Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE BISPO | ||
Descritores: | OMISSÃO DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS NULIDADE RELATIVA FORMA DE ARGUIÇÃO ARTº 120º Nº 2 A) E D) DO CPP | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/09/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
Sumário: | I) O tribunal deve, oficiosamente ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, competindo-lhe investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si os alicerces da decisão, independentemente da contribuição dada quer pela acusação quer pela defesa. II) No entanto, tal princípio sofre as limitações impostas pelos princípios da necessidade (só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade), da legalidade (só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei) e da adequação (não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios). III) A omissão de produção de meio de prova necessário, ou seja, essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, quer a sua produção haja sido ou não requerida, constitui a nulidade relativa prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP. IV) Quando a omissão ocorre, tendo a produção do meio de prova sido requerida e indeferida, a impugnação deve ser feita por via de recurso. Caso contrário, o interessado na produção da prova deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência (al. a) do n.º 3 do artigo 120º do CPP), sob pena de sanação, sendo que no caso de não obter deferimento deve interpor recurso da respetiva decisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, com o NUIPC 200/19.0GCVRL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Central Criminal de Vila Real (Juiz 2), encontrando-se já a decorrer o julgamento, foram proferidos os seguintes despachos: a) - No dia 28-05-2020 (embora com conclusão datada de 29-05-2020 - fls. 652 a 655), a indeferir: - por um lado, a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, por violação do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do mesmo código e no art. 388.º do Código Civil, invocada no requerimento apresentado em 24-05-2020 pelo arguido (fls. 631 a 633), relativamente ao despacho de 22-05-2020 (fls. 626 a 630), pelo qual se indeferiu a realização da perícia, com recolha de impressões digitais ao arguido e à ofendida G. M. à faca identificada no auto de notícia como “elemento n.º 1” e que constitui o objeto que alegadamente causou os ferimentos em julgamento; - por outro lado, a indeferir a produção de meios complementares de prova requeridos pelo arguido no requerimento por ele apresentado também no dia 24-05-2020 (fls. 634 a 636), traduzidos na inquirição dos militares da GNR que foram prescindidos pelo Ministério Público e pelo assistente na primeira sessão da audiência de julgamento e na audição do Sr. Perito Médico Dr. D. P.. b) - Em 05-06-2020 (fls. 689 a 690), a indeferir a nulidade, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, do referido despacho de 28-05-2020, na parte em que indeferiu a produção dos mencionados meios de prova complementares, invocada pelo arguido através do requerimento de 04-06-2020 (fls. 682 a 683). 2. Concluído, entretanto, o julgamento, foi proferido acórdão, em 16-06-2020, depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]): «Pelo exposto, julgando a acusação procedente, por provada, acordam os juízes que constituem este Tribunal Coletivo: A) Condenar o arguido P. F. pela prática, em autoria material e em concurso real e efetivo de: - um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 26.º 1.ª parte e artigo 152.º n.º 1, alínea a), e 2 alínea a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período legal máximo de 5 anos, e a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. Ordena-se o cumprimento do disposto no n.º 5 do art.º 152.º do C. Penal, isto é a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento e deverá ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, devendo oportunamente comunicar-se à entidade competente. - um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 22.º, 23.º, 131.º, 132.º n.º 1 e 2.º als. b) do Código Penal [na pessoa da ofendida G. M.] na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; - um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal [na pessoa do ofendido C. F.], na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido P. F. na pena única de 9 (nove) anos de prisão. * B) Julgar totalmente procedente o pedido do Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. e condenar o arguido P. F. a pagar- lhe o montante de 1.614,30 euros (mil seiscentos e catorze euros e trinta cêntimos) a título de dano patrimonial de assistência hospitalar, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação a que alude o art. 78º do C.P.P. até efetivo e integral pagamento.C) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente C. F. e consequentemente condenar o arguido P. F. a pagar-lhe a quantia de 2.000,00 (dois mil) euros, a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora calculados desde a data deste acórdão até efetivo e integral pagamento D) Em equidade, arbitrar uma indemnização a favor da ofendida G. M. e, consequentemente, condenar o arguido a pagar-lhe 12.500, 00 (doze mil e quinhentos euros), para a compensar de todos os danos não patrimoniais pelas condutas do arguido integrantes do crime de violência doméstica. * Custas crime pelo arguido fixando-se em 6 (seis) UC’s a taxa de justiça devida e os legais acréscimos devidos nos termos do atual regulamento das custas processuais.Custas cíveis pelo arguido pelo total decaimento. Remeta, após trânsito, boletim ao registo criminal. Proceda ao depósito nos termos do n.º 5 do artigo 372.º do C. de Processo Penal.» 3. Inconformado, o arguido interpôs recurso dos referidos despachos de 28-05-2020 e de 05-06-2020, recurso esse admitido a subir a final, com o que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, bem como interpôs recurso do acórdão. 3.1 - O recorrente concluiu a motivação do recurso interlocutório nos termos que a seguir se transcrevem: «CONCLUSÕES 1 – O presente recurso é interposto dos despachos proferidos, em 01/06/2020 e 08/06/2020, que não declararam as nulidades tempestivamente arguidas pelo arguido/recorrente relativamente aos precedentes despachos, que indeferiram três diligências de prova por si requeridas ao abrigo do disposto no art. 340º, nº1 do CPP, nos arts. 2º, e 32º da CRP, bem como o nº 3, do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do nº 3, do art. 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos; 2 - Na sequência da prova produzida, o recorrente formulou dois requerimentos em que requeria, ao abrigo do art. 340º, nº1 do CPP, a produção de prova aos vestígios lofoscópicos do arguido e da ofendida à faca identificada nos autos como “Elemento nº 1”, à inquirição de 3 agentes da GNR que se deslocaram ao local, em 10/07/2019, e que redigiram o “Auto de Noticia”, tomaram declarações ao arguido e à testemunha, A. F., encontraram o arguido deitado no quintal, bem como recolheram a faca que provocou os ferimentos no arguido, na ofendida e no assistente e à inquirição de perito médico, por ser essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa; 3 - O Mmo Juiz a quo indeferiu tais requerimentos, sufragando um entendimento que, salvo o devido respeito, é de todo inaceitável por representar a violação de um dos princípios basilares do nosso processo penal, o da investigação ou da verdade material plasmado no art. 340º, nº1 do Cód. Proc. Penal; 4 - O princípio da investigação exige que o tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais lhe proponham, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure essencial ou necessário à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa. 5 - O juízo de necessidade ou desnecessidade das diligências de prova requeridas é feito pelo Tribunal na imediação do julgamento. E, para aferir tal necessidade de indagação e total esclarecimento, deve o julgador socorrer-se de todos os meios de prova possíveis e legais, não podendo reter-se e ficar-se numa atitude passiva, expectante e em tudo dependente das provas que os sujeitos processuais tenham carreado para o processo. Deve, pois, o Juiz produzir todos esses meios de prova que o habilitem a uma decisão condenatória ou absolutória; 6 - No contexto da produção da prova, as diligências em