação de garantir o fornecimento ininterrupto de eletricidade e gás natural a Portugal Continental, satisfazendo critérios de custo, qualidade e de segurança estabelecidos pelas entidades competentes;

6 - E como se isso não bastasse no website da Recorrida, nas designadas FAQ’s, na pergunta sobre quem decide onde passam as linhas elétricas responde: A EMP01... identifica os possíveis traçados para as linhas e localização de infraestruturas. Os diversos traçados são sujeitos a processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), sendo escolhido o traçado mais adequado.

7 - Mas não só, uma mera pesquisa no motor de busca da Google escrevendo-se EMP03..., S.A., a página web que aparece e o anúncio da Google (que aparece por decisão destas empresas), é o da Recorrida.

8 - Finalmente, cereja no topo do bolo, rasando já a pura desfaçatez, verifica-se que os administradores da Recorrida são os mesmos da EMP03..., S.A.- vide fls. 19 e 41 do documento emitido pela Recorrida e disponível online em ....;

9 - O que se percebe porque a Recorrida sempre deteve a 100% a EMP03..., S.A. - vide Demonstrações Financeiras Consolidadas de 2023, referentes à     Recorrida, página 18, aqui: ...;

10 - Em face do exposto, e sem olvidar a devida vénia por opinião mais fundada, não se poderá sufragar o entendimento do Tribunal a quo de que não haveria dúvida fundada entre as entidades em causa - certezas é que não poderia haver nenhuma…;

11 - Entende-se, isso sim, que tal dúvida é promovida pela própria Recorrida que, num ato de boa fé e seguindo os bons princípios de colaboração processual, art.º 7º e 8º do Cód. Proc. Civil, deveria, ela própria ter feito intervir nos autos a empresa por si detida a 100% e à qual remete a gestão da rede elétrica nacional mas, pelo contrário escudou-se num puro argumento de    formalidade estrita para se furtar às responsabilidades que poderiam advir do presente pleito;

12 - Assim sendo cremos que, uma vez mais, se reiteraram e estribaram as dúvidas legítimas que os Recorrentes tinham quanto ao sujeito processual passivo na presente causa, conforme exposto no Incidente de Intervenção Provocada Principal, ou seja, considerando as disposições conjugadas dos artigos e 316.º, n.º 2, e 39.º do CPC, não existem dúvidas em afirmar que, hoje, ao nível do direito processual comum, é admissível a pluralidade subjetiva subsidiária, ou seja, é possível demandar dois réus com vista à satisfação de um único pedido, quando haja dúvida fundamentada sobre quem seja o sujeito passivo da relação jurídica em discussão na ação, casos estes em que, pois, o mesmo pedido é deduzido por ou contra uma parte a título principal e por ou contra outra a título subsidiário - Ac. RP, Proc. n.º 437/23.7T8OAZ-A.P1, de 30/10/2023, in www.dgsi.pt.

13 - Aliás, seguindo de perto o entendimento de Remédio Marques [Acção Declarativa à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 240], ou como bem referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 90.];

14 - E é acolhido por ampla Jurisprudência, veja-se Acórdão da Relação de 11 de fevereiro de 2011, do relator Manuel Joaquim Ferreira da Costa;

15 - De resto, convirá, ainda esclarecer, a este propósito que na situação sub judice, o chamamento/intervenção foi efetuado, numa dupla vertente: não só por haver uma dúvida fundada sobre quem seria o sujeito passivo processual da relação jurídica, por um lado, mas também porque não obstante se considerar que existe responsabilidade solidária de ambas as entidades EMP01..., a SGPS ou a S.A., estaria sempre em causa um litisconsórcio voluntário, conforme adiante melhor se invocará;

16 - Numa palavra, a existência de uma pluralidade subjetiva, ainda que subsidiária, é perfeita e legalmente admissível;

17 - Em sentido idêntico Código Processo Civil Anotado, Vol. I, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, anotação 3 ao art.º 39º: “Detetada a indefinição do elemento subjetivo no decurso da ação, designadamente em resultado da contestação apresentada pelo réu inicialmente demandado, o mesmo mecanismo pode ser supervenientemente desencadeado pelo autor, através do incidente de intervenção principal provocada previsto no art. 316°, n° 2, situação que, no entanto, se restringe aos casos em que a "dúvida fundamentada" se verifica relativamente à identificação do sujeito passivo da relação controvertida.”;

18 - E solução foi acolhida também no Acórdão da RG, de 30/06/2022, Proc. n.º 5157/21.4T8VNF-A.G1 in www.dgsi.pt.;

19 - Mas a douta sentença vai mais longe, referindo que a Intervenção da EMP03..., S.A., subsumir-se-ia a uma operação de substituição processual - como é manifesto, também não se poderá conformar com tal entendimento, pois conforme já supra melhor se expôs e oportunamente foi requerido, aquando da dedução do Incidente de Intervenção Provocada Principal, a fls., na situação vertente não se trata propriamente de um caso de substituição processual dos réus e sim, noutros termos, o que a lei claramente admite, de pluralidade subjetiva subsidiária, que permite que possam ser demandados (inicialmente ou mais tarde mediante incidente de intervenção) réus diversos com vista à satisfação de um único pedido, quando haja dúvida fundamentada sobre quem seja o sujeito passivo da relação jurídica em discussão na ação;

20 - Ora, se tendo, o Tribunal a quo, feito indagação sobre qual das empresas EMP01... estava acometida da função de operacionalizar a distribuição elétrica nacional, poderia e, dizemos afoitamente, deveria, ressalvado o devido e acostumado respeito, que é sempre muito, ter usado do seu poder-dever de gestão processual, art.º 6º C.P.C – vide neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-03-2020 (Pº 20175/19.0T8VNF-E.G1, rel. JORGE TEIXEIRA), “dada a natureza pública do processo civil, os interesses públicos inerentes à administração da justiça e ao funcionamento das instituições judiciárias, o interesse de protecção de partes mais fracas, expostas a eventuais notórias desigualdades de recursos, o interesse da prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjectiva, muitas correcções vêm sendo introduzidas ao funcionamento do princípio dispositivo”;

21 - Neste sentido, na filosofia do CPC em vigor prepondera um princípio de prevalência da substância sobre a forma, que se estende à adoção de mecanismos processuais que viabilizem a tomada de uma decisão material substantiva, em detrimento de uma mera decisão formal - Ac. RL, Proc. n.º 21405/16.0T8SNT-A.L1-2, de 12/05/2022;

Todas as prévias conclusões são invocadas SEM PREJUÍZO e apesar de aqui se pugnar pela efetiva legitimidade da Recorrida:

22 - As sociedades SGPS - como a Recorrida - enquadram-se na figura geral das sociedades holding, sendo sociedades constituídas com o objetivo de intervir na gestão e controlo das sociedades participadas, exercendo os direitos sociais inerentes às respetivas participações, recebendo os respetivos lucros ou dividendos, bem como os rendimentos resultantes de eventuais alienações dessas participações sociais;

