Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8325/12.6TBBRG-C.G1
Relator: LUÍS MIGUEL MARTINS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
OPOSIÇÃO À PENHORA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A arguição da nulidade da citação em processo executivo deve ter lugar em requerimento a deduzir nos próprios autos da execução. Tendo sido deduzida em embargos de executado ainda assim o pode o Tribunal conhecer dessa arguida nulidade, desde que se possa concluir pela viabilidade de convolação oficiosa da arguição da referida nulidade processual efetuada na oposição à execução por embargos de executado para o meio próprio, a reclamação na execução.
II – Não há qualquer nulidade por falta de citação quando estamos perante o prosseguimento de uma execução, em que se aproveitam todos os atos praticados, nomeadamente de citação, conforme resulta do disposto no art. 850.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
III – O art. 781.º. n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil contempla os casos em que houve violação das normas que fixam as impenhorabilidades absolutas, relativas ou parciais (1.º segmento) e o princípio da proporcionalidade, em geral, ou concretizado pelo gradus executionis do art. 751.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (2.º segmento).
IV – A Lei não impõe a obrigatoriedade da indicação do valor de veículo automóvel em auto de penhora.
V - A alegação dos executados de que o valor penhorado em conta bancária do executado não pertence ao executado não constitui fundamento de oposição à penhora, sendo-o sim para a eventual dedução de embargos de terceiro por parte de quem se arrogue proprietário do bem, nos termos dos arts. 342.º e segs. do Código de Processo Civil.
VI - A oposição por simples requerimento, nos termos do art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil só pode ter lugar desde que o executado ou terceiro apresentem com esse requerimento uma “prova documental inequívoca” que demonstre a existência de um direito de um terceiro sobre esses bens, cingindo-se aos documentos autênticos ou de documentos particulares autenticados, reconhecidos ou apresentados em serviço público em data anterior à da penhora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório (também com base na decisão recorrida).

Os executados AA e BB deduziram embargos de executado e oposição à penhora, por apenso à execução intentada por Banco 1..., S.A.

Em tal articulado de oposição invocam as seguintes nulidades na execução:
- foi determinado o prosseguimento da execução – tendo sido fixado o valor provisório da execução no valor de € 21.337,03 e os Executados não foram citados para oferecer oposição à execução;
- a SE promoveu diligências de penhora sem aguardar pela consolidação da decisão judicial quanto ao prosseguimento da execução, tendo sido interposto recurso com efeito suspensivo;
- o Exequente não integrou os Executados em PERSI quando foi proferida decisão de prosseguimento.
Requerem ainda seja considerado que “(..), o valor reivindicado e sob execução é ilegal por inexistente ou inexigível”, aduzindo, para o efeito, a matéria incluída nos pontos 43 a 51.
Apresentaram oposição à penhora de veículo e de saldo bancário efetuada, alegando, em suma, que:
- não foi indicado o valor do veículo e como tal a penhora é nula;
- o valor penhorado em saldo bancário não pertence ao executado;
- a penhora é excessiva.
Remataram pedindo que:
“Devem proceder os vícios e nulidades e exceção invocadas com as
consequências legais.
Deve imediatamente sustar-se a execução e anularem-se as penhoras já realizadas com a restituição do apreendido indevidamente.
Deve, caso assim não se entenda e uma vez que os aqui Executados impugnam a liquidação – nova – da obrigação e face ao valor substancial em causa, suspender-se a Execução sem prestação de Caução”.