causa configuravam-se como manifestamente essenciais e imprescindíveis uma vez que em sede de audiência de discussão e julgamento, no decurso do afirmado pela ofendida e pela testemunha, A.L., que aquela, no dia 10/07/2019, não detinha nenhuma faca na mão, que o arguido a foi buscar à cave e que era de uso pessoal do mesmo e que a espetou na ofendida, será que o eventual reconhecimento das impressões digitais da ofendida no cabo da faca em crise e que concatenado com outros meios de prova existentes nos autos, não constitui um elemento de prova fundamental para a defesa do arguido e consequente desmascaramento da versão apresentada pela ofendida e incongruentemente assessorada pela testemunha, A.L., em sede de audiência e julgamento, por um lado; 7 - Por outro lado, reportando-se os autos alegadamente a um episódio factual ocorrido, em 10/07/2019, incumbia ao Tribunal, na sequência da prova coligida e face ao respetivo teor, levar a cabo a audição dos elementos de autoridade policial que se terão deslocado, naquela data, por ser previsível que os mesmos tenham conhecimento de factos que relevam para a boa decisão da causa; 8 - Pois o conhecimento que os mesmos têm e sobre o qual se pretende depoimento circunscreve-se ao conhecimento direto e circunstanciado que os mesmos têm quanto à factualidade em discussão, considerando que foram estes agentes quem tomaram declarações ao arguido e à testemunha, A. F., no dia 10/07/2019, quem redigiram o Auto de Noticia, quem encontraram o arguido deitado no quintal e quem encontraram e recolheram a faca que provocou as lesões no arguido, na ofendida e no assistente. 9 - Como decorre do preceituado nos arts. 55º, 249º, nº2 e 250º, todos do CPP, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, nada impedindo que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio, o que não corresponde ao presente caso, uma vez que o arguido sempre prestou declarações sobre os factos que lhe são imputados. 10 - Aos órgãos de polícia criminal, em tais circunstâncias, não está vedado ter com determinadas pessoas conversas que não são formalizadas em auto, podendo essas conversas reportar-se a factos que estão em investigação e a fonte de informação pode até ser um suspeito do crime investigado. 11 - Ademais, sempre se acrescente que, tendo o arguido prestado depoimento, salvo o devido respeito, sempre poderiam as testemunhas relatar o que lhes foi dito no momento, quando ainda não era arguido, ainda que obviamente sujeito à livre apreciação da prova; 12 - Quanto à requerida audição do Sr. Perito médico, ela revela-se de fundamental, não só para que o Sr. Perito- médico possa esclarecer o Tribunal sobre o teor dos termos médicos constantes nos ficheiros clínicos a fls 33 e sgs. e expressamente descritos no requerimento do arguido, mas também para que esclareça e classifique o tipo de lesão da ofendida, se se trata de uma lesão incisa ou cortante ou de uma lesão perfurante, e, consequentemente, para que se averigue a direção e o movimento da lâmina da faca usada. 13 – Acresce, ainda, que a fls. 111 dos presentes autos encontra-se uma fotografia da roupa que a ofendida usava na altura em que ficou ferida – 10/07/2019 - e de onde se infere que a peça de roupa identificada na fotografia inferior daquele documento encontra-se com vários buracos, o que, e ao contrário do que a ofendida e a testemunha, A.L., testemunharam em sede de audiência e julgamento, indicia que houve luta entre o arguido e a ofendida, aproximando- se, desta forma, tais factos à versão sempre defendida pelo arguido, mas pura e simplesmente ignorada pelo Tribunal a quo, quer na investigação criminal quer na fase de julgamento. 14 - Ora, da concatenação de todas as provas já existentes nos autos, medianamente, se conclui que a versão apresentada pelo arguido é aquela que mais contende com a realidade dos factos e que foi ao retirar a faca à ofendida que ambos ficaram feridos, com a conclusão de que a ferida da arguida é incisiva e jamais perfurante, o que, desde logo, afasta o dolo da conduta do arguido. 15 – Estando o Tribunal a quo confrontado com duas versões sobre o uso da faca, no dia 10/07/2019, e do qual resultou ferimentos na ofendida e no arguido devidamente documentados nos presentes autos, a audição do Sr. Perito mé- dico revela-se de fundamental e serve para valorar os factos em discussão, tanto mais que o julgador não possui conhecimentos científicos, revelando-se, por isso mesmo, tal audição fundamental para a descoberta da verdade material. 16 – Impondo-se, por isso mesmo, ao Tribunal a quo, no cumprimento dos princípios da investigação e do inquisitório e na busca da verdade material, a promoção do deferimento de todos os meios de prova requeridos que visem alcançar esse objetivo. 17 - Efetivamente, o que está em causa é o exercício do direito do contraditório, dado que a versão apresentada pelo arguido de que quem detinha a faca era a ofendida e que, apesar disso e das provas existentes nos presentes autos, nunca mereceu qualquer credibilidade quer na fase de inquérito, quer na fase de julgamento, pelo que apenas resta ao arguido sindicar e provar a sua inocência mediante a comprovação cientifica por meio de perito médico especializado do IML, através da prestação de esclarecimentos sobre o tipo de lesão da ofendida, se se trata de uma lesão incisa ou cortante ou de uma lesão perfurante, e, consequentemente, para que se averigue a direção e o movimento da lâmina da faca. 18 - O contraditório, para além de garantia constitucional de defesa (art. 32º, nºs 1, 3, 5 e 6, da CRP), constitui, no cerne da própria dialética processual, “diligência essencial para a descoberta da verdade” (e tão “essencial” e “necessária” que a lei, “salvo caso de manifesta desnecessidade”, proíbe que o Juiz decida qualquer “questão de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem), a sua omissão é suscetível de influir na decisão da causa. 19 - Aparenta-se-nos, salvo o devido respeito, que a decisão recorrida não apreciou o núcleo essencial das questões que se pretendem ver esclarecidas com os requerimentos de prova apresentados pelo arguido, uma vez que os despachos aqui em crise ativeram-se a considerações meramente formais, meramente externas, não incidentes sobre a efetiva necessidade ou desnecessidade substantiva das diligências requeridas, na sua finalidade da descoberta da verdade; 20 - No contexto da produção da prova e no modesto discernir do recorrente, as diligências em causa configuram-se como manifestamente essenciais, independentemente de ser para condenar ou absolver o arguido, e na busca da verdade material, impunha-se ao Tribunal a quo o poder-dever de procura dos meios probatórios tendentes à demonstração da realidade da vida e das coisas, de forma a descortinar a verdade e criar os suportes de uma boa e correta decisão da causa, de forma a fazer-se justiça, deixando de lado um mero fundamentalismo legalista. 21 - Meios de prova que um bom e diligente julgador poderia (deveria) até solicitar por si mesmo, ou, no mínimo, deveria ponderar da efetiva conveniência, utilidade e necessidade da sua produção; 22 - Até porque a versão apresentada pelo arguido não coincide com os factos de que é acusado, mas pura e simplesmente ignorados e omitidos na investigação criminal e que concatenados com outros elementos de prova pode chegar- se a conclusão diversa daquela e pela qual o arguido se encontra condenado. 23 - A produção de tais meios de prova, decorrente e imposta pelo princípio da investigação, não sofre os limites que a este impõe o comando legal (art. 340º do CPP). Na verdade, eles afiguram-se como necessários para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (princípio da necessidade); são adequados ao objeto da prova (princípio da adequação – art. 340º, nº3 do CPP) e não são de obtenção impossível (princípio da obtenibilidade – art. 340º, nº4, al. b) do CPP); 24 - O Tribunal optou, de modo conformista, pela renúncia à atuação dos seus poderes de investigação expresso no art. 340º, nº 1 do CPP, para acabar por se estribar na condenação do arguido, sem que previamente tenha esgotado to- dos os meios de prova disponíveis, de forma a tomar uma decisão justa. 25 - Por isso mesmo, entendemos que o indeferimento dos requerimentos de prova requeridos pelo arguido com os fundamentos apresentados nas decisões de indeferimento não garante, de todo, um processo justo, equitativo e próprio de um Estado de Direito. 