23 - Se por um lado numa holding funciona também o princípio da separação, isto é, as sociedades agrupadas conservam em pleno a sua personalidade jurídica individual, por outro, por virtude dos riscos derivados das relações de domínio para as sociedades dependentes, relativamente aos seus sócios minoritários e credores, o Código das Sociedades Comerciais estabeleceu uma disciplina típica – artigos 486º a 508º-G - destinada a regulamentar a actuação das sociedades em relação de domínio;

24 - A responsabilidade da sociedade totalmente dominante pelas dívidas da sociedade subordinada, é uma responsabilidade objectiva e está prevista no artigo 501º do CSC, situação que se encontra salvaguardada pelo artigo 11º, nº 1 do Decreto-Lei nº 495/88 de 30 de Dezembro que regulamenta a constituição e funcionamento das sociedades SGPS;

25 - A desconsideração da personalidade jurídica (ou levantamento da personalidade colectiva) é um instituto que foi arquitectado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica colectiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respectiva intencionalidade normativa;

26 - Vertendo para o caso sub judice, e sendo a EMP03..., S.A., totalmente detida pela Recorrida - conforme já se invocou e demonstrou - é um mero instrumento ou veículo formal para desenvolvimento da sua atividade;

27 - É, pois, não sem algum espanto que se consulta a informação institucional da R., que a própria disponibiliza, e em que a mesma se caracteriza por - vide ... - A EMP01... tem, por contrato com o Estado, a obrigação de garantir o fornecimento ininterrupto de eletricidade e gás natural a Portugal Continental, satisfazendo critérios de custo qualidade e de segurança estabelecidos pelas entidades competentes.

28 - Assim se compreende que, in casu, colhe perfeitamente o desiderato teleológico da lei, no que concerne a legislação especificamente prevista no Cód. Das Sociedades Comerciais, em que estabelece para as sociedades detentoras de outras, por subordinação (493º C.S.C.) ou em domínio total, que se não possam furtar às responsabilidades assumidas pelas suas participadas - vide art.º 501º a 504º ex vi 491º todos do C.S.C.;

29 - Neste sentido, Ac. STJ, de 31/05/2011, Proc. 35/1997.L1.S1 in dgsi: http://www.dgsi.pt/jstjf.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1e394e97471b346180257b900033ec5c, e no mesmo sentido Ana Perestrelo de Oliveira in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 1151).

30 - (…) Não há dúvida que a R. exerce um poder que se concretiza juridicamente através da emissão de instruções vinculantes da sociedade dominante (a R.) à sua dominada (a alegadamente parte legítima), instruções essas (sobretudo as desvantajosas) que serão o principal fundamento da responsabilidade objectiva prevista no art.º 501º C.S.C.;

31 - Compulsando a letra da lei, a Jurisprudência e a Doutrina, há desde logo que realçar que a natureza da obrigação da Recorrida, enquanto sociedade dominante, como não é uma responsabilidade acessória ou de “segunda linha” conforme deriva do art.º 501º n.º 1 e 2 do C.S.C. - vide Ac. RL Proc. n.º 260/2007-6, de 19/06/2008, in www.dgsi.pt: “É uma responsabilidade directa e ilimitada (…) objectiva (…) solidária;

32 - Conforme bem refere o acórdão do STJ, de 31.05.2005, Proc. nº 05A1413, in www.dgsi.pt;

33 - E o argumento sistemático também reforça a conclusão de uma responsabilidade direta pois é o próprio Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, DL 495/88 de 30/12 que no seu art.º 11º n.º 1 ressalva, exceciona e derroga aquele princípio geral ao prever, expressamente a aplicação dos art.ºs 501º a 504º do C.S.C. – neste sentido vide Ac. da RC, Proc.º n.º 2110/09.0T2AVR.C1, de 15/01/2013, in www.dgsi.pt;

34 - Numa palavra, adere-se, por isso, totalmente, às conclusões do Ac. STJ de 31/05/2005, Proc. n.º 05A1413, in www.dgsi.pt : A responsabilidade da sociedade dominante é directa e ilimitada (…) Tem natureza legal (…) É objectiva (…) É solidária (…) responde pelas obrigações da sociedade dependente (…) É automática (…);

35 - Ver neste sentido, J. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, Almedina, 2002, pp.820-842 e 897, n.1772: onde se explica a ratio legis deste normativo: O motivo-fim que esteve na origem da criação desta norma foi a proteção dos credores da sociedade dominada e é então esta teleologia que fundamenta a previsão da responsabilidade;

36 - Vide, igualmente, Manuel Januário Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pp.5ss., que preconiza tal mecanismo como dirigido à satisfação do credor;

37 - Em idêntico sentido vide Ana Rita Andrade, A Responsabilidade da Sociedade Totalmente Dominante, Almedina, 2009, pp. 64-66;

38 - E, segundo a melhor Doutrina (e voltamos a J. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, Almedina, 2002, pág. .140-142) tudo leva a crer que a responsabilidade do art.º 501º n.º 2 terá tido como destinatários principais aqueles credores que não poderiam impor condições negociais ao devedor, nomeadamente, exigir-lhe garantias pessoais ou reais bastantes. Portanto, falamos de uma responsabilidade essencialmente voltada para a proteção dos credores débeis ou involuntários (consumidores, pequenas empresas fornecedoras) - tal como ocorre na situação vertente;

39 - Assim, o entende toda a Doutrina dominante - Raúl Ventura, “Contrato de Subordinação entre Sociedades”, RB, nº 25, 1993, p. 123; Engrácia Antunes, Os Grupos...,cit., pp. 798-801; Maria de Fátima Ribeiro, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2009, p. 417; M. Graça Trigo, “Grupos de Sociedades”, O Direito, A 123-,1.1, 199, 1p. 93; F. Pereira Coelho, “Grupos de Sociedades”, Sep. Vol. LXIV BFDUC, 1988, p. 32 ss. - e a não muito abundante Jurisprudência;

40 - Isto posto, na situação em apreço, os pressupostos que muita Doutrina faz depender a responsabilidade objetiva da sociedade dominante, são manifestos, sendo paradigma de tal, a própria confundibilidade do nome de ambas as entidades, paradigmaticamente patente no seu nome e acrónimo (EMP01...) e na mesma sede: Avenida ..., ... ... Lisboa;

41 - Sem prescindir, e ante todo o supra exposto e que porque seria redundante estar novamente a invocar o aduzido relativamente ao comportamento da Recorrida, sempre a invocação da ilegitimidade da sua parte é uma manifesto e puro abuso de direito na vertente de um venire contra factum proprium - art.º 334º Cód. Civil - pois a Recorrida, notificada extrajudicialmente pelos recorrentes, nada disse, nada esclareceu a que acresce que toda a informação que disponibiliza para o público em geral não se autonomiza nem faz qualquer distinção da entidade que invoca ser a parte legítima - assim sendo, também por esta banda, a invocação da sua ilegitimidade corresponderia sempre a uma situação que extravasa e viola o fim para o qual a própria exceção perentória foi prevista;