Em 29/1/2025, foi proferida a seguinte decisão liminar:
“Despacho liminar (dos embargos de executado):--
Vieram os executados AA e BB deduzir embargos de executado por apenso à execução intentada por Banco 1....—
Invocam as seguintes nulidades:--
- foi determinado o prosseguimento da execução – tendo sido fixado o valor provisório da execução no valor de 21337.03 Euros - e os executados não foram citados para oferecer oposição à execução;--
- a SE promoveu diligências de penhora sem aguardar pela consolidação da decisão judicial
quanto ao prosseguimento da execução, tendo sido interposto recurso com efeito suspensivo;--
- o exequente não integrou os executados em PERSI quando foi proferida decisão de prosseguimento.—
Requerem ainda seja considerado que “(..), o valor reivindicado e sob execução é ilegal por inexistente ou inexigível”, aduzindo, para o efeito, a matéria incluída nos pontos 43º a 51º”.--
Cumpre apreciar – cfr. art. 732º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.----
São motivos para o indeferimento liminar da oposição à execução, os previstos nas alíneas a) a c) do nº 1 do art. 732º, do Cód. Proc. Civil, ou seja, a extemporaneidade, a falta de adequação aos fundamentos previstos nos art.s 729º a 731º do Cód. Proc. Civil e a manifesta improcedência.---
Percorrido o incluso no articulado inicial temos por seguro que a oposição oferecida é inadmissível.----
Os embargos de executado podem ser deduzidos com os fundamentos constantes dos arts. 729º a 731º do Cód. Proc. Civil.—
Os embargantes invocam nulidades que não se inserem em qualquer dos fundamentos previstos e, para além do mais, não se verificam.—
Quanto à primeira “nulidade” invocada e igualmente, à terceira, porquanto comungam de fundamento, não encontramos qualquer razão no aduzido pelos executados.—
Estamos perante o prosseguimento de uma execução, que aproveita a todos os actos praticados – nomeadamente de citação – conforme resulta do disposto no art. 850º, nº 4, do Cód. Proc. Civil.—
A exequente indicou, no requerimento para renovação, os valores pagos por conta da quantia exequenda fixada por acordo, não tendo os executados, por outro lado, alegado no articulado de embargos quaisquer factos que permitisse o tribunal apurar de outros pagamentos efectuados.—
Não haveria, assim, porque citar novamente os executados – até porque os mesmos participaram no procedimento que desembocou na decisão de renovação da execução – nem que os inserir em PERSI, já que estamos perante a mesma execução.—
Sem prescindir, não se alcança, concede-se, o sentido da indicação do valor de 21337.03 Euros pela SE constante da notificação dirigida aos executados, sendo, contudo, tal questão a apreciar em sede de execução.—
Relativamente ao prosseguimento das diligências de penhora, julgamos que a rejeição do recurso interposto dispensa a apreciação da questão.—
Por último, e no que respeita ao constante dos pontos 43º a 51º da petição, julgamos ser totalmente inepto o requerimento de embargos, não conseguindo o tribunal alcançar o sentido daquele arrazoado.—
Pelo exposto, decide-se indeferir liminarmente os embargos de executado e, consequentemente, a suspensão da instância executiva requerida nos termos do art. 733º do CPC.—
Fixa-se à causa o valor da execução – art. 304º do Cód. Proc. Civil.—
Custas pelos embargantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs – art. 7º, nº 4, do RCP e tabela II anexa ao mesmo diploma – sem prejuízo do apoio judiciário concedido.—
Registe e notifique.----
Abra conclusão na execução.--
*
Despacho liminar (da oposição à penhora):--

Vieram os embargantes oferecer oposição à penhora de veículo e de saldo bancário efectuada, alegando que:--
1) não foi indicado o valor do veículo e como tal a penhora é nula;--
2) o valor penhorado em saldo bancário não pertence ao executado;--
3) a penhora é excessiva.--
Cumpre apreciar - art. 732º, nº 1 do CPC, ex vi art. 785º, nº 2, do mesmo diploma.—
Percorrido o elenco dos fundamentos legalmente previstos para a admissibilidade do incidente – art. 784, nº 1, als. a) a c), do Cód. Proc. Civil - constata-se que os fundamentos invocados pelos executados e enunciados em 1) e 2) não são subsumíveis a qualquer um deles.—
A falta de indicação do valor do bem no auto de penhora pode constituir irregularidade do respectivo acto (elaboração do auto) mas não contende com a validade da penhora, sendo questão a apreciar na execução.—
A alegação de que o valor penhorado em conta bancária não pertence ao executado não é fundamento de oposição à penhora, sendo-o sim para a eventual dedução – por quem for titular do bem - de embargos de terceiro.-
Em decorrência deste entendimento vindo de referir, fácil é perceber que o requerimento de oposição é inepto quanto ao alegado excesso, já que se não considera o valor penhorado na conta bancária seu, o único bem que resta apreendido é o veículo, inexistindo, por isso, excesso.--
Assim, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 732º, nº 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, indefere-se liminarmente o presente incidente.----
Custas pelos executados, fixando-se o valor da causa no valor da execução (art. 304º, nº 1, do Cód. Proc. Civil) e a taxa de justiça em 3 Ucs – art. 7º, nº 4, do RCP e tabela II anexa ao mesmo diploma, sem prejuízo do apoio concedido.---
Registe e notifique.----
Abra conclusão nos autos de execução.--”
*
Inconformados com esta decisão, os executados interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I - Os Executados suscitaram a nulidade por falta de citação ou, pelo menos, em se tendo preterido formalidade essencial e com influência na decisão e na defesa dos Executados a nulidade nos termos do que dispõe o artigo 195.º, n.º 1 do CPC, o que devia ter merecimento.