26 - A nulidade por omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade material (Cfr. art. 120º, nº 1, al. d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, está sujeita ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120º e 121º, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (Cfr. art. 105º, nº 1, do CPP). 27 - E o arguido arguiu, tempestivamente, tal vício no que respeita aos despachos que lhe indeferiu as diligências necessárias de prova que havia requerido, o que fez ao abrigo do disposto no art. 120º, nº 2, al. d) do CPP. 28 - Viola, ainda, a decisão recorrida os arts. 2º, e 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como o nº 3, do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do nº 3, do art. 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, pois ao indeferir os requerimentos probatórios apresentados pelo arguido, não só não assegura no processo, mas antes restringe, gravemente, as garantias de defesa, impostas por aquelas normas constitucionais e internacionais e inerentes ao estatuto de qualquer arguido. 29 - Como consequência, nos termos do art. 122º do CPP, impõe-se a nulidade dos atos praticados, pelo que o julgamento deverá ser repetido com vista à produção de prova essencial omitida e deste modo evitar um non liquet como aconteceu no caso em concreto. 30 - Pelo exposto, porque os despachos recorridos padecem de nulidade por terem violado o disposto no art. 340º, nº 1 do CPP, nos arts. 2º, e 32º da CRP, bem como o nº 3, do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do nº 3, do art. 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, devem ser revogados e substituídos por outro que as declare e, em consequência, determine a repetição do julgamento. Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, seja proferida decisão no sentido de ser reaberta a audiência para a realização das diligências de prova requeridas e declaradas omissas e dos atos subsequentes, declarando-se nulo o d. acórdão já proferido, fazendo-se assim serena, sã e necessária JUSTIÇA.» 3.2 - No que concerne ao recurso da decisão final, o recorrente extraiu da respetiva motivações as seguintes conclusões (…) 4. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu a ambos os recursos, nos seguintes termos: 4.1 - Quanto ao recurso interlocutório, concluindo que (transcrição): «A) Fundamenta o recorrente a arguida nulidade dos atos praticados, com necessidade de repetição do julgamento, na violação, pelo Tribunal a quo, dos artigos 340.º, n.º 1 do C.P.P., 2.º e 32.º da C.R.P., bem como o n.º 3, do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do n.º 3, do art.º 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos; B) É na audiência de discussão e julgamento, designadamente ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º1, do C.P.P., mas depois de produzida a prova, ou em momento contemporâneo a essa produção, que se afere da importância e/ou essencialidade, ou não, de qualquer perícia adicional e/ou realização de prova de outra índole, nomeadamente, inquirição de testemunhas e/ou declarações/esclarecimentos por parte do(s) Exmo(s). Perito(s) subscritor(s) de qualquer um dos relatórios médicos de avaliação dos danos corporais; C) Em sede de audiência de discussão e julgamento requereu o arguido, assim documentado na respetiva ata, que: “(…) em face das declarações que foram hoje prestadas em sede de audiência e julgamento, nomeadamente da filha da vítima e do arguido que de forma clara referiu que o pai foi buscar a faca à garagem, o que se presume que não estando na cozinha jamais a vítima poderia ter contacto com essa mesma faca. Nesta conformidade houve duas versões absolutamente distintas, uma apresentada pelo arguido em que diz que quem tinha a faca era a vítima G. M. e que o P. F. face a essas duas versões, vem o arguido reiterar o requerimento já feito ou requerido anteriormente, no sentido que sejam recolhidos os vestígios relativamente às impressões digitais quer do arguido quer da ofendida e que seja feita prova pericial junto do laboratório da polícia judiciária a fim de se averiguar se constam ou não as impressões digitais se para além das impressões digitais que em princípio devem lá constar também lá constam as da própria vítima. (…)”; D) Tal como já o deixamos expresso em momento anterior, não é verdade o que afirmou o recorrente para fundamentar aquele requerimento; E) O depoimento da testemunha A.L., filha do recorrente, está gravado e esta testemunha não disse que o mesmo tinha ido buscar a faca à garagem. Não o disse, muito menos de forma clara (como o mesmo apregoa): esta testemunha disse apenas, nesta parte, que o recorrente foi lá baixo à cave e depois subiu outra vez - [03:23 – 03: 27] -, o que foi buscar não soube dizer; F) Como assertivamente decidiu o Tribunal a quo, a prova é apresentada ou requerida na acusação e na contestação; G) Por outro lado, o referido art.º 340.º do C.P.P. fixa os termos legais em que é possível requerer e/ou ordenar a produção de mais prova que não indicada ou requerida em tais momentos processuais – cfr. entre outros, os artigos 283.º, n.º 3, d) a f), 315.º e 316.º e 340.º, n.º 2 e 4.º, al. a), do C.P.P.; H) Em relação à convocação do Sr. Perito Médico D. P. para prestar esclarecimentos sobre o relatório de perícia de avaliação de dano corporal em direito penal datado de 17-10-2019 (relatório respeitante à ofendida G. M. e que se mostra a fls. 328), no seu requerimento, o recorrente não invocou falta de fundamentação, em agora invoca, insuficiência ou contradição do referido relatório que só por si e naquele momento justificasse convocar o referido Sr. Perito para prestar quaisquer esclarecimentos nos termos prescritos pelos artigos 158.º e 350.º do C.P.P.; I) Dispõe o art.º 32.º, n.º 5 da C.R.P.. que “(…) O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. (…)”; J) Ao contrário do que alega o recorrente, não vislumbramos nos autos, nomeadamente, em toda a fase de julgamento, qualquer violação ao princípio do contraditório e/ou de qualquer outro princípio, sendo que nos enquadramos, técnica e juridicamente, no âmbito das garantias do processo criminal constitucionalmente consagradas; K) Resulta dos autos, à saciedade, que todos os elementos de prova apresentados em audiência puderam ser contraditados pelo recorrente; L) Como aliás sucedeu em todas as fases processuais; M) Por outro lado, em processo penal vigora, efetivamente, e in allium, o princípio da descoberta da verdade material (art.º 340.º, n.º1, do C.P.P.); N) Este denominado princípio da investigação ou da verdade material significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (nos termos expressamente consagrados naquele art.º 32°, n.º 5 da nossa Lei Fundamental, a que acima nos referimos), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 72, Marques Ferreira, Meios de Prova, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal - O novo Código de Processo penal, Coimbra 1988, págs. 231-232, Costa Pimenta, Introdução ao Processo Penal, Coimbra, 1989, págs. 142-148, Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal, 2ºvol., Lisboa, 1996, págs. 280-281, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol, I, 4ª ed. 2000, págs. 78-79 e 85-86, vol. II, 3ªed. rev., 2002, págs. 112-115, III, 2ªed., rev., 2000, págs. 251-252, Gil Moreira dos santos, O Direito Processual Penal, Porto,2003, págs. 260-262, e v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º e 584/96 e 137/2002, in www.t ribunalconstitucional.pt); O) O tribunal deve, oficiosamente, ou a requerimento, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, com os limites intransponíveis dos n.os 3 e 4 do art.º 340.º do C.P.P., conforme também já decidido judicialmente; P) É o que sucede in casu; Q) Fixemo-nos, mais uma vez, nas arguidas nulidades: dispõe o art.º 120.º, n.º 2, alí. d) do C.P.P. que: “(…) 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. (…)” R) Segundo o recorrente, o Tribunal a quo, ao ter indeferido a realização de prova pericial às impressões digitais cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, alí. d) do C.P.P., por violação do disposto nos art.os 340.º, n.º 1, do C.P.P. e 388.º do C.C.; S) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não assiste razão ao recorrente. De todo; T) Grosso modo, na nossa humilde perspetiva, porque as diligências requeridas pelo recorrente não se reputam essenciais para a descoberta da verdade, não há violação do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do C.P.P. e, consequentemente, não se verifica a nulidade prevenida no art.