42 - Assim, temos que a legitimidade da Recorrida nos presentes autos, surge pela sua responsabilidade solidária e objetiva, ao abrigo dos art.ºs 501º a 504º do Cód. Comercial ex vi art.º 11º do DL 495/88 de 30/12 e 419º do C.S.C., violados pela sentença agora em crise e que por isso julgou procedente a excepção de ilegitimidade, mas que, agora, deverá soçobrar, devendo a Recorrida ser julgada parte legítima; e

43 - Subsequentemente, por litisconsórcio voluntário passivo, deverá ser admitida a intervenção provocada principal da EMP03..., S.A., a qual teria de ser sempre admitida pelo redundante e duplo fundamento de não só existir a já indicada responsabilidade objetiva da Recorrida que legitima a sua intervenção como litisconsorte voluntária, mas também acrescido pela pertinência da dúvida no sujeito passivo da relação jurídica, conforme invocado no ponto 1 das Alegações;

44 - Tudo nos termos dos art.ºs 316º n.º 2 C.P.C. ou, caso assim não se entenda, alcandorando-se ao abrigo dos art.ºs 39º ex vi 316º n.º 2 do C.P.C., mas sempre seguindo-se os termos dos art.ºs 318º n.º 1 al. b) e ss do C.P.C., que conforme se expôs, também foram violados pela douta decisão do Tribunal a quo.

45 - Compulsando todo o supra invocado, e salvo melhor opinião, estriba-se o desacordo com a decisão e a sentença em crise, devendo o aí decidido ser substituído, ordenando-se o prosseguimento dos autos, contra ambas as empresas EMP01..., para apuramento da matéria de facto, análise da questão de fundo, assim se dando cumprimento ao princípio norteador do direito processual civil português de privilegiar a substância sobre a forma.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [4].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [5], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelos Autores (AA, BB e CC), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não admitir o incidente de intervenção principal provocada (nomeadamente, por estar verificado nos autos um litisconsórcio voluntário passivo ou uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida), devendo ser alterada a sua decisão (nomeadamente, admitindo a intervir nos autos EMP02..., S.A., ao lado de EMP01..., SGPS, S.A., primitiva Ré)?

2.ª -  Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao julgar improcedente a acção, absolvendo a Ré (EMP02..., S.A.) do pedido (nomeadamente, por a sua responsabilização resultar do art.º 501.º do CSC), devendo ser alterada a sua decisão (nomeadamente, julgando-a parte legítima)?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação das duas questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo ainda o Tribunal a quo dado como documentalmente provados (sem sindicância de qualquer das partes):

1 - EMP01..., SGPS, S.A. (aqui Ré) encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...32, tendo por objecto social «a gestão de participações sociais noutras sociedades que exerçam actividade nos sectores de electricidade, do transporte e armazenamento de gás natural e da recepção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito e ainda em outras que com estas estejam relacionadas, como forma indirecta do exercício de actividade económica» (conforme «Certidão Permanente / Código de acesso: ...46» junta os autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).

2 - EMP02..., S.A. encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...73, e possui a concessão da exploração do serviço público da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (conforme «Contrato de Concessão da Actividade de Transporte de Electricidade através da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT) entre Estado Português e EMP02..., S.A.», de 15 de Julho de 2007, junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Incidente de intervenção principal provocada
4.1.1.1. Estabilidade da instância
Lê-se no art.º 259.º, do CPC, que a «instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial» (n.º 1), sem prejuízo do acto de proposição não produzir «efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (n.º 2).
Mais se lê, no art.º 260.º, do CPC, que, citado o réu, «a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei».
Uma destas possibilidades é, nomeadamente, a dedução e admissão de um incidente de intervenção de terceiros (que opera uma modificação necessariamente subjectiva da instância).
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4.1.1.2. Pressupostos materiais da intervenção principal provocada 
Lê-se no art.º 316.º, n.º 2, do CPC, que, nos «casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de alguns dos litisconsortes do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º».
Mais se lê, no art.º 39.º do CPC, que é «admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida».
Está-se aqui perante o incidente de intervenção (em que alguém pretende fazer intervir outrem em lide já pendente), principal (a fim de ser aí admitido como parte principal, ao lado do primitivo réu) e provocada (intervindo o terceiro na lide pendente por iniciativa de uma das suas partes primitivas - no caso o autor -, e não por iniciativa própria).
Precisemos, então, os seus pressupostos materiais de procedência.
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4.1.1.2.1. Litisconsórcio voluntário
Lê-se no art.º 32.º, n.º 1, do CPC que, «se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade».
Logo, está-se perante uma «pluralidade de sujeitos de uma mesma relação material controvertida», expressão que inculca imediatamente a ideia de contitularidade de direitos ou deveres, numa mesma relação jurídica material. Assim, e apesar de existir uma relação material comum, a mesma apresenta-se como divisível nos seus efeitos materiais; e, por isso, não tem correspondência necessária numa relação processual única e comum.
           
Precisa-se, porém, que se «o art. 32 só abarca, na sua letra, as situações de litisconsórcio voluntário formado entre contitulares da mesma relação jurídica material», certo é que para «além delas estão aquelas em que um litisconsorte é titular duma situação jurídica estruturalmente autónoma, mas dependente, jurídica ou economicamente, da posição do outro, ou da sua inexistência. Assim acontece na ação sub-rogatória em que intervém o credor-devedor para ocupar a posição de autor, em litisconsórcio impróprio com o seu credor (art. 608 CC), ou na ação de dívida em que é demandado o devedor e o garante (legal ou convencional) não principal pagador (cf. Art. 627-2 CC)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 76).

