Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS DUARTE | ||
Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DEVER DE COOPERAÇÃO DAS PARTES | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – A 2ª parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 542º, tem em vista uma manipulação da matéria de facto relevante para a decisão da causa, tendo em vista a dedução de uma pretensão ou de uma defesa que não têm fundamento. II -Um dos aspectos em que se traduz o dever de cooperação das partes para com o tribunal é o dever de esclarecimento e que se encontra plasmado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 7º do CPC. III – Os referidos normativos consagram um dever geral de esclarecimento, independentemente de qualquer ónus de alegação ou prova. IV - A alínea c) do n.º 2 do art.º 542º do CPC não contempla a omissão de todo e qualquer comportamento que seja devido: a lei exige uma omissão “grave”. V - A lei não indica qualquer critério para a aferição da gravidade. VI - A gravidade da omissão tem dois referenciais: i) a conduta exigível à parte, considerada em si mesma – a omissão da cooperação será grave, se a conduta exigível for essencial para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio (n.º 1 do art.º 7º); ii) as consequências que resultarem da omissão de cooperação - a omissão da cooperação será tão grave quanto for o prejuízo para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório Nos autos principais, AA requereu a declaração de insolvência de BB. Foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerida. A requerida interpôs recurso, tendo esta RG, por Acórdão de 24/01/2019, mantido a decisão recorrida. No que releva à economia do recurso, tal Acórdão considerou que o crédito da requerente relativamente à requerida, relativo a honorários por serviços de advocacia prestados no processo 2623/12 e apensos A, B e C, era de € 16.000,00, acrescido de uma majoração pelo resultado de € 6.000,00 e que a referida dívida era solidária, sendo co-devedores os restantes co-executados no citado processo 2623/12. Ainda nos autos principais, a 12/02/2021 a insolvente BB alegou que a credora AA iria ser paga no âmbito do processo de insolvência da EMP01..., Ldª, com o n.º 9056/15...., do J ... do Juízo de Comércio de ..., que aquela era a única credora nos presentes autos, sendo satisfeito o seu crédito naqueles autos, nada mais havia a pagar no âmbito destes e requereu a suspensão até ao pagamento daquela credora. Foi ordenado que o Sr. AI se pronunciasse, o que o mesmo fez. A 10/03/2021 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Refª ...34: efectivamente, da análise do relatório apresentado pela insolvente a 12/2/2021 (refª ...58) relativamente ao Processo de Insolvência da empresa EMP01..., Lda, que corre termos sob o nº 9056/15.... pelo Juízo do Comércio de ... – Juíz ..., constata-se que não foram efectuados os pagamentos da totalidade dos créditos dos credores deste processo (como bem refere o senhor Administrador da Insolvência, a proposta de rateio parcial apresentada apenas prevê o pagamento de 1,63€ à credora AA). Afigura-se, assim, que a insolvente se encontra a protelar o andamento do presente processo de insolvência e a liquidação do activo, sem fundamento. Pelo exposto, notifique a insolvente a fim de esclarecer o que tiver por conveniente, sendo que, não sendo comprovado o pagamento aos credores deste processo no prazo máximo de dez dias, será determinado o prosseguimento da liquidação do activo.” A 27/05/2021 a insolvente veio dizer que não conseguia obter informação dos pagamentos efectuados à credora AA e requereu a notificação da mesma e do Sr. AI no processo 9056/15...., para informarem as quantias pagas àquela credora, o que foi deferido. A 23/06/2021 a credora AA requereu a junção aos autos do comprovativo das quantias por si recebidas da Massa insolvente da EMP01..., Ldª, a 22/02/2021 no valor total de € 33.386,58 e alegou que não recebeu a totalidade do crédito por si reclamado e o valor recebido não respeita apenas aos honorários pelos serviços prestados no âmbito do proc. 2623/12.... e respetivos apensos, mas também a outros processos em que patrocinou aquela sociedade. A 12/10/2021 foi proferido o seguinte despacho: Não estando comprovado o pagamento aos credores neste processo determino o prosseguimento da liquidação do activo. Notifique. A 02/05/2022 a insolvente veio dizer que foi reconhecido à credora AA um crédito no montante de € 22.000,00, acrescido de IVA à taxa legal; a EMP01..., Ldª é responsável solidária pelo pagamento de tal crédito, razão pela qual aquela o reclamou no processo de insolvência da sociedade; no âmbito de tal processo, a referida dívida já foi integralmente paga, pelo que o crédito que lhe foi reconhecido nos presentes autos já se encontra integralmente pago. E requereu o encerramento do processo. A 10/05/2022 a credora AA veio dizer que não se encontra paga do seu crédito, conforme decorre do despacho de 10/03/2021. A 23/05/2022 a insolvente veio reiterar o já afirmado. A 29/05/2022 foi proferido o seguinte despacho: Refª ...84: Não está comprovado nos autos que a sociedade EMP01..., Lda. seja responsável solidária pelo pagamento do crédito da credora Dra. AA. Na verdade, é certo que esta credora também é credora no processo de insolvência daquela empresa, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de ... – Juíz ..., sob processo n.