º 120.º, n.º2, alí. d), última parte; U) O Tribunal a quo ao indeferir aquelas diligências de prova, fê-lo fundamentadamente porque as mesmas não se lhe afiguraram necessárias para a descoberta da verdade material ou para a boa decisão da causa. Sem com isso incorrer em violação de quaisquer normativos e/ou princípios; V) Com o que concordamos; W) “(…) não se vê em que a aplicação daquele 120º limite as garantias de defesa do arguido, e muito menos da estrutura acusatória do processo, com a garantia do contraditório em qualquer ato nele praticado, que sempre foi assegurado ao arguido, nem o princípio da presunção da inocência, porque o não ordenar oficiosamente uma diligência, apenas significa que ao juiz de julgamento não se afigurou a mesma como necessária à descoberta da verdade e boa decisão da causa, nem significa qualquer presunção de culpa do arguido. (…) [(sublinhado nosso) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10-07-2019, relatora: Exma. Juíza Desembargadora, Dra. Isabel Cerqueira, disponível para consulta in www.dgsi.pt ]; X) Os despachos objeto das arguidas nulidades fundamentaram de facto e de direito tais indeferimentos, explicando de forma abundante as razões da irrelevância, inadequação, impossibilidade ou muito duvidosa obtenção da prova requerida e do cariz dilatório de tais diligências caso as mesmas fossem deferidas, aplicando, assim, ao caso o regime legal do art.º 340.º, mormente nos seus n.os 3 e 4; Y) Não incorreu o Tribunal a quo em violação de quaisquer princípios e/ou normativos, designadamente, dos art.os 340.º, n.º 1 do C.P.P., 2.º e 32.º da C.R.P., bem como o n.º 3, do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do n.º 3, do art.º 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos. Nestes termos, deverá o recurso improceder, confirmando-se, in totum, os Despachos recorridos, por nenhum agravo terem feito à Lei e por nenhum reparo nos merecerem.» 4.2 - No que concerne ao recurso do acórdão, a Exma. Procuradora da República extraiu da respetiva contramotivação as conclusões que a seguir se transcrevem: (…) 6. Nos termos previstos no art. 414º, n.º 4, do Código de Processo Penal, o Mmº. Juiz titular do processo pronunciou-se sobre o recurso interlocutório, referindo «[l]endo os argumentos do recurso do arguido e os da resposta do M.P., bem como os que constam dos despachos alvo de recurso, mantemos a totalidade dos fundamentos de facto e de direito dos dois despachos alvo do primeiro recurso, assim, se sustentando aquelas decisões.». 7. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de os recursos deverem ser julgados improcedentes, porquanto e em síntese: - Quanto ao recurso interlocutório, perfilhando integralmente a posição da Exma. Magistrada do Ministério Público na instância recorrida, a decisão recorrida não violou qualquer norma legal. (…) 8. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta a esse parecer. 9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser aí julgados, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS Como é jurisprudência pacífica[2], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior. (…) Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, bem como a inadmissibilidade do recurso na parte relativa ao mencionado pedido de indemnização civil, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência: Quanto ao recurso interlocutório, saber: a) - Se, ao indeferir as diligências probatórias requeridas pelo arguido (exame lofoscópico, inquirição dos militares da GNR e prestação de esclarecimentos pelo perito médico), foi cometida a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal; No âmbito do recurso interposto da decisão final, saber: (…) 2. DAS DECISÕES RECORRIDAS 2.1 - São do seguinte teor os despachos recorridos, visados no recurso interlocutório (transcrição): 2.1.1 - Despacho proferido no dia 28-05-2020: «Notificada a Defesa do despacho de 22/05/2020, de fls. 626 a 630, que nos termos e fundamentos ali exarados indeferiu à realização da perícia, com recolha de impressões digitais ao arguido e à ofendida G. M. à faca identificada no auto de notícia como “elemento n.º 1” e que constitui o objeto que alegadamente causou os ferimentos em julgamento, veio o arguido pelo requerimento de 24/05/2020 arguir a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, por violação do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do CPP e 388.º do C. Civil, requerendo a sua reparação com o deferimento da diligência peticionada, não abdicando da faculdade de contra o mesmo despacho interpor o competente recurso. Cumprido o contraditório nos termos do art.º 327.º, n.º 1, do CPP, pronunciaram-se o Ministério Público e o Assistente pugnando pelo indeferimento da arguida nulidade, tendo o M.P. alegado os argumentos que constam do ponto I de fls. 640 a 643 e o assistente reiterado o por si anteriormente alegado, e os despachos a tal respeito proferidos. Apreciando e decidindo. O despacho de indeferimento da pela Defesa requerida perícia é claro e fundamentado, importando apenas decidir se com o indeferimento de tal diligência probatória foi cometida a apontada nulidade, que é considerada relativa porque dependente de arguição. Dispõe o art.º 120.º, n.º2, alí. d) do C.P.P. que: “(…) 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) [sublinhado nosso] d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. (…)” [sublinhado nosso]. Ora, o despacho objeto da arguida nulidade fundamentou de facto e de direito tal indeferimento, explicando de forma abundante das razões da irrelevância, inadequação, impossibilidade ou muito duvidosa obtenção da prova requerida e do cariz dilatório de tal diligência caso a mesma fosse deferida, aplicando, assim, ao caso o regime legal do art.º 340.º, mormente nos seus nos 3 e 4. De facto, o art.º 340.º tem uma redação mais ampla que o seu n.º 1 e está inserido sistematicamente num Código de Processo Penal que deve ser integralmente observado e cumprido. Relembramos o já dito no despacho de 12 de maio de 2020: A prova é apresentada ou requerida na acusação e na contestação. O art.º 340.º do CPP fixa os termos legais em que é possível requerer e/ou ordenar a produção de mais prova que não indicada ou requerida em tais momentos processuais – cfr. entre outros, os artigos 283.º, n.º 3, d) a f), 315.º e 316.º e 340.º, n.º 2 e 4.º, al. a), do CPP). Para se avaliar da necessidade à descoberta da verdade e à boa decisão da causa dos ora requeridos meios de prova ou de quaisquer outros, torna-se necessária a produção de prova em audiência de julgamento. E relembra-se a fundamentação do despacho de 22/05/2020 objeto da arguida nulidade: Preliminarmente, cumpre sublinhar que não é este o momento processual para adiantar qualquer convicção (porque a mesma será sempre colegial) quanto à prova produzida, sendo só após o encerramento da discussão, a deliberação e no acórdão que tal convicção poderá e deverá ser feita, quando se julgarem provados e não provados os factos e a respetiva indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal – artigos 361.º, n.º 2, 365.º e 374.º, n.º 2, todos do CPP. O que se pode consignar é que a prova, nomeadamente a documental, pericial, declarações do arguido, declarações do assistente e depoimentos das testemunhas está produzida seguindo-se a fase das alegações orais (art.º 360.º, n.º 1, do CPP). A prova pericial que o arguido agora requer, em reiteração do que em 6/05/2020 já tinha requerido e indeferido com os fundamentos constantes do despacho de 12/05/2020, só pode colher fundamento legal neste momento no art.º 340.º do CPP, porquanto em qualquer momento processualmente válido o arguido nunca requereu tal diligência de prova (inquérito, instrução, contestação, etc.). Impõe o art.º 340.º do CPP que se tal meio de prova se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. O legislador é rigoroso quanto aos termos em que podem ser admitidos os requerimentos de prova nesta fase processual como resulta dos números 3 e 4 do art.º 340.