Mais se lê, no art.º 35.º do CPC que, «no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes».
Compreende-se que assim seja, já que o «litisconsórcio voluntário, que tem como alternativa a apreciação separada das situações jurídicas dos vários litisconsortes, leva a que, quando se constitui, por um ou contra cada um seja exercido um direito de ação, gerando-se assim um objeto processual múltiplo, o que implica que cada litisconsorte constitua uma parte processual» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, págs. 82 e 83).
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Logo, no caso de litisconsórcio voluntário (permitido), pretende-se que o terceiro interveniente (de forma provocada) possa contrariar (ao lado do réu) o pedido já formulado na acção (o pedido é o mesmo, relativamente a todos os réus, iniciais ou sucessivos), por ser «litisconsorte do  réu inicialmente demandado, isto é, (…) alguém que é titular passivo da mesma relação jurídica que está na base da demanda do primitivo réu e que, por isso mesmo, poderia ter sido desde logo demandado juntamente e com aquele» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Almedina, Setembro de 2018, pág. 367).
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4.1.1.2.2. Dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida
Lê-se no art.º 39.º do CPC, e no que ora nos interessa, que é «admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido (…) contra réu diverso do que (…) é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida» [6].
Com efeito, se é exigível ao autor que, antes de propor uma acção, recolha os elementos que lhe permitam «delimitar não só os factos relevantes, mas também os sujeitos que, na sua perspetiva, são titulares dos interesses em conflito» (consequência quer do princípio do dispositivo, quer da autorresponsabilidade das partes), certo é que se admite que nem sempre lhe seja perceptível «a verdadeira titularidade da relação jurídica litigada» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Almedina, Setembro de 2018, pág. 71).
Contudo, e pese embora «esta figura seja acionável logo na petição inicial, bem pode suceder - e sucede com mais frequência - que a “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida” apenas se coloque em face do teor da contestação apresentada pelo réu inicialmente demandado. Surgindo tal dúvida, este incidente evita o risco de a ação prosseguir em exclusivo contra alguém que, afinal, poderá não ser o titular da relação controvertida. Deste modo, além de se contornarem os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, aproveita-se a ação pendente para fazer valer a mesma pretensão, ainda que subsidiariamente, contra o novo demandado» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Almedina, Setembro de 2018, pág. 367) [7].

Relativamente ao que seja uma «fundada dúvida sobre o elemento subjetivo», dir-se-á que «não pode ser feito um uso abusivo desta hipótese de demanda que, como a lei o enuncia, está reservada para os casos em que se manifeste uma “dúvida fundamentada”, isto é, uma dúvida objetiva que, não podendo ser imediata e seguramente ultrapassada, colida com a definição dos sujeitos da relação material controvertida». Ora, o exposto retrata situação «bem diversa de uma dúvida meramente subjetiva ou emergente do incumprimento do dever de diligência investigatória que deve preceder a instauração de qualquer ação judicial» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Almedina, Setembro de 2018, pág. 71).
Dir-se-á, assim, que na «base do litisconsórcio subsidiário pode estar a necessidade de apurar quem disparou o tiro ou atropelou o autor (dúvida sobre os factos), se o autor ou o réu principal interveio em certo contrato em nome próprio ou em nome alheio (dúvida sobre os factos ou sobre a interpretação da norma aplicável) ou se a cessão do direito de crédito do autor principal em data em que ainda não se constituíra (cessão, por exemplo, do direito à indemnização - e só deste - por incumprimento contratual ainda não verificado) é válida, ao abrigo dos arts. 577 CC e 211 CC (dúvida sobre a interpretação da norma jurídica). O litisconsórcio subsidiário situa-se, por sua natureza, para além das situações de contitularidade da mera relação jurídica material».
Já os «regimes de responsabilidade subsidiária, de que é exemplo o da fiança (art. 627 CC), não implicando a existência de dúvida sobre a pessoa do responsável, mas tão-só a incerteza quanto a o garante vir a suportar o pagamento da dívida, não configuram casos de litisconsórcio subsidiário. Daí também que não baste a manifestação da vontade do autor ao deduzir o pedido a título principal contra um réu e apenas a título subsidiário contra o outro, não obstante a lei lhe facultar a condenação de ambos, a título solidário, subsidiário ou outro, para que tenhamos a figura do litisconsórcio subsidiário» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, págs. 90 e 91).
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Logo, no caso de dúvida fundada sobre o sujeito da relação material controvertida, pretende-se constituir uma pluralidade subjectiva subsidiária, isto é, o terceiro interveniente (de forma provocada) irá contrariar (tal como o primitivo réu) o pedido (o mesmo e inalterado) já formulado na acção (prevenindo a sua futura e total improcedência, por não ser afinal o dito primitivo réu o real e efectivo titular da relação material controvertida).
Com efeito, no actual CPC o chamamento do terceiro pressupõe que o autor dirija contra ele o mesmo pedido inicialmente formulado, devendo a expressão «dirigir o pedido» do n.º 2 do art.º 316.º do CPC ser objecto de «interpretação literal (o pedido agora dirigido contra o terceiro só pode ser o pedido inicialmente dirigido contra o réu).
O autor tem a possibilidade de escolher o réu contra quem em primeira linha quer dirigir o pedido único: normalmente, manterá como parte principal o réu primitivo e como parte subsidiária o terceiro por ele chamado a intervir; mas está livre de pretender que o pedido único seja apreciado a título principal contra o chamado e só subsidiariamente contra o réu primitivo» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 619) [8].
Compreende-se, por isso, que se afirme que «a função reservada a este novo litisconsórcio subsidiário» é a de «obtenção pelas partes de uma sentença que resolva o problema» da dúvida objetiva dos autos sobre contra quem deverá  deduzir a sua pretensão, e não de «prevenir situações de ilegitimidade, que raramente ocorrerão, face ao «critério do artigo 30.º n.º 3», do CPC, onde se lê que, na «falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor». «Trata-se, sim, de garantir a possibilidade de “sanação” da eventual improcedência, através da multiplicação das partes (…) contra as quais uma ou mais pretensões podem ser deduzidas» (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 99) [9].
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4.1.1.3. Responsabilidade solidária da sociedade dominante por dívidas da sociedade dominada
Lê-se no art.º 501.º do CSC que: a «sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste» (n.º 1); a «responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada» (n.º 2); e não «pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em título exequível contra a sociedade subordinada».
Dir-se-á que subjacente «à responsabilidade da sociedade directora, de forma pessoal e ilimitada, pelas dívidas da sociedade subordinada está o objetivo de protecção dos credores desta sociedade, que passa a ser gerida em funções dos interesses da sociedade-mãe: o poder de direcção da sociedade diretora, concretizado no direito de dar instruções - inclusive desvantajosas - à administração da sociedade subordinada (cf. 503.º), é, na realidade, susceptível de agravar a posição dos credores, reclamando-se, por isso, uma redistribuição do risco da exploração empresarial no seio dos grupos societários. Assim, à protecção indirecta resultante da obrigação de compensação das perdas, prevista no 502.º, e à responsabilidade por instruções, decorrente do 504.º, o 501.º vem juntar um mecanismo de protecção direta dos credores da sociedade subordinada ou totalmente dominada» (Ana Perestrelo de Oliveira, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coordenação de António Menezes Cordeiro), 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 1295) [10].
Pensou-se particularmente nos credores incapazes de impor condições negociais ao devedor, nomeadamente em sede de prestação de garantias bastantes, pessoais ou reais (credores mais débeis ou involuntários), como é o caso dos consumidores, ou de pequenas empresas fornecedoras [11].