II - Não obstante nos encontrarmos perante a renovação da instância ela configura, nos termos apresentados pela Agente de Execução, uma verdadeira e substantiva nova execução, o que importava uma nova citação – que não havendo suscita nulidade – e fundamenta uma oposição fundada na inexistência de título para tal dívida – alínea a) do artigo 729.º do CPC – ou, pelo menos, irregularidade nos termos do que dispõe o artigo 195.º do CPC, passível de ser aferida nesta sede.
III - Ao abrigo do princípio da economia processual, o Tribunal a quo podia analisar outras nulidades suscitadas, a da indevida promoção de atos de execução logo após a decisão da reclamação, sem que se cuidasse da sua consolidação, bem assim da necessidade da demonstração de que a Exequente deu cumprimento ao PERSI – face à estrutura substantivamente inovatória da renovação da instância – sob pena de falta de condição objetiva de procedibilidade.
IV - A Execução nos termos em que foi renovada, não apresenta um valor líquido ou exigível, invocação que pode reconduzir-se aos fundamentos previstos nas alíneas a), c) e g) do artigo 729.º do CPC.
V - Uma vez que o pedido de renovação da instância não diz qual o valor em dívida, sempre haveria a necessidade e dever de o liquidar estatuído no artigo 716.º do CPC.
VI - Mas mesmo que se admitisse – que não se admite – fosse a Agente de Execução a liquidar o valor, esta indicou o de €21.337,03 que não se pode ter como exigível por não se conformar com o título executivo, nem com o acordo que motivou a extinção da instância ora renovada, sequer com a decisão de 12/12/2024 do Tribunal a quo na execução.
VII - Salvo melhor opinião, a interpretação dada pelo Tribunal a quo do artigo 784.º do CPC é demasiadamente literal e restritiva, conquanto no que concerne à oposição à penhora e a falta de atribuição de valor ao veículo penhorado prende-se com a extensão da penhora, o que cabe no que dispõe a alínea a) (1.ª parte) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC e, ademais, invocada uma irregularidade que afeta o ato da penhora de nulidade, nos termos do que dispõe o artigo 195.º do CPC, sempre podia a decisão aferir à luz do princípio da economia processual.
VIII - Considerando o acordo entre as partes, os valores pagos pelos Executados e o balizamento da instância executiva a renovar pelo Tribunal a quo que se cinge na sua decisão de 12/12/2024 ao das despesas e honorários com a Agente de Execução ínsitas no acordo, o Tribunal a quo teria de cogitar a diferença entre a dívida (cujo valor a decisão mostra não compreender) e o valor dos bens apreendidos.
IX - Se o valor penhorado – como invocado e a ser aferido – é superior ao que se encontra em execução, a oposição à penhora é o meio para os Executados se oporem.
X - Foi invocada – e é de decidir, o que não sucedeu – a agressão do património dos Executados numa medida que vai para além da pretensão exequenda por violação do que dispõem os artigos 735.º, n.º 3 e 751.º do CPC.
XI - A interpretação conjugada dos artigos 735.º, n.º 3, 751.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC, no sentido que o executado não pode impugnar por via do incidente de oposição à penhora ato de apreensão de bens que excede o necessário à satisfação da pretensão exequenda, é inconstitucional por violação do direito à propriedade (artigo 62.º n.º 1 da CRP) e do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2 da CRP), o que se invoca.
XII - No que concerne à titularidade da conta bancária penhorada, julgamos que o Tribunal a quo não podia deixar de apreciar a questão em termos do seu mérito, atenta a invocação da sua impenhorabilidade subjetiva por via do que dispõem os artigos 764.º e 783º do CPC.
XIII - A impenhorabilidade subjetiva dos bens penhorados pode ser invocada no processo através dos embargos de terceiro pelo próprio titular dos bens, mas também pelo executado segundo o meio expedito do artigo 764º nº 3 do CPC, devendo ser apreciado o seu mérito mesmo nesta sede de oposição à penhora em respeito dos princípios da adequação formal, da economia processual e cooperação.

NESTES TERMOS,
- Deve o presente recurso merecer provimento com as consequências legais, designadamente a revogação do decidido,
COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA! ”
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Admitido o recurso como de apelação a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo e citada a Exequente, nos termos do art. 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar se existe fundamento para a admissão dos embargos de executado e oposição à penhora e, em consequência, a revogação do despacho recorrido.
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III. Fundamentação

Para além do que consta dos autos principais, os factos a considerar são os que resultam do relatório.
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Delimitada que está a questão a decidir, é o momento de a apreciar.
A presente execução alicerça-se em requerimento injuntivo, pelo que o processo segue a forma sumária (cfr. art. 550.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil), sendo, porém, aplicáveis subsidiariamente as disposições do processo ordinário.
De acordo com o art. 857.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
“Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”.
Já o art. 729.º prescreve que:
“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”.
Volvendo ao caso dos autos, verifica-se que a esgrimida falta de citação dos Executados não se ajusta a qualquer dos fundamentos gizados na lei para a dedução de embargos de executado, sendo destituído de sentido dizer, como fazem os Recorrentes, que a nulidade da citação gera a inexistência do título, que se encontra a montante da citação e que a alicerça e que tem uma existência independente do processo executivo. Como também não tem qualquer sentido que uma suposta irregularidade na citação no âmbito do processo executivo deva ser apreciada nesta sede.
Os fundamentos da oposição à execução são os supra transcritos e não aqueles que dão jeito aos Executados.
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, através do qual o executado requer ao tribunal a improcedência total ou parcial da execução, assumindo o carácter de uma contra-ação e tem por objetivo obstar à produção dos efeitos do título executivo, sendo estruturalmente autónoma, ainda que funcionalmente ligada à ação executiva.
A oposição do executado visa em primeira linha a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral da ação executiva, conforme ressalta do art. 732.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Constituindo os embargos de executado uma verdadeira ação declarativa que corre por apenso ao processo de execução, nela podem levantar-se questões de conhecimento oficioso, mas também se podem alegar factos novos, apresentar novos meios de prova e levantar questões de direito que estejam na disponibilidade da parte. (cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.º Edição, págs. 195 e segs.).
No art. 729.º al. d) do Código de Processo Civil prevê-se como fundamento de oposição à execução a falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do art. 696.º do mesmo diploma legal, constando designadamente a falta de citação ou a sua nulidade.
Sucede que este vício de falta ou nulidade da citação na ação declarativa nada tem a ver com a falta ou nulidade da citação para a ação executiva, que é fundamento de anulação da execução, nos termos do art. 851.º do Código de Processo Civil (cfr. Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 3ª Edição, pág. 459).

A arguição da nulidade da citação não tem por escopo a extinção da execução, mas sim a anulação de atos processuais, sendo que o referido art. 851. do Código de Processo Civil regula expressamente a anulação da execução por falta ou nulidade de citação do executado:

“1 - Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º
2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado.
3 - A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução.
4 - Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito, entretanto.”.

Estão aqui em causa três situações: a falta ou nulidade da citação; o não conhecimento pelo réu da citação por falta que não lhe é imputável; o réu não poder apresentar a contestação por motivo de força maior.
  A arguição da nulidade da citação deve, assim, ter lugar em requerimento a deduzir nos próprios autos da execução, ou seja, mediante reclamação, sendo que o executado a pode invocar a todo o tempo, mesmo que a execução já se mostre finda, determinando, caso contrário, a sustação dos termos da execução, conhecendo-se logo da reclamação, após se facultar o contraditório ao exequente, aos reclamantes e ao adquirente, se for o caso. (cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5ª Edição, 2023, págs. 538 e 539, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, 2025, pág. 281).
Ainda assim, poder-se-ia colocar a questão da convolação para o meio processual adequado, uma vez que tal questão devia ser suscitada na execução, nos termos em que o prevê o art. 851.º do Código de Processo Civil.
 Apesar de, como vimos, não se poder considerar a arguição de nulidade da citação um fundamento de embargos de executado, pois que nenhuma defesa relativamente à execução está em causa, existindo meio próprio para o exercício do direito de arguir a nulidade da citação - a reclamação -, a deduzir no processo onde foi praticado o ato - a execução -, ainda assim o pode o Tribunal conhecer dessa arguida nulidade, desde que se possa concluir pela viabilidade de convolação oficiosa da arguição da referida nulidade processual efetuada na oposição à execução por embargos de executado para o meio próprio, a reclamação na execução.
O art.º 193º, n.º 3 do CPC permite que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte seja oficiosamente corrigido pelo juiz, que determinará que se sigam os termos processuais adequados.
Tal preceito não respeita ao erro na forma do processo, relacionando-se antes com o meio processual utilizado pela parte para a prática de determinado ato. Verificada tal circunstância, ao invés de concluir pela nulidade do ato, impõe-se ao juiz o dever de proceder à sua correção oficiosa. Pretende-se, com esta opção, evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo. (cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 233).
Não impede tal convolação o facto de o executado ter avançado com vários fundamentos e pedidos inerentes a um articulado de oposição à execução, sendo que no caso vertente os executados realizaram pedido de declaração nulidade.
E ainda que existissem outros fundamentos de oposição que justificassem o prosseguimento dos embargos, nada obstava a que fosse determinada a junção de cópia do requerimento aos autos de execução, para que aí fosse conhecida a matéria da nulidade da citação.
“Apesar de não se poder considerar a arguição de nulidade da citação um fundamento de embargos de executado, pois que nenhuma defesa relativamente à execução está em causa, sequer questão prévia daqueles, pois consagrado está meio próprio para o exercício do direito de arguir a nulidade da citação - a reclamação -, a deduzir no processo onde foi praticado a ato - a execução -, entendemos que sempre o Tribunal a quo tinha de conhecer da arguida nulidade, nenhum sentido fazendo distinguir os casos em que, não obstante a existência de prejuízo para o exercício da contraditório, apenas é arguida a nulidade da citação daqueles em que, para além disso, é invocado fundamento de oposição à execução. Seria tratar de modo diferente o que é igual.”. (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7/3/2019, processo n.º 2305/17.2T8VNF-A.G1. No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18/12/2018, processo n.º 736/18.0T8PRT-B.P1 e de 5/03/2015, processo n.º 3788/13.5YYPRT-A.P1 e os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2019, processo n.º 17751/05.6YYLSB-B.L1-2 e, também, em todo o sentido do exposto, de 5/12/2023, processo n.º 25362/04.7YYLSB-A.L1-7, que seguimos de perto, todos consultáveis em www.dgsi.pt),
  Sucede que no caso em apreço, a decisão recorrida não só não mandou extrair cópia dos embargos e incorporá-la no processo executivo como apreciou a arguida nulidade de falta de citação, pelo que nessa decorrência se mostra precludida a referida hipótese havendo, no entanto, que apreciar o recurso que foi interposto desta apreciação, o que se passa a fazer.
 Ora, diga-se desde já que inexiste qualquer nulidade por falta de citação, pela simples razão que não havia qualquer citação a realizar, uma vez que, como se disse na decisão recorrida, estamos perante o prosseguimento de uma execução, que aproveita a todos os atos praticados, nomeadamente  de citação – conforme resulta do disposto no art. 850.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável por virtude 808.º, n.º 1 do mesmo diploma adjetivo.
A lei é expressa ao dizer que não se repetem as citações, pelo é nítido e ostensivo que não assiste qualquer razão aos recorrentes.
 Independentemente de os executados poderem deduzir embargos estribados em motivos supervenientes, nos termos em que o consente o art. 728.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não havia que os citar novamente, pelo que improcede, nesta parte, o recurso.
Não se tratando de uma execução nova, mas da mesmíssima execução, ora renovada, não havia naturalmente que dar um passo atrás, no sentido de criar um plano de prevenção, mais especificamente um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) para evitar uma já existente execução, nos termos em que o prevê o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. Como é evidente, tal não só não faz qualquer sentido, como a legalmente não é admissível, pelo que também claudica esta linha recursiva.
Relativamente à matéria constante dos embargos nos itens 43 a 51, a decisão recorrida disse que “(…) julgamos ser totalmente inepto o requerimento de embargos, não conseguindo o tribunal alcançar o sentido daquele arrazoado.”.
Consta o seguinte de tais itens da oposição à execução:
“43 - Como se deixou dito, a execução passou a considerar, não o valor que estava por liquidar segundo a decisão de 12/12/2024, mas um outro, o de €21.337,03;
44 - Este valor é inexigível e inexistente;
45 - Sequer é sindicável porque se encontra violado o dever de liquidação estatuído no artigo 716.º do CPC;
46 - Na verdade, desde logo não se conhecem quais os valores que aquela quantia tida como em execução compreendem;
47 - Acresce que os Executados não devem tal valor e não podem ser executados, neste momento, por valor que ultrapassasse a quantia de €897,22;
48 - Deduzido o valor de €100,00 liquidados a mais conforme resulta dos factos alegados em reclamação da decisão de renovação da instância e não contestados;
49 - E que – o que se invoca – sempre deveriam ser compensados neste valor;
50 - Tudo conforme o acima afirmado nos pontos 4 a 14 e 20 a 30, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
51 - Esta conduta é grave porque impõe um sacrifício patrimonial aos Executados considerável, mas de forma ilegal;
52 - Portanto, o valor reivindicado e sob execução é ilegal por inexistente ou inexigível.”.
Concordamos com a decisão recorrida, pois o que o supra transcrito se mostra inextrincável, pois que na decisão de 12/12/2024 não se fixou em 21.337,03 valor a executar, não correndo a execução por esse valor, não se percebendo efetivamente o que impugnam os executados.
De todo o modo, referem nas alegações de recurso que o que impugnam é o requerimento de renovação da instância, pois que aí não se teria liquidado a quantia exequenda (conclusões IV e V).
Ora, ainda que fosse assim, há muito se mostraria ultrapassado o prazo de 20 dias para deduzir embargos de executado, uma vez que foram notificados desde requerimento em 23 de maio de 2024 e deduziram embargos de executado em 20 de janeiro de 2025 (cfr. arts. 728.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Porém, reporta-se igualmente a atuação da Agente de Execução (conclusão VI), que para além de já ter ocorrido também há largos meses não é obviamente suscetível de dedução de embargos de executado, mas antes de reclamação (cfr. art. 723.º, al. c) do Código de Processo Civil), sendo que inclusivamente os Executados já reclamaram do ato do Agente de Execução que determinou a prosseguimento da execução, em 13/11/2024, que mereceu o despacho de indeferimento de 12/12/2024.
Conclui-se, pois que, fazendo um estrénuo esforço interpretativo do requerido, inclusivamente, poderia haver mesmo mais fundamentos para indeferir também a questão suscitada de forma inepta em apreço.
Dizem ainda os recorrentes que a penhora do veículo é nula uma vez que no respetivo auto não consta o valor do mesmo.
Tal asserção é destituída de qualquer razoabilidade e naturalmente não tem qualquer respaldo legal, designadamente a invocação fantasiosa de que “(…) a falta de atribuição de valor ao veículo penhorado prende-se com a extensão da penhora, o que cabe no que dispõe a alínea a) (1.ª parte) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC”.
O art. 784.º, n.º 1, al. a do Código de Processo Civil dispõe que:
“Sendo penhorados bem pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;”.
Ou seja, os Recorrentes, produzem asserções apenas compreensíveis pela falta de razoabilidade da sua oposição, pois que dizem que a mesma seria subsumível a um segmento normativo (art. 784.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte) que diz algo de distinto (inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos) do que dizem os Recorrentes (extensão da penhora) e que se encontra em outro segmento normativo (art. 784.º, n.º 1, al. a), 2.ª parte).
Porém, seja qual for o segmento normativo que os Recorrentes queiram atingir, em nenhum caso se quadra a falta de indicação do valor do bem penhorado.
De facto, esta alínea contempla os casos em que houve violação das normas que fixam as impenhorabilidades absolutas, relativas ou parciais (1.º segmento) e o princípio da proporcionalidade, em geral, ou concretizado pelo gradus executionis do art. 751.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (2.º segmento). (cfr. Rui Pinto, a Ação Executiva, 2018, pág. 678, onde exemplifica cada uma das situações e que, como é óbvio, nada têm a ver com o caso vertente).
Por certo, temos, porém, que a falta de indicação do valor do bem penhorado não constitui qualquer fundamento de oposição à penhora nem pela primeira parte da alínea a) nem pela segunda parte dessa mesma alínea do n.º 1 do art. 784.º do Código de Processo Civil.
De todo o modo, os Recorrentes assentam numa premissa totalmente errada, cingindo-se a dizer que não foi indicado o valor do bem penhorado mas sem terem qualquer cuidado em saber se existe essa obrigação.
Ora, no caso da penhora de veículos automóveis inexiste qualquer normativo que imponha que no auto de penhora elaborado subsequentemente à comunicação eletrónica do Agente de Execução ao serviço de registo competente conste o valor do veículo automóvel.
Quanto aos móveis sujeitos a registo e mais especificamente quanto à penhora de veículos automóveis rege o art. 768.º, n.ºs 1 a 3 e 755.º, todos do Código de Processo Civil, e em nenhum destes incisos se surpreende a obrigatoriedade da indicação do valor do veículo automóvel.
De todo o modo, compulsados os autos principais, constata-se inclusivamente, que na sequência de despacho proferido para o efeito, foi feito constar do auto de penhora valor do veículo automóvel em causa.
Note-se que mesmo para a penhora de coisas móveis não sujeitas a registo não é mandatória a indicação do valor dos bens, conforma ressuma do art. 766.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em que diz, para além do mais, que o valor (aproximado) será indicado sempre que possível.
O valor do automóvel apenas tem que ser fixado obrigatoriamente aquando da realização da venda, nos termos em que o estabelece o art. 812.º n.ºs 4 a 7 do Código de Processo Civil.
Ou seja, podia também neste caso ter sido indicado o valor (aproximado) do veículo automóvel no auto de penhora inicial, mas a Lei não o impõe.
Improcede, pois, também mais esta linha de impugnação recursiva.
Quanto aos dois últimos fundamentos do recurso, os mesmos claudicam também, sufragando-se o decidido a este respeito, com os esclarecimentos adicionais que a seguir se prestam.
Os Recorrentes, na sua sanha recursiva e impugnatória contradizem-se na argumentação por si esgrimida.
Pretendem por um lado que a penhora é excessiva por se ter penhorado uma conta bancária e um veículo automóvel, dizendo que o valor de pouco mais de € 5.000 apreendidos na conta bancária é mais do que suficiente para garantir a quantia exequenda (pretendendo por isso naturalmente o levantamento da penhora sobre o veículo automóvel) para a seguir dizerem, em suma, que essa importância não é sua, devendo por isso ser levantada a penhora sobre este depósito bancário.
 Acolhe-se, assim, o que se disse na decisão recorrida
“Em decorrência deste entendimento vindo de referir, fácil é perceber que o requerimento de oposição é inepto quanto ao alegado excesso, já que se não considera o valor penhorado na conta bancária seu, o único bem que resta apreendido é o veículo, inexistindo, por isso, excesso.”.
Por outra via, a triunfar na íntegra a posição dos Recorrentes, teríamos a absurda solução de se levantar a penhora sobre o automóvel por o depósito bancário, alegadamente, ser suficiente para garantir a quantia exequenda e por outro lado levantar-se-ia também penhora sobre esse depósito por o mesmo não ser da pertença dos Executados.
Seria a inversão total da Lei a permitir que se pudesse utilizar tal argumentação defensiva e recursiva, sendo, pois, inepta, por contraditória nos seus termos, a oposição deduzida na parte em que se pretende existir excesso de penhora, quando se diz que apenas o automóvel (o outro bem penhorado) é seu.
Assim sendo, também em face do por si referido na oposição, sempre se deveria manter a penhora sobre o veículo, precavendo até a possibilidade de dedução de embargos de terceiro que levem ao levantamento da penhora sobre o saldo bancário.
Acresce que a Exequente interpôs recurso do despacho que fixou o valor em dívida, pugnado que se considere que se encontram em dívida mais de 21.000 euros, em conformidade com o primeiramente liquidado pela Agente de Execução, não se mostrando assim fixado de forma definitiva o valor em execução, valor esse (superior a 21.000 euros) que é o indicado pelos Recorrentes como sendo o valor do presente recurso, mais precisamente € 21.337,03.
Não há aqui qualquer interpretação no sentido de que o executado não pode impugnar por via do incidente de oposição à penhora ato de apreensão de bens que excede o necessário à satisfação da pretensão exequenda, e que por isso seria inconstitucional por violação do direito à propriedade (artigo 62.º n.º 1 da CRP) e do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2 da CRP), conforme referem os Recorrentes.
O que existe aqui é que a interpretação que o requerimento em causa, para além de abusivo, é inepto, não sendo por isso passível de ser subsumido a qualquer da hipóteses gizadas no art. 784.º do Código de Processo Civil, máxime a da alínea a) do seu n.º1 (já agora, diga-se, 2.ª parte).
Por fim, é evidente que a alegação de que o valor penhorado em conta bancária do executado não pertence ao executado não constitui fundamento de oposição à penhora, sendo-o sim para a eventual dedução de embargos de terceiro por parte de quem se arrogue proprietário do bem, nos termos dos arts. 342.º e segs. do Código de Processo Civil.
De facto, conforme ressalta desde logo do proémio do n.º 1 do art. 784.º do Código de Processo Civil, é pressuposto da dedução de oposição à penhora que os bens pertençam ao executado, pelo que nos mostramos afastados da órbita de aplicação deste incidente.
Invocam, porém, nas suas alegações de recurso, como já o haviam feito nos embargos de executado, que tal oposição à penhora é admissível por virtude do plasmado no art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável à penhora de direitos por virtude do art. 783.º do mesmo diploma legal.
Invocam ainda em seu favor, nas alegações de recurso, jurisprudência que citam.
Dispõe o art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (Penhora de coisas móveis não sujeitas a registo) que:
“Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, mas, feita a penhora, a presunção pode ser ilidida perante o juiz, quer pelo executado ou por alguém em seu nome, quer por terceiro, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro sobre eles, sem prejuízo da faculdade de dedução de embargos de terceiro.”.

Por seu turno, prescreve o art. 783.º do mesmo diploma adjetivo que:
“É subsidiariamente aplicável à penhora de direitos o disposto nas subsecções anteriores para a penhora de coisa imóveis e das coisas móveis.”.
De facto, também nós somos sensíveis à argumentação utilizada no citado acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2020, processo n.º 10147/19.4T8SNT-A.L1-8, consultável em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“Feita a penhora de bens ou direitos, na posse do executado, é lícito, a este, ilidir a presunção de que os bens lhe pertencem, através de requerimento autónomo dirigido ao juiz do processo, invocando a impenhorabilidade subjectiva dos bens penhorados desde que acompanhado de «documento inequívoco» da pertença dos bens a terceiro, conforme o artigo 764º nº 3 do CPC, que regula a penhora das coisas móveis, mas é aplicável à penhora de direitos por força do disposto no artº 783º do CPC.
