Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5/23.3PTGMR-A.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
INDICAÇÃO DE NOVA MORADA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
IRREGULARIDADE
SANAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A mera circunstância da arguida ter indicado no inquérito, no âmbito de um interrogatório, um domicílio diferente daquele que tinha indicado para efeitos da medida de coação de Termo de Identidade e Residência (TIR), não constitui a alteração da morada que escolheu especificamente para o efeito de ser notificada mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, do CPP (art. 196º, nº 2 e 3 al. c), do CPP).
2. Se o expediente de notificação postal da acusação vier a ser remetido para aquele novo domicílio indicado no interrogatório, não tem aplicação o disposto no nº 6 do art. 283º, do CPP, porquanto não estamos perante um caso de notificação da acusação em que a comunicação foi regularmente efetuada, uma vez que a arguida não alterou a residência ou domicílio que indicou no TIR.
3. Uma vez transitada em julgado a decisão que considerou verificada a irregularidade processual da omissão da notificação da acusação aos arguidos, o processo deve ser devolvido aos serviços do Ministério Público para efeito de realização dos atos processuais omitidos.
4. Tal solução não infringe a autonomia do Ministério Público e a estrutura acusatória do processo criminal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

No âmbito do processo comum n.º 5/23.3PTGMR, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, foi proferido despacho judicial, datado de 06.02.2025, em que se decidiu (transcrição parcial):

“Questão Prévia:
O Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida AA em 10.07.2024.
Tal acusação pública foi notificada à arguida AA através de notificação por via postal simples com prova de depósito (cfr. notificação expedida em 15.09.2024), sendo que a arguida prestou TIR em 12.01.2023.
Do referido TIR prestado pela arguida, consta como morada indicada para efeitos de notificação mediante via postal simples a Rua ..., ... Guimarães.
E a notificação, por via postal simples, com prova de depósito, da acusação deduzida, foi dirigida para a morada Rua ..., ... Guimarães.
 Isto é, numa morada diferente da constante do TIR.
(…)”
Tal irregularidade pode ser conhecida no despacho a que alude o art.º 311.º do CPP, e tem de ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o ato imperfeito - Ac. da RP de 20/02/2008, proferido no processo n.º 0840059, pela relatora Maria Elisa Marques; Ac. da RL de 27/01/1998, proferido no processo n.º 0054405, pelo relator Granja da Fonseca, ambos in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
Nestes termos, julgo verificada a apontada irregularidade processual e, em consequência, determino a remessa do processo à 2.ª Secção do DIAP de Guimarães, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição.
Notifique.”
*
Inconformado com esta decisão, o Ministério Público recorreu da mesma, tendo concluído a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
(…)
«III – Conclusões.
1.ª) Nos presentes autos, em 10/7/2024, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA.
2.ª) Os autos foram remetidos à distribuição, para julgamento, sendo que, no despacho de saneamento do processo proferido a 6/2/2025 (ref.ª ...18) e como questão prévia, o Tribunal a quo julgou verificada a irregularidade da notificação da acusação efetuada à arguida e determinou a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público (2.ª Secção do DIAP de Guimarães), com vista ao seu suprimento, nos seguintes termos (síntese):
“O Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida AA em 10.07.2024.
Tal acusação pública foi notificada à arguida AA através de notificação por via postal simples com prova de depósito (cfr. notificação expedida em 15.09.2024), sendo que a arguida prestou TIR em 12.01.2023.
Do referido TIR prestado pela arguida, consta como morada indicada para efeitos de notificação mediante via postal simples a Rua ..., ... Guimarães.
E a notificação, por via postal simples, com prova de depósito, da acusação deduzida, foi dirigida para a morada Rua ..., ... Guimarães.
Isto é, numa morada diferente da constante do TIR.
Ora,
Nos termos do art.º 277.º n.º 4 alínea a) do CPP, ex vi do n.º 5 do art.º 283.º do mesmo diploma legal, as comunicações, designadamente do despacho de acusação, efetuam-se por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, exceto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º, do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
[…]
Compulsados os autos, constata-se, como se disse, que a arguida prestou TIR em 12.01.2023, tendo indicado uma morada e, depois, foi notificada, por via postal simples com prova de depósito numa outra morada diferente daquela que consta no TIR, levando, por isso, à conclusão de que a notificação que lhe foi efetuada não tem qualquer valor e/ou eficácia, pelo que só podemos considerar que a arguida não se mostra notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público.
Daí que consideramos que a arguida não se mostra validamente notificada da acusação deduzida.
O art.º 283.º n.º 5 do CPP apenas permite o prosseguimento dos autos quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes, o que não é o caso. Estabelece o art.º 123.º do CPP que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (n.º 1).
Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.” (n.º 2).
A forma incorreta da notificação da acusação à arguida constitui uma irregularidade suscetível de afetar o valor dos atos praticados em momento subsequente, na medida em poderá privar a arguida de requerer a abertura da instrução, se for esse o seu propósito ou de exercer outros direitos inerentes à fase processual em que se encontrava o processo. Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2015, que diz entre o mais que “não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal.”.
Tal irregularidade pode ser conhecida no despacho a que alude o art.º 311.º do CPP, e tem de ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o atoimperfeito - Ac. da RP de 20/02/2008, proferido no processo n.º 0840059, pelarelatora Maria Elisa Marques; Ac. da RL de 27/01/1998, proferido no processo n.º 0054405, pelo relator Granja da Fonseca, ambos in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
Nestes termos, julgo verificada a apontada irregularidade processual e, em consequência, determino a remessa do processo à 2.ª Secção do DIAP de Guimarães, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição.
Notifique.”
3.ª) É deste despacho judicial, proferido a 6/2/2025 (ref.ª ...18), de que se recorre.
4.ª) A arguida prestou TIR a 12/1/2023, tendo indicado como morada a “Rua ..., ... Guimarães” (cf. fls. 15).
5.ª) Porém, no âmbito do seu interrogatório não judicial, ocorrido no dia seguinte, a arguida indicou como morada a “Rua ...., ... Guimarães” (cf. fls. 23 a 25).
6.ª) Determina o artigo 283.º, n.º 6, do Código de Processo Penal que a notificação do despacho de acusação efetua-se mediante contacto pessoal ou por via postal registada, exceto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º.
7.ª) Foi o que sucedeu no caso em apreço, pois, no decurso do inquérito, no âmbito do seu interrogatório não judicial, a arguida indicou uma morada diversa daquela que havia indicado no TIR (alterou o andar de ... para ...), tendo sido notificada por via postal simples com prova de depósito para a morada que indicou em último lugar, ou seja, no seu interrogatório não judicial (cf. fls. 37 e 39).
8.ª) A notificação do despacho de acusação efetuada à arguida obedeceu ao disposto no artigo 283.º, n.º 6, parte final, e 196.º, nºs 2 e 3, alínea c), parte final, e 113.º, nºs 1, alínea c), e 10 do Código de Processo Penal, não padecendo de qualquer irregularidade.
9.ª) Assim, ao ter decidido como o fez, o Tribunal a quo violou o disposto nos citados preceitos legais, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra receba a acusação deduzida, nos termos do disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores termos do processo. Para o caso de assim não se entender e se julgar verificada a irregularidade da notificação, dir-se-á o seguinte:
10.ª) Aceita-se que o juiz de julgamento pode conhecer oficiosamente a irregularidade da notificação do despacho de acusação e ordenar a sua reparação, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que tal omissão pode vir a afetar a validade de todos os atos processuais posteriores.
11.ª) Porém, a reparação da irregularidade deve ser levada a cabo pela própria secção judicial, não sendo legalmente admissível ordenar a devolução/remessa dos autos ao Ministério Público para esse fim, sob pena de violação dos princípios do acusatório, da independência e da autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz.
12.ª) A jurisprudência é maioritária neste sentido, destacando-se a título meramente exemplificativo a seguinte (mais recente):
• o Acórdão proferido em 28/1/2025 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo n.º 1239/21.0T9GMR-A, não publicado, onde se fez constar o seguinte:
“[…] Cumpre somente apreciar se, declarada pelo Tribunal recorrido a mencionada irregularidade processual, devia ser tentada a sanação da mesma por determinação da Mma. Juíza, ordenando-se à Secção de Processos que, nos termos legais, procedesse à notificação da acusação à arguida e do direito que lhe assiste de requerer a abertura de instrução, no prazo legal, sem prejuízo de, concomitantemente, receber a acusação, notificando-se igualmente a arguida para contestar, querendo, no prazo legal (cf. arts. 311º e 313º-A, ambos do CPP, este último aditado pela Lei nº 94/2021, de 21.12), ou, ao invés, como se entendeu no despacho recorrido, deve tal irregularidade ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o ato imperfeito.
Não obstante a querela jurisprudencial existente a propósito desta questão, como disso dá nota a decisão recorrida, e da ponderosa argumentação desenvolvida pela jurisprudência que se pronunciou no sentido ali defendido, propendemos para adotar o entendimento largamente maioritário da mais recente jurisprudência portuguesa e, por certo, quase unânime deste Tribunal da Relação de Guimarães, de que, nestes casos, a reparação da irregularidade detetada aquando do saneamento do processo, no âmbito do disposto no art. 311º, nº1, do CPP, deve ser efetuada pelos serviços do tribunal recorrido mediante determinação do juiz para o efeito vertida no despacho que declare essa invalidade.
Consideramos que a solução contrária, adotada no impugnado despacho, afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público, consagrados nos arts. 32º, nº5 e 219º, nº2, da Constituição da República Portuguesa. […]
Cumpre ainda objetar à fundamentação aduzida na decisão recorrida na parte em que se escuda na alegada competência do Ministério Público para o ato de notificação da acusação, nos termos do art. 283º, nº5, 1ª parte, do CPP, e de decorrer da segunda parte deste normativo e do disposto no art. 336º, nº3, do mesmo diploma legal, que só é excecionalmente permitida a remessa do processo para julgamento se se frustrarem tentativas idóneas de proceder à notificação da acusação ao arguido.
Salvo o devido respeito, tal entendimento funda-se numa errada ideia de exclusiva competência do Ministério Público para notificar a acusação por si deduzida aos sujeitos processuais, olvidando que a partir do momento que deduz o libelo acusatório mostra-se encerrada a fase de inquérito, cujo termo não fica legalmente dependente da concretização da sua notificação. É o que ressuma das disposições conjugadas dos arts. 276º, nº1, e 283º, nº1, ambos do CPP.
Não colhe, para o efeito, a asserção artificiosa de que não tendo sido recebida a acusação no âmbito do art. 311º do CPP – como sucedeu in casu –, “o processo está num limbo entre a fase de inquérito e a fase de julgamento”.
Não está não. Está na fase de julgamento e, reitera-se, o juiz que preside a esta fase tem poderes legais para determinar o suprimento da irregularidade decorrente da inválida notificação da acusação à arguida, mediante o encetar de novas diligências tendentes a essa perfectibilizada notificação.
O argumento em contrário é vicioso e reversível, porquanto é precisamente a (in)validade do ato do julgador de não ter recebido a acusação, como julgamos que devia ter feito, que está em discussão nos autos.
Ademais, nos termos do art. 123º, nº1, do CPP, a irregularidade detetada só gera a  invalidade dos atos subsequentes que não possam ser aproveitados, e entre eles não cremos que se conte, sem mais, forçosamente, a distribuição do processo para julgamento, uma vez que tal ato se pode manter, caso a arguida, notificada que seja da acusação, não utilize a faculdade de requerer a abertura de instrução. Somente no caso deste direito legal ser exercido pela arguida é que os autos terão de retroceder à fase de instrução, presidida pela Juiz de Instrução e já não por outra entidade com independência e autonomia funcional face à magistratura judicial. […]”
(negrito nosso)
• a Decisão Sumária proferida a 23/1/2025 no Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 373/22.4T9GMR-A.G1, não publicada, onde se fez constar o seguinte:
“ […] face à redação do nº 2 do art. 123º do C.P.Penal entendemos que é de considerar que a possibilidade aí mencionada de “ordenar-se oficiosamente a reparação” apenas poderá significar que a autoridade judiciária que detetar a irregularidade pode tomar a iniciativa de a reparar, determinando que os respetivos serviços diligenciem nesse sentido.
Na sustentação desta argumentação assume particular importância o princípio da economia processual, entendido como a proibição da prática de atos inúteis baseado no interesse da realização da justiça material, o qual tem de reger a atuação do tribunal.
Por outro lado, não podemos descurar que a devolução dos autos ao Ministério Público, tendo em vista a reparação da irregularidade, contém implícita uma ordem quando o inquérito se mostra encerrado e estão em causa duas fases processuais autónomas (a do inquérito e a do julgamento, dirigidas respetivamente por autoridades judiciárias distintas e autónomas). Ora, o tribunal não tem poder para determinar que o Ministério Público repare a irregularidade (o que poderá consubstanciar a violação dos princípios do acusatório e da independência do Ministério Público - arts. 32º, nº 5 e 219º, nº 2 da CRP e art. 3º, nº 1 da Lei nº 68/2019, de 27.08), inexistindo qualquer dever de obediência institucional do Ministério Público para com o Juiz.
Assim sendo, numa perspetiva de concordância prática entre os princípios estruturantes do processo penal, por referência às normas que regem a matéria, aos interesses de celeridade e de normalização processual que se pretendem repor e às finalidades de realização da Justiça que devem imperar, sufragamos o entendimento (maioritário na jurisprudência e prevalecente neste Tribunal da Relação de Guimarães) que sustenta que cabe ao juiz - que recebe os autos provindos dos serviços do Ministério Público e que conhece oficiosamente da irregularidade - determinar a sua reparação pela secção de processos que lhe está afeta. Desta forma, evita-se a anulação de atos já praticados e que contendem com princípios estruturantes do processo penal, como seja, ao ser anulado o ato de distribuição (com a subsequente remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para estes repararem a irregularidade da notificação), o princípio do juiz natural. […]”
• a Decisão Sumária proferida em 6/5/2024 no Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 1694/21.9T9GMR-B, mas não publicada, onde se fez constar o seguinte:
“ […] Uma vez declarado inválido, o ato irregular deverá ser, se possível, devidamente reparado. A declaração de irregularidade e a consequente destruição do processado deverá ordenar, sempre que possível e necessário, a repetição do ato irregular, assim repondo integralmente a legalidade processual penal, cfr. João Conde Correia, ob. cit. pág. 1298.
No caso vertente, a Exma. Senhora Juíza, no despacho a que se refere o artigo 311º do CPP, como questão prévia, tendo constatado a irregularidade da notificação da acusação ao arguido, em virtude de lapso na descrição da morada constante do TIR (número da porta e do respetivo código postal), decidiu conhecer oficiosamente de tal questão. Porém, e como consequência, determinou a “….remessa do processo aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes“. E, logo a seguir, clarificou, dizendo “, julgo verificada a apontada irregularidade processual e, em consequência, determino a remessa do processo à 2.ª Secção do DIAP de Guimarães, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição”, (sublinhado nosso).
A dita irregularidade da notificação da acusação ao arguido foi conhecida ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CPP (expressamente invocado no despacho recorrido), o qual estabelece que “Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado”.
Segundo a interpretação que fazemos desta norma na sua aplicação ao caso em apreço, constatando a irregularidade da notificação da acusação ao arguido, o juiz oficiosamente deve declarar a irregularidade, e ordenar a sua reparação.
Quanto mais não fosse, por razões de economia e celeridade processuais, ao invés de ordenar a remessa do processo aos serviços do Ministério Público para suprimento da irregularidade e mandar dar baixa na distribuição, impunha-se que a Exma. Senhora Juíza tivesse, desde logo, providenciado pela reparação da irregularidade, ordenando à secção judicial na sua dependência que procedesse à notificação da acusação ao arguido. O interesse da realização da Justiça e da proibição de atos inúteis assim o exigia, sem mais delongas.
Mas, não tendo assim sucedido, a verdade é que foi declarada, pelo juiz de julgamento, a irregularidade da notificação da acusação ao arguido ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CPP, numa altura em que naturalmente o processo havia transitado dos Serviços do Ministério Público para o Tribunal. Ou seja, quando o processo já se encontrava pendente em tribunal para julgamento.
Assim, tendo o juiz de julgamento conhecido e declarado a irregularidade ao abrigo do referido dispositivo legal, no momento do saneamento do processo, ou seja, da prolação do despacho a que alude o artigo 311º do CPP, tinha igualmente o juiz competência para proceder à sua reparação (que é um dever), procedendo, naturalmente através da respetiva seção judicial, à notificação da acusação ao arguido na morada correta, até porque daí não resultava que o processo tivesse de regressar à fase de inquérito.
Por isso, uma vez remetido o processo para julgamento, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 123º, nº 2 e 311º, nº 1, ambos do CPP, é ao juiz de julgamento, e já não ao Ministério Público, que compete conhecer e reparar a irregularidade da notificação da acusação ao arguido.
A ordem do juiz de julgamento de remessa do processo aos Serviços do Ministério Público com vista ao suprimento da dita irregularidade não tem suporte legal, pois não existe norma e/ ou princípio que a preveja e, consequentemente, a permita. E, para além disso, esse procedimento contém claramente uma ordem dirigida ao Ministério Público, a qual é violadora dos princípios da autonomia e da independência do Ministério Público, inexistindo qualquer dever de obediência institucional do Ministério Público à Magistratura Judicial, cfr. artigo 219º, nº 2 da CRP e artigo 3º, nº 1 do Estatuto do Ministério Público. […] (sublinhados nossos)
13.ª) A decisão recorrida, no segmento em que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para suprimento da irregularidade, violou o disposto no artigo 123.º, n.º 2, e 311.º, ambos do Código de Processo Penal.
14.ª ) Assim, caso se julgue verificada a apontada irregularidade, a decisão recorrida deverá ser revogada na parte em que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público e, em consequência, deverá ser substituída por outra que receba a acusação, nos termos do disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, notificando-se ainda a arguida, conjuntamente, da acusação contra ela deduzida, em conformidade com o preceituado no artigo 311.º-A, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
*
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida em 6/2/2025 pelo Tribunal a quo, assim se fazendo JUSTIÇA.»
*
Foi proferido despacho de admissão do recurso, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
*
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a Digníssima Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.
*
Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, e não foi apresentada qualquer resposta.
*
Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO.
Como é pacífico (Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelos recorrentes, a única questão suscitada no recurso prende-se com:

- devolução do processo aos serviços do Ministério Público para efeito de reparação das irregularidades processuais verificadas na notificação da acusação.

Apreciação
A decisão recorrida apresenta o seguinte teor (transcrição):
“(…)
« Questão Prévia:
O Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida AA em 10.07.2024.
Tal acusação pública foi notificada à arguida AA através de notificação por via postal simples com prova de depósito (cfr. notificação expedida em 15.09.2024), sendo que a arguida prestou TIR em 12.01.2023.
Do referido TIR prestado pela arguida, consta como morada indicada para efeitos de notificação mediante via postal simples a Rua ..., ... Guimarães.
E a notificação, por via postal simples, com prova de depósito, da acusação deduzida, foi dirigida para a morada Rua ..., ... Guimarães.
 Isto é, numa morada diferente da constante do TIR.
Ora,
Nos termos do art.º 277.º n.º 4 alínea a) do CPP, ex vi do n.º 5 do art.º 283.º do mesmo diploma legal, as comunicações, designadamente do despacho de acusação, efetuam-se por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, exceto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º, do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Nos termos do art.º 113.º n.º 10 do CPP “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, oprazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”.
Também de acordo com o art.º 277.º n.º 3, ex vi do 283.º, n.º 5 do CPP, ambos do CPP, a acusação deve ser notificada ao arguido e respetivo defensor ou advogado.
Compulsados os autos, constata-se, como se disse, que a arguida prestou TIR em 12.01.2023, tendo indicado uma morada e, depois, foi notificada, por via postal simples com prova de depósito numa outra morada diferente daquela que consta no TIR, levando, por isso, à conclusão de que a notificação que lhe foi efetuada não tem qualquer valor e/ou eficácia, pelo que só podemos considerar que a arguida não se mostra notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público.
Daí que consideramos que a arguida não se mostra validamente notificada da acusação deduzida.
O art.º 283.º n.º 5 do CPP apenas permite o prosseguimento dos autos quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes, o que não é o caso.
Estabelece o art.º 123.º do CPP que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (n.º 1). Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.” (n.º 2).
A forma incorreta da notificação da acusação à arguida constitui uma irregularidade suscetível de afetar o valor dos atos praticados em momento subsequente, na medida em poderá privar a arguida de requerer a abertura da instrução, se for esse o seu propósito ou de exercer outros direitos inerentes à fase processual em que se encontrava o processo. Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2015, que diz entre o mais que “não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal.”.
Tal irregularidade pode ser conhecida no despacho a que alude o art.º 311.º do CPP, e tem de ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o ato imperfeito - Ac. da RP de 20/02/2008, proferido no processo n.º 0840059, pela relatora Maria Elisa Marques; Ac. da RL de 27/01/1998, proferido no processo n.º 0054405, pelo relator Granja da Fonseca, ambos in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
Nestes termos, julgo verificada a apontada irregularidade processual e, em consequência, determino a remessa do processo à 2.ª Secção do DIAP de Guimarães, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição.
Notifique.”»
*
2. A devolução do processo aos serviços do Ministério Público para efeito de reparação das irregularidades processuais verificadas na notificação da acusação

2.1. No saneamento judicial do processo a que alude o art. 311.º do Código de Processo Penal, o tribunal a quo entendeu estar verificada a irregularidade processual da omissão da notificação da acusação pública deduzida contra a arguida AA e, por via disso, entendeu que o processo teria de ser devolvido aos serviços do Ministério Público, para efeito de reparação da irregularidade processual verificada na notificação da acusação, o que determinou.
O Digno recorrente começa por colocar em crise a existência da referida irregularidade processual, e, para além disso, a existir tal irregularidade não se conforma com o regresso do processo aos serviços do Ministério Público para efeito de regularização do processado. Manifestando o entendimento que tal irregularidade deve ser sanada pelo secção de processos do próprio tribunal e que nada obsta a que os autos avancem posteriormente para o recebimento da acusação e para o julgamento sem necessidade de regressarem aos serviços do Ministério Público.

Vejamos.
Desde logo, cumpre averiguar a questão prévia subjacente ao diferendo do caso vertente, se assiste razão ao subscritor do despacho recorrido no que se refere à existência da irregularidade relativamente à notificação da arguida.
Para tanto, necessário se mostra fazer um apanhado das incidências processuais verificadas anteriormente à remessa do processo à distribuição.
Compulsados os autos verificamos o seguinte:
 Na sequência de uma participação dimanada da Divisão Policial de Guimarães, do Comando Distrital de Braga da Polícia de Segurança Pública, datada de 13/01/2023, dando conta da detenção, no dia anterior, da arguida AA, por condução sem habilitação legal, que na mesma data deu entrada nos serviços do Ministério Público de Guimarães DIAP 2º secção, Refs: ...28 e ...46 – foi instaurado processo sumário, com o NUIPC 5/23.3PTGMR, contra aquela arguida, por suspeita da prática do crime de condução de veículo na via pública sem habilitação legal.
No dia da detenção 12/01/2023, no órgão de polícia criminal que procedeu à autuação e participação, foi aquela AA constituída arguida e sujeita a termo de identidade e residência, tendo em ambas as situações indicado como residência/morada “Rua ..., Guimarães” com indicação de código postal ... Guimarães, para efeito de notificações. Ref: ...28. Para além de ter sido notificado para comparecer no tribunal, no dia 13/01/2023 (por manifesto lapso ficou a constar do ofício o ano de 2022), pelas 9,30h.
No dia 13/01/2023, pelas 11 horas, foi a arguida sujeita a interrogatório sumário de arguido detido – art. 382º do CPP, levado a cabo nos serviços do Ministério Público do Tribunal de Guimarães, no decurso do qual indicou como domicílio a “Rua ...., ... Guimarães”, tendo no mesmo ato processual sido proposta à arguida a suspensão provisória do processo pelo período de 6 (seis) meses, sob as seguintes condições: a) Inscrever-se numa escola de condução; b) Frequentar o número de 28 aulas teóricas de código; c) Juntar aos autos, uma vez decorrido o prazo supra mencionado os respetivos comprovativos, o que foi feito após lhe ter sido explicado o significado dessa medida e as consequências do incumprimento das condições que lhe forem impostas.
Tendo a arguida manifestado concordar e aceitar na íntegra as injunções e regras de conduta propostas. Ref: ...52
O Juiz de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz 2, no dia 19/01/2023, proferiu despacho:
«Uma vez que, in casu, estão preenchidos todos os requisitos explanados no artigo 281.º, do Código de Processo Penal, e que a lei faz depender a aplicação da suspensão provisória do processo, damos a nossa anuência à sua aplicação nos presentes autos.»
Pelo facto da arguida não ter cumprido as injunções que lhe foram determinadas durante o prazo em que o processo esteve provisoriamente suspenso, o Ministério Público determinou o prosseguimento dos autos, nos termos do disposto no artigo 282.º, n.º4, alínea a), do Código de Processo Penal, e deduziu despacho de acusação contra arguida, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime, p.p. pelo artº 3º, nº 1 do D.L. nº. 2/98 de 3.01, com referência ao artº. 121º, no. 1 do C.E. - Ref: ...21.
Na sequência do qual foi expedido ofício para notificação, por via postal simples, com data de 15/09/2024, de que foi proferido despacho de acusação, foi nomeado defensor ofícios e para, no prazo de vinte dias, querendo, requerer a abertura da instrução.
Esse ofício postal foi enviado para Rua ....- ... ... ... - Guimarães. -Ref: ...72
Este ofício de notificação foi depositado no “Receptáculo Postal Domiciliário” dessa morada, no dia 19/11/2024. – tendo a prova de depósito dado entrada na 2ª secção do DIAP de Guimarães no dia 21/11/2024. - Ref:...27
Na sequência da entrega dessa prova de depósito, em 03/02/2025, foram os autos remetidos à distribuição. Ref: ...58.
           
Feita esta resenha sobre as incidências processuais ocorridas ao longo do inquérito constatamos o seguinte:

A arguida prestou termo de identidade e residência no dia 12/01/2023, quando presente no órgão de polícia criminal que procedeu à autuação e participação, tendo indicado como residência/morada “Rua ..., ... Guimarães”.
No dia seguinte, na fase preliminar do processo sumário foi sujeita a interrogatório sumário de arguido detido, nas instalações do Ministério Público DIAP - 2ª secção de Guimarães, nos termos e para os efeitos dos arts. 382º, nº 2, e 384º, do CPP, a mesma arguida indicou como domicílio “Rua ..., ... Guimarães”.
Tendo sido para cumprimento nesta última morada/residência que, após proferido o despacho de acusação, foi enviada a notificação, por via postal simples, da arguida, o que foi feito através do envio do respetivo ofício/carta, cuja prova de depósito foi remetida ao expedidor.

Vejamos.

Prescreve o artigo 113.º do CPP
“Regras gerais sobre notificações
1 — As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o
admitir.
2 — Por sua vez, o n.º 9 do mesmo artigo 113.º refere:
«As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações, respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.»
 (…)”

Por sua vez, prevê o “Artigo 196.º
Termo de identidade e residência
1 — A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2 — Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 — Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; (…)”

“Artigo 283.º
Acusação pelo Ministério Público
1 –
(…)”
5 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º, prosseguindo o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes.
6 - As comunicações a que se refere o número anterior efectuam-se mediante contacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º

“Artigo 277.º
Arquivamento do inquérito
1 -
(…)”
3 - O despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado. (…)”
Das normas acabadas de citar extrai-se que a acusação deve ser notificada ao advogado ou defensor nomeado e pessoalmente ao arguido, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP, salvo se a notificação pessoal se revelar inviável, por ser desconhecido o seu paradeiro ou sendo conhecido, aí não vier a ser encontrado, em que valerá, para todos os efeitos legais, a notificação por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados — artigo 113.º, n.ºs 1, alínea b), e 10, do CPP.
A arguida prestou Termo de Identidade e Residência, tendo indicado como residência a Rua ..., ... Guimarães.
Pelo facto de no âmbito do seu interrogatório sumário de arguido detido levado a cabo nos serviços do Ministério Público do Tribunal de Guimarães, no dia 13/01/2023, ter ficado a constar como domicílio da arguida a “Rua ...., ... Guimarães”, foi para última morada/residência, tida como a correspondente ao domicílio da arguida, que a notificação em causa foi expedida por via postal simples, com observância dos procedimentos previstos no nº 3 do art. 113º do CPP, nomeadamente o distribuidor do serviço postal lavrou uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Sendo este um procedimento essencial para se garantir não só a cognoscibilidade por parte do destinatário do ato notificado, mas também a segurança na contagem dos prazos, é uma forma de notificação que está expressamente prevista para o ato no art. 283º nº 6, preceito que prevê uma exceção; “excepto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.ºdo CPP”, ou seja, notificação por via postal simples.
Como já referimos, face às especificidades do caso vertente, designadamente pelo facto de ter ficado a constar uma outra residência diferente da que tinha sido indicada no TIR prestado no dia anterior, enveredou-se pela notificação da arguida naquela morada que ficou a constar no auto de interrogatório aludido, presumindo-se como a que corresponderá ao efetivo domicílio para efeito do recebimento da correspondência respeitante ao processo em questão.
Ou seja, no processo ficou a constar o domicílio que a arguida terá dado conhecimento nesse interrogatório, e assumiu-se que essa nova morada corresponde a uma alteração da residência  indicada no TIR, nos termos previstos no art. 196º, nº 2 e 3 al. c), do CPP.
Afigura-se-nos, porém, que não tem aplicação no caso concreto o disposto no nº 6 do art. 283º, do CPP, porquanto não estamos perante um caso de notificação da acusação em que a comunicação foi regularmente efetuada, uma vez que a arguida não alterou a residência ou domicílio que indicou no TIR que prestou, aquela que escolheu como a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial que elaborou o auto de notícia, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, do CPP. Sendo certo que essa norma prevê que o arguido indique a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
Ora, desse TIR ficou a constar também, para além de tudo o mais previsto nas demais alíneas do nº 3, que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, “exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento” – cfr. alínea c) do nº 3 do art. 196º, do CPP.
Mas, quando foi ouvida pela autoridade judiciária em sede de inquérito, a arguida não alterou a residência ou domicilio que escolheu no TIR, nada constando dessa diligência que possa conduzir a tal conclusão, não tendo sido feita qualquer alusão nesse sentido, nem apresentado qualquer requerimento ou forma de comunicação de onde se extraia qualquer alteração para aquele efeito.
Concluindo, o domicílio escolhido pela arguida para efeitos de ser notificada dos atos processuais por via postal simples não foi alterado. Daí que o aviso postal simples em causa nos autos, em conformidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, do mesmo diploma legal, não poderia ter sido remetido para essa residência feita constar no auto de interrogatório levado a cabo nos serviços do Ministério Público, mas sim para a que foi indicada no TIR para esse efeito.
Esta situação, que apenas à arguida, ou aos serviços que procederam à notificação, pode ser imputável, obsta ao prosseguimento do processo, porquanto aquela não poderá ser considerada regularmente notificada, não tendo aqui aplicação, contrariamente ao aventado pelo recorrente, o disposto nos artigos 283º, nºs 5 e 6 e 277º, nº 3, do CPP.
Verificamos, pois, perante este conjunto de circunstâncias e diligências processuais encetadas no sentido de notificar a arguida do despacho de acusação contra si proferido, que a mesma não foi devidamente notificada, por o aviso postal remetido para o efeito não ter sido depositado no domicílio que para tanto escolheu quando prestou o Termo de Identidade e Residência, e que, repetimos, não modificou.
Pelo que, se nos afigura manifesto de que, contrariamente ao entendimento expresso pelo recorrente, verifica-se a invocada irregularidade que fundamentou a devolução do processo ao Ministério Público, para que aí fosse suprida.
E, assim sendo, não restaria outra solução ao Sr.º Juiz subscritor do despacho recorrido do que devolver o processo aos serviços do Ministério Público por esse motivo, porquanto se verifica o pressuposto de ordem processual que fundamentou essa devolução, ou seja, por se verificar a aventada irregularidade.

E, aqui chegados, cumpre então analisar a bondade, e legalidade, dessa devolução.
Esta questão tem sido alvo de dissidências na nossa jurisprudência dos tribunais superiores, que se tem debruçado sobre a mesma nos dois sentidos em oposição na situação vertente.

Efetivamente, é conhecida a jurisprudência avançada nas alegações de recurso a sustentar a posição do recorrente por referência a invalidades processuais cometidas durante a fase de inquérito e detetadas nas fases de instrução ou de julgamento, nomeadamente:
- Decisão Sumária, não publicada, TRG, Processo n.º 1694/21.9T9GMR-B,
- Acórdão do TRG, Processo n.º 262/21.0PCBRG.G1;
Acórdão do TRG, Processo n.º 754/19.0T9BRG.G1;
- Acórdão do TRG, Processo n.º 275/19.1GDGMR.G1;
- Acórdão do TRG, Processo n.º 823/12.8PBGMR.G1;
- Acórdão do TRG, Processo n.º 972/17.6T9GMR-A.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt;
Podendo ainda acrescentar-se:
- Ac. STJ 27-04-2006, p. 06P1403 8;
- Ac. TRL 21-11-2013, p. 304/11;
- Ac. TRG 06-02-2017, p. 540/14;
- Ac. TRL 08-09-2020, p. 3275/18, disponíveis no mesmo sítio da internet.
Mas também é conhecida jurisprudência no mesmo sentido da decisão recorrida, nomeadamente os aí citados:
- Ac. TRP, nº 0343640, de 10.12.2003;
- Ac. TRP, nº 0840059, de 20-02-2008;
- Ac. TRE, nº1140/12.9TDEVR-A.E1, de 05.05.2015;
- Ac. TRE, nº 1036/12.4GCFAR.E1, de 21.10.2014;
- Ac. TRE de 22.11.2018, nº 20/15.0IDFAR-A.E1;
- Ac. TRE de 26.10.2023, nº 3126/22.6T9FAR.E1;
- Ac. TRL de 25.07.2018, nº 123/16.4PGOER.L1-3);
- Ac. TRG nº 91/15.0GCGMR, de 20.02.2017;
- Ac.TRL, de 23.02.2023, processo n.º 169/20.8IDSTB.L1-9; todos disponíveis em www.dgsi.pt;
Podendo ainda acrescentar-se:
- Ac. TRG 05-11-2007 (CJ, XXXII, 5, p. 287);
- Ac. TRE 08-04-2014, p. 650/12; disponíveis no mesmo sítio da internet.
Acrescentando-se, ainda, o recente acórdão deste TRG, de 08/10/2024, Processo n.º 324/22.6PBBRG.G1, relatado por Paulo Almeida Cunha, que subscrevi na qualidade de primeiro adjunto, que aqui transcrevo.
“Mais recentemente, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Abril de 2023,  relatado pela Des. Madalena Caldeira, proc. n.º 1155/21, disponível em www.dgsi.pt, foi decidido no mesmo sentido da decisão recorrida com a seguinte fundamentação que se passa a transcrever:
“(…)
3. Saber se é de revogar o despacho recorrido por o tribunal não poder dar ordens ao Ministério Público, em violação da autonomia e independência deste.
Considera o Recorrente que, a admitir-se a irregularidade da notificação e o seu conhecimento oficioso, a reparação da irregularidade deve ser realizada pelo juiz (neste caso do julgamento), por ter sido quem declarou o ato irregular.
A jurisprudência tem-se dividido sobre saber se verificada a inexistência ou uma irregularidade da notificação da acusação, detetada no momento do art.º 311º, do CPP, é legítimo ao juiz a quem foi distribuído o processo para a fase do julgamento devolver o mesmo ao Ministério Público para, querendo, proceder à reparação do seu erro.

No sentido de que nada impede a restituição do processo ao Ministério Público podemos citar alguns acórdãos, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25 de julho de 2018, processo 123/16.4PGOER.L1-3, relatado por Conceição Gonçalves, em cujo sumário se lê:
“I. A omissão de notificação da acusação constitui irregularidade cuja reparação pode ser conhecida oficiosamente, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, afetando tal omissão o ato em si, de conhecimento da acusação, nos termos previstos no art.º 123º, nº 2 do CPP.
II.- Dispõe o nº 5 do art.º 283º do CPP, por remissão para o nº 3 do art.º 277º do mesmo diploma, a obrigatoriedade de o Ministério Público notificar a acusação ao arguido e ao seu defensor, tendo a obrigação legal de tudo fazer para notificar o arguido.
III.- O legislador só admitiu a possibilidade de o processo transitar para a fase de julgamento sem o arguido ser notificado da acusação na situação prevista no nº 5 do art.º 283º do CPP, ou seja, “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes”.
IV.- A devolução dos autos ao Ministério Público para reparação da irregularidade por omissão de notificação da acusação, na situação em que se não mostram preenchidos os pressupostos do nº 5 do art.º 283º do CPP, em nada contende com a estrutura acusatória do processo.”

O  acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de maio de 2015, em que é relatora Leonor Botelho, assim sumariado:
“I.- A autoridade judiciária competente para notificar a acusação é o MºPº.
 II.- Se detectada, pelo juiz, no momento do art.º 311º do CPP, uma ilegalidade consistente na notificação irregular da acusação ao arguido, deve o juiz providenciar pela sua reparação, podendo ordenar a devolução dos autos ao MºPº para que proceda à sua notificação.
III.- Esta prática não viola o acusatório e não interfere com a autonomia do MºPº, pois do que se trata é de viabilizar que o MºPº supra a irregularidade que cometeu e diligencie pela notificação da sua acusação, autonomamente elaborada.”
E ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 08.04.2014, processo 650/12.2PBFAR-A.E1, relatado por João Gomes de Sousa, cujo sumário, na parte mais relevante, reza assim:
I - A acusação deve ser notificada ao arguido, não só pelo que se prevê no art.º 113º, n.º 10, do CPP, mas porque é uma exigência de um due process, de um processo justo, enquanto direito pessoal do arguido que não se basta com a mera notificação do seu defensor -art. 6.º. n.º 3, alínea a), da Convenção dos Direitos do homem.
II – (…)
III – Se a notificação da acusação não se pode considerar validamente efetuada, estamos face a uma irregularidade de conhecimento oficioso, que o juiz do julgamento deve conhecer no momento do cumprimento do art.º 311º, do Código, na vertente do saneamento do processo.
IV – Não é indiferente a fase do processo em que o arguido é notificado da acusação, nem a entidade que procede a essa notificação.
V- A jurisprudência tem uma função de “deterrence example” ou efeito dissuasor sobre condutas processuais inadequadas.”
Não descartando a corrente jurisprudencial que se pronuncia em sentido contrário, acima indicada, a nossa posição vai no sentido da também aí apontada e assumida na decisão recorrida.

As razões que em que nos suportamos para seguir esta posição são aquelas que ficaram exaradas no acórdão deste TRG que subscrevemos, e sufragamos:
“Primeiro porque a competência para a notificação da acusação é do Ministério Público, como se afere do disposto no art.º 283º, n.º 5, 1ª parte, do CPP.
Segundo porque o legislador só admitiu o envio do processo para a fase de julgamento sem que a fase das notificações da acusação esteja completa “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes” (art.º 283º, n.º 5, 2ª parte, do CPP), o que supõe a existência de procedimentos de notificação idóneos a cumprir com a sua função, o que não foi manifestamente o caso nos autos. Na decorrência, o legislador só previu a possibilidade de a notificação da acusação ser realizada na fase de julgamento na situação excecional prevista no art.º 336º, n.º 3, do CPP.
Terceiro, porque a invalidade do procedimento de notificação da acusação, mesmo se qualificada como uma irregularidade de conhecimento oficioso, acarreta a invalidade dos atos a jusante (dos termos subsequentes), nomeadamente do ato de distribuição do processo para julgamento (art.º 123º, n.º 1, do CPP).
Quarto, porque, não tendo sido recebida a acusação no âmbito do art.º 311º, do CPP, o processo está num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento.
Quinto, e último, porque não é indiferente para o arguido ser notificado da acusação num momento em que o processo está em fase de inquérito, ou num momento em que o processo está já em fase de julgamento.
A título exemplificativo, não é indiferente para um arguido poder eventualmente invocar no inquérito irregularidades, que até poderão ser reparadas pelo Ministério Público, ou não ter a possibilidade de o fazer depois de o processo ter transitado intempestivamente para a fase do julgamento.
Também não é indiferente a um arguido (ou poderá não ser) ver o processo encerrado por exemplo por desistência de queixa (quando possível, naturalmente) quando ainda está na esfera do Ministério Público, ou quando já transitou para a fase de julgamento.
Parafraseando João Gomes de Sousa no citado acórdão 650/12.2PBFAR-A.E1:
“Não é indiferente a fase do processo em que o arguido é notificado da acusação. É certo que em qualquer fase ele pode requerer a realização da instrução, mas isso é uma abstracção. Pode concretizar-se com facilidade para o arguido que sabe ou tem facilidade de contratar quem saiba. Não para o comum cidadão que não sabe e/ou não tem facilidade de contratar quem saiba em tempo útil. E que tenderá a considerar que a marcação do julgamento é uma realidade inultrapassável. (…) Mas aqui também não é indiferente o arguido ser notificado pelo Ministério Público que o acusa ou pelo juiz de um tribunal que o vai julgar. O cidadão/ã que recebe a notificação não será uma abstracção sabedora, será um cidadão normal com dificuldade em perceber a notificação e seus efeitos”.
E nem se diga que o tribunal recorrido ao devolver o processo à fase de inquérito deu ordens ao Ministério Público, violando por esta via a sua autonomia e independência, pois que o tribunal recorrido limitou-se a não receber os autos, devido à existência de um vício processual que impede a apreciação do mérito da causa, e a determinar o seu reenvio ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes, cabendo ao mesmo proceder da forma que melhor entender.
Ou seja, a decisão recorrida não se imiscuiu no poder de direção do inquérito, nem violou o princípio do acusatório ou a autonomia do Ministério Público, limitou-se a reconhecer a existência de um vício num ato processual cuja prática é da competência do Ministério Público e que impede o prosseguimento dos autos em vista do conhecimento do respetivo mérito.
A defesa, aliás intransigente, da estrutura acusatória (em contraponto com a inquisitória) do processo penal e da autonomia do Ministério público não se pode confundir com a aceitação da desoneração de competências que a este cabem, em desrespeito do estrito ritual processual previsto.
Aceitar como “normal”, no sentido de normalizar, a remessa para a fase de julgamento de inquéritos onde foi proferida acusação e onde os arguidos não se mostram notificados da acusação fora dos casos previstos no art.º 283º, n.º 5, 2ª parte, do CPP, encerra outro risco, o da banalização do incumprimento dos devidos trâmites legais do processo penal, nos momentos definidos legalmente para o efeito, simplificação de procedimentos que o legislador não previu e não quis.
A celeridade processual muitas vezes invocada para justificar a reparação já na fase de julgamento da notificação da acusação inválida ou inexistente e que deveria ter sido praticada validamente em sede de inquérito promove, na outra face da moeda, a banalização do envio para a fase de julgamento de inquéritos acusados fora das circunstâncias previstas legalmente.
Permitimo-nos, com muito respeito, citar de novo João Gomes de Sousa, no sentido de que “à jurisprudência cabe também uma função de dissuasão de condutas processuais inadequadas, sob pena de as mesmas se tornarem aceitáveis, apesar de ilegais, e dos prejuízos e/ou inconvenientes que possam acarretar para os sujeitos processuais, mormente para os arguidos”.
Nesta conformidade, nenhuma censura se pode fazer ao despacho recorrido quando determinou o reenvio dos autos ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
            (…)”.
Ainda a respeito das invocadas violações da autonomia do Ministério Público e a estrutura acusatória do processo criminal, o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de Maio de 2015,  relatado pela então Des. Ana Brito – e não pela Des. Leonor Botelho, a qual intervém como Adjunta -, proc. n.º 1140/12, disponível em www.dgsi.pt, apresenta a seguinte fundamentação que se passa a transcrever:
“(…)
Mais argumenta ainda o recorrente que a decisão em crise afecta a estrutura acusatória do processo e o princípio da autonomia do MP, e viola também o art. 219º da CRP.
Do preceito constitucional invocado resulta que “compete ao MP exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade”, gozando de “autonomia nos termos da lei”.
Com todo o respeito por posição contrária, não se vê que a posição adotada na decisão recorrida colida com o preceito constitucional invocado, pois ela não afeta a autonomia do MP.
A estrutura acusatória do processo pressupõe a existência de uma identidade investigadora e acusadora, por um lado, e de uma entidade julgadora, pelo outro.
É ao MP que compete presidir e dirigir o inquérito, investigando autonomamente a existência de um crime, determinando quem foram os seus agentes e a responsabilidade que lhes cabe, pronunciando-se a final, e deduzindo acusação quando for caso disso.
Compete-lhe a promoção do processo, a direção do inquérito, a elaboração da acusação. Nestas matérias o juiz não pode intervir e, concretamente, não resulta que nelas se tenha realmente imiscuído.
No caso presente, todos os poderes do MP se mostram exercidos de forma autónoma, sem quebra da separação funcional e institucional entre o Ministério Público e o julgador.
Do que se trata é apenas de viabilizar ao MP que supra a irregularidade que cometeu, diligenciando pela notificação da sua acusação, decisão que elaborou autonomamente
Como se refere no acórdão do TRE de 21-10-2014 (Rel. Carlos Berguete) “ver no despacho recorrido a violação da autonomia do Ministério Público constitui, salvo melhor opinião, um preconceito sem sentido, uma vez que, ao ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público, mais não fez do que acolher essa autonomia, em questão que se prende com a estrita observância das formalidades legais (a notificação da acusação), a que o Ministério Público está sujeito (art. 1.º da Lei n.º 47/86), e não relativa a acto de inquérito que contenda com as finalidades deste previstas no art. 262.º do CPP.
(…) Razões de celeridade e de economia processual não servem, também, para o infirmar, atenta a notória facilidade com que o procedimento omitido pode ser efectuado e sem delongas, mormente em detrimento da decisão de interpor recurso” (no caso presente, o recurso foi interposto há um ano e só agora chegou às mãos da Relatora, para decisão).
E remata-se: “Mediante o despacho sob censura, apenas se tratou de facultar a sanação do vício pela autoridade judiciária que no mesmo incorreu, sem que a sua interpretação, que foi fundamentada, contenda com a estrutura acusatória do processo e a autonomia do recorrente.
Sem prejuízo da merecida consideração pelo seu estatuto, não se configura que lhe assista razão válida para ter enveredado por atribuir ao despacho a natureza de uma ordem e de efeito para além daquele que ao mesmo ficou subjacente.”
A jurisprudência acabada de transcrever – aliás, expressamente identificada e seguida pela decisão recorrida – é totalmente transponível para o caso dos autos e não se vislumbra qualquer razão para a afastar no presente recurso.
Pelas razões ali também avançadas, e tal como tem vindo a ser nosso entendimento, também aqui se entende que a decisão recorrida não belisca nenhuma das normas constitucionais e infraconstitucionais citadas no recurso, mormente a autonomia do Ministério Público e a estrutura acusatória do processo criminal.
Uma vez transitada em julgado a decisão que considerou verificada a irregularidade processual da omissão da notificação da acusação aos arguidos, o processo deve ser devolvido aos serviços do Ministério Público para efeito de realização dos atos processuais omitidos.
Sufragando esta posição e linha jurisprudencial, e sem vislumbrarmos que mais se possa acrescentar a tudo o que foi citado e transcrito, resta-nos afirmar  que bem andou o Sr.º Juiz subscritor do despacho recorrido em ter devolvido o processo aos serviços do Ministério Público por esse motivo, porquanto se verifica o pressuposto de ordem processual que fundamentava essa devolução, ou seja, por se verificar a invocada irregularidade.
*
Concluindo, o recurso interposto pelo Ministério Público é improcedente e, consequentemente, manter-se-á a decisão recorrida.
*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se o despacho recorrido.
           
Sem custas.
           
Notifique
(Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto pelos subscritores) 
*
Guimarães, 10 de julho de 2025

Os Juízes Desembargadores
Relator - Júlio Pinto
1º Adjunto – Paulo Almeida Cunha
2ª Adjunta – Paula Albuquerque