Compreende-se, por isso, que se afirme que as «sociedades mãe respondem por todo o passivo social das filiais, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo intersocietário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo, no dizer de vários autores, independente da respectiva fonte (Rechsgrund) ou conteúdo (Inhalt)» (Ac. da RL, de 19.06.2008, Maria Manuela Gomes, Processo n.º 260/2007-6).
Compreende-se, ainda, que esta «responsabilidade da sociedade dominante»: seja «directa e ilimitada (a sociedade mãe responde pessoal e imediatamente perante os credores da sociedade filha) e não indirecta (obtida à custa de outros acervos patrimoniais)»; tenha «natureza legal (decorrente de uma norma prevista na lei societária e não da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade filha)»; seja «objectiva (respondendo a sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dependente independentemente da culpa que tenha no não cumprimento)»; seja «solidária (pelo cumprimento unitário e integral das obrigações contraídas pela sociedade filho responde esta e a sociedade mãe-30 dias sobre a constituição em mora daquela)»; se mantenha «até à cessação da relação de domínio total, mesmo que o seu cumprimento [das obrigações da sociedade dependente constituídas até à cessação da relação de domínio total] lhe seja exigido (judicial ou extrajudicialmente), após a cessação dessa relação»; seja «automática (surge relativamente às obrigações da sociedade dependente anteriormente constituídas a partir do momento em que a sociedade dominante adquire o domínio total daquela, ou a partir do momento da constituição das obrigações desta, relativamente às constituídas na vigência de tal relação)»; não pressuponha, «para lhe ser exigível o seu cumprimento, de ser interpelada para cumprir as obrigações da sociedade dependente»; não seja «afastada pelo facto de ter existido uma transmissão da totalidade das acções a um terceiro»; e não se extinga «pela cessação da relação de grupo» (Ac. do STJ, de 31.05.2005, Fernandes Magalhães, Processo n.º 05A1413, com bold apócrifo).
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O art.º 501.º, n.º 1, do CSC aplica-se directamente aos grupos constituídos por domínio total (art.º 488.º e segs.), face à remissão do art.º 491.º, do CSC, e aos grupos assentes em contrato de subordinação (art.º 493.º e segs.). Fora do seu âmbito de aplicação ficam as sociedades em relação de domínio, mesmo quando formem um grupo de facto qualificado (art.º  486.º do CSC) [12].

Constitui um grupo de sociedades em domínio total aquele em que uma sociedade constitui «uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente a única titular» (art.º 488.º, n.º 1, do CSC) - domínio total inicial -, ou em que, supervenientemente, uma sociedade, «directamente ou por outras sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, domine totalmente uma outra sociedade, por não haver outros sócios» (art.º 489.º, n.º 1, do CSC) - domínio total superveniente [13].
Constitui um grupo de sociedades assente em contrato de subordinação aquele em que uma ou mais sociedades, por contrato, subordinam «a gestão da sua própria actividade à direcção de uma outra sociedade, quer seja a sua dominante, quer não» (art.º 493.º, n.º 1, do CSC).

Já a mera relação de domínio entre duas sociedade verifica-se quando «uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante»; e presume-se «que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente», detém «uma participação maioritária no capital», dispõe «de mais de metade dos votos», ou tem «a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização»  (art.º 486.º, n.º 1 e n.º 2, do CSC).
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4.1.1.4. Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS)
Lê-se no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais), que as «sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas» (n.º 1); para «efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante» (n.º 2); e para «efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano» (n.º 3).
De forma conforme, lê-se no art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que os «contratos pelos quais se constituem SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, nos termos do n.º 2 do artigo anterior».
Logo, a sociedade gestora de participações sociais caracteriza-se por: ser titular de participações sociais noutras sociedades; fazer a gestão dessas participações sociais como forma indirecta de exercício de atividade económica; e este seu objecto social ser exclusivo.
É, por isso, que a sociedade gestora de participações sociais é uma holding de direcção, isto é, o seu fim primordial e exclusivo é a direcção das sociedades participadas (através da detenção das respectivas participações sociais), por forma a intervir no desenvolvimento das respectivas actividades.

Mais se lê no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, no seu: art.º 2.º, n.º 4, que a «firma das SGPS deve conter a menção “sociedade gestora de participações sociais” ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objecto social»; e art.º 6.º, que às «menções em actos externos exigidas pelo artigo 171.º do Código das Sociedades Comerciais acresce, para estas sociedades, a menção, por extenso, “sociedades gestoras de participações sociais”, a não ser que ela já conste, também por extenso, das respectivas firmas».
Logo, assegura-se deste modo o conhecimento por terceiros do exclusivo objecto social da sociedade gestora de participações sociais.
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Com a sociedade gestora de participações sociais, enquanto holding, visa-se primordialmente: a reorganização (mais do que a concentração) de grupos empresariais; vantagens de natureza financeira para o grupo como um todo (v.g. melhoria das condições de financiamento externo, poupanças decorrentes do recurso ao crédito dentro do grupo); serviços comuns e partilhados para todas as subsidiárias (v.g. contabilísticos, administrativos, jurídicos, informáticos, de gestão e exploração de direitos de propriedade industrial, de seguros, de relações públicas, de prospeção de mercado, de planificação, de investigação, de desenvolvimento, de engenharia, de segurança, de logística), com uniformização de procedimentos, visando economias de escala; limitação ou mitigação do risco insolvencial/financeiro, mercê da gestão coordenada e concertada do conjunto das sociedades subsidiárias, com uma diversificação de investimentos  (em função do sector ou dos ramos de actividade onde aquelas operam, ou da fase do processo produtivo a que se dedicam - v.g. produção, distribuição, assistência pós-venda -, ou do território onde actuam); e consolidação de todas as informações contabilísticas e financeiras de todas as sociedades subsidiárias numa única entidade.
           