º 9056/15...., porém, não está comprovado que o crédito seja o mesmo. Assim, indefere-se o requerido. Notifique. A 13/06/2022 a insolvente apresentou um extenso requerimento em que, em síntese, alega que o crédito reclamado e reconhecido à credora AA no âmbito dos presentes autos, é parte do crédito reconhecido e reclamado por aquela no âmbito da insolvência da EMP01..., Ldª; por se tratar de uma divida solidária da insolvente e daquela sociedade, o que é reconhecido pela credora, o referido crédito será pago no processo de insolvência daquela sociedade. Requereu que, face à prova documental, o tribunal considerasse comprovado que aquela sociedade é responsável solidária pelo pagamento do crédito reconhecido à credora AA nos presentes autos. A credora AA, notificada, nada disse. O tribunal a quo nunca se pronunciou. No apenso A – reclamação de créditos – a 05/02/2019 o Sr. AI junto aos autos Relação de Créditos Reconhecidos, nos termos do art.º 129º do CIRE, onde constam como créditos reconhecidos: - EMP02... S.A.R.L. – € 23.113,22; - Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital ... - € 29,04; - AA - € 54.401,89, de capital e juros. A insolvente impugnou o crédito reconhecido a AA. A 27/02/2020 foi proferida decisão que não admitiu a impugnação. Interposto recurso da referida sentença, por Decisão sumária desta RG de 23/07/2020 foi aquela revogada e ordenado o prosseguimento dos autos. Requerida a prolação de Acórdão, assim sucedeu a 17/09/2020, que manteve a decisão sumária. Foi interposto recurso de revista, que o STJ por Acórdão de 26/01/2021 decidiu não conhecer. A 21/03/2022 foi proferida sentença que, com base no Acórdão de 24/01/2019, que apreciou a sentença de insolvência, julgou parcialmente procedente a impugnação e reconheceu à credora AA um crédito no valor de €16.000,00, majorado em € 6.000,00 pelo resultado, acrescido de IVA à taxa legal. A referida sentença não foi impugnada. No apenso B – incidente de qualificação de insolvência – (em que o presente recurso foi interposto) a 12/09/2022 realizou-se audiência de julgamento, constando da respectiva Ata o seguinte: Declarada aberta a audiência quando eram 10:08 horas, e não antes em virtude de o Tribunal se encontrar a aguardar pela chegada da Dra AA, tendo sido tentado o contacto telefónico com a mesma, o que se revelou infrutífero, pela ilustre mandatária da requerida foi pedida a palavra e sendo-lhe concedido, no seu uso disse: "A requerida requer a junção aos autos de 4 documentos que são comprovativos do pagamento integral de todos os credores no âmbito do processo nº 9056/15.... e comprovativos do pagamento à credora Exmª senhora Dra. AA, nomeadamente o comprovativo do pagamento efetuado em 20/06/2022, no valor de € 20.471,75, e bem assim o documento comprovativo em como houve uma quantia remanescente no âmbito do mesmo processo, remanescente esse que foi distribuído pelos sócios da sociedade EMP01..., Lda." * Dada a palavra à digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi dito nada ter a opor à requerida junção e nada ter a requerer.* Após, a Mmª Juiz proferiu o seguinte:DESPACHO "Considerando os documentos ora junto pela insolvente, face ao alegado pela mesma no requerimento ora apresentado, a comprovar-se o agora alegado pela mesma poderá verificar-se que a única credora nos autos se encontra já ressarcida da totalidade do seu crédito, o que poderá determinar a extinção dos autos principais e, consequentemente, a dos presentes autos. Assim, e porque a credora não se encontra presente na presente audiência, determino que, com cópia dos documentos ora juntos, se notifique a credora para, em 10 dias, se pronunciar sobre o teor do requerimento ora apresentado pela requerida e dos documentos juntos aos autos, confirmando ainda se se encontra totalmente ressarcida do seu crédito. * (…)Notifique." A 22/09/2024 foi elaborada notificação da credora AA nos seguintes termos: Fica notificada, na qualidade de Mandatária/requerente, relativamente ao processo supra identificado, para, em 10 dias, se pronunciar sobre o teor do requerimento ora apresentado pela requerida e dos documentos juntos aos autos, de que se anexam cópias, confirmando ainda se se encontra totalmente ressarcida do seu crédito. A credora AA, notificada disse: Vem, atento o teor do douto despacho que antecede, informar os presentes autos que aguarda despacho deste mesmo Tribunal sobre a questão pelo mesmo suscitada no despacho de 29.05.2022 nos autos principais, por forma a tomar posição sobre a questão de pagamento. A 17/11/2022 foi proferido despacho a ordenar a notificação da credora AA para se pronunciar sobre a sua litigância de má-fé. A credora AA pronunciou-se dizendo, em síntese, que o tribunal lhe pretende assacar uma responsabilidade que só ao mesmo cabe; se a requerente não comunicou ao tribunal o recebimento dos valores que lhe foram pagos a 26/06/2022, tal deveu-se à confusão gerada pelo despacho do mesmo tribunal de 29/05/2022, em que