º do CPP, o que se compreende para dar utilidade aos preceitos legais que impõe os momentos processuais em que se pode e deve apresentar/requerer prova. Ora, tal como refere o M.P., com o que concordamos, por ser uma constatação lógica e objetiva, tendo em conta o lapso de tempo decorrido desde a alegada ocorrência dos factos até agora, afigura-se-nos absolutamente comprometida do ponto de vista probatório, em termos de validade da própria prova, proceder-se neste momento a qualquer recolha de impressões digitais para os efeitos requeridos pelo arguido ou quaisquer outros, tanto mais que sempre estaria a faca ‘contaminada’ (aliás, conforme registo fotográfico junto aos autos, a faca em causa foi encontrada no chão – fotografia n.º 12, anexa ao expediente policial OFI01175/19.220170557, de 11- 07-2019, concretamente a foto no canto superior direito de fls. 10 dos autos), sem daí se poder extrair qualquer conclusão probatório-pericial válida de relevo para o objeto do processo. Acrescentamos a esta constatação objetiva o seguinte: princípio básico da prova é a denominada “cadeia de custódia da prova”; como é de conhecimento geral, a prova é a medula do processo penal de qualquer sistema jurídico-constitucional. A preservação da sua originalidade e da sua integridade é essencial e vital à realização da justiça assente numa descoberta da verdade processual prática, material, judicial e válida. No referido contexto de absoluta incerteza do uso dado à faca desde que arguido, ou ofendida, ou ambos nela tocaram no dia dos factos, a que acresce a incerteza do uso que anteriormente ao dia dos factos a faca teve por qualquer dos dois (que viviam no mesmo lar onde a faca se encontrava), colocando-se a hipótese de deferimento ao requerido e realização da perícia, com a recolha de impressões digitais ao arguido e à ofendida G. M. à faca identificada no auto de notícia como “elemento n.º 1” e que constitui o objeto que alegadamente causou os ferimentos em julgamento, vários resultados se perspetivam como possíveis: - a faca tem impressões digitais apenas do arguido; - a faca tem impressões digitais apenas da ofendida; - a faca tem impressões digitais do arguido e da ofendida; - a faca não tem quaisquer impressões digitais; - a faca tem impressões digitais de terceiros, que não o arguido e a ofendida (nomeadamente dos filhos do casal que ali residiam). Cremos que qualquer um destes resultados em nada contribui para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, nem para formar a convicção do Tribunal, nomeadamente consolidando ou abalando a convicção a ser feita pela apreciação da prova produzida segundo as regras da experiência e livre convicção (art.º 127.º do CPP). Extrai-se do requerimento da Defesa que não será assim, caso a dita faca contenha impressões digitais da ofendida, porque tal daria crédito à versão do arguido e descrédito à da ofendida e filha do casal, porque nas versões em confronto “jamais a vítima poderia ter contactado com essa mesma faca”; independentemente do foi dito em audiência a tal respeito, que segundo o M.P. não é o que o arguido alegou no seu requerimento e que teremos como seguro pela audição do registo áudio da audiência, sempre se dirá que sendo possível a existência de impressões digitais da ofendida em tal faca, tal é perfeitamente natural e possível e em nada corrobora ou abala as versões em confronto. Com efeito, em qualquer uma das duas versões, suportadas nas declarações do arguido, depoimentos da ofendida G. M. e A.L., filha do casal, neste ponto de forma pacífica, a faca encontrava-se naquela casa (sendo neste momento irrelevante o concreto local), onde então residiam o casal composto pelo arguido, ofendida e os dois filhos do casal e por vezes frequentada por terceiros; tal faca, fazia parte da economia doméstica e do uso normal que é dado a tais objetos no dia-a-dia, podendo a mesma ter sido usada em quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores aos factos, por qualquer um dos elementos que integravam aquele lar, nomeadamente arguido e ofendida G. M., não tendo a perícia o condão de identificar se as impressões digitais que forem encontradas na faca são resultado do uso específico dado à faca no dia 10/07, pelas 19.00. Como tal, qualquer resultado da perícia nunca seria conclusivo sobre o uso da faca no dia e hora dos factos e em nada contribuiria para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Por tudo o exposto podemos concluir que tal prova é irrelevante, inadequada e de obtenção impossível ou muito duvidosa, sendo tal diligência meramente dilatória, tudo fundamentos para o indeferimento da requerida perícia (art.º 340.º, n.º 4, al. b), c) e d, do CPP). Como tal, fundamentado nos critérios legais em que o foi, a única decisão imposta seria indeferir a requerida perícia, não se cometendo qualquer nulidade, nomeadamente a arguida, porquanto é a própria lei que em tal circunstancialismo impõe tal indeferimento. Sempre se dirá, como diz a promoção do M.P. citando jurisprudência a tal respeito, com a qual concordamos que: “(…) não se vê em que a aplicação daquele 120º limite as garantias de defesa do arguido, e muito menos da estrutura acusatória do processo, com a garantia do contraditório em qualquer ato nele praticado, que sempre foi assegurado ao arguido, nem o princípio da presunção da inocência, porque o não ordenar oficiosamente uma diligência, apenas significa que ao juiz de julgamento não se afigurou a mesma como necessária à descoberta da verdade e boa decisão da causa, nem significa qualquer presunção de culpa do arguido. - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10-07-2019, relatora: Exma. Juíza Desembargadora, Dra. Isabel Cerqueira, disponível para consulta in www.dgsi.pt]. Pelo exposto, indefere-se à arguida nulidade, mantendo-se integralmente o despacho de indeferimento da requerida perícia. * No requerimento apresentado no mesmo dia 24/05/2020 e que se mostra a fls. 634 a 636, a Defesa veio requerer, “(…) nos termos conjugados do nº 1, do art. 340º do CPP, do nº 5, do art. 32º da CRP, do nº 3, do art. 6º da Convenção Europeia dos direitos do Homem e do nº 3, do art. 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, (…) a produção dos seguintes meios de prova complementares alegando, para o efeito, o seguinte:No p.p., dia 19/05/2020, o Ministério Público prescindiu de ouvir as seguintes testemunhas, todos agentes da GNR N. M., id. a fls. 347; F. T., id. a fls. 5 verso; L. L., id. a fls. 286. Depois de consultarmos os presentes autos constata-se que N. M. é o agente da GNR que assina e redige o “Auto de Noticia” e quem toma declarações ao arguido e à testemunha A. F., bem como, conjuntamente, com o F. T., procedeu à busca do arguido, no dia 10/07/2019; O agente, F. T. foi quem encontrou o arguido no quintal; E o agente, L. L., foi quem recolheu a faca que se encontrava na via pública. Por ser previsível que os agentes em mérito têm conhecimento direto de factos que relevam para a boa decisão da causa, vem o arguido, em nome da descoberta da verdade material e da justiça do caso concreto, requerer a prestação de depoimento dos Srs. Agentes supra enunciados. Por outro lado, e ao analisar-se o ficheiro clínico de fls. 33 e sgs., “Urgência nº 19095389”, de 10/07/2019, e referente à ofendida, G. M., no verso de fls. 33 e na especialidade “Cirurgia” é lá descrito o seguinte: - TAC: - Hemotórax à esquerda com uma espessura de 2 cm; - Sem pneumotórax; - Sem contusões ou lacerações dos órgãos abdominais; - Sem hematomas subcapsulares; - Sem hemoperitoneu andar superior do abdómen. E na especialidade de “Medicina Intensiva” é lá descrito seguinte: - Sem dispeneia ou outras queixas. Diz sentir-se bem; - Sem edemas periféricos. Termos clínicos que, em nome da descoberta da verdade material e da justiça do caso concreto, se pretende ver esclarecidos em sede de audiência e julgamento. No modesto discernir do arguido, as referidas diligências probatórias mostram-se indispensáveis à descoberta da verdade e consequente boa decisão da causa, não só porque os Srs. Agentes da GNR têm conhecimentos diretos sobre factos relevantes e referente ao dia 10/07/2019, como também é de interesse primordial que o Sr. Perito médico esclareça o teor dos termos médicos aqui enunciados, bem como outros esclarecimentos médicos com interesse para a boa decisão do caso concreto. Com vista o M.P. pronunciou-se nos termos constantes do ponto II da sua promoção de fls. 643 a 646. A respeito das testemunhas militares da GNR prescindidas pelo M.P. em audiência consignou-se em ata na última sessão da audiência de julgamento, que teve lugar no dia 19-05-2020, concretamente a fls. 619: “(…) Nesta altura pela Digna Magistrada do MºPº foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida no seu uso disse, prescindir do depoimento das testemunhas N. M., F. T., L. L. e F. F. sendo que a Ilustre mandatária do assistente disse não se opor e também prescindir dos referidos depoimentos. (…)”. A este respeito, a Defesa nada requereu, nomeadamente da eventual necessidade ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º 1 do C.P.P., na inquirição daqueles militares. E no requerimento em apreço, contínua a não fundamentar ao abrigo do permitido pelo art.º 340.º do CPP a necessidade de inquirição de tais testemunhas, limitando-se a remeter para o que constatou após consulta dos autos, nomeadamente do que foi autuado em sede de inquérito. Estas testemunhas sempre estiveram identificadas “ab initio” nos autos e o arguido não as indicou em sede de contestação, o momento próprio para apresentar prova testemunhal – art.º 315.º, ou nos termos do art.º 316.º destinado ao seu adicionamento. A contestação e rol de testemunhas constam de fls. 487 e 488 e do rol de testemunhas indicados não consta qualquer uma das referidas testemunhas militares da GNR. Não foi requerido qualquer adicionamento ou alteração ao referido rol de testemunhas. Como tal não foi postergado qualquer direito da Defesa a tal respeito, porquanto tais testemunhas não foram por ela arroladas em qualquer momento do processo. Isto posto. Sobre o que a Defesa alega no requerimento em apreço para entender pertinente neste momento a inquirição das mencionadas testemunhas, não pode, nem deve o tribunal pronunciar-se, considerando o disposto art.º 356.º do CPP (reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações). Não pode, nem deve, o Tribunal ler os depoimentos das testemunhas prescindidas pelo M.P. para verificar se têm ou não conhecimento direto dos factos em julgamento nos termos do art.º 128.º, n.º 1, do CPP, sob pena de violação do referido preceito. Resta, assim, verificar se nos termos do art.º 340.º do CPP, a inquirição de tais testemunhas é relevante, nomeadamente por resultar da prova produzida que as mesmas têm conhecimento direto de factos e que constituam objeto de prova e que o seu depoimento a tal respeito é necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa (art.º 128.º e 340º do CPP). Ora, da prova produzida em julgamento resulta de forma clara que as ditas testemunhas não presenciaram quaisquer dos factos integradores dos crimes de que o arguido vem acusado em julgamento, nomeadamente não presenciariam qualquer ato de violência doméstica, de execução do crime de homicídio qualificado tentado em relação à ofendida G. M., nem viram qualquer agressão ao assistente C. F.. Pelo exposto, por falta de fundamento legal, indefere-se à requerida inquirição dos militares da GNR cuja inquirição foi prescindida pelo M.P. e Assistente na primeira sessão. * No que respeita a audição do Sr. Perito Médico, Dr. D. P., com domicílio profissional no Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE e subscritor do “RELATÓRIO DA PERÍCIA DE AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO PENAL”, datado de 17/10/2019, acompanha-se de perto a promoção do M.P., com a qual, no essencial, se concorda, sendo parte o que consta do nosso despacho de 12/05/2020 a fls. 607/608.Os boletins clínicos serão valorados pelo Tribunal no momento próprio. A terminologia técnica, de natureza médica, traduz-se nisso mesmo e não se descortina qualquer termo que seja usado em tais documentos que exija maior esclarecimento à descoberta da verdade e boa decisão da causa, até porque o arguido não alega o que em concreto pretende ver esclarecido, com que âmbito e para que efeito pretende esclarecer tais termos clínicos. Para determinar o seu alcance relevante existe o relatório pericial de avaliação do dano corporal datado de 17-10-2019 (relatório respeitante à ofendida G. M. e que se mostra junto a fls. 328). E, relembramos, este relatório não foi “impugnado” nem mereceu qualquer pronúncia a respeito e/ou requerimento aquando da apresentação da contestação, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 158.º e 163.º do C.P.P. O arguido não alega falta de fundamentação, insuficiência ou contradição do relatório e oficiosamente neste momento e face à prova produzida não se verifica qualquer necessidade de convocar o Exmo. Perito Médico subscritor de tal relatório para prestar quaisquer esclarecimentos nos termos prescritos pelos art.os 158.º e 350.º do C.P.P. Pelo exposto, por falta de fundamento legal, indefere-se à requerida audição do Sr. Perito Médico Dr. D. P.. Notifique. (…).» 2.1.2 - Despacho proferido no dia 05-06-2020: «No requerimento de fls. 683, o arguido veio arguir a nulidade do despacho de fls. 654 a 655 verso, segunda parte, datado do passado 29 de maio que indeferiu nos termos e fundamentos ali constantes a “produção de meios complementares” requerido a fls. 635 a 636. O Ministério Público e o Assistente pronunciaram-se nos termos constantes de fls. 685, assim se exercendo o contraditório, tendo o M.P. fundamentado o indeferimento da arguida nulidade e requerido a tributação do requerido; o assistente considerou ser diligência dilatória e sem fundamento o requerido. Apreciando e decidindo. O despacho em apreço está fundamentado nos termos legais (e são invocadas e citadas expressamente as normas legais) e não padece de qualquer nulidade, nomeadamente a que vem invocada. Por uma questão de economia processual, dão-se aqui por reproduzidos os extensos fundamentos de facto e direito constantes do despacho, quais sejam os que constam da segunda parte de fls. 654 a 655 verso. Nada mais se entende pertinente acrescentar porquanto se fundamentou de forma legal e clara a desnecessidade e mesmo ilegalidade dos fundamentos do requerido, nomeadamente inquirição dos indicados militares da GNR e do perito médico Dr. D. P.. Termos em que se indefere à arguida nulidade. Não se tributa o requerimento nos termos doutamente sugeridos pelo M.P. na sua resposta à referida arguição porquanto se trata de despacho sobre outro requerimento, tendo algum carácter dilatório, não deixa de ser o exercício de um direito legal e na prática não ter retardado desta feita o andamento dos autos porquanto se mantém a data para a continuação/conclusão da audiência. Notifique.» 2.2 - Por seu lado, do acórdão recorrido consta a seguinte fundamentação de facto (transcrição): (…) 3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS 3.1 - Da nulidade processual por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal Em sede de recurso interlocutório, insurge-se o recorrente contra os despachos proferidos pelo Mmº. Juiz titular do processo em 28-05-2020 e 05-06-2020: - O primeiro deles, na parte em que indeferiu a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os preceitos doravante citados sem menção de qualquer diploma, por violação do art. 340º, n.º 1, e 388º (este do Código Civil), arguida no requerimento de 24-05-2020, relativamente ao indeferimento, por despacho de 22-05-2020, da perícia lofoscópica requerida pelo arguido, finda a produção da prova, na sessão da audiência de julgamento de 19-05-2020. - O segundo despacho, a indeferir idêntica nulidade, invocada pelo arguido no requerimento de 04-06-2020, desta feita relativa ao indeferimento, na segunda parte do referido despacho de 28-05-2020, das diligências de prova requeridas em 24-05-2020, traduzidas na inquirição dos militares da GNR prescindidos pelo Ministério Público e pelo assistente na primeira sessão da audiência de julgamento e na audição do Sr. Perito Médico Dr. D. P.. Cumpre, pois, apreciar a pretensão recursiva, o que passa por apurar se, com cada uma das duas mencionadas decisões que indeferiram a realização das diligências de prova requeridas pelo arguido foi cometida a nulidade processual prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), parte final. Este preceito sanciona com o vício da nulidade, dependente de arguição nos momentos processuais previstos no n.º 3 do mesmo preceito, para além da insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, também a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. O segmento normativo em apreço reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso, só podendo ser esse o sentido do adjetivo “posterior” utilizado na sua redação [3]. No nosso sistema processual penal vigora o princípio da investigação ou da verdade material, invocado pelo recorrente, que consiste no poder-dever atribuído ao tribunal de, por sua iniciativa e com autonomia relativamente às iniciativas da acusação e da defesa, proceder à realização das diligências probatórias que entender necessárias e pertinentes para o esclarecimento dos factos e descoberta da verdade. Trata-se de um princípio geral de produção de prova, consagrado no art. 340º, n.º 1, o qual dispõe que “[o] tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.” Significa isto que, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (conforme resulta do art. 32º, n.º 5, da Constituição), o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material [4]. Daqui resulta que o tribunal deve, oficiosamente, ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, competindo-lhe investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si os alicerces da decisão, independentemente da contribuição dada quer pela acusação quer pela defesa. No entanto, tal princípio sofre as limitações impostas pelos princípios da necessidade (só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade), da legalidade (só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei) e da adequação (não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios). Com efeito, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do citado art. 340º, os requerimentos de prova são indeferidos quando a prova ou o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis (n.º 3) ou se for notório que: - as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto de o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa [n.º 4, al. a)]; - as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas [n.º 4, al. b)]; - o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa [n.º 4, al. c)]; - ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória [n.º 4, al. d)]. Como assinala Oliveira Mendes [5]: «A omissão de produção de meio de prova necessário, ou seja, essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, quer a sua produção haja sido ou não requerida, constitui nulidade relativa, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º. Quando a omissão ocorre apesar da produção da prova ter sido requerida, ou seja, quando o tribunal indefere o requerimento para a produção da prova, a impugnação deve ser feita por via de recurso. Caso contrário o interessado na produção da prova deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência (alínea a) do n.º 3 do artigo 120º), sob pena de sanação, sendo que no caso de não obter deferimento deve interpor recurso da respetiva decisão.» Assim procedeu o recorrente em relação a ambas as situações em que sustenta ter sido cometida a nulidade de omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, com fundamento no indeferimento das diligências de prova por si requeridas. 3.1.1 - A primeira dessas diligências, requerida pelo arguido no final da primeira sessão da audiência de julgamento, após produção de toda a prova oportunamente arrolada, consiste na realização de perícia destinada a apurar se na faca com que foram causados os ferimentos sofridos por ele e pela ofendida G. M. também existem impressões digitais desta última, para além das suas. Da leitura desse requerimento formulado pelo arguido, conjugado com o teor do requerimento apresentado pelo mesmo no dia 06-05-2020, em que já requerera a mesma diligência probatória e que naquele reiterou, resulta que, em seu entender, a necessidade de realização da mesma se funda na existência de duas versões absolutamente distintas, uma apresentada pelo arguido, segundo a qual era a ofendida G. M. quem tinha a faca e que foi ao retirar-lha que ele ficou ferido na mão esquerda e ela sofreu as lesões dadas como provadas, e a outra apresentada pela filha de ambos, a testemunha A. L., ao afirmar que o pai foi buscar a faca à garagem, pelo que se presume que, não estando na cozinha, jamais a ofendida poderia ter contacto com essa mesma faca. Assim, segundo o arguido, a eventual existência de impressões digitais da ofendida na faca, permitirá corroborar a sua versão dos factos, infirmando a versão da ofendida e da referida testemunha. O Mmº. Juiz a quo indeferiu a realização desse meio de prova por considerar que o resultado da perícia nunca seria conclusivo sobre o uso da faca no dia e hora dos factos e em nada contribuiria para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, concluindo que tal prova é irrelevante, inadequada e de obtenção impossível ou muito duvidosa, sendo tal diligência meramente dilatória. Concordamos com a decisão de indeferimento da produção de tal meio de prova. Com efeito, para além do argumento aduzido de que, dado o lapso de tempo decorrido desde a ocorrência dos factos e o momento da apreciação do requerimento (quase um ano) e a probabilidade de a faca estar "contaminada", atentas as circunstâncias em que foi encontrada (caída no solo) e a manipulação posterior de que foi objeto, tudo a comprometer a validade de qualquer conclusão probatório-pericial relevante para o objeto do processo, decisiva é a circunstância relativa ao contexto de incerteza do uso que, anteriormente ao momento dos factos, a faca teve por qualquer dos dois intervenientes nos mesmos (arguido e ofendida), que viviam no mesmo lar onde esse objeto da vida doméstica se encontrava. Como cabalmente o Mmº. Juiz a quo pôs em evidência no seu despacho a indeferir a realização da perícia lofoscópica, ainda que, caso esta fosse realizada, se viesse a apurar a existência na faca de vestígios da ofendida (exclusivamente dela ou acompanhadas de impressões digitais também do arguido), tal resultado seria insuscetível de contribuir para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e, portanto, inapto para contribuir para a formação da convicção do tribunal, nomeadamente consolidando ou infirmando a convicção resultante da conjugações dos outros meios de prova e das regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação a prova. Com efeito, em primeiro lugar, contrariamente ao que é sustentado pelo arguido, a testemunha A. L. não afirmou que o pai foi buscar a faca à garagem, mas apenas que "foi lá abaixo à cave e depois subiu outra vez", sem aludir ao que foi aí fazer, designadamente se foi buscar algo, mormente a dita faca, como efetivamente resulta da audição do excerto do seu depoimento indicado pelo Ministério Público aquando da pronúncia sobre o requerimento em questão (a partir do minuto 03:23). Daí que não se possa acompanhar a presunção do arguido de que a faca não se encontrava na cozinha e muito menos que a vítima não pudesse ter contacto com tal objeto anteriormente aos factos. Aliás, encontrando-se a faca na casa onde vivia o casal e os filhos, independentemente do local exato onde a mesma se encontrava (na cozinha ou na garagem), o certo é que fazia parte e era ou podia ser utilizada normalmente no dia-a-dia, pelos vários membros do agregado familiar. Consequentemente, podia qualquer um deles, mormente a ofendida, ter utilizado a faca em circunstâncias anteriores aos factos, pelo que o eventual resultado da perícia não tem a mínima virtualidade de identificar se as impressões digitais da ofendida que fossem eventualmente encontradas na faca respeitavam à concreta utilização desta nos factos em apreço nos autos, ocorridos no dia 10 de julho de 2019, pelas 19h. Como tal, a realização de tal meio de prova apresenta-se efetivamente como irrelevante e inadequado para os fins em vista pelo arguido. Assim, não tinha o Mmº. Juiz razões para o considerar como essencial para a descoberta da verdade, pelo que, ao indeferir a sua realização não cometeu a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), e, consequentemente, o despacho recorrido, ao julgar improcedente tal nulidade, não é merecedor de censura, não tendo sido violado qualquer dos preceitos invocados pelo recorrente. 3.1.2 - No que diz respeito ao despacho proferido a 05-06-2020, igualmente objeto do recurso interlocutório, está em causa o indeferimento de duas diligências de prova, cuja produção foi requerida pelo arguido através do seu requerimento de 24-05-2020, nos termos conjugados do n.º 1 do art. 340º, do n.º 5 do art. 32º da CRP, do n.º 3 do art. 6º da Convenção Europeia dos direitos do Homem e do nº 3 do art. 