Contudo, vigora aqui o princípio da separação, isto é, as sociedades agrupadas conservam plenamente a sua personalidade jurídica individual, mantendo ainda a respectiva autonomia jurídico-patrimonial e jurídico-organizativa, e a titularidade autónoma de direitos e obrigações.
Com efeito, a «SGPS é uma sociedade distinta das suas participadas», que «funcionam formal e materialmente como sociedades autónomas», nomeadamente com os seus próprios «órgãos de administração e de fiscalização», «estando vedado, nos termos gerais, à SGPS, imiscuir-se neles».
Logo, «o holding não responde pelos actos imputáveis às suas participadas, nem pelos débitos que estas hajam assumido», excepto «em situações muito especiais, marcadas por uma previsão legal específica ou pelo instituto extraordinário do levantamento da personalidade colectiva» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I - Das Sociedades em Geral, 2004, Almedina, Junho de 2004, pág. 836).
A responsabilidade prevista no art.º 501.º do CSC é, precisamente, uma das situações salvaguardas pelo art.º 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro [14].
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4.1.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.1.2.1. Litisconsórcio voluntário
Concretizando, verifica-se que os Autores (AA, BB e CC) propuseram a presente acção alegando que a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) «instalou um poste de muito alta tensão no terreno confinante com o prédio» rústico propriedade da 2.ª Autora (BB), e que «fez ainda passar linha de muito alta tensão identificada como “linha Aérea a 400kv, ...” sobre» aquele prédio rústico e um outro propriedade do 1.º Autor (AA), sendo o 3.º Réu (CC) usufrutuário de ambos, reduzindo o valor de mercado de cada um dos imóveis em € 150.000,00.
Mais se verifica que, mercê desta causa de pedir, impetraram a condenação da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) «no pagamento da quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) à Autora, BB, e no pagamento de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ao Autor, AA», por lhe caber indemnizá-los da desvalorização sofrida nos respectivos patrimónios mercê da legislação aplicável a esta sua precisa actividade (nomeadamente,  o regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica).
Verifica-se ainda a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) veio, na sua contestação, alegar ter como única actividade a «mera gestão de participações sociais não tendo procedido à construção, nem sendo responsável pela exploração da “Linha Aérea a 400kv, ...», por não ser «concessionária do serviço público da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (“RNT”)», e sim a sua participada EMP02..., S.A..
Por fim, verifica-se que, em articulado subsequente, os Autores (AA, BB e CC) vieram defender a responsabilização da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.), mercê da sua qualidade de holding, ao abrigo do disposto no art.º 501.º do CSC (que expressamente citaram para o efeito); e, com ela e de forma solidária, a responsabilização de EMP02..., S.A., «que,  alegadamente, colocou o poste e as linhas de muito alta tensão invocados in casu», defendendo verificar-se nos autos «a existência de litisconsórcio voluntário passivo».
Por isso, e ao abrigo do mesmo, requereram a intervenção principal provocada precisamente de EMP02..., S.A.
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.

Com efeito, a única relação material controvertida invocada na petição inicial radica exclusivamente na colocação de um poste de muito alta tensão em terreno confinante com um prédio rústico propriedade da 2.ª Autora (BB) e na passagem de linhas aéreas de muita alta tensão sobre ele e sobre um outro prédio rústico, este propriedade do 1.º Autor (AA); e ser essa actuação levada a cabo ao abrigo da actividade de transporte de energia elétrica.
Ora, e tal como os Autores (AA, BB e CC) reconheceram nos autos - após a junção do «Contrato de Concessão da Actividade de Transporte de Electricidade através da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT) entre Estado Português e EMP02..., S.A.» - é exclusivamente a EMP02..., S.A. que é a concessionária da actividade de transporte de energia eléctrica; e a dona da obra da «Linha Aérea a 400 kv, ...», no âmbito da qual eles próprios afirmam que foram praticados os actos onde radicam o direito indemnizatório que aqui invocam.

Compreende-se, por isso, que a responsabilização da inicial Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) tenha sido depois justificada por eles com a responsabilidade subsidiária que sobre ela recairia, enquanto holding de EMP02..., S.A., mercê da sua qualidade de sociedade totalmente dominante face a esta, sociedade sua subordinada; e invocando para o efeito o disposto no art.º 501.º do CSC.
Ora, a aplicação do regime de responsabilidade nele consagrado pressupõe a alegação e prova duma especial relação de domínio de uma sociedade (dominante) perante outra, de que esta (sociedade subordinada) esteja obrigada perante outrem, de que não haja cumprido essa concreta obrigação e que a sua mora se prolongue por mais de 30 dias.
Logo, e independentemente dos Autores (AA, BB e CC) poderem, ou não, ter demandado inicialmente ambas as Sociedades (a primitiva Ré e aquela que depois pretendiam fazer intervir, ao lado dela, nos autos), certo é igualmente que os factos (e o Direito) que fundamentam a sua responsabilização são distintos para cada uma delas, por não integrarem ambas a mesma relação material controvertida.

Falece, assim, o primeiro fundamento da dedução do incidente de intervenção principal provocada de EMP02..., S.A.: o encontrar-se a mesma numa situação de litisconsórcio voluntário com a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.).
*
4.1.2.2. Dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida
Concretizando novamente, verifica-se que, prevenindo este entendimento, os Autores (AA, BB e CC) vieram ainda defender existir nos autos «dúvidas sobre a legitimidade dos sujeitos processuais», pelo que se deveria «chamar a intervir a EMP03..., S.A., nos termos dos art.ºs 39º ex vi 316º nº 2 do C.P.C.».
Invocaram inicialmente em abono desta sua posição: o terem ambas as Sociedades, interpeladas prévia e extrajudicialmente por si, nada dito ou esclarecido quanto à autoria dos factos invocados na petição inicial; possuírem o mesmo acrónimo (EMP01...); terem a mesma sede social; e apresentar-se a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.), na informação institucional que disponibiliza ao público e ao cidadão (nomeadamente no site http://:...) com «as valências que agora diz não serem suas».
Já em sede de recurso os Autores (AA, BB e CC), de forma inédita até então nos autos, invocaram um «comportamento deliberado» da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) «em ocultar o cabal esclarecimento dos cidadãos por forma a os impedir de exercerem os seus direitos», já que: só a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.)  dispõe de um website próprio, para o qual o motor de busca da Google remete quando se escreve «EMP02..., S.A.»; e os administradores repectivos são os mesmos.
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhes assiste razão sobre a existência de «dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida».

Com efeito, e conforme já se referiu, os Autores (AA, BB e CC) não deduziram subsidiariamente o mesmo e único pedido inicial contra ambas as Sociedades, por desconhecerem qual delas é verdadeiro sujeito da única relação controvertida em causa nos autos: no momento em que deduziram o incidente de intervenção principal provocada pretenderam a responsabilização de cada uma delas com distintos fundamentos (causa de pedir), a primitiva Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) então com base na sua responsabilidade subsidiária (como sociedade dominante face a sociedade dependente), e EMP02..., S.A. com base nos factos invocados na petição inicial (isto é, enquanto concessionária do transporte de energia eléctrica e dona da obra «Linha Aérea a 400 kv, ...», no âmbito da qual foi colocado um poste de muito alta tensão em terreno confinante com prédio rústico da 2.ª Autora e colocadas linhas de muito alta tensão sobre ele e sobre prédio rústico do 1.º  Autor).

Dir-se-á ainda que, constando expressamente da firma da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) a menção SGPS, estariam os Autores (AA, BB e CC) habilitados, ainda antes da propositura da acção, a saber que o objecto exclusivo da mesma era a gestão de participação sociais, estando-lhe nomeadamente vedado o exercício directo de qualquer actividade de transporte de energia eléctrica e de realização de obras relativas à sua concretização.