suscita a questão da possibilidade da não solidariedade da dívida, despacho que mereceu resposta por parte da insolvente em requerimento de 13/06/2022, sem que até á data tenha recaído sobre o mesmo qualquer decisão; a requerente limitou-se a aguardar que o tribunal se pronunciasse sobre uma questão suscitada pelo mesmo no despacho de 29/05/2022; lacónica no seu anterior requerimento para permitir que o tribunal se pronunciasse sobre a resposta da insolvente à questão por si suscitada no seu despacho de 29/05/2022 com recurso às decisões prolatadas no âmbito dos presentes autos e, caso mudasse de opinião, comunicar o recebimento da quantia que lhe era devida; a requerente aguardou que a justiça, de motu proprio, corrigisse os próprios lapsos. A insolvente pronunciou-se e requereu que a credora AA fosse condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização em valor nunca inferior a € 5.000,00 A 20/01/2023 foi proferida decisão, cujo decisório tem o seguinte teor: Face ao exposto, ao abrigo do disposto no art. 543º, n.º1, al. b) e c), e nºs2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, condeno AA como litigante de má-fé, fixando-se a multa a pagar pela mesma em 3 UC´s. A credora interpôs recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Por despacho datado de 20.01.2023, o Tribunal a quo condenou a Recorrente como litigante de má-fé e, consequentemente, numa multa de 3 Ucs. 2. A Recorrente não pode conformar-se com a referida decisão e seus fundamentos porquanto não pode ser assacada à Recorrente a desatenção do Tribunal recorrido, nomeadamente, no que à leitura do Acórdão prolatado a 24.01.2022 diz respeito que confirmou a declaração de insolvência da Recorrida. 3. Do douto acórdão proferido por este Venerando Tribunal a 24.01.2019, relativamente ao crédito da Requerente reclamado no âmbito dos presentes autos resulta o seguinte “é pois a dívida em questão solidária o que significa que a totalidade da dívida pode ser exigida apenas de um devedor”. 4. No dia 29.05.2022, o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho “ Não está comprovado nos autos que a sociedade EMP01..., Lda. seja responsável solidária pelo pagamento do crédito da credora Dra. AA. Na verdade, é certo que esta credora também é credora no processo de insolvência daquela empresa, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de ... - Juíz ..., sob processo n.º 9056/15...., porém, não está comprovado que o crédito seja o mesmo. Assim, indefere-se o requerido” 5. O referido despacho foi proferido na sequência de um requerimento dirigido pela Insolvente aos presentes autos em que alegava que a Recorrente já havia recebido a quantia por si reclamada no âmbito dos presentes autos, facto que não correspondia à verdade e tinha já sido objecto de despacho proferido a 10.03.2021. 6. No dia 13.06.2022, a Insolvente remeteu ao Tribunal o requerimento onde alegava a solidariedade da dívida que era Reclamada pela Recorrente, 7. Volvidos cerca de 9 meses sobre a data em que o Tribunal recorrido proferiu o despacho acima transcrito e a junção requerimento da Insolvente, o Tribunal recorrido ainda não se pronunciou sobre o teor do referido requerimento, não obstante, ter já proferido dois outros despachos, designadamente a 04.07.2022 e 21.01.2023, sem sequer fazer menção ao conteúdo do requerimento da Insolvente de 13.06.2022. 8. Foi tendo em conta a questão suscitada pelo Tribunal recorrido no despacho de 29.05.2021, que a Recorrente, respondeu que aguardava a resposta ao requerimento de 13.06.2023 da Insolvente e ante o despacho que convidava a Recorrente a pronunciar-se sobre a sua eventual condenação como litigante de má-fé sustentou que o facto de a Recorrente não ter comunicado o pagamento se deveu à confusão instalada no processo pelo despacho de 20.05.2022, sobre o facto de o crédito reclamado pela Recorrente assumir, ou não, natureza solidária tendo ainda alegado que em nenhum momento, a Requerente, ao contrário do que transparece do despacho ora em causa, pretendeu com o seu silêncio ou parcas palavras vitupear a acção da justiça, antes pelo contrário, aguardou que a mesma motu proprio corrigisse os seus próprios lapsos, atitude essa incompreendida pelo Tribunal”. 9. O dever de cooperação das partes não abarca o dever das partes em substituir-se aos Magistrados na leitura e estudo das decisões que ao longo de um processo vão sendo proferidas, devendo a atuação das mesmas assentar na confiança de que todos os intervenientes têm conhecimento das matérias em discussão. Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações. 2. Questões a decidir O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. A única questão que cumpre apreciar é a de saber se a recorrente litigou de má fé. 3. Fundamentação de facto A decisão recorrida não autonomizou a fundamentação de facto. No entanto e da sua leitura extrai-se que a mesma teve em consideração parte das vicissitudes processuais que ficaram referidas no Relatório deste Acórdão e ainda que: - a insolvente pagou extra-judicialmente os créditos da EMP02... S.A.R.L. e do Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital ...; - o crédito reconhecido à credora AA nos presentes, integra o crédito reconhecido à mesma no processo de insolvência da EMP01..., Ldª, processo 9056/15...., do J ... do Juízo de Comércio de ...; - o crédito reconhecido à credora AA no referido processo de insolvência, foi integralmente pago, tendo recebido € 33.386,58 a 22/02/2021 e € 20.471,75 a 26/06/2022. 