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos: por um lado, a inquirição das testemunhas N. M., F. T. e L. L., todos militares na GNR, e, por outro lado, a tomada de esclarecimentos ao perito médico Dr. D. P.. Como se colhe do respetivo requerimento, o arguido fundamenta a necessidade de inquirição das referidas testemunhas nas circunstâncias de a primeira ser o agente da GNR que assinou e redigiu o auto de notícia e que tomou declarações ao arguido e à testemunha A. F., bem como, imediatamente a seguir aos factos, foi em busca do arguido, conjuntamente com o agente F. T.; este último ser quem o encontrou no quintal; e o agente L. L. ser quem recolheu a faca que se encontrava na via pública. Mais se limitando a alegar que é previsível que esses agentes da GNR têm conhecimento direto dos factos que relevam para a boa decisão da causa, o arguido requereu, em nome da descoberta da verdade material, a prestação de depoimento por parte dos mesmos. Como resulta da 2ª parte do despacho de 28-05-2020, o Mmº. Juiz indeferiu a requerida inquirição dos referidos militares, que havia sido prescindida na primeira sessão da audiência pelos sujeitos processuais que os haviam arrolado como testemunhas (Ministério Público e assistente), desde logo por o arguido não fundamentar, ao abrigo do permitido pelo art. 340º, a necessidade dessa inquirição, limitando-se a remeter para o que constatou após consulta dos autos, nomeadamente do que foi autuado em sede de inquérito. Assim é, efetivamente, porquanto em parte alguma o arguido alega qualquer razão demonstrativa da necessidade ou sequer utilidade da audição dessas testemunhas, sendo certo que os factos por elas presenciados se encontram reduzidos a auto (de notícia e de apreensão), relativamente aos quais o arguido não invoca a existência de qualquer dúvida, incoerência, ou discrepância que importe esclarecer ou dissipar, autos esses cuja leitura em audiência é permitida na parte em que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas [cf. art. 356º, n.º 1, al. b)]. Como também aduz o Mmº. Juiz, da prova produzida em audiência resulta de forma clara que as ditas testemunhas não presenciaram quaisquer dos factos integrantes dos crimes de que o arguido vinha acusado, nomeadamente não presenciaram qualquer ato de violência doméstica, de execução do crime de homicídio qualificado na forma tentada em relação à ofendida G. M. nem viram qualquer agressão ao assistente C. F.. Mesmo em relação ao que, nessas circunstâncias, foi declarado pelo arguido e pela testemunha A. F. perante o militar N. M., e que este fez constar do auto de notícia, a admitir-se que o mesmo possa ser inquirido sobre o respetivo teor, por se tratar de conversas informais e não de declarações ou depoimentos reduzidos a auto, e, consequentemente, não ser aplicável o disposto no n.º 7 do art. 356º, conforme é entendido pela jurisprudência [6], o certo é que em parte alguma o arguido justifica a necessidade, em face da prova produzida em audiência, de ouvir o referido militar da GNR, nomeadamente por haver alguma divergência relevante em que o que as referidas pessoas disseram perante ele e o que declararam em julgamento. Por seu turno, no que concerne à requerida tomada de esclarecimentos ao perito médico Dr. D. P., subscritor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal efetuada à ofendida G. M., o arguido limita-se a invocar genericamente que pretende ver esclarecidos os termos médicos constantes do processo clínico de fls. 33 e ss., concretamente "TAC", "hemotórax à esquerda com uma espessura de 2 cm", "sem pneumotórax", "sem contusões ou lacerações dos órgãos abdominais", "sem hematomas subcapsulares", "sem hemoperitoneu andar superior do abdómen", "sem dispneia ou outas queixas" e "sem edemas periféricos". Também essa diligência foi objeto de indeferimento, na 2ª parte do despacho de 28-05-2020, com fundamentos que merecem a nossa inteira adesão. Com efeito, não se descortina na referida terminologia técnica e de natureza médica qualquer termo que exija maior esclarecimento à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, sendo certo que o arguido também não concretiza o que pretende ver esclarecido, porquê e com que finalidade. Ademais, o alcance das lesões apresentadas pela ofendida resulta do relatório do exame pericial de avaliação do dano corporal a que a mesma foi submetida, sobre o qual o arguido não se pronunciou, nomeadamente, invocando qualquer falta de fundamentação, insuficiência ou contradição que justificasse o recurso ao disposto no art. 158º, o que também não alegou no requerimento em que solicitou a tomada de esclarecimentos ao perito médico. Aquilo que o arguido alega, em termos genéricos e abstratos, é que pretende ser esclarecido sobre o teor de determinada terminologia técnica e médica utilizada, como é comum, na redação da documentação clínica relativa ao atendimento hospitalar da ofendida G. M.. Todavia, inexiste qualquer fundamento legal para ser o tribunal a providenciar por esse esclarecimento de dúvidas terminológicas que o arguido possa ter, e muito menos através de esclarecimentos a tomar ao perito médico que elaborou o relatório pericial, uma vez que o arguido não concretizou, no momento próprio, em que medida a interpretação do teor desse relatório e das conclusões nele extraídas carece de qualquer confronto com o significado das aludidas expressões constantes na documentação clínica. Pelo exposto, quer a inquirição dos referidos militares da GNR quer os esclarecimentos a prestar pelo perito médico, são diligências de prova irrelevantes, supérfluas ou inadequadas. Assim, ao indeferir a realização dessas diligências probatórias, tal como da referida perícia lofoscópica, o Mmº. Juiz não cometeu a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), sendo essa decisão a que era imposta pelo disposto no art. 340º, n.º 4. Daí a conclusão de que o arguido não viu violado o exercício do direito do contraditório nem restringidas as suas garantias de defesa, consagrados nas normas constitucionais e internacionais por ele invocadas. Termos em que os despachos recorridos, que julgaram improcedentes tais nulidades, não são merecedores de qualquer censura, devendo ser confirmados. Improcede, pois, o recurso interlocutório. (…) III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em: (…) B) - Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido, P. F., relativo aos despachos proferidos em 28-05-2020 e 05-06-2020, e, em consequência, confirmar as decisões recorridas. (…). * Custas relativas ao recurso interlocutório a cargo do recorrente, fixando-se em 3 (três) unidades de conta a taxa de justiça, e sem custas o recurso relativo à decisão final (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a contrario), não se sancionando o recorrente pela rejeição do recurso na parte cível, atenta a isenção prevista no art. 4º, al. n), do Regulamento das Custas Processuais.* * (acórdão elaborado em processador de texto pelo relator e revisto integralmente por ambos os signatários) * Guimarães, 09 de dezembro de 2020 Os Juízes Desembargadores Jorge Bispo (relator) Ausenda Gonçalves (adjunta) (data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas) 1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator. 2. Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995. 3. Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 306. 4. Cf. Marques Ferreira, Meios de Prova, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal - O novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, 1988, págs. 231 e 232; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 4ª edição, revista e atualizada, 2000, págs. 78 e 79 e 85 e 86, vol. II, 2ª edição, revista e atualizada, 1999, págs. 108 a 111, e vol. III, 2ª edição, revista e atualizada, 2000, págs. 251 e 252. 5. In Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1090. 6. Cf., nomeadamente os acórdãos do STJ de 13-05-1999, proferido no processo n.º 201/99 - 3.ª Secção (I - Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento direto por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido.) e de 20-04-2006, processo n.º 06P363, disponível em http://www.dgsi.pt (A lei só exclui o testemunho das entidades policiais que verse o conteúdo de declarações por elas tomadas, sendo completamente descabido que as referidas entidades não pudessem depor sobre todos aqueles factos em relação aos quais o seu posicionamento não foi outro senão o de observadoras ou de intervenientes e observadoras, que, por terem neles participado, tiveram desses factos um conhecimento privilegiado.). |