Acresce que é próprio de uma sociedade gestora de participações sociais pretender ser associada a uma determinada dimensão e robustez económica, por forma a reforçar no mercado onde opera e no público em geral uma imagem e/ou uma marca,  sinalizando quase sempre a existência de um grupo de sociedades [15].
A ser assim, não é de estranhar a partilha entre elas (ou entre algumas delas) da mesma sede, e/ou dos mesmos administradores; ou a existência de um único website, centralizando a informação sobre a actividade (ou a actividade economicamente mais significativa ou mais visível no mercado) desenvolvida por elas (ou por algumas delas). 
Não se vê, por isso, nesta realidade qualquer intencional actuação da Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) com vista a dissimular ou dificultar a concreta e correcta identificação dos objectos sociais dela própria e de EMP02..., S.A. (resultado que, no seu caso, sempre estaria afastado pela mera leitura da respectiva firma).

Por fim, dir-se-á que a omissão de resposta de ambas as Sociedades às prévias e extrajudiciais interpelações dos Autores (AA, BB e CC) não viola qualquer dever jurídico que lhes tivesse sido imposto em contrário (o que não contende com outro juízo que se faça sobre a sua «boa fé e ética», idêntico ao realizado nos autos pelos Autores).

Falece, assim, o segundo fundamento da dedução do incidente de intervenção principal provocada de EMP02..., S.A.: terem os Autores (AA, BB e CC) uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da única relação controvertida que invocaram na petição inicial.
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Deverá decidir-se em conformidade, pela improcedência nesta parte do recurso dos Autores (AA, BB e CC).
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4.2. Legitimidade para a acção
4.2.1.1. Legitimidade processual
Lê-se no art.º 30.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC que o «autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer», exprimindo-se o interesse em demandar pela «utilidade derivada da procedência da acção» e o interesse em contradizer pelo «prejuízo que dessa procedência advenha».
Mas entendeu ainda o legislador, no n.º 3 do mesmo preceito legal, fornecer-nos um critério auxiliar, acrescentando que «são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor», resultando esta última precisão da redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, ao art.º 26º do CPC de 1961.
Pretendeu-se com a mesma pôr fim à discussão que se fazia - quer na doutrina, quer na jurisprudência - a respeito do que era a dita «relação material controvertida».
Com efeito, e ao contrário de outros, para Alberto dos Reis, Antunes Varela e Outros e Artur Anselmo de Castro seria necessário considerar a relação jurídica real, a que se formou no mundo, sendo partes legítimas os efectivos titulares de mesma (respectivamente, RLJ, ano 79, pág. 305, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 128, e Processo Civil Declaratório, Volume II, Almedina, Coimbra 1982, pág. 189).
Mas, a ser assim, as mais das vezes teríamos que conhecer do mérito da causa antes de nos podermos pronunciar sobre a legitimidade, com o que decidiríamos sobre a sua procedência ou improcedência, não logrando uma decisão de absolvição ou não absolvição da instância, consequência geral das excepções dilatórias, como é a ilegitimidade (art.ºs 577.º, al. e) e 278.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC).
Parecia, por isso, preferível, socorrermo-nos da tese perfilhada por Barbosa de Magalhães, Palma Carlos e Teixeira Ribeiro, segundo a qual «a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade - ou prejuízo - que da procedência - ou improcedência - da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresente o autor» (respectivamente, Gazeta da Relação de Lisboa, ano 32, pág. 274, Ensaio sobre o litisconsórcio, Colonial, Lisboa,1956, pág. 118, e BMJ, n.º 292, pág. 105, de onde foi retirada a citação, embora com bold apócrifo).
Por outras palavras, admite-se a existência da relação jurídica alegada; e, perante a configuração que lhe foi dada pelo autor, procurar-se-á ver se ele, e o réu por si apresentado, podem, ou não, ser os seus sujeitos. Apurando-se posteriormente factos de forma desconforme com essa configuração, e sendo caso disso, a acção improcederá.
Foi, pois, decididamente por esta tese que pugnou o legislador, lendo-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que se partiu «de uma clara formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.º 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis».

Pode, assim, afirmar-se que a legitimidade processual respeita à relação de interesse das partes com o objecto da acção, aferindo-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial, isto é, considerando apenas a substância do concreto pedido formulado e a concretização da respectiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram esta última e do mérito da causa (conforme art.º 30.º, do CPC). É, assim, exclusivamente requisito de apreciação dos autos pelo tribunal.
Sendo pressuposto processual, compreende-se que a sua não verificação constitua uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso - a realizar no despacho saneador, caso o não tenha sido em momento anterior, ou no início da audiência final, caso não haja lugar àquele -, que determina a absolvição da parte contrária da instância (conforme art.ºs. 278.º, al. e), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º e 595.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).
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4.2.1.2. Legitimidade substantiva
Já a legitimidade substancial, material ou “ad actum” respeita à efectividade da relação material invocada, isto é, prende-se com o concreto pedido e a causa de pedir que o fundamenta tal como se venham a provar; e, desse modo, contende com o mérito da causa (ou seja, é requisito da procedência do pedido, ao impor a demonstração dos pressupostos da titularidade, por um sujeito, do direito por ele invocado).
Compreende-se, por isso, que a sua não verificação constitua uma excepção peremptória, normalmente dependente de arguição da parte que dela beneficia, e que determina a respectiva absolvição do pedido (conforme art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 3 e 579.º, ambos do CPC).
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4.2.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Legitimidade processual
Concretizando, e reiterando parte do que se deixou já dito, verifica-se que, alicerçando os Autores (AA, BB e CC) o pedido de indemnização que formularam nos autos na colocação de um poste de muito alta tensão em terreno confinante com prédio rústico da 2.º Autora,  e na passagem de redes de muito alta tensão sobre ele e sobre prédio rústico do 1.º Autor, imputaram a prática desses autos à Ré (EMP01..., SGPS, S.A.).
Ao fazê-lo, e tal como configuraram a relação material controvertida na petição inicial, asseguraram a respectiva legitimidade processual (isto é, para aqui ser demandada).
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4.2.2.2. Legitimidade substantiva
Concretizando novamente, verifica-se que, vindo a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.), na sua contestação, alegar ter como objecto exclusivo a gestão de participações sociais, e ser EMP02..., S.A. (sociedade sua participada) a concessionária da actividade de transporte de energia eléctrica no nosso país - no âmbito da qual foi realizada a obra onde se praticaram os factos alegadamente danosos invocados pelos Autores (AA, BB e CC) -, veio a provar-se documentalmente essa sua alegação.
Logo, será esta última Sociedade, e não a primitiva Ré (EMP01..., SGPS, S.A.), quem deverá indemnizá-los, se se mostrarem reunidos os pressupostos legais exigidos para o efeito; e, por isso, não poderia aquela deixar de ser absolvida do pedido.
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Deverá decidir-se em conformidade, pela improcedência também nesta parte do recurso dos Autores (AA, BB e CC).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (AA, BB e CC) e, em consequência, em

· Confirmar o primeiro despacho recorrido, que indeferiu a intervenção principal provocada nos autos de EMP02..., S.A., como associada da primitiva Ré (EMP01..., SGPS, S.A.).