4. Fundamentação de direito 4.1. Enquadramento jurídico Qualquer pessoa que se considere titular de um direito pode solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva - arts. 20° da Constituição da República Portuguesa e 2° do Cód. Proc. Civil -, assim como qualquer pessoa demandada pode usar os meios processuais existentes para se defender. A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão: num e noutro caso gozam dos mesmos poderes processuais. Mas uma realidade é o direito abstracto de acção ou de defesa; outra é o exercício concreto desse direito. O primeiro não tem limites, é um direito inerente à personalidade humana. O segundo tem as limitações impostas pela ordem jurídica. Como refere Paula Costa e Silva, in Responsabilidade por conduta processual – litigância de má fé e tipos especiais, Almedina, pág. 45 “o direito de acção, como qualquer outro direito subjectivo, não traduz uma liberdade absoluta: ainda que o direito a agir configure uma permissão normativa genérica, não pode significar uma possibilidade de actuação sem fronteiras de licitude. O direito de acção, como qualquer situação jurídica, está, desde logo, limitada pelos fins da sua atribuição.” Uma dessas limitações traduz-se nesta exigência: as partes devem agir de boa-fé, como estabelece o art.º 8º, cuja epígrafe é “Dever de boa fé processual” e devem observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo 7º. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a conduta é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco inerente à sua actuação. Mas se a parte procedeu de má fé, determina o art.º 542°, n°1 do Cód. Proc. Civil a sua condenação em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Dispõe o n.º 2 do art.º 542º do CPC: 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Decorre da conjugação do n.º 1 com o n.º 2, que a condenação por litigância de má fé exige a verificação de elementos subjectivos e elementos objectivos. Quanto aos elementos subjectivos, a norma contempla quer o dolo, quer a negligência grave. Nem sempre foi assim. O art.º 465º do CPC de 1939 dispunha: Deve considerar-se litigante de á fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade. A citada norma era interpretada como punindo, apenas, as actuações dolosas e não as actuações com culpa grave (neste sentido Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, pág. 262). O CPC alterado em 1961 estabelecia a litigância de má fé no art.º 456º de forma quase idêntica, dispondo: 2. Diz-se litigante de má fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade. Destarte e quanto a esta norma mantinha-se válida a interpretação de Alberto dos Reis e também a de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1003, pág. 356. Porém, o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro veio mudar o paradigma, passando a dispor no corpo do n.º 2: 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:… Esta norma corresponde hoje ao n.º 2 do art.º 542º. Assim, e actualmente, o elemento subjectivo tanto abrange o dolo, como a negligência grave. O CPC não contém qualquer norma definidora de tais conceitos. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, II, pág. 262 distinguia quatro tipos de conduta processual, sendo que, no que releva face à norma actual, apenas os dois últimos interessam: - lide temerária – a parte embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro ou culpa grave, ajuizando a acção com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão – e que podemos hoje fazer corresponder à negligência grave; - lide dolosa – a parte, apesar de estar ciente de que não tinha razão, litigou e deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada. No domínio das obrigações e para efeitos de responsabilidade, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 6ª edição, vol. I, pág. 532-542 integra nas condutas dolosas: - o dolo directo – o agente prefigura determinado efeito do seu comportamento e quer esse efeito como fim da sua actuação; - o dolo necessário – o agente, não querendo directamente o facto ilícito, prevê-o como consequência necessária e segura da sua conduta; - o dolo eventual – caracterizado pelo facto de o agente prever a produção do facto ilícito como consequência possível da sua conduta, conformando-se com o resultado. Paula Costa e Silva, in Responsabilidade…, pág. 344, refere que o dolo “revela-se numa intencionalidade da parte quer na dedução de pretensão ou oposição infundada, quer na alteração ou omissão de factos, quer na violação do dever de cooperação, quer, por fim, na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça. Assim e consoante os tipos, age dolosamente a parte que sabe que mão tem razão quando deduz determinada pretensão ou oposição, a parte que sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade, a parte que viola intencionalmente o dever de cooperação bem