Se o executado vem deduzir este fundamento através de oposição à penhora prevista no art. 784º CPC, o juiz verificados os demais requisitos, deve, ao abrigo dos princípios da adequação formal, da economia e da cooperação processual arts 547º e 7º do CPC ordenar que a oposição e documentos que a acompanham prossigam termos previstos no art 764º nº3 do CPC.”.
Ou seja, a questão que aqui se coloca não é a de saber se deve tal oposição ser admitida como oposição à penhora, nos temos do art. 784.º do Código de Processo Civil, que, como vimos, não é admissível, mas antes de saber se deve ser admitida ao abrigo disposto no art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável aqui por virtude do remissivo art. 783.º do mesmo diploma legal, supra transcritos.

Reportando-se ao referido art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, diz Marco Carvalho Gonçalves, em Lições de Processo Executivo, 5ª edição, 2023, a págs 432 e 433, que:
“A oposição por simples requerimento só pode ter lugar desde que o executado ou terceiro apresentem com esse requerimento uma “prova documental inequívoca” que demonstre a existência de um direito de um terceiro sobre esses bens. Com efeito, a exigência de que esse requerimento seja instruído com uma prova documental que revele, de forma inequívoca, a existência de um direito de um terceiro sobres os bens móveis objeto de penhora, visa obstar à dedução de oposições dilatórias e infundadas, eventualmente mediante conluio entre o executado e o terceiro, com o único propósito de subtrair bens à execução.
(…).
Outrossim, esse documento tem de demonstrar, de forma fidedigna e evidente, a existência de dum direito de um terceiro sobre os bens que foram penhorados. É o que sucede, por exemplo com um “documento autêntico com data anterior à da penhora ou um documento que tenha sido autenticado, reconhecido ou apresentado em serviço público que assim o ateste, com data anterior à da penhora”, com uma fatura/recibo, da qual resulte, sem margem para dúvidas, que o bem penhorado pertence a um terceiro, ou ainda uma certidão judicial, comprovativa de que os bens foram adquiridos no âmbito do processo executivo por um familiar do executado, que com ele reside, por via do exercício de um direito de remição.”. (Apenas no sentido, a que aderimos, de que a prova documental inequívoca se cinge aos documentos autênticos ou de documentos particulares autenticados, reconhecidos ou apresentados em serviço público em data anterior à da penhora, pode ver-se Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código Processo Civil Anotado, Volume III, pág. 429 e acórdão da Relação de Lisboa de 4/6/2019, processo n.º 1370/09.0TTLSB-C.L1-4).
De todo o modo, ainda que se se seguisse a tese defendida por Rui Pinto de que o caráter inequívoco implica que o documento não seja impugnado ou contestado pela contraparte ou não suscite ao juiz dúvida razoável sobre a sua genuinidade (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, pág. 610), a verdade é que os documentos juntos se cingem à certidão do assento de óbito de alguém que no requerimento inicial dos embargos de executado se diz ser o pai do Executado e uma cópia do rosto de uma caderneta da Banco 2... e cópia de parte de extrato que será dessa conta, constando como data de abertura da conta a mesma do falecimento da pessoa em causa. Ora, ainda que tal documentação não fosse impugnada, por si, como é óbvio, não teria a virtualidade de provar que o Executado que figura como titular da conta bancária em causa não é titular das importâncias aí depositadas e que as mesmas adviriam do seu falecido pai e da sua mãe que diz o executado que nem sequer faz parte da conta em causa.
Não existe, pois, em qualquer caso, sequer a alegação e junção de algo que possa vir a ser configurado prova documental inequívoca, antes pelo contrário, sendo que no incidente em causa não é admissível qualquer outro tipo de prova (cfr. António Abrantes Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª edição, 2025, pág. 155).
Ou seja, também o incidente de oposição à penhora nos termos do art. 764.º, n.º 3 do Código de Processo Civil merecia rejeição liminar.
Assim sendo, não é admissível com o apontado fundamento deduzir oposição à penhora nos termos do art. 784.º do Código de Processo Civil. E também falece em absoluto o pressuposto basilar vertido no art. 764.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, não devendo tal pretensão sequer ser tramitada e admitida em tais termos.
Assim, também nesta parte, dever ser confirmada a decisão recorrida.
Improcede, assim, totalmente a apelação.
As custas serão suportadas pelos apelantes (art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão apelada.
Custas pelos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
*
Guimarães, 10 de julho de 2025

Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Paula Ribas
Segunda Adjunta: Elisabete Coelho Moura Alves