· Confirmar o despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré (EMP01..., SGPS, S.A.) do pedido.
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Custas pelos Autores (AA, BB e CC) recorrentes (conforme art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 27 de Junho de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.


[1] Invocaram como, em situações idênticas, ter reconhecido essa desvalorização: o Ac. do STJ, de 10.11.2011, Mário Mendes, Processo n.º 1168/06.8TBMCN.P1.S1; e o Ac. da RP, de 02.12.2019, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 2660/16.1T8OAZ.P1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais aqui citados sem indicação de origem).
[2]  Os Autores invocaram a propósito o art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, que regulamenta de forma actualizada a Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944, que estabelecia as bases de execução da política nacional de electrificação.
[3] Os Autores  invocaram a propósito a base XIII do anexo ao Decreto-Lei n.º 185/95, de 27 de Junho.
[4] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1). 
[5] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[6] A figura da pluralidade subjectiva subsidiária foi justificada no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a «ideia base de evitar que regras de índole estritamente procedimental possam obstar ou criar dificuldades insupríveis à plena realização dos fins do processo - flexibilizando ou eliminando rígidos espartilhos, de natureza formal e adjectiva, susceptíveis de dificultarem, em termos excessivos e desproporcionados, a efectivação em juízo dos direitos».
Será, por exemplo, o caso de «situações em que haja fundadas dívidas sobre a identidade do verdadeiro devedor, designadamente por se ignorar em que qualidade interveio exatamente o demandado no negócio jurídico», permitindo-se então ao autor a formulação do pedido principal contra quem pensa ser o provável devedor e do pedido subsidiário contra o hipotético devedor.
[7] No mesmo sentido, J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2009, págs. 384 e 385, onde se oferece como exemplo da existência de uma «dúvida fundada sobre o(s) sujeito(s) que são titulares da relação material controvertida», a situação em que «o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou facto que serve de causa de pedir».
Assim, «o autor pode demandar (inicialmente) um réu e formular subsidiariamente contra ele um pedido no caso de dúvida fundamentada sobre quem é o verdadeiro sujeito passivo da relação material controvertida. O autor, ainda no âmbito daquela primeira hipótese, terá que afirmar quais as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta (pluralidade subjectiva subsidiária). Então, se um for absolvido, o outo (ou outros) serão condenados.
(…)
Parece, inclusivamente, que o autor não tem que apresentar os réus numa relação de subsidiariedade: ele pode, ao invés, demandar, em alternativa, vários réus, sendo a instrução da causa realizada simultaneamente em relação a todos os réus, embora aí deva proceder em relação a um (ou a alguns) dos réus».
[8] Neste sentido Ac. da RP, de 30.10.2023, Nélson Fernandes, Processo n.º 437/23.7T8OAZ-A.P1, onde se lê que o «direito processual comum admite a figura da pluralidade subjetiva subsidiária, que visa a satisfação de um único pedido quando haja dúvida fundamentada sobre quem seja o sujeito passivo da relação jurídica em apreciação na ação».
Assim, «enquanto a intervenção principal, assentando no litisconsórcio necessário ou voluntário, tem por objetivo o chamamento de uma pessoa para ocupar um lugar de comparte, ao seu par ou ao par da parte contrária, já a pluralidade subjetiva subsidiária, por sua vez, no que à parte passiva na ação diz respeito, permite que possam ser demandados (inicialmente ou mais tarde mediante incidente de intervenção) réus diversos, com vista à satisfação de um único pedido».
[9] Precisa-se, a propósito, que o «incidente de intervenção não é um meio de substituição processual de demandados, nomeadamente quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra. A finalidade do incidente de intervenção provocada é ultrapassar o vício de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar a intervenção dos litisconsortes voluntários».
Logo, «só a ilegitimidade plural é suprível por via do incidente de intervenção», sendo a «ilegitimidade singular (…)  insanável», «insuprível, pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte, não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida» (Ac. da RG, de 10.09.2020, Rosália Cunha, Processo n.º 559/20.2T8GMR.G1).
[10] No mesmo sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág. 7, onde defende ter o legislador previsto que a devedora inicial (sociedade dominada), não conseguiria sozinha satisfazer os interesses dos seus credores, pelo que «a obrigação [da sociedade dominante] - o vínculo obrigacional - é norteada, desde a sua constituição, pelo fim de satisfação do interesse do credor» daquela outra.
[11] Neste sentido, José Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2.ª edição, Almedina, 2002, págs. 140-142.
[12] Neste sentido, Ana Perestrelo de Oliveira, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coordenação de António Menezes Cordeiro), 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, págs. 1295 e 1296.
[13] Caracterizando a relação de grupo por domínio total, lê-se no  Ac. do STJ, de 31.05.2011, Salazar Casanova, Processo n.º 35/1997.L1.S1, que é aqui «mais intensa a ligação entre as sociedades, pois a sociedade dominante é a única titular da sociedade dominada e, em muitos casos, para não dizer na grande maioria dos casos (…) a relação de grupo mantém-se nos precisos termos com que se iniciou, não tendo ocorrido alienação de 10% ou menos do capital da sociedade dependente (artigo 489.º/4, alínea c) do C.S.C.)».
De seguida, citando Ana Perestrelo de Oliveira (in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 1151), afirma que a «relação de grupo por domínio total "constitui a forma mais intensa de coligação societária prevista no CSC - 482.º,d) -, pois, para além do controlo exercido sobre o órgão de gestão, a sociedade totalmente dominante exerce, na qualidade de sócia única, todas as competências pertencentes à assembleia geral da dependente, o que constitui diferença qualitativa relevante face à situação de grupo assente em contrato de subordinação”».
[14] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 15.01.2013, Luís Cravo, Processo n.º 2110/09.0T2AVR.C1, onde se lê que a «SGPS é uma sociedade distinta das suas participadas, donde, por força do “princípio da separação”, e salvo situações muito especiais (e de previsão legal específica), o holding não responde pelos actos imputáveis às suas participadas, nem pelos débitos que estas hajam assumido».
Contudo, configura «precisamente uma “situação muito especial” e fruto de “previsão legal específica” as normas dos arts. 501º a 504º do C.Soc.Com., por força das quais as obrigações das sociedades com domínio total, face às obrigações da sociedade dominada, se constituem como uma responsabilidade directa, ilimitada, com natureza legal e objectiva, sendo que nesse caso respondem solidariamente ambas as sociedades perante o credor».
[15] Neste sentido, José Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 63, onde se lê que a existência de uma SGPS constitui um indício forte de que existe um grupo de sociedades.