como a parte que sabe estar a fazer um uso reprovável, porque disfuncional, dos meios processuais ou do processo.” Quanto à negligência, em termos gerais, é a omissão da diligência devida num caso concreto. Mas, face à norma em apreço, só releva a culpa grave, que é a negligência grosseira, escandalosa, intolerável, em que só cai um homem anormal ou extraordinariamente descuidado – Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, pág. 434-435 (cfr. o conjunto de exemplos jurisprudenciais recenseados por Paula Costa e Silva, in Responsabilidade…, pág. 345). A doutrina distingue ainda má fé, dolosa ou com culpa grave, substancial - deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida, altera-se a verdade dos factos, omite-se um elemento essencial – da má fé instrumental - faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável. Quanto aos elementos objectivos, traduzem-se nas condutas identificadas nas várias alíneas do n.º 2, às quais estão subjacentes um conjunto de deveres processuais, cuja violação constitui o fundamento da condenação por litigância de má fé e que radicam no dever processual geral, imposto a todas as partes, de agir de boa-fé. A decisão recorrida considerou que a recorrente incorreu na previsão das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 542º do CPC A alínea b) diz respeita à manipulação da matéria de facto, tendo em vista a dedução de uma pretensão ou de uma defesa que não tem fundamento, e contempla dois subtipos: - a alteração da verdade dos factos – a parte invoca factos relevantes para a decisão da causa, que a beneficiam, vindo a provar-se não só que os mesmos não ocorreram, como ocorreram factos contrários aos alegados, que beneficiam a parte contrária; - a omissão de factos relevantes para a decisão da causa, os quais, uma vez alegados e provados, prejudicariam a parte que os omite e beneficiaria a contraparte. Do ponto de vista subjectivo pode precisar-se que a alteração ou omissão de factos pode ser intencional ou pode resultar de uma grosseira e manifesta falta de cuidado na indagação da realidade. A alínea c) tem em vista a omissão grave do dever de cooperação. Desde logo impõe-se ter em atenção que a alínea c) não contempla a omissão de todo e qualquer comportamento que seja devido: a lei exige uma omissão “grave”. A lei não indica qualquer critério para a aferição da gravidade. A gravidade da omissão (em rigor será violação do dever de cooperação) tem dois referenciais: i) a conduta exigível à parte, considerada em si mesma – a omissão da cooperação será grave, se a conduta exigível for essencial para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio (n.º 1 do art.º 7º); ii) as consequências que resultarem da omissão de cooperação - a omissão da cooperação será tão grave quanto for o prejuízo para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio. Destarte, a gravidade da omissão do dever de cooperação afere-se quer em função da essencialidade da conduta exigível, quer em função do prejuízo causado com a omissão. O dever de cooperação está plasmado no art.º 7º do CPC, o qual dispõe: 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo. Paula Costa e Silva, na ob. já citada, pág. 405 refere: “O dever de cooperação justifica, por si só e atendendo à formulação do artigo 7º, n.º 1, o repúdio do sistema pelas actuações dilatórias uma vez que estas impedem a composição, com brevidade, do litígio. Mas, naquilo que tem de núcleo duro, impõe este dever aos operadores judiciários uma atitude de cooperação, com inversão absoluta do paradigma do processo judicial enquanto luta entre privados. Se este podia ser visto como um assunto estritamente particular, deixa de o ser uma vez que é também dever do juiz cooperar com as partes para a composição da causa, com brevidade e eficácia.” É do interesse público a obtenção de uma decisão por aquele que tem a justa razão, “em tempo útil e sem fadiga ou dispêndio exorbitante” (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p.22). A obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, é um objectivo que deve interessar, em primeiro lugar às partes. Mas também é de interesse público, na medida em que está em causa a realização da Justiça e, com ela, da paz social, valores ao serviço dos quais está o processo civil. E para tal impõe a lei, através do principio da cooperação, uma outra e diferente interacção entre os diferentes sujeitos processuais. Miguel Teixeira de Sousa, in CPC Online, art. 1.º a 129.º, Versão de 2024/04, consultável in https://drive.google.com/file/d/1c5TqTh01iZke4z2mGI04zE47F3BXqpKG/view, refere que este normativo consagra o dever de cooperação entre o tribunal e as partes e entre estas e o tribunal, funcionalizado, em qualquer caso, à obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio. Um dos aspectos em que se traduz o dever de cooperação das partes para com o tribunal é o dever de esclarecimento e que se encontra plasmado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 7º: - nos termos do n.º 2 o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência; - nos termos do n.º 3, as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, são obrigadas a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º, ou seja, sempre que não haja violação da integridade física ou moral das pessoas, intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações ou violação do sigilo profissional ou do segredo de Estado. Relativamente ao dever de esclarecimento João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in Manual de Processo Civil I, AAFDL Editora, pág. 96, referem que o mesmo “é independente de qualquer ónus de alegação ou prova, ou seja, recai quer sobre a parte que tem o ónus de alegar e de provar um facto, quer sobre a parte que não nenhum desses ónus. Isto significa que vigora, independentemente de qualquer ónus de alegação ou prova, um dever geral de esclarecimento das partes.” Resulta, assim, dos n.ºs 2 e 3 do art.º 7º, que as partes estão obrigadas a fornecer ao tribunal quaisquer informações ou esclarecimentos que sejam solicitados. 4.2. Em concreto Resulta dos autos principais que AA requereu a declaração de insolvência de BB, a qual foi declarada. Interposto recurso dessa sentença, foi a mesma mantida por Acórdão desta RG de 24/01/2019, o qual, além do mais, considerou que o crédito da requerente relativamente à requerida, relativo a honorários por serviços de advocacia prestados no processo 2623/12 e apensos A, B e C, era de € 16.000,00, acrescido de uma majoração pelo resultado de € 6.000,00 e que a referida dívida era solidária, sendo co-devedores os restantes co-executados no citado processo 2623/12. Entretanto e ainda nos autos principais, a 12/02/2021 a insolvente BB alegou que a credora AA iria ser paga no âmbito do processo de insolvência da EMP01..., Ldª, com o n.º 9056/15...., do J ... do Juízo de Comércio de .... No desenvolvimento da questão suscitada, foi ordenada a notificação da credora AA para informar quais as quantias que lhe haviam sido pagas no referido processo 9056/15..... A 23/06/2021 a credora AA requereu a junção aos autos do comprovativo das quantias por si recebidas da Massa insolvente da EMP01..., Ldª, a 22/02/2021 no valor total de € 33.386,58 e alegou que não recebeu a totalidade do crédito por si reclamado e o valor recebido não respeita apenas aos honorários pelos serviços prestados no âmbito do proc. 2623/12.... e respetivos apensos, mas também a outros processos em que patrocinou aquela sociedade. Entretanto, nos autos de reclamação de créditos, o Sr. AI junto Relação de Créditos Reconhecidos, nos termos do art.º 129º do CIRE, onde constam como créditos reconhecidos: - EMP02... S.A.R.L. – € 23.113,22; - Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital ... - € 29,04; - AA - € 54.401,89, de capital e juros. A insolvente impugnou o crédito reconhecido à credora AA. Após desenvolvimentos que constam do Relatório supra, a 21/03/2022 foi proferida sentença que, com base no já referido Acórdão desta RG de 24/01/2019, que apreciou a sentença de insolvência, julgou parcialmente procedente a impugnação do crédito reconhecido à credora AA, reconhecendo que a mesma era titular de um crédito no valor de €16.000,00, majorado em €6.000,00 pelo resultado, acrescido de IVA à taxa legal. A 02/05/2022 a insolvente veio dizer que foi reconhecido à credora AA um crédito no montante de € 22.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, a EMP01..., Ldª é responsável solidária pelo pagamento de tal crédito, razão pela qual aquela o reclamou no processo de insolvência da sociedade, no âmbito de tal processo, a referida dívida já foi integralmente paga, pelo que o crédito que lhe foi reconhecido nos presentes autos já se encontra integralmente pago e requereu o encerramento do processo. A 10/05/2022 a credora AA veio dizer que não se encontra paga do seu crédito. A 29/05/2022 foi proferido o seguinte despacho: Refª ...84: Não está comprovado nos autos que a sociedade EMP01..., Lda. seja responsável solidária pelo pagamento do crédito da credora Dra. AA. Na verdade, é certo que esta credora também é credora no processo de insolvência daquela empresa, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de ... – Juíz ..., sob processo n.º 9056/15...., porém, não está comprovado que o crédito seja o mesmo. Assim, indefere-se o requerido. Notifique. A 13/06/2022 a insolvente apresentou um extenso requerimento em que, em síntese, alega que o crédito reclamado e reconhecido à credora AA no âmbito dos presentes autos é parte do crédito reconhecido e reclamado por aquela à EMP01..., Ldª no âmbito da insolvência da mesma, de valor superior, por se tratar de uma divida solidária da insolvente e daquela sociedade, o que é reconhecido pela credora, o referido crédito será pago no processo de insolvência daquela sociedade e requereu que face à prova documental, o tribunal considerasse comprovado que aquela sociedade é responsável solidária pelo pagamento do crédito reconhecido à credora AA nos presentes autos. A credora AA nada disse. O tribunal a quo não se pronunciou sobre este requerimento. Entretanto, no apenso B – incidente de qualificação de insolvência -, a 12/09/2022 realizou-se audiência de julgamento, no inicio da qual a insolvente requereu a junção aos autos de documento comprovativo do pagamento, no âmbito do processo nº 9056/15...., à credora AA, a 20/06/2022, da quantia de € 20.471,75. Porque a credora AA não se encontrava presente, foi ordenado que “com cópia dos documentos ora juntos, se notifique a credora para, em 10 dias, se pronunciar sobre o teor do requerimento ora apresentado pela requerida e dos documentos juntos aos autos, confirmando ainda se se encontra totalmente ressarcida do seu crédito.” A 22/09/2022 foi elaborada notificação da credora AA nos termos ordenados. A credora notificada disse: Vem, atento o teor do douto despacho que antecede, informar os presentes autos que aguarda despacho deste mesmo Tribunal sobre a questão pelo mesmo suscitada no despacho de 29.05.2022 nos autos principais, por forma a tomar posição sobre a questão de pagamento. Tendo sido notificada nos termos referidos e tendo respondido também nos termos referidos, a questão que cabe responder é se tal actuação da credora AA integra, objectiva e subjectivamente, os tipos de ilícito processual plasmados nas alíneas b), 2ª parte e c) do n.º 2 do art.º 542º do CPC. A 2ª parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 542º, tem em vista uma manipulação da matéria de facto relevante para a decisão da causa, tendo em vista a dedução de uma pretensão ou de uma defesa que não têm fundamento. Não se vislumbra na actuação da recorrente qualquer manipulação da matéria de facto. O facto em crise – saber se a credora AA havia reclamado o crédito sobre a insolvente BB no processo no processo de insolvência da EMP01..., Ldª, com o n.º 9056/15...., por a dívida ser solidária e se neste processo já havia sido paga - não relevava para o mérito do incidente de qualificação. Destarte, há que concluir que a conduta da credora AA não integra o tipo de ilícito previsto na 2ª parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 542º do CPC. Quanto à alínea c), vejamos Não há dúvidas de que a credora, ora recorrente, tendo sido notificada expressamente para esclarecer se se encontrava totalmente ressarcida do seu crédito no processo 9056/15...., não o fez, pois limitou-se a dizer que “aguarda despacho deste mesmo Tribunal sobre a questão pelo mesmo suscitada no despacho de 29.05.2022 nos autos principais, por forma a tomar posição sobre a questão de pagamento.” Pretende a recorrente que o contexto dos autos afasta o seu dever de esclarecimento e, assim, o seu dever de cooperação. E o contexto a que se refere é o despacho de 29/05/2022 e o requerimento da insolvente de 13/06/2022. Vejamos No despacho de 29/05/2022 produzem-se duas afirmações: - a primeira é que não estava comprovado que a sociedade EMP01..., Lda. fosse responsável solidária pelo pagamento do crédito da credora AA; - a segunda é que muito embora a credora AA fosse também credora no processo de insolvência daquela empresa, processo n.º 9056/15...., não estava comprovado que o crédito fosse o mesmo. A 13/06/2022 a insolvente apresentou um extenso requerimento em que, em síntese, alega que o crédito reclamado e reconhecido à credora AA no âmbito dos presentes autos é parte do crédito reconhecido e reclamado por aquela à EMP01..., Ldª no âmbito da insolvência da mesma, de valor superior, por se tratar de uma divida solidária da insolvente e daquela sociedade, o que é reconhecido pela credora, o referido crédito será pago no processo de insolvência daquela sociedade e requereu que face à prova documental, o tribunal considerasse comprovado que aquela sociedade é responsável solidária pelo pagamento do crédito reconhecido à credora AA nos presentes autos. Este requerimento não mereceu por parte do tribunal qualquer pronúncia. Certo é que a credora AA nada disse. Porém, nenhum dos referidos factos afasta o dever de prestar ao tribunal o esclarecimento que lhe foi dirigido pelo tribunal. Assim e quanto à questão da solidariedade da dívida, como a própria recorrente recorda na conclusão 3ª, o Acórdão desta RG de 24/01/2019, que teve por objecto a sentença de insolvência, já havia considerado que o crédito da requerente relativamente à requerida, relativo a honorários por serviços de advocacia prestados no processo 2623/12 e apensos A, B e C, era de € 16.000,00, acrescido de uma majoração pelo resultado de € 6.000,00 e que a referida dívida era solidária, sendo co-devedores os restantes co-executados no citado processo 2623/12. Note-se que, inclusive, foi à luz do citado Ac. da RG de 24/01/2019, que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação do crédito reconhecido à credora AA e que lhe reconheceu um crédito no valor total de € 22.000,00, acrescido de IVA. Note-se também que muito embora invoque que aguardava a clarificação do despacho de 29/05/2022, na sequência do requerimento da insolvente de 13/06/2022, o certo é que notificada deste requerimento, nada disse, o que leva a concluir que o mesmo não lhe suscitou qualquer dúvida a pretensão da insolvente de que a dívida era efectivamente solidária. Neste contexto e acrescendo que a credora AA é advogada e tomando como referência uma actuação à luz do principio da boa fé, não se compreende nem alcança qual era a dúvida séria da mesma quanto à questão da solidariedade, que a mesma considerava necessária ver, para si, esclarecida, tanto mais que acaba por reconhecer, no final da conclusão 8ª, que o tribunal a quo tinha incorrido em “lapsos”. E quanto à questão de saber se o crédito aqui reconhecido à credora AA havia, ou não, sido reclamado e reconhecido no processo de insolvência da EMP01..., Ldª, n.º 9056/15...., tendo em consideração o principio da boa fé, a perplexidade é ainda maior, já que estamos perante um facto pessoal da ora recorrente, pois foi a mesma que ali reclamou um crédito e, portanto, a mesma sabia o que é que tinha reclamado e, concretamente, sabia que o crédito ali reclamado integrava (como se prova) o crédito reconhecido sobre a aqui insolvente. Finalmente, importa notar que caso a recorrente entendesse que alguma das referidas questões constituía um obstáculo sério e fundamentado à pretensão da insolvente apresentada na audiência de julgamento de 12/09/2022, então impunha-se-lhe que as apresentasse quando notificada a 22/09/2022. Em face do exposto, impõe-se concluir que nada afastava o dever da recorrente de responder, de forma directa e objectiva, ao esclarecimento que lhe foi pedido pelo tribunal. E não o tendo prestado, a recorrente incorreu em violação do dever de esclarecimento para com o tribunal e, assim, em violação do dever de cooperação. Mas, como ficou referido em sede de enquadramento jurídico, a integral verificação do ilícito previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 542º do CPC, exige que a violação do dever de cooperação seja grave, gravidade essa aferida pela essencialidade da cooperação exigida à parte para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio (n.º 1 do art.º 7º) e pela medida do prejuízo que advier dessa omissão para a realização de tal objectivo. O esclarecimento pedido à credora AA não era absolutamente essencial para o tribunal decidir se o crédito que havia sido reconhecido aquela, nos autos de insolvência de que os presentes são apenso, era uma dívida solidária, pois nesse sentido já se havia pronunciado o Ac. desta RG de 24/01/2019. Também não era absolutamente essencial para saber se a credora AA havia reclamado tal crédito no processo de insolvência da EMP01..., Ldª, com o n.º 9056/15...., por que, caso o tribunal entendesse que a prova apresentada pela insolvente na audiência de julgamento de 12/09/2022 era insuficiente, não estava dispensado de ordenar as diligências que tivesse por pertinentes, nomeadamente consultando aquele processo ou solicitando informação ao mesmo. E, no caso de se confirmar que a credora AA ali tinha reclamado um crédito que integrava o crédito que lhe havia sido reconhecido sobre a insolvente BB, a cooperação daquela também não era absolutamente essencial para saber se já tinha sido paga, por que, mais uma vez, caso o tribunal entendesse que a prova apresentada pela insolvente na audiência de julgamento de 12/09/2022 era insuficiente, não estava dispensado de ordenar as diligências que tivesse por pertinentes, nomeadamente consultando o processo referido ou solicitando informação ao mesmo. E, como resulta da decisão recorrida, foi o que o tribunal fez: atendeu ao Acórdão de 24/01/2019 e sem delongas consultou o processo 9056/15..... Certamente tudo se teria passado de forma mais simples e directa, se a recorrente, cumprindo o dever de boa fé processual e de cooperação, tivesse esclarecido o tribunal quando notificada para tal. Mas essencialidade não se confunde com facilidade. Por outro lado, do ponto de vista da gravidade do prejuízo para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litigio, verifica-se que a questão do integral pagamento da recorrente a 26/06/2022, no processo 9056/15...., foi suscitada pela insolvente a 12/09/2022, a recorrente foi notificada a 22/09/2022 e a 17/11/2022 foi proferido despacho que ordenou a remessa dos autos à conta para apuramento das custas (despacho cujo mérito não é objecto do recurso). Neste contexto, houve uma dilação de cerca de dois meses entre a data da notificação da recorrente e o despacho de 17/11/2022, dilação essa que muito embora atinja o polo da brevidade na obtenção da justa composição do litígio, não o faz com o grau de gravidade exigido pela alínea c) do n.º 2 do art.º 542º do CPC. Além disso, não ficaram provadas quaisquer consequências que atinjam o polo da eficácia na obtenção da justa composição do litígio. Assim, em face de tudo conclui-se que, muito embora a recorrente tenha violado o dever de esclarecer o tribunal, tal violação não assume a gravidade exigida por lei, pelo que se impõe julgar o recurso procedente e revogar a decisão recorrida. 4.3. Custas Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 dispõe que entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A recorrente obteve provimento do recurso. Não houve contra-alegações, pelo que não há recorrido. Destarte as custas ficam a cargo da recorrente de acordo com o critério do proveito – art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC. 5. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em revogar a decisão recorrida. Custas pela recorrente Notifique-se * Guimarães, 27/06/2024 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte 1º Adjunto: Fernando Manuel Barroso Cabanelas 2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães |