Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
360/19.0GAPTL-B.G1
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: EXECUÇÃO DE PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS AUTOMÓVEIS
ENTREGA DA CARTA
PEDIDO DE NOVA CARTA
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – De acordo com o disposto no artigo 121.º, n.º 8 do Código da Estrada nenhum condutor pode, simultaneamente, ser titular de mais de um título de condução, do modelo comunitário, emitido por qualquer dos Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu.
II – A emissão de um título de condução pelo IMT, I. P., determina a revogação automática do título anteriormente emitido com o mesmo número, nos termos do artigo 2.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5/7.
III – Assim, a revalidação da carta de condução do arguido, a pedido deste, durante o período de cumprimento da pena acessória da proibição de conduzir veículos com motor tem como efeito jurídico necessário a revogação da carta de condução apreendida.
IV – Por isso, não existindo título de condução válido apreendido e mantendo o arguido na sua esfera de disponibilidade a nova e única carta de condução válida, tal não permite considerar que continuou a cumprir a pena acessória da proibição de conduzir veículos com motor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1. No âmbito do processo especial sumário n.º 360/19.0GAPTL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, por despacho proferido em 19-02-2025, foi determinada a notificação do arguido AA, com os sinais nos autos, para proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta.

2. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«A. Vem o presente recurso interposto do Despacho Judicial datado de 19.02.2025, junto aos autos com a referência ...92, nos termos do qual foi o arguido/recorrente notificado para “proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta”, uma vez que entende o Tribunal a quo que “o arguido apenas cumpriu a proibição no período que decorreu entre 29 de junho de 2022 e 24 de outubro de 2023, pelo que ainda lhe faltam cumprir 8 meses e 5 dias”.
B. Com efeito, não concorda nem se conforma o arguido/recorrente com a decisão de ter que proceder à entrega da sua carta de condução, a fim de cumprir o período de proibição em falta, isto é, 8 meses e 5 dias, uma vez que, no nosso modesto entender, o arguido já cumpriu integralmente a pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 2 (dois) anos.
C. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal, e de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um dos crimes cometidos e, em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão (já cumprida), bem como na pena acessória de proibição de condução pelo período de (dois) anos (na nossa modesta opinião, também já cumprida).
D. O prazo da proibição de conduzir veículos com motor teve início a 29 de junho de 2022 e termo a 29 de junho de 2024.
E. Entretanto, em 13.10.2023, sob pena de a mesma caducar, o arguido requereu a revalidação da sua carta de condução, tendo-lhe a mesma sido remetida por correio em 24.10.2023.
F. Acontece que foi o arguido notificado do teor do despacho datado de 19.02.2025, com a referência ...92, para “proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta”, uma vez que entende o Tribunal a quo que “o arguido apenas cumpriu a proibição no período que decorreu entre 29 de junho de 2022 e 24 de outubro de 2023, pelo que ainda lhe faltam cumprir 8 meses e 5 dias”.
G. Com efeito, consta do referido despacho o seguinte:
“O arguido iniciou o cumprimento da pena de prisão no dia 25 de fevereiro de 2021, com termo previsto para 24 de agosto de 2022 (cfr. promoção de liquidação de pena de 02/03/2021 e despacho homologatório de 05/03/2021).
Entregou a carta de condução no dia 27 de maio de 2021, tendo sido notificado de que “nos termos e para os efeitos do art.º 69.º, n.º 6 do CP, nem se inicia o prazo da proibição – pena acessória – nem conta o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança” (cfr. promoção e despacho de 31/05/2021 e 01/06/2021, respetivamente).
Entretanto, por força da colocação do arguido em liberdade condicional, procedeu-se à liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, considerando o seu início a 29 de junho de 2022 e termo a 29 de junho de 2024 (cfr. promoção de liquidação de pena de 02/07/2022 e despacho homologatório de 05/07/2022).
Por requerimento de 08/08/2022, o arguido solicitou a correção da liquidação, por considerar que o início do cumprimento teria ocorrido na data da entrega da carta, o que foi indeferido, mantendo-se aquela liquidação (com termo a 29 de junho de 2024), conforme promoção e despacho de 12/09/2022 e 19/09/2022, respetivamente.
Sucede que, depreende-se que por lapso (posto que terá sido inserido no sistema do IMT como data de fim do impedimento o dia 29/06/2022, em vez do dia 29/06/2024 conforme comunicado por este Tribunal), o IMT emitiu revalidação da carta de condução do arguido a 13/10/2023 e remeteu-lha por correio a 24/10/2023 (com entrega prevista a 25/10/2023) (sublinhado nosso).
Ora, o arguido sabia que se encontrava a cumprir a pena acessória de proibição de conduzir, que a mesma apenas terminava a 29 de junho de 2024 e que, por essa razão, tinha obrigação de entregar todos os títulos de condução que o habilitassem a conduzir, o que incluía a nova carta de condução entretanto recebida.
O facto de o arguido ter passado a ter na sua esfera de disponibilidade a nova carta de condução, não permite considerar que continuou a cumprir a proibição de conduzir que lhe fora imposta (mesmo na eventualidade de não ter conduzido, efetivamente, naquele período).
Pelo exposto, e concordando-se com a promoção que antecede, entendemos que o arguido apenas cumpriu a proibição no período que decorreu entre 29 de junho de 2022 e 24 de outubro de 2023, pelo que ainda lhe faltam cumprir 8 meses e 5 dias.
Por conseguinte, notifique o arguido para proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta.”
H. Assim, entende o Tribunal a quo (no nosso entender, erradamente) ter havido incumprimento da pena acessória porquanto o arguido deveria ter entregado a nova carta de condução, ordenando a entrega deste título de condução e repetição (parcial) da sanção acessória de proibição de conduzir.
I. Por conseguinte, vem ora o arguido “condenado” novamente a cumprir (ainda que parcialmente) a pena acessória de inibição de conduzir a que já havia sido condenado, com base numa presunção de não cumprimento, com a qual e com o merecido respeito, não se poderá concordar. Vejamos:
J. Veio o “Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP – Delegação Distrital ...” (doravante designado por IMT), pelo ofício de 16.12.2024, junto aos autos com a referência ...57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, informar, entre o mais, que “a carta de condução foi revalidada e remetida ao condutor, já fora do período de proibição comunicado” (sublinhado nosso),
K. Período esse que, na informação/consulta da base de dados do IMT, constava com início em 16.12.2020 e fim em 16.12.2022.
L. Notificado para o efeito, esclareceu o arguido no seu requerimento de 18.09.2024, junto aos autos com a referência ...39, anterior à prolação do despacho em crise, o seguinte:
“Efetivamente, o arguido solicitou a emissão de uma nova carta de condução, o que ocorreu em 13.10.2023.
No entanto, tal só sucedeu porque a carta de condução de então estava prestes a caducar.
Assim, o arguido, na sua “boa-fé”, e com receio de que, ao não renovar, perdesse definitivamente o seu título de condução, entendeu que deveria proceder à renovação, julgando ainda que a nova carta de condução seria enviada diretamente para o Tribunal.
O que, afinal, não aconteceu, sendo que quando o arguido a recebeu na sua morada “guardou-a”, por desconhecer que tinha de a entregar.
Não obstante, apesar de ter sido emitida ao arguido uma nova carta de condução, o arguido permaneceu sem conduzir veículos a motor.
O arguido sabia que não podia conduzir veículos a motor, por força da pena acessória que lhe foi aplicada nos presentes autos, mas desconhecia que deveria entregar a nova carta de condução.
Neste sentido, uma vez que se tratou de um claro equívoco por parte do arguido, que atuou com absoluta negligência, requer-se a V. Exa. que se digne relevar o lapso.”
M. Posteriormente, veio o IMT, pelo ofício de 20.01.2025, junto aos autos com a referência ...85, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, explicar, entre o mais, o seguinte:
“Ora, como o fim do impedimento ocorreu em 29-06-2022, o condutor pode revalidar a carta de condução.
Lamentamos o sucedido e, de momento não temos outra explicação.”
N. Assim, deu-se o caso de, por um lado por desconhecimento da parte do arguido (que não sabia que tinha de entregar a nova carta de condução ao Tribunal) e, por outro lado, por lapso dos serviços do IMT, a nova carta de condução ter sido entregue erradamente ao arguido.
O. Ora, é nosso entendimento que o IMT explicou e assumiu de forma clara e inequívoca a falha no sucedido,
P. Tendo o arguido, ao fim ao cabo, sido induzido em erro por essa falha do IMT.
Q. Pois embora o arguido tenha estranhado que o IMT tivesse remetido a nova carta para si (devido à pena acessória que estava em curso), a verdade é que acabou por “pensar” que era esse o procedimento correto, guardando a carta, e continuando a cumprir o período de inibição de conduzir.
R. O arguido sabia que se encontrava proibido de conduzir – o que respeitou; o que não significa necessariamente que o arguido soubesse – que não sabia – que tinha de entregar o título de condução revalidado, como sucedeu nesta situação.
S. O que não pode acontecer é o arguido ser penalizado ou prejudicado pelo erro ou lapso dos serviços do IMT, que lhe enviaram a nova carta de condução, sem que houvesse a obrigação de a entregar em Tribunal.
T. Não se trata de o terem informado que podia conduzir - não foi esse o caso; tanto mais que o arguido sabia que não podia conduzir - e não conduziu.
U. Trata-se apenas e só de o arguido desconhecer que tinha de entregar ao Tribunal a nova carta de condução,
V. Não podendo ser penalizado por esse desconhecimento, até porque tal informação (obrigação de entregar a nova carta de condução em Tribunal) não lhe foi dada a conhecer.
W. Com efeito, durante todo o período de inibição de condução, o arguido nunca conduziu, pelo que, além do mais, em respeito pelo princípio fundamental do nosso processo penal, o princípio do in dubio pro reo, o Tribunal a quo não poderia considerar, sem mais, que o arguido incumpriu a proibição de conduzir que lhe foi imposta,
X. Devendo antes ter considerado, mais não seja no caso de dúvida, a favor do arguido.
Y. Com efeito, no decurso da pena acessória:
i) O arguido nem sequer levantou a nova carta de condução no IMT (apesar de lhe ter sido remetida por correio, que guardou);
ii) Não existe qualquer registo de o mesmo ter sido intercetado a conduzir, não havendo multas, registo de passagens em SCUTS, portagens, Via Verde, nem qualquer procedimento contraordenacional de natureza estradal ou outra;
iii) O arguido dependeu de terceiros e transportes públicos para se deslocar, em rigoroso cumprimento da sanção acessória aplicada;
iv) Quando notificado para explicar por que razão não entregou ao Tribunal a nova carta de condução, manteve uma postura colaborante e verdadeira, como, de resto, sempre manteve ao longo de todo o processo.
Z. O Tribunal a quo, ao concluir, de per si, do não cumprimento desta sanção, com base na não entrega de um documento que não era exigível ao arguido entregar, e bem assim, ao condená-lo a repetir o período da sanção acessória, viola também, no nosso modesto entender, o princípio do ne bis in idem, o que se invoca.
AA. Pelo exposto, não pode o arguido/recorrente concordar nem se conformar com a decisão de ter que proceder à entrega da sua carta de condução, a fim de cumprir o período de proibição em falta, isto é, 8 meses e 5 dias, uma vez que, no nosso modesto entender, o arguido já cumpriu integralmente a pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 2 (dois) anos a que foi condenado.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência:
– Ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que arquive os presentes autos pelo cumprimento, designadamente pelo cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir a que o arguido foi condenado,
Assim se fazendo a habitual e almejada JUSTIÇA!»

3. O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição):
«a) O arguido iniciou o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir de 2 (dois) anos a que foi condenado em 29 /6/ 2022, pelo que o seu termo ocorreria em 29/6/2024.
b) Sucede, porém, que, o IMT procedeu à revalidação da carta de condução do arguido a 13/10/2023 e remeteu-lha por correio a 24/10/2023.
c) O arguido bem sabia que se encontrava a cumprir uma pena acessória de inibição de conduzir, que terminava a 29.06.2024 e que, por isso, tinha obrigação de entregar todos os títulos de condução que o habilitasse a conduzir (onde se incluía a carta que lhe foi enviada pelo IMT), pelo que, ao receber a nova carta, tinha obrigação de a ter entregue, a fim de continuar a cumprir a referida pena a que havia sido condenado, o que não aconteceu.
d) O arguido apenas cumpriu o tempo que decorreu entre 29 /6/2022 e 24/10/2023, pelo que ainda lhe falta cumpriu 8 meses e 5 dias.
e) De facto, o cumprimento das penas acessórias de inibição de conduzir implica a entrega dos títulos, não se bastando com a mera proibição.
f) Passando o arguido a ter na sua esfera de disponibilidade a nova carta de condução, outra solução não nos resta senão a de se considerar que o mesmo não continuou a cumprir a proibição de conduzir que lhe fora imposta (mesmo existindo a possibilidade de não ter conduzido, efectivamente, naquele período).
g) Pelo que decidiu bem a Meritíssima Juiz.

Face ao exposto, deve manter-se intocável a decisão ora recorrida e, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso interposto pelo Arguido.
É este o entendimento do Ministério Público.
Porém, V. Exas. decidirão, fazendo a habitual justiça.»
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal([1]), emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, não houve resposta.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO

1. É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
«Por acórdão de 25 de Maio de 2020, transitado em julgado a 16 de Dezembro de 2020, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal e de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º1 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um dos crimes cometidos e, em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, bem como na pena acessória de proibição de condução pelo período de (dois) anos.
O arguido iniciou o cumprimento da pena de prisão no dia 25 de Fevereiro de 2021, com termo previsto para 24 de Agosto de 2022 (cfr. promoção de liquidação de pena de 02/03/2021 e despacho homologatório de 05/03/2021).
Entregou a carta de condução no dia 27 de Maio de 2021, tendo sido notificado de que “nos termos e para os efeitos do art.º 69.º, n.º6 do CP, nem se inicia o prazo da proibição – pena acessória - nem conta o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança” (cfr. promoção e despacho de 31/05/2021 e 01/06/2021, respectivamente).
Entretanto, por força da colocação do arguido em liberdade condicional, procedeu-se à liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, considerando o seu início a 29 de Junho de 2022 e termo a 29 de Junho de 2024 (cfr. promoção de liquidação de pena de 02/07/2022 e despacho homologatório de 05/07/2022).
Por requerimento de 08/08/2022, o arguido solicitou a correcção da liquidação, por considerar que o início do cumprimento teria ocorrido na data da entrega da carta, o que foi indeferido, mantendo-se aquela liquidação (com termo a 29 de Junho de 2024), conforme promoção e despacho de 12/09/2022 e 19/09/2022, respectivamente.
Sucede que, depreende-se que por lapso (posto que terá sido inserido no sistema do IMT como data de fim do impedimento o dia 29/06/2022, em vez do dia 29/06/2024 conforme comunicado por este Tribunal), o IMT emitiu revalidação da carta de condução do arguido a 13/10/2023 e remeteu-lha por correio a 24/10/2023 (com entrega prevista a 25/10/2023).
Ora, o arguido sabia que se encontrava a cumprir a pena acessória de proibição de conduzir, que a mesma apenas terminava a 29 de Junho de 2024 e que, por essa razão, tinha obrigação de entregar todos os títulos de condução que o habilitassem a conduzir, o que incluía a nova carta de condução entretanto recebida.
O facto do arguido ter passado a ter na sua esfera de disponibilidade a nova carta de condução, não permite considerar que continuou a cumprir a proibição de conduzir que lhe fora imposta (mesmo na eventualidade de não ter conduzido, efectivamente, naquele período).
Pelo exposto, e concordando-se com a promoção que antecede, entendemos que o arguido apenas cumpriu a proibição no período que decorreu entre 29 de Junho de 2022 e 24 de Outubro de 2023, pelo que ainda lhe faltam cumprir 8 meses e 5 dias.
Por conseguinte, notifique o arguido para proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta.
Notifique.
*
Dê conhecimento do presente despacho ao IMT.»
*
2. Apreciando

Como é sabido, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, no caso em apreço, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se deve subsistir o despacho recorrido que ordenou a notificação do arguido para proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir o período de proibição ainda em falta (8 meses e 5 dias).
Vejamos.
O arguido iniciou o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir de 2 (dois) anos a que foi condenado em 29/6/2022 pelo que o seu termo ocorreria em 29/6/2024.
Sucede que, entretanto, a pedido do arguido, o IMT procedeu à revalidação da carta de condução do arguido a 13/10/2023 e remeteu-lha por correio a 24/10/2023.
Prescreve o artigo 121.º do Código da Estrada que “nenhum condutor pode, simultaneamente, ser titular de mais de um título de condução, do modelo comunitário, emitido por qualquer dos Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu” (n.º 8) e bem assim que “as cartas de condução são emitidas pelo IMT, I. P. aos cidadãos que provem preencher os respetivos requisitos legais, sendo válidas para as categorias de veículos e pelos prazos legalmente estabelecidos.” (n.º 9).
 Por outro lado, o artigo 2.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 138/2012, de 5/7, estatui que “a emissão de um título de condução pelo IMT, I. P., determina a revogação automática do título anteriormente emitido com o mesmo número” (n.º 2), acrescentando que “entende-se não ser portador de título de condução, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 85.º do Código da Estrada, o condutor que se faça acompanhar de uma carta de condução revogada.” (n.º 3).
O que vale dizer que a revalidação da carta de condução do arguido teve como efeito jurídico necessário a revogação da anterior carta de condução que se encontrava junta aos autos.
Assim, é irrefutável que a carta de condução apreendida nos autos deixou de ter validade, enquanto tal, por ter sido revalidada em 13/10/2023 e remetida nova carta de condução ao arguido por correio a 24/10/2023.
Por isso deixou de se encontrar feita apreensão relevante para efeitos de contagem da execução da pena acessória, uma vez que se encontrava apreendido título revogado e, por isso, inválido e objectivamente inutilizado.
Não existindo título de condução válido apreendido, não se vê como possa considerar-se integralmente cumprido o período de execução da pena acessória que pressupõe a apreensão à ordem dos autos de título válido.
Nem se diga que nos encontramos perante uma violação do princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, segundo o qual «ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» porque a questão se reconduz a saber se a pena acessória de proibição de conduzir foi cumprida por se encontrar apreendido título de condução válido para efeitos de contagem da execução da pena acessória.
Como refere a decisão recorrida o facto de o arguido ter passado a ter na sua esfera de disponibilidade a nova e única carta de condução válida não permite, como tal, considerar que continuou a cumprir a proibição de conduzir de dois anos que lhe fora imposta e que esta se mostra integralmente cumprida.
Improcede, portanto, o interposto recurso.
*
III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso do arguido AA e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (artigos 513.º, n.º 1 do CPP e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma).
*
(O acórdão foi processado em computador pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
*
Guimarães, 10.07.2025

Fernando Chaves (Relator)
Pedro Cunha Lopes (1º Adjunto)
Carlos da Cunha Coutinho (2º